segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Comentários ao Código Penal Tipicidade dos Crimes – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 

Comentários ao Código Penal
Tipicidade dos Crimes
– VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral –Título II - Do Crime

 

Teoria do delito

 

Faz-se de suma importância, uma explanação geral do que seja a tipicidade do crime, como tão bem apreciado por Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao Título II – Do Crime no CP, p. 26-40, antes de se dar prosseguimento à sequência dos artigos decodificadores penalmente.

 

A Teoria do delito tem a finalidade de identificar os elementos que integram a infração penal, criando um roteiro a ser obrigatoriamente seguido pelos aplicadores do direito, que, por meio dele, poderão concluir ou não pela existência da infração penal.

 

Embora o crime seja insuscetível de fragmentação, pois é um todo unitário, (Francisco Bueno Anis, dissertando sobre o conceito unitário do crime, diz, com acerto: “Penso que a Escola penalista nazista de Kíel tinha razão em um ponto: que o delito é um ente unitário, não fracionável em partes, perceptível peio intelecto de maneira global, anda que, para compreender melhor sua essência, seja didático explicar sucessivamente seus diversos caracteres" (La ciencla dei derecho penal - Un modelo de inseguridad jurídica, p. 67).

 

Para efeitos de estudo, faz-se necessária a análise de cada uma de suas características ou elementos fundamentais, isto é, o fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade. Podemos dizer que cada um desses elementos, na ordem em que foram apresentados, é um antecedente lógico e necessário à apreciação do elemento seguinte. Welzel, dissertando sobre o tema, diz:

 

“A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são três elementos que convertem uma ação em um delito. A culpabilidade - a responsabilidade pessoal por um fato antijurídico – pressupõe a antijuridicidade do fato, do mesmo modo que a antijuridicidade, por sua vez, tem de estar concretizada em tipos legais. A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade estão relacionadas logicamente de tal modo que cada elemento posterior do delito pressupõe o anterior”.  (WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p, 57).

 

Distinção entre crimes/delitos e as contravenções penais - Não existe diferença substancial entre um crime (que significa o mesmo que delito) e uma contravenção penal. O legislador, mediante critério político criminal, ao proibir determinado comportamento sob ameaça de sanção de natureza penal, é que fará a opção, de acordo com a gravidade do fato.

 

Como, na verdade, é a pena cominada em abstrato que dita essa gravidade, o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal {Decreto-Lei n° 3.914, de 9 de dezembro de 1941) criou um critério de distinção entre o crime e a contravenção penal, dizendo: Art. 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

 

A quebra do critério de distinção pela Lei nº 11.343/2006 - Embora o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal nos forneça um critério para a distinção entre crime e contravenção penal, essa regra foi quebrada pela Lei nº 11.343/2006, haja vista que, ao cominar, no preceito secundário do seu art. 28, as penas relativas ao delito de consumo de drogas, não fez previsão de qualquer pena privativa de liberdade (reclusão, detenção ou prisão simples), tampouco da pena pecuniária (multa).

 

Assim, analisando o mencionado art. 28, como podemos saber se estamos diante de um crime ou de uma contravenção penal? A saída será levar a efeito uma interpretação sistêmica do artigo, que está inserido no Capítulo III, que diz respeito aos crimes e às penas. Assim, de acordo com a redação constante do aludido capítulo, devemos concluir que o consumo de drogas faz parte do rol dos crimes, não se tratando, pois, de contravenção penal.

 

O art. 1º da LICP — que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5a, XLVI e XLVII) (STF, RE-QO 430105/RJ, Min. Sepúlveda Pertence, 1ª T., DJ 27/4/2007, p. 69).

 

Luiz Flávio Gomes, no entanto, dissertando contrariamente à posição por nós defendida, aduz que “a posse de droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração sui generis. Não se trata de ‘crime’ nem de ‘contravenção penal' porque somente foram cominadas penas alternativas, abandonando-se a pena de prisão. Adotava- se no Brasil o sistema bipartido, que significava o seguinte: infração penal é um gênero que comportava duas espécies, que são o crime ou o delito e as contravenções penais. Agora temos um sistema tripartido: crime ou delito, contravenções penais e infração sui generis". (GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice; CUNHA Rogério Sanches: OLIVEIRA. William Terra de. Nova lei de drogas comentada, p. 110).

 

Conceito de crime - No Brasil, não existe um conceito legal de crime, ficando esse conceito a cargo da doutrina. Embora a Lei de Introdução ao Código Penal nos forneça um critério de distinção entre o crime e a contravenção penal, pela leitura do seu art. 1º não conseguimos destacar os elementos ou características indispensáveis ao conceito de infração penal. Esse, na verdade, é um conceito que veio evoluindo ao longo dos anos, sendo que várias teorias surgiram com a finalidade de explicá-lo.

 

Conceitos formal e material de crime - Não foram poucos os doutrinadores que, durante anos, tentaram fornecer esse conceito de delito. Interessa-nos, no momento, refletir somente sobre aqueles mais difundidos. Assim, mesmo que de maneira breve, faremos a análise dos seguintes conceitos: a) formal; b) material.

 

“Conceito definitorial de delito - segundo a teoria do labeling approach (ou teoria do etiquetamento). Para esta teoria, o delito carece de consistência material (ou ontológica), mas, mais do que isso, são os processos de reação social - é dizer, o controle social mesmo - que criam a conduta desviada, ou seja, a conduta não é desviada em si (qualidade negativa inerente à conduta), mas em razão dum processo social - arbitrário e discriminatório - de reação e seleção. O delito (comportamento desviado, por excelência) é, em consequência, uma etiqueta, que se associa a certas pessoas, sobretudo em razão do seu status social (do delinquente) e da vítima, da repercussão social, das suas consequências, da reação das partes envolvidas etc.” (QUEIROZ, Paulo de Sousa. Direito PenaI - Introdução crítica, p. 95-96). BETTIOL, Giuseppe. Direito penal, v. I, p. 209.

 

Conforme os ensinamentos de Bettiol, “duas concepções opostas se embatem entre si com a finalidade de conceituar o crime: uma, de caráter formal, outra, de caráter substancial. A primeira atém-se ao crime, subespécie iuris, no sentido de considerar o crime ‘todo o fato humano, proibido pela lei penal’. A segunda, por sua vez, supera este formalismo considerando o crime ‘todo o fato humano lesivo de um interesse capaz de comprometer as condições de existência, de conservação e de desenvolvimento da sociedade’”. (BETTIOL, Giuseppe. Direito penal, v. I, p. 209).

 

Sob o aspecto formal, crime seria toda conduta que atentasse, que colidisse frontalmente contra a lei penal editada pelo Estado. Considerando-se seu aspecto material, conceituamos o crime como aquela conduta que viola os bens jurídicos mais importantes. Na verdade, os conceitos: formal e material não traduzem com precisão o que seja crime.

 

Conceito analítico de crime - O conceito analítico do crime, procura, como sua própria denominação sugere, analisar os elementos ou características que integram a infração penal, permitindo ao intérprete, após sua averiguação, concluir ou não pela sua prática. Assis Toledo, discorrendo sobre o tema, esclarece que, “substancialmente, o crime é um fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos (jurídico-penais) protegidos. Essa definição é, porém, insuficiente para a dogmática penal, que necessita de outra mais analítica, apta a pôr à mostra os aspectos essenciais ou os elementos estruturais do conceito de crime. E dentre as várias definições analíticas que têm sido propostas por importantes penalistas, parece-nos mais aceitável a que considera as três notas fundamentais do fato-crime, a saber: ação típica (tipicidade), ilícita ou antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade). O crime, nessa concepção que adotamos, é, pois, ação típica, ilícita e culpável". (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 80).

 

Elementos que integram o conceito analítico de crime - Segundo a maioria dos doutrinadores, para que se possa falar em crime é preciso que o agente tenha praticado uma ação típica, ilícita e culpável. Alguns autores, a exemplo de Mezger e, entre nós, Basileu Garcia, sustentam que a punibilidade também integra tal conceito, sendo o crime, pois, uma ação típica, ilícita, culpável e punível. Estamos com Juarez Tavares, (TAVARES, Juarez. Teorias do delito, p. 1) que assevera a punibilidade não fazer parte do delito, sendo somente sua consequência.

A função do conceito analítico (Conforme esclarece Cezar Roberto Bitencourt, “a elaboração do conceito analítico começou com Carmignani (1833), embora encontre antecedentes em Declano (1551) e Bohemero (1732). Para Carmignani, a ação delituosa compor-se-ia do concurso de uma força física e de uma força moral. Na força física estaria a ação executora do dano material do delito, e na força moral situar-se-ia a culpabilidade e o dano moral do delito. Essa construção levou ao sistema bipartido do conceito clássico de crime, dividido em aspectos objetivo e subjetivo. A construção do conceito analítico do delito, no entanto, veio a completar-se com a contribuição decisiva de Beling (1906), com à introdução do elemento tipicidade. Embora a inicialmente confusa e obscura definição desses elementos estruturais, que se depuraram ao longo do tempo, o conceito analítico, predominante, passou a definir o crime como a ação típica, antijurídica e culpável” (BITENCOURT, Cezar Roberto; MUNOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 22), é a de analisar todos os elementos ou características que integram o conceito de infração penal sem que com isso se queira fragmentá-lo.

 

O crime é, certamente, um todo unitário e indivisível. Ou o agente comete o delito (fato típico, ilícito e culpável) ou o fato por ele praticado será considerado um indiferente penal. O estudo estratificado ou analítico permite-nos, com clareza, verificar a existência ou não da infração penal; daí sua importância.

 

Adotamos, portanto, de acordo com essa visão analítica, o conceito de crime como o fato típico, ilícito e culpável. O fato típico, segundo uma visão finalista, é composto dos seguintes elementos: a) conduta dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva; b) resultado; c) nexo de causalidade entre a conduta e o resultado; d) tipicidade (formal e conglobante).

 

A ilicitude, termo sinônimo de antijuridicidade, é aquela relação de contrariedade, de antagonismo, que se estabelece entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. A licitude ou a juridicidade da conduta praticada é encontrada por exclusão, ou seja, somente será lícita a conduta se o agente houver atuado amparado por uma das causas excludentes da ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal. Além das causas legais de exclusão da antijuridicidade, a doutrina ainda faz menção a outra, de natureza supralegal, qual seja, o consentimento do ofendido. Contudo, para que possa ter o condão de excluir a ilicitude, é preciso, quanto ao consentimento: a) que o ofendido tenha capacidade para consentir; b) que o bem sobre o qual recaia a conduta do agente seja disponível; c) que o consentimento tenha sido dado anteriormente, ou pelo menos numa relação de simultaneidade à conduta do agente. Ausente um desses requisitos, o consentimento do ofendido não poderá afastar a ilicitude do fato.

 

Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta ilícita do agente. São elementos integrantes da culpabilidade, de acordo com a concepção finalista por nós assumida:

a) imputabilidade; b) potencial consciência sobre a ilicitude do fato; c) exigibilidade de conduta diversa.

 

Assim, em precisa conceituação de Zaffaroni, “delito é uma conduta humana individualizada mediante um dispositivo legal (tipo) que revela sua proibição (típica), que por não estar permitida por nenhum preceito jurídico (causa de justificação) é contrária ao ordenamento jurídico (antijurídica) e que, por ser exigível do autor que atuasse de outra maneira nessa circunstância, lhe é reprovável (culpável)”. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penaI - Parte general, p. 324).

 

Zaffaroni e Píerangeli (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro), querendo, figurativamente, demonstrar o conceito analítico de crime, o comparam a uma rocha. Aduzem que para que a rocha possa ser estudada com mais detalhes pelos geólogos é preciso que seja cortada em estratos, sem que com isso fique descaracterizada. Trazendo essa lição para o Direito Penal, surge, tomando empréstimo da geologia, o chamado conceito estratificado de crime, que quer dizer o mesmo que conceito analítico. Asseveram os autores que o crime é composto pelos seguintes estratos: ação típica, ilicitude e culpabilidade.

 

Munoz Conde acrescenta, ainda, mais uma característica ao conceito analítico do crime, qual seja, a punibilidade. Para o renomado professor espanhol, a infração penal é, portanto, definida analiticamente como uma ação ou omissão típica, antijurídica, culpável e punível. (BITENCOURT, Cezar Roberto; MUNOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 5).

 

Há autores, no entanto, a exemplo de Damásio (JESUS, Damásio E. de. Direito penal - Parte geral, p. 34), Dotti (DOTTi, René Ariei. Curso de direito penal - Parte geral, p. 335-339, Mirabete (MIRABETE, Júlio Fabbrini - Manual de direito penal - Parte gerai, p. 94), e Delmanto (DELMANTO, Celso. Código penal comentado, p. 18-19), que entendem que o crime, sob o aspecto formal, é um fato típico e antijurídico, sendo que a culpabilidade é um pressuposto para a aplicação da pena.

 

Conduta - A ação, ou conduta, compreende qualquer comportamento humano comissivo (positivo) ou omissivo (negativo), podendo ser ainda dolosa (quando o agente quer ou assume o risco de produzir o resultado) ou culposa (quando o agente infringe o seu dever de cuidado, atuando com negligência, imprudência ou imperícia).

 

Conduta praticada por pessoa jurídica - A prática de uma infração penal pressupõe, necessariamente, uma conduta humana. Logo, a imputação penal às pessoas jurídicas, carecedoras de capacidade de ação, bem como de culpabilidade, é inviável em razão da impossibilidade de praticarem um injusto penal (STJ, EDcl no REsp. 622724/SC, Rel. Min. Felix Fischer, 5a T., DJ 29/8/2005, p. 385).

 

Responsabilidade penal da pessoa jurídica (Sistema ou teoria da dupla imputação) - Não é possível que haja a responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (STJ, R H C24239/ES, Rel. Min. Og Fernandes, & T„ DJe, P/7/2010).

 

Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que ‘não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio’ Cf. Resp. na 564960/SC, Rel. Min. Gilson Dipp, 5a T., DJ de 13/6/2005 (Precedentes) (STJ, REsp. 889528/SC, Rel. Min. Felix Fischer, 52 T., DJ 18/6/2007, p. 303).

 

Criminal - Crime ambiental praticado por pessoa jurídica. Responsabilização penal do ente coletivo. Possibilidade. Previsão constitucional regulamentada por lei federal. Opção política do Legislador. Forma de prevenção de danos ao meio ambiente. Capacidade de ação. Existência jurídica. Atuação dos administradores em nome e proveito da pessoa jurídica. Culpabilidade como responsabilidade social. Corresponsabilidade. Penas adaptadas à natureza jurídica do ente coletivo. Recurso provido. I - Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado, juntamente com dois administradores, foi denunciada por crime ambiental, consubstanciado em causar poluição em leito de um rio, através de lançamento de resíduos, tais como graxas, óleo, lodo, areia e produtos químicos, resultantes da atividade do estabelecimento comercial. II - A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio ambiente. III – A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial. IV - A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. V - Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. VI – A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. VII - A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. VIII - De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado’ IX - A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A coparticipação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade. X - A Lei ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas/de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. XI - Não há ofensa ao princípio constitucional de que ‘nenhuma pena passará da pessoa do condenado pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física - que de qualquer forma contribui para a prática do delito - e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. XII - A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade, para figurar no polo passivo da relação processual-penal. XIII – Recurso provido, nos termos do voto do Relator (STJ, REsp. 564960/SC; REsp. 2003/0107368-4, Rel. Min. Gilson Dipp; 5a T., DJ 13/6/2005, p. 331; R D R 34, p. 419).

 

Conceito de ação - causal, final e social: Segundo a concepção causalista, devemos analisar o conceito de ação em dois momentos diferentes. O primeiro, proposto inicialmente pela teoria clássica, no sistema causal-naturalista criado por Liszt e Beling, diz ser a ação o movimento humano voluntário produtor de uma modificação no mundo exterior. Nas palavras de Franz von Liszt, "ação é, pois, o fato que repousa sobre a vontade humana, a mudança do mundo exterior referível à vontade do homem. Sem ato de vontade não há ação, não há injusto, não há crime: cogitationis poenam nemo patítur. Mas também não há ação, não há injusto, não há crime sem uma mudança operada no mundo exterior, sem um resultado”. (VON USZT, Franz. Tratado de direito penal alemão, t.1, p. 193).

 

A concepção clássica recebeu inúmeras críticas no que diz respeito ao conceito de ação por ela proposto, puramente natural, uma vez que, embora conseguisse explicar a ação em sentido estrito, não conseguia solucionar o problema da omissão.

 

Ainda de acordo com a concepção causalista, mas, agora, num momento posterior, segundo a teoria neoclássica, a ação, nas lições de Paz Aguado, “deixa de ser absolutamente natural para estar inspirada de um certo sentido normativo que permita a compreensão tanto da ação em sentido estrito (positiva) como a omissão. Agora a ação se define como o comportamento humano voluntário manifestado no mundo exterior”. (CUESTA AGUADO, Paz Mercedes de La. Tipicidad e imputación objetiva, p. 48.) Com o finalismo de Welzel, (WELZEL, Hans, Derecho penal alemán, p. 39), a ação passou a ser concebida como o exercício de uma atividade final. (“O ponto de partida do modelo final de ação é a distinção entre fato natural e ação humana: o fato natural é fenômeno determinado peia causalidade, um produto mecânico de relações causais cegas; a ação humana é acontecimento dirigido pela vontade consciente do fim. Na ação humana, a vontade é a energia produtora da ação, enquanto a consciência do fim é sua direção inteligente: a finalidade dirige a causalidade para configurar o futuro conforme o plano do autor” (SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p. 15). É a ação, portanto, um comportamento humano voluntário, dirigido a uma finalidade qualquer. O homem, quando atua; seja fazendo ou deixando de fazer alguma coisa a que estava obrigado, dirige a sua conduta sempre à determinada finalidade, que pode ser ilícita (quando atua com dolo, por exemplo, querendo praticar qualquer conduta proibida pela lei penal) ou lícita (quando não quer cometer delito algum, mas que, por negligência, imprudência ou imperícia, causa um resultado lesivo, previsto pela lei penal).

De acordo com a teoria social da ação, conforme preleciona Daniela de Freitas Marques, “o conceito jurídico de comportamento humano é toda atividade humana social e juridicamente relevante, segundo os padrões axiológicos de uma determinada época, dominada ou dominável pela vontade”. (MARQUES, Daniela de Freitas. Elementos subjetivos do injusto, p. 67). Ou, ainda, segundo as palavras de Johannes Wessels, um dos maiores defensores dessa teoria, “o conceito de ação, comum a todas as formas de conduta, reside na relevância social da ação ou da omissão. Interpreta a ação como fator estruturante conforme o sentido da realidade social, com todos os seus aspectos pessoais, finalistas, causais e normativos”. (WESSELS, Johannes. Derecho penal - Parte general, p. 23-24.22).

 

Ausência de conduta - A ação regida pela vontade é sempre uma ação final, isto é, dirigida à consecução de um fim. Se não houver vontade dirigida a uma finalidade qualquer, não se pode falar em conduta. Preleciona Zaffaroni: “A vontade implica sempre uma finalidade, porque não se concebe que haja vontade de nada ou vontade para nada; sempre a vontade é vontade de algo, quer dizer, sempre a vontade tem um conteúdo, que é uma finalidade”. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal - Parte general, p. 342-23).

 

Se o agente não atua dolosa ou culposamente, não há ação. Isso pode acontecer quando o sujeito se vir impedido de atuar, como nos casos de: a) força irresistível; b) movimentos reflexos;

c) estados de inconsciência.

 

Fases de realização da ação - Para que o agente possa alcançar sua finalidade, sua ação deve passar, necessariamente, por duas fases: interna e externa. (Tais fases dizem respeito à conduta dolosa).

 

A fase interna, na lição de Welzel, (WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 40), é aquela que transcorre na “esfera do pensamento” e é composta: a) pela representação e pela antecipação mental do resultado a ser alcançado; b) pela escolha dos meios a serem utilizados; c) pela consideração dos efeitos colaterais ou concomitantes à utilização dos meios escolhidos.

 

Na fase externa, o agente exterioriza tudo aquilo que havia arquitetado mentalmente, colocando em prática o plano criminoso, procedendo a uma realização no mundo exterior.

 

Tipo penal - Tipo, como a própria denominação induz, é o modelo, o padrão de conduta que o Estado, por meio de seu único instrumento - a lei - visa impedir que seja praticada, ou determina que seja levada a efeito por todos nós. A palavra tipo, na lição de Cirilo de Vargas, "constitui uma tradução livre do vocábulo Taibestand, empregada no texto do art. 59 do Código Penal alemão de 187, I, e provinda da expressão latina corpus delicti. O tipo, portanto, é a descrição precisa do comportamento humano, feita pela lei penal”. (É, também, a fattispecie, o fator típico ou simplesmente o fator do Direito Penal italiano, conforme assevera Sheila Selim. (WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 40).

 

Tipicidade penal - Tipicidade diz respeito à subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, isto é, a um tipo penal incriminador, ou, conforme preceitua Muñoz Conde, “é a adequação de um fato cometido à descrição que dele se faz na lei penal. Por imperativo do princípio da legalidade, em sua vertente do nullum crimen sine lege, só os fatos tipificados na lei penal como delitos podem ser considerados como tal”. (MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 41). Entretanto, esse conceito de simples acomodação do comportamento do agente ao tipo não é suficiente para que possamos concluir pela tipicidade penal, uma vez que esta é formada pela conjugação da tipicidade formal (ou legal) com a tipicidade conglobante.

Tipicidade formal - Mediante o conceito de tipicidade formal podemos verificar se o comportamento praticado pelo agente encontra moldura em alguma das figuras típicas previstas em nosso ordenamento jurídico-penal. Assim, por exemplo, na hipótese de o agente derrubar, culposamente, uma prateleira de cristais no interior de uma loja de departamentos, concluiríamos pela ausência de tipicidade formal, tendo em vista a falta de previsão legal para a conduta que, culposamente, vier a destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia.

Tipicidade conglobante - Para que ocorra a chamada tipicidade conglobante, devemos verificar se o comportamento formalmente típico praticado pelo agente é: a) antinormativo; b) materialmente típico. A tipicidade conglobante surge quando comprovado, no caso concreto, que a conduta praticada pelo agente é considerada antinormativa, i.é, contrária à norma penal, e não imposta ou fomentada por ela, bem como ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal (tipicidade material).

 

Explicando o conceito de antinormatividade, Zaffaroni e Pierangeli, exemplificando com o caso de um oficial de justiça que, cumprindo uma ordem de penhora e sequestro de um quadro, de propriedade de um devedor a quem se executa em processo regular, por seu legítimo credor, para a cobrança de um crédito vencido, aduzem: “A lógica mais elementar nos diz que o tipo não pode proibir o que o direito ordena e nem o que ele fomenta. Pode ocorrer que o tipo legal pareça incluir estes casos na tipicidade, como sucede com o do oficial de justiça, e, no entanto, quando penetramos um pouco mais no alcance da norma que está anteposta ao tipo, nos apercebemos que, interpretada como parte da ordem normativa, a conduta que se ajusta ao tipo legal não pode estar proibida, porque a própria ordem normativa a ordena e a incentiva”. (ZAFFARONI, E. Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 458). A tipicidade material, a seu turno, que integra o conceito de tipicidade conglobante, seria o critério por meio do qual se afere a importância do bem no caso concreto, sendo o lugar apropriado para a análise do chamado princípio da insignificância.

 

O princípio da insignificância como causa de atipicidade conglobante, afetando a tipicidade penal, diz com o ínfimo, o manifestamente irrelevante em sede de ofensa ao bem jurídico protegido (STJ, REsp. 457679/RS, Rel. Min. Felix Fischer, 5a T., DJ 4/8/ 2003, p. 368).

 

Adequação típica - Poderá ser compreendida como de subordinação imediata (direta) ou de subordinação mediata (indireta).

 

Adequação típica de subordinação imediata ou direta - Ocorrerá quando houver perfeita adequação entre a conduta do agente e o tipo penal incriminador. No homicídio, por exemplo, haverá essa adequação quando houver a morte da vítima. A partir daí, poderemos falar em adequação típica de subordinação imediata, pois a conduta do agente se amoldou diretamente ao tipo previsto no art. 121 do Código Penal. Se neste há descrição da conduta de “matar alguém” e se o agente causou a morte de seu semelhante, seu comportamento se subsume perfeitamente ao modelo abstrato previsto na lei penal (tipo). Adequação típica de subordinação mediata ou indireta – Pode acontecer ainda que, embora o agente atue com vontade de praticar a conduta proibida por determinado tipo incriminador, seu comportamento não consiga se adequar diretamente a essa figura típica. É o caso, por exemplo, da tentativa de homicídio. Se João, querendo causar a morte de Antônio, contra ele vier a descarregar toda a munição existente em sua arma e, mesmo assim, errar o alvo, sua conduta não se adequará imediatamente àquela descrita no art. 121 do Código Penal, uma vez que este exige o resultado morte da vítima.

 

Fases de evolução do tipo - Podemos destacar três fases na evolução do tipo. Inicialmente, o tipo possuía caráter puramente descritivo. Não havia sobre ele valoração alguma, servindo tão somente para descrever as condutas proibidas (comissivas ou omissivas) pela lei penal. Beling, citado por Cirilo de Vargas, dissertando sobre a evolução do conceito de tipo, diz que, “no primeiro momento, é concebida como descrição pura, sendo os fatos típicos conhecidos independentemente de juízos de valor”. (BELING apud Vargas, José Cirilo de. Do tipo penal, p. 21).

 

Na lição de Fragoso, “com a obra de Beling, Die Lehrevon Verbiechen, publicada em 1906, o conceito de Tatbestand, ou seja, o conceito de tipo, assumiu um significado técnico mais restrito. Para Beling o tipo não tem qualquer conteúdo valorativo, sendo meramente objetivo e descritivo, representando o lado exterior do delito, sem qualquer referência à antijuridicidade e à culpabilidade. Haveria no tipo, tão somente, uma delimitação descritiva de fatos relevantes penalmente, sem que isso envolvesse uma valoração jurídica dos mesmos”. (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Conduta punível, p. 117-118). Numa segunda fase, o tipo passou

a ter caráter indiciário da ilicitude. Isso quer dizer que quando o agente pratica um fato típico, provavelmente, esse fato também será antijurídico. A tipicidade de um comportamento, segundo Muñoz Conde, “não implica, pois, a sua antijuridicidade, senão apenas indício de que o comportamento pode ser antijurídico (função indiciária do tipo)”. (MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 43). O tipo, portanto, exercendo essa função indiciária, é considerado a ratio cognoscendi da antijuridicidade. Conforme preleciona Zaffaroni, “a tipicidade opera como um indício de antijuridicidade, como um desvalor provisório, que deve ser configurado ou desvirtuado mediante a comprovação de causas de justificação. Em razão disso é que Max Emst Mayer fazia um gráfico da relação entre a tipicidade e a antijuridicidade dizendo que ambas se comportavam como a fumaça e o fogo respectivamente, quer dizer que a fumaça (tipicidade) seria um indício do fogo (antijuridicidade) ”. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal - Parte general, p.387.33).

 

Na terceira fase, o tipo passou a ser a própria razão de ser da ilicitude, a sua ratio essendi. Não há que se falar em fato típico se a conduta praticada pelo agente for permitida pelo ordenamento jurídico. É como se houvesse uma fusão entre o fato típico e a antijuridicidade, de modo que, se afastássemos a licitude, estaríamos eliminando o próprio fato típico.

 

Pontán Balestra, analisando a teoria da ratio essendi, diz que para Mezger o tipo é “o injusto descrito concretamente pela lei em seus diversos artigos e a cuja realização vai ligada a sanção penal. E, ao tratar a tipicidade dentro do estudo da antijuridicidade, adota Mezger uma posição extrema com respeito à de Beling: o que atua tipicamente, diz, atua também antijuridicamente, enquanto não houver uma causa de exclusão do injusto. O tipo jurídico-penal que descreve dito atuar típico tem, portanto, a mais alta significação no referente a existência da antijuridicidade penalmente relevante da ação: é fundamento real e de validez (ratio essendi) da antijuridicidade”. (FONTÁN BALESTRA, Carlos. Misión de garantia deI derecho penal, p. 31 -32.34).

 

Teoria dos elementos negativos do tipo - Como consequência da adoção do conceito de ser o tipo a ratio essendi da antijuridicidade, surgiu a chamada teoria dos elementos negativos do tipo. Para essa teoria, em síntese, toda vez que não for ilícita a conduta do agente não haverá o próprio fato típico. É que, para ela, estando a antijuridicidade fazendo parte do tipo penal, se a conduta do agente for lícita em virtude da existência de uma causa de justificação, o fato deixará de ser típico. As causas de justificação, portanto, servem como elementos negativos do tipo, pois, se presentes no caso concreto, conduzirão à atipicidade do comportamento praticado pelo agente.

Classificação dos tipos penais - Tipo básico e tipos derivados.

 

Entende-se por tipo básico ou fundamentado o modelo mais simples da descrição da conduta proibida ou imposta pela lei penal. Com base nessa forma mais simples, surgem os chamados tipos derivados que, em virtude de determinadas circunstâncias, podem aumentar ou diminuir a reprimenda prevista no tipo básico. Os tipos derivados podem ser, portanto, qualificados ou privilegiados.

 

Os dados que compõem o tipo básico ou fundamental (inserido no caput) são elementares (essentialia delicti); aqueles que integram o acréscimo, estruturando o tipo derivado (qualificado ou privilegiado) são circunstâncias (accidentalia delicti) (STJ, REsp. 46781 O/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5a T„ DJ 19/12/2003 p. 576, RSTJ 175, p. 535).

 

Tipos normais e tipos anormais - Falava-se em tipos normais e anormais quando predominava, em nosso Direito Penal, a teoria causal, natural ou mecanicista da ação. Dizia-se que tipo ‘normal’ era aquele que continha apenas elementos objetivos (descritivos) e tipo anormal aquele que, além dos elementos objetivos, vinha impregnado de elementos subjetivos e normativos. Hoje em dia, tal distinção perdeu o sentido, já que em todos os tipos podemos visualizar, de acordo com uma concepção finalista, tanto os elementos subjetivos quanto os necessários elementos objetivos.

 

Tipos fechados e tipos abertos - Fechados são os tipos que possuem uma descrição completa, perfeita do comportamento que se quer proibir ou impor, a exemplo do que ocorre com o art. 155, caput, do Código Penal. Abertos são aqueles que a lei penal não descreve detalhadamente a conduta que se quer proibir ou impor, ficando esse trabalho de acomodação, entregue ao julgador, a exemplo do que ocorre, como regra, com os delitos culposos.

Tipo complexo - Fala-se em tipo complexo quando no tipo penal há o encontro de elementos objetivos com elementos de natureza subjetiva.

 

Tipo simples e tipo misto - Entende-se por tipo simples aquele em que o tipo penal prevê tão somente um único comportamento, vale dizer, um único núcleo, a exemplo do que ocorre com o delito de homicídio (art. 121 do CP). Tipo misto, ou multinuclear, é aquele em que há a previsão de mais de um comportamento, como é o caso do art. 28, da Lei n° 11.343/2006. Os tipos mistos são subdivididos em: mistos cumulativos (onde a prática de mais de uma conduta pelo agente importará no reconhecimento do concurso de crimes, como ocorre no art. 244 do Código Penal), e mistos alternativos (em que a prática de mais de um comportamento importará em crime único, como nas hipóteses constantes do caput do art. 180 do diploma repressivo).

 

Injusto penal (injusto típico) - Uma vez analisados o fato típico e a antijuridicidade e concluído que a conduta do agente é realmente típica e ilícita, dizemos que houve um injusto penal, ou, na lição de Ronaldo Tanus Madeira, “a valoração de uma ilicitude como um injusto processa-se no instante em que o julgador considera que o agente realizou uma conduta típica e não justificada”. (MADEIRA, Ronaldo Tanus. A estrutura jurídica da culpabilidade, p. 141).

 

Classificação doutrinária dos crimes - Crimes comissivos e crimes omissivos (próprios e impróprios): Nos crimes comissivos, o tipo penal prevê um comportamento positivo (art. 155 do CP); ao contrário, nos crimes omissivos próprios, a conduta prevista no núcleo do tipo é negativa (art. 135 do CP). No entanto, nos chamados crimes omissivos impróprios (comissivos por omissão ou omissivos qualificados), a conduta prevista no tipo penal é positiva, só que, em virtude da posição de garantidor de que o agente é investido, será praticada via omissão (art. 13, § 2ª, do CP).

 

Crime consumado e crime tentado - O art. 14 do Código Penal entende por consumado o crime quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal (inciso I), e tentado quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente (inciso Il).

 

Crime doloso e crime culposo - Nos termos do art. 18 do Código Penal, diz-se doloso o crime quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo (inciso I), e culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia (inciso II).

 

Crime impossível - Ocorre quando, em razão da utilização de um meio absolutamente ineficaz, ou em virtude da absoluta impropriedade do objeto, será impossível consumar-se o crime (art. 17 do CP).

 

Crime putativo - É o que só existe na imaginação do agente, sendo, na verdade, um fato considerado atípico, por ausência de previsão legal.

 

Crime material - É aquele cuja consumação depende da produção naturalística de um resultado (ex.: art. 121 do CP).

 

Crime formal - Também conhecido como delito de resultado cortado ou de consumação antecipada, é aquele, em que o legislador antecipa a consumação ao momento da prática da conduta prevista pelo núcleo do tipo, não se exigindo a produção naturalística do resultado (ex.: art. 159 do CP).

 

Crime de mera conduta - Como a própria denominação induz, não prevê qualquer produção naturalística de resultado no tipo penal. Narra, tão somente, o comportamento que se quer proibir ou impor, não fazendo menção ao resultado material, tampouco exigindo sua produção (ex.: art. 150 do CP).

 

Crime comum - É o que pode ser praticado por qualquer pessoa (ex.: art. 121 do CP).

 

Crime próprio - É aquele cujo tipo penai exige uma qualidade ou condição especial dos sujeitos ativos ou passivos (ex.: art. 123 do CP).

 

Crime de mão própria - É aquele cuja execução é intransferível, indelegável, devendo ser levado a efeito pelo próprio agente, isto é, “com suas próprias mãos”, para entendermos literalmente o seu significado. São infrações penais consideradas personalíssimas, que somente determinadas pessoas, e mais ninguém, pode praticá-las (ex.: art. 342 do CP).

 

Crimes hediondos - São os previstos como tal peia Lei nº 8.072/90.

 

Crimes militares próprios e impróprios - São próprios os crimes militares quando a previsão do comportamento incriminado somente encontra moldura no Código Penal Militar, não havendo previsão de punição do mesmo comportamento em outras leis penais (ex.: art. 203 do CPM).

 

Impróprios são aqueles - crimes previstos na legislação castrense, que também se encontram no Código Penal ou em leis especiais (ex.: furto ou lesões corporais).

 

Crimes qualificados pelo resultado - Quando o agente atua com dolo na conduta e dolo quanto ao resultado qualificador (ex.: art. 129, § 1º, do CP), ou dolo na conduta e culpa no que diz respeito ao resultado qualificador (ex.: art. 129, § 3º, do CP).

 

Crime preterdoloso - Quando o agente atua com dolo na conduta e culpa com relação ao resultado (ex.: art. 129, § 3º, do CP).

 

Crime continuado - Ocorre quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro (art. 71 do CP).

 

Crime multitudinário - É o cometido por uma multidão delinquente, geralmente, numa situação de tumulto.

 

A jurisprudência do STF vem se orientando no sentido de que é admitida a narração genérica dos fatos, sem discriminação da conduta específica de cada denunciado (CPP, art. 41), quando se trata de crime multitudinário, eis que só a instrução pode esclarecer quem concorreu, participou ou ficou alheio à situação ilícita ou ao resultado com ela obtido (TJMG, AC 1.0024. 03.022840-7/001, Rel. Des. Eduardo Brum, DJ 1V8/2006).

 

Nos crimes multitudinários, ou de autoria coletiva, a denúncia pode narrar genericamente a participação de cada agente, cuja conduta específica é apurada no curso do processo. A exigência de indicação na denúncia de ‘todas as circunstâncias do fato criminoso’ (CPP, art. 41) vem sendo mitigada pelos pretórios quando se trata de crime de autoria coletiva, desde que se permita o exercício do direito de defesa. Precedente (STF, HC 78937/MG, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª T., DJ 29/8/2003, p. 34).

 

Crime de dano - É aquele que, para a sua consumação, deve haver a efetiva lesão ao bem juridicamente protegido pelo tipo (ex.: art. 163 do CP).

 

Crime de perigo - É aquele no qual o tipo penal prevê um comportamento que traz perigo de dano ao bem juridicamente protegido. Pode ser subdividido em crime de perigo concreto (no qual há necessidade de se provar que o comportamento praticado criou, efetivamente, a situação de perigo ao bem jurídico, como ocorre com o art. 309 da Lei nº 9.503/97) ou crime de perigo abstrato, também reconhecido como de perigo presumido, em que basta a prática do comportamento previsto pelo tipo para que a infração penal reste consumada, independentemente da produção efetiva de perigo ao bem juridicamente tutelado, a exemplo do que ocorre com a posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 14 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003), bem como o art. 306 do Código de Trânsito brasileiro que, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei na 11.705, de 19 de junho de 2008, que presume o perigo do comportamento daquele que é surpreendido conduzindo veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.

 

Para configurar o crime de porte de arma de uso permitido, previsto no art. 14 da Lei nº 10.826/2003, mostra-se irrelevante o fato de a arma não conter munição. O delito de porte ilegal de arma é considerado como de perigo abstrato, não sendo obrigatória a existência de um resultado naturalístico para que haja sua consumação. A mera conduta de trazer consigo arma de fogo é suficiente para que a conduta seja considerada típica (STJ, REsp 1.121.671/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5* T., DJe 21/6/2010).

 

O simples fato de possuir munição e acessórios de arma de fogo de uso restrito caracteriza a conduta descrita no art. 16, da Lei n° 10.826/03, por se tratar de delito de mera conduta ou de perigo abstrato, cujo objeto imediato é a segurança coletiva, configurando-se o delito com o simples enquadramento do agente em um dos verbos descritos no tipo penal repressor (STJ, H C 95604/PB, Rel. Min. Jorge Mussi, 5a T., DJe 03/5/2010).

 

Nos crimes de perigo abstrato, desnecessária a ocorrência de lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado (TJMG, AC

1.0392.08.012076-0/001, Rel. Des. Renato Martins Jacob, DJ 26/5/2009).

 

Tratando-se a denúncia de fato penalmente atípico, à falta de perigo de dano a pessoa, resultado de que depende a caracterização do delito tipificado no art. 309 da Lei nº 9.503/97, mostra-se de rigor o trancamento da ação penal (STJ, H C 8500/SP, HC 2003/0083354-2, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª T., DJ 4/9/2006, p. 326).

 

Crime simples - É aquele em que, mediante a análise da figura típica, somente conseguimos visualizar uma única infração penal, que é justamente aquela por ela própria criada (ex.: art. 121 do CP).

 

Crime complexo - É aquele em que, mediante a análise da figura típica, conseguimos visualizara fusão de dois ou mais tipos penais (ex.: art. 157 do CP).

 

Em tema de crime complexo, é de se afirmar a sua forma tentada quando o crime-fim alcança a consumação, não ultrapassando, contudo, o crime-meio os limites da tentativa, precisamente porque no delito não se reúnem todos os elementos da sua definição legal (Código Penal, art. 14, inciso I) (STJ, REsp. 313545/GO, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª T., DJ 15/12/2003, p. 412).

 

Crimes qualificados - Surgem quando, geralmente, as penas mínimas e máxima cominadas no parágrafo são superiores àquelas previstas no caput do artigo (ex.: art. 121, § 2º, do CP).

 

Crimes privilegiados - Embora somente pudesse ser considerado como privilegiado o crime quando as penas ‘mínima e máxima’ (ou pelo menos uma delas) fossem inferiores àquelas cominadas no caput, a doutrina, majoritariamente, também considera privilegiado o delito na hipótese de aplicação de causas de redução de pena (ex.: art. 121, § 1º, do CP).

 

Crime de bagatela - A expressão crime de bagatela é característica da hipótese na qual se firma a necessidade de aplicação do princípio da insignificância. São fatos que não se amoldam ao conceito de tipicidade material, necessário à configuração da tipicidade penal.

 

No caso de furto, para efeito da aplicação do princípio da insignificância, é imprescindível a distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica eventualmente, furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada a mínima gravidade) (STJ, HC 124858/MG, Rel. Min. Felix Fischer, 6ª T., DJe 1º/6/2009).

 

Criminal. RHC. Furto. Tentativa. Pleito de absolvição. ínfimo valor dos bens. Inconveniência de movimentação do Poder Judiciário. Delito de bagatela. Aplicação do princípio da insignificância (STJ; RH C 20028/ SP, Rel. Min. Gilson Dipp, 5a T„ DJ 4/6/2007, p. 377).

 

Crime falho - Ocorre nas hipóteses da chamada tentativa perfeita ou acabada, era que o agente, de acordo com a sua concepção, esgota tudo aquilo que entendia como necessário e suficiente à consumação da infração penal, que somente não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade.

 

Crime instantâneo - É aquele que se consuma no momento da conduta praticada pelo agente (ex.: art. 129 do CP).

 

Crime instantâneo de efeitos permanentes - Ocorre quando o resultado da conduta praticada pelo agente é permanente, irreversível (ex.: art. 121 do CP).

 

Crime permanente - É aquele cuja consumação se prolonga no tempo (ex.: art. 148 do CP).

 

Crime a prazo - É aquele em que o tipo penal exige, para sua configuração, o decurso de certo espaço de tempo (ex.: art. 169, I, do CP).

 

Delito de intenção - É o gênero do qual são espécies o delito de resultado cortado e o crime mutilado de dois atos. “Denominam-se delitos de intenção (ou de tendência interna transcendente) aqueles em que o agente quer e persegue um resultado que não necessita ser alcançado de fato para a consumação do crime (tipos incongruentes). Dividem-se em delitos de resultado cortado e delitos mutilados de dois atos. Nos primeiros, o agente espera que o resultado externo, querido e perseguido – e que se situa fora do tipo ~ se produza sem a sua intervenção direta (exemplo: extorsão mediante sequestro - art. 159 — crime no qual a vantagem desejada não precisa concretizar-se, mas se vier a concretizar-se será por ato de outrem). Nos últimos, o agente quer alcançar, por ato próprio, o resultado fora do tipo (exemplo: a falsificação de moeda - art. 289 — que supõe a intenção de uso ou de introdução na circulação do dinheiro falsificado)”. (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 151).

 

Crime político - É aquele que agride a segurança interna ou externa do Estado ou é dirigido contra a personalidade deste (ex.: os previstos na Lei de Segurança Nacional - Lei na 7.170/83).

 

Crimes de opinião - Importa em abuso na liberdade da manifestação do pensamento, podendo ser praticado por qualquer meio que tenha a possibilidade de difundir as ideias do agente, por exemplo, por meio de palavras, divulgação na imprensa, livros, artigos, revistas etc.

 

Crimes à distância, crimes plurilocais e crimes em trânsito - Flávio Augusto Monteiro de Barros traduz a diferença entre eles, dizendo: “Segundo o lugar do evento, os crimes podem ser: a) À distância: quando a conduta e o resultado se desenvolvem em dois ou mais países. O assunto está relacionado ao problema da lei penal no espaço; b) Plurilocal: quando a conduta e o resultado se desenvolvem em duas ou mais comarcas, dentro do mesmo país. Ad esempio: a vítima é ferida na cidade de Piraju, mas morre em Bauru. A questão é relevante no tema da competência territorial (art. 70 do CPP); c) em trânsito: quando uma parcela da conduta se realiza num país, sem lesar ou pôr em perigo bem jurídico de seus cidadãos. Exemplo: ‘A ’, do Paraguai, envia, para o Japão, uma carta ofendendo ‘B’, sendo que essa carta tem uma ligeira passagem pelo correio brasileiro, até prosseguir o seu rumo ao Japão”. (BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal - Parte geral, p. 92).

 

Crime habitual - É o delito em virtude do qual se exige do agente um comportamento reiterado, necessário à sua configuração (ex.: art. 284 do CP).

 

O crime de gestão fraudulenta, consoante a doutrina, pode ser visto como crime habitual impróprio, em que uma só ação tem relevância para configurar o tipo, ainda que a sua reiteração não configure pluralidade de crimes (STJ, HC 39908/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 52T., DJ 3/4/2006, p. 373).

 

No delito habitual, é a reiteração de ações que constitui a conduta típica, a qual somente se considera inteiramente consumada com o cometimento da última ação (STJ, REsp. 705334/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 19/9/2005, p. 372).

 

Crime principal e crime acessório - Há crimes que, para sua existência, estão íntima e necessariamente ligados à prática de outros, surgindo entre eles a relação entre principal e acessório. Tomemos como exemplo o delito de receptação. Diz o caput do art. 180 do Código Penal: Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte.

 

Como se percebe pela redação do mencionado artigo, somente haverá receptação se a coisa que o agente adquiriu, por exemplo, for produto de crime. Para que ocorra a receptação, portanto, deverá ter havido um delito principal - furto, roubo etc. havendo entre eles uma relação de principal e acessório.

 

Infração de menor potencial ofensivo - É aquela a que a lei comina pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa, nos temos do art. 61 da Lei nº 9.099/95.

 

Crimes monossubjetivos e crimes plurissubjetivos:

 

Monossubjetivos são os crimes cuja conduta núcleo pode ser praticada por uma única pessoa, a exemplo do que ocorre com o homicídio, furto, lesão corporal etc.

 

Plurissubjetivos, ao contrário, são aqueles em que o tipo penal exige a presença de duas ou mais pessoas, sem as quais o crime não se configura, como é o caso da formação de quadrilha ou bando, da rixa etc. São também reconhecidos como crimes de concurso necessário.

 

Crimes uni ofensivos e crimes piuriofensivos:

 

Uniofensivos são os crimes nos quais somente se protege um único bem jurídico, como é o caso do art. 155 do Código Penal, em que se leva a efeito a proteção do patrimônio, ou no crime de homicídio, em que se protege tão somente a vida.

 

Ao contrário, há outros crimes em que se consegue visualizar a proteção de dois ou mais bens jurídicos, mesmo que haja precipuidade entre eles, razão pela qual são reconhecidos como piuriofensivos. Assim, no crime de latrocínio, por exemplo, protege- se precipuamente o patrimônio, sem descartar a proteção da vida.

 

Crimes de subjetividade passiva única e crimes de subjetividade passiva dupla:

 

Os primeiros são aqueles nos quais o tipo penal prevê somente um único sujeito passivo. Assim, no homicídio, por exemplo, há somente uma única vítima, isto é, aquela que foi alvo da conduta criminosa praticada pelo agente.

 

Entretanto, há outras infrações penais em que se atinge mais de uma pessoa (subjetividade passiva dupla), ou seja, duas ou mais pessoas podem considerar-se vítimas da infração penal levada a efeito pelo agente, como ocorre com o delito de aborto provocado sem o consentimento da gestante, em que a gestante e o feto podem ser considerados vítimas do delito em questão. Na violação de correspondência, tipificada no art. 151 do Código Penal, da mesma forma, são consideradas vítimas do delito o remetente e o destinatário.

 

Crime de ímpeto - Ocorre quando o agente pratica a conduta nele prevista de forma impensada, explosiva, emocionada, sem que, para tanto, tenha tempo para refletir a respeito do seu comportamento criminoso.

 

Crime progressivo - Na definição de Hungria, ocorre quando, da conduta inicial que realiza um tipo de crime, o agente passa a ulterior atividade, realizando outro tipo de crime, de que aquele é etapa necessária ou elemento constitutivo (reconhecida a unidade jurídica, segundo a regra do ubi major, minor cessat (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. 1, p. 48-49). Dessa forma, para se chegar ao homicídio, ou seja, para que o agente alcance o resultado morte, deverá produzir na vítima, numa relação de anterioridade, lesões corporais, razão pela qual o crime a ser absorvido é conhecido delito de passagem.

 

Crime exaurido - Ocorre quando há esgotamento completo da figura típica.

 

Crimes de atentado ou de empreendimento - São aqueles nos quais a tentativa é elevada ao mesmo status do delito consumado, não havendo possibilidade de redução da pena, tendo em vista a sua previsão expressa no tipo penal (ex.: art. 352 do CP).

 

Crimes vagos - Na definição de Damásio de Jesus, “são os que têm por sujeito passivo entidades sem personalidade jurídica, como a família, o público ou a sociedade. Ex.: ato obsceno (CP, art. 233) ”. (JESUS, Damásio E. de. Direito penal - Parte geral, p. 184).

 

Crimes ambientais - São aqueles que atingem o nosso meio ambiente, causando dano ou, mesmo, perigo de lesão à nossa fauna, flora etc. (ex.: Lei n° 9.605/98).

 

Crimes unissubsistentes (ou monossubsistentes) e crimes plurissubsistentes - Os primeiros são aqueles em que há uma concentração de atos, não sendo possível o raciocínio em termos do fracionamento do iter criminis, a exemplo do que ocorre com a injúria ou mesmo a ameaça verbal. Ao contrário, nos chamados crimes plurissubsistentes, existe possibilidade real de se percorrer, "passo a passo”, o caminho do crime. O agente cogita, prepara-se e executa a infração penal em momentos distintos e visualizáveis, tal como ocorre com os chamados crimes materiais, como é o caso do furto, das lesões corporais etc.

 

Crimes transeuntes e crimes não transeuntes - Os primeiros são aqueles cuja prática não deixa vestígios, a exemplo dos delitos praticados por intermédio da palavra verbal (injúria, ameaça etc.); já os segundos permitem a produção de prova pericial, pelo fato de deixarem vestígios, como ocorre com as lesões corporais.

 

Crimes conexos - São aqueles que, de alguma forma, podem ser entendidos como ligados, unidos.

 

Crimes falimentares - São aqueles previstos pelos arts. Í68 a178 da Lei de Falências (Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005).

 

Crimes de responsabilidade - Nos termos preconizados por Ricardo Cunha Chimenti, Fernando Capez, Márcio F. Elias Rosa e Marisa F. Santos, “correspondem a infrações político-administrativas cujas sanções importam a vacância do cargo, a desinvestidura do agente e sua ínabiutação por período de tempo certo para o exercício de funções públicas. Consistem, assim, em sanções não penais (art. 52, parágrafo único, da CF/1988), e podem ser aplicadas sem prejuízo destas”. (CHIMENTl, Ricardo Cunha: CAPEZ, Fernando; ROSA, Márcio F. Bias; SANTOS, Marisa F. Curso de direito constitucional, p. 271).

 

Crimes subsidiários - São aqueles cuja aplicação depende de ser afastada a infração penal principal. São considerados, na expressão de Hungria, “soldados de reserva”. (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. I, t. II, p. 139).

 

Crimes funcionais - São os que só podem ser praticados por quem exerce cargo, emprego ou função pública. Os crimes funcionais subdividem-se em: a) próprios; e b) impróprios.

 

Crimes funcionais próprios - são os que a ausência da qualidade de funcionário do agente torna o fato um indiferente penal, vale dizer, o fato passa a ser completamente atípico, como acontece com o delito de prevaricação, tipificado no art. 319 do Código Penal.

 

Ao contrário, nos chamados crimes funcionais impróprios, uma vez afastada a condição de funcionário público, o fato é desclassificado para outra infração penal, a exemplo do que ocorre com o peculato-furto, previsto pelo § 1º do art. 312 do Código Penal. Aquele que, por exemplo, não gozando do status de funcionário público, subtrai um bem móvel pertencente à Administração Pública, deverá ser responsabilizado pelo delito de furto.

 

O servidor público pode ser afastado do exercício de suas atividades junto à Administração Pública em decorrência do cometimento de crime funcional, até decisão final passada em julgado (TJMG, AC1.0000.07.453939-6/000, Rel. Des. José Antonino Baía Borges, DJ 20/6/2007).

 

Se o fato único imputado ao funcionário constitui crime contra a Administração Pública, essa é também a única e exclusiva capitulação legal, que lhe corresponde, no rol das infrações disciplinares sujeitas à pena de demissão. Não obstante, é firme a jurisprudência do STF, com o melhor respaldo doutrinário, no sentido de que a demissão do funcionário público motivada pela prática de crime funcional pode fazer-se mediante processo administrativo, decidido antes da solução do processo penal pelo mesmo fato; esse entendimento não é afetado pela superveniência da presunção constitucional de não culpabilidade (CF, art.5ª, LVII) (STF, MS 21294/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ 21/9/2001, p. 42).

 

Crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado - São os que preveem uma multiplicidade de comportamentos nucleares, sendo que a prática de vários deles pelo agente não importa, consequentemente, numa multiplicidade de crimes. Nos crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado, mesmo que o agente pratique várias condutas previstas no tipo, deverá ser responsabilizado por somente uma infração penal. Veja-se, por exemplo, o art. 122 do Código Penal. Aquele que induz ou instiga alguém a suicidar-se ou presta-lhe auxílio para que o faça, mesmo que, hipoteticamente, tenha conseguido levar a efeito os três comportamentos previstos pelo tipo penal, somente responderá por um único delito. Também é a hipótese do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, que diz: Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Se o agente, por exemplo, além de adquirir, tiver em depósito a droga para fins de tráfico ilícito, somente será responsabilizado por um único crime.

 

A doutrina, entretanto, ainda leva a efeito uma diferença entre os crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado, dividindo os tipos penais que os preveem em: tipo misto alternativo e tipo misto cumulativo.

 

Seguindo as lições de James Tubenchlak, “no tipo misto alternativo, o agente responderá por um só crime tanto se perfizer uma conduta dentre as enunciadas alternativamente quanto na hipótese de vulnerar mais de um núcleo. Exemplos: os tipos dos arts. 122 do CP (‘induzir’, ‘instigar’ ou auxiliar’), 150 do CP (‘entrar ’ou ‘permanecer’) (TUBENCHLAK, James. Teoria do crime, p. 34-35. Da mesma forma, entendemos que o art. 213 do Código Penal, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, também se amolda ao conceito de tipo misto alternativo, embora exista divergência doutrinária sobre o tema.

 

No tipo misto cumulativo, a prática de mais de um comportamento pelo agente importará no reconhecimento do concurso material de crimes, a exemplo do que ocorre com o delito tipificado no art. 244 do Código Penal.

 

Crimes de forma livre e crimes de forma vinculada - Os primeiros são aqueles cuja redação típica não exige um comportamento especial, previamente definido, para fins de sua caracterização, a exemplo do que acontece com os delitos de homicídio e lesão corporal. Ao contrário, crimes de forma vinculada são aqueles cujos tipos nos quais estão previstos determinam o modo como devem ser praticados, vinculando-lhes a forma de cometimento, a exemplo do que ocorre com o curandeirismo.

 

Crimes de ensaio ou de experiência (flagrante preparado ou provocado) - Diz respeito às hipóteses do chamado flagrante preparado ou provocado, quando alguém provoca, estimula o agente a praticar a infração penal e, simultaneamente, toma todas as providências necessárias para prendê-lo em flagrante delito.

 

Crimes remetidos - Diz-se remetido o crime quando o tipo penal remete o intérprete a outra figura típica, para que ele possa ser entendido e aplicado, como acontece, por exemplo, na hipótese prevista peio art. 304 do Código Penal.

 

Crimes aberrantes - Denominam-se crimes aberrantes as três hipóteses nas quais pode ser levado a efeito o raciocínio correspondente às aberratio, vale dizer: aberratio ictus, aberratio criminis e, ainda, aberratio causae.

 

Crimes internacionais - São aqueles que dizem respeito à violação de uma norma penal internacional prevista em tratado ou convenção internacional, sujeita à jurisdição do Tribunal Penal Internacional.

 

Crimes emergentes - São reconhecidos como crimes emergentes aqueles que são fruto de uma sociedade considerada como pós-moderna, a exemplo dos delitos cibernéticos, os crimes ambientais, novas modalidades de extorsão mediante sequestro, tráfico de drogas, de armas e de pessoas, lavagem de dinheiro, terrorismo, crime organizado etc. São delitos que vão surgindo à medida que a sociedade vai se “desenvolvendo”, criando novas realidades, levando, muitas vezes, o seu combate em nível internacional. (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao Título II – Do Crime no CP- Tipicidades, p. 26-40. Ed.Impetus.com.br, acessado em 24/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

domingo, 23 de outubro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 752, 753, 754, 755, 756 - DO TRANSPORTE DE COISAS - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 752, 753, 754, 755, 756
- DO TRANSPORTE DE COISAS - VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com -
digitadorvargas@outlook.com
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte – Seção III

Do Transporte de Coisas - (art. 743 a 756)

 

 

Art. 752. Desembarcadas as mercadorias, o transportador não é obrigado a dar aviso ao destinatário, se assim não foi convencionado, dependendo também de ajuste a entrega a domicílio, e devem constar do conhecimento de embarque as cláusulas de aviso ou de entrega em domicílio.

 

No entendimento de Claudio Luiz Bueno de Godoy, no contrato de transporte, o lugar da entrega da coisa transportada é aquele que tiver sido convencionado pelas partes, sem que, como regra, tenha o transportador o dever de avisar o destinatário sobre o desembarque, i.é, sobre a chegada da mercadoria a seu destino.

 

A entrega deverá ser procedida no domicílio do consignatário apenas se isso se ajustar, o que se deve explicitar no conhecimento de transporte emitido. Da mesma forma, é nesse conhecimento que se deve explicitar se o transportador assumiu o encargo de dar aviso de chegada das mercadorias, em bora esse dever não lhe toque, em princípio.

 

Porém, como já foi acentuado nos comentários ao CC 744, deve-se lembrar que a falta do conhecimento de transporte não prejudica a eficácia do contrato de transporte e, assim, a convenção sobre local de entrega e de aviso que de outra forma se tenha consumado. Todavia, é importante reiterar que o transportador somente estará adstrito a entregar a coisa no domicílio do consignatário e a dar aviso do desembarque da carga se isso se tiver convencionado.

 

Por fim, se a lei refere a necessidade de menção expressa à entrega no domicílio do consignatário, é lícito entender que, no silêncio do contrato, a entrega deve-se proceder no armazém do transportador, devendo ser de lá retirada pelo destinatário ou por quem se apresentar com o conhecimento endossável e endossado, conforme CC 754. Nesse sentido, José Maria Trepat Cases observa que, na verdade, qualquer outro local de entrega, que não o armazém do transportador, deve ser objeto de explícita estipulação (Código Civil comentado, Álvaro Vilaça Azevedo. São Paulo, Atlas, 2003, v. VIII, p. 195). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 774 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na doutrina de Ricardo Fiuza, é no conhecimento que devem constar as cláusulas de aviso ou de entrega em domicílio. O conhecimento é a prova do contrato de transporte, e o que nele for previsto deve ser cumprido.

 

Feita essa ressalva, quando a mercadoria chega ao destino, o transportador não é obrigado a dar aviso ao destinatário, nem a entregá-la em domicílio, se assim não foi convencionado ou ajustado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 395 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No enfoque de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o transporte pode ser contratado para que a coisa seja entregue no domicílio do destinatário ou em determinado local para a retirada do destinatário, como um aeroporto, estação ferroviária ou porto. Uma vez que a coisa seja depositada no local de entrega, desincumbe-se o transportador de sua obrigação contratual. Caso o destinatário não a receba, ficará em mora, responsabilizando-se pelos prejuízos que esta ocasionar.

 

Uma vez que o destino do transporte não seja o domicílio do destinatário, a obrigação de avisá-lo da chegada da coisa deve ser expressa no conhecimento. Não se presume. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 753. Se o transporte não puder ser feito ou sofrer longa interrupção, o transportador solicitará, incontinenti, instruções ao remetente, e zelará pela coisa, por cujo perecimento ou deterioração responderá, salvo força maior.

 

§ 1º. Perdurando o impedimento, sem motivo imputável ao transportador e sem manifestação do remetente, poderá aquele depositar a coisa em juízo, ou vende-la, obedecidos os preceitos legais e regulamentares, ou os usos locais, depositando o valor.

 

§ 2º. Se o impedimento for responsabilidade do transportador, este poderá depositar a coisa, por sua conta e risco, mas só poderá vende-la se perecível.

 

§ 3º. Em ambos os casos, o transportador deve informar o remetente da efetivação do depósito ou da venda.

 

§ 4º. Se o transportador mantiver a coisa depositada em seus próprios armazéns, continuará a responder pela sua guarda e conservação, sendo-lhe devida, porém, uma remuneração pela custódia, a qual poderá ser contratualmente ajustada ou se conformará aos usos adotados em cada sistema de transporte.

 

Sob o prisma de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o dispositivo consagra importante e discutível inovação, para quando impossibilitado ou interrompido o transporte, e à falta de instruções do remetente, permitindo-se, então, a alienação da coisa transportada, que estava já aos cuidados do transportador.

 

Mas, em primeiro lugar, o caput cuida da hipótese de o transporte não se poder iniciar ou se interromper, impondo-se ao transportador o dever de, a uma, solicitar, de pronto, instruções ao remetente e, depois, velar pela coisa, à semelhança do depósito, tal qual já se viu nos comentários ao CC 751, portanto respondendo por perecimento ou avarias, salvo em caso de força maior, a propósito, no que toca às excludentes, valendo remisso ao quanto já expendido no exame do CC 749.

 

Não se estabeleceu prazo para que o transportador solicite informações quanto ao destino da mercadoria cujo transporte se impossibilitou ou se interrompeu, da mesma forma que não se especificou o tempo durante o qual a resposta do remetente deve ser aguardada. Certo que, para a solicitação das instruções, determinou o legislador que o transportador agisse incontinenti, i.é, desde logo, de imediato, sem qualquer retardo, tudo dentro do que é razoável para o caso concreto, sob pena de responder pela demora.

 

Da mesma forma, para esperar a resposta, deve-se considerar igualmente período razoável, conforme as condições e o domicílio das partes, bem como a forma de comunicação entre ambas. Importa é a razoabilidade para o caso concreto. Nada diverso do prazo moral, por exemplo, das obrigações, via de regra de fazer, constituídas sem termo final, mas cuja consecução exige tempo, portanto se afastando o vencimento à vista, como sucederia pela regra geral.

 

O § 1º acrescenta que, se o impedimento ao transporte ou à sua continuação persistir sem motivo que seja imputável ao transportador, como obstrução de caminhos, intempéries, fato do príncipe, desde que não recebidas instruções do expedidor, caberá o depósito judicial da coisa ou, eis o ponto, sua venda, depositando-se o respectivo produto.

 

Nada de novo na previsão de depósito da coisa. Sua venda, todavia, representa grande inovação, aqui autorizada mesmo quando não se trate de coisa perecível, portanto em risco de se perder. Pois, a respeito, acede-se à crítica de Roberto Senise Lisboa (Manual elementar de direito civil, 2.ed. São Paulo, RT 2002, v. III, p. 246) no sentido de que o CC/2002 criou uma prerrogativa perigosa, que atropela a devida e prévia intervenção judicial. Ou seja, permite-se uma venda extrajudicial com genérica condicionante a inespecíficos preceitos legais e regulamentares, quando menos devendo-se aí entender a cautela por que a alienação não se faça de maneira prejudicial ao expedidor. Talvez tivesse sido melhor a intervenção judicial precedente no lugar das instruções do remetente, que foram omitidas.

 

Veja-se que mesmo no depósito, cujo regramento no transporte de coisas serve de socorro (CC 751), não se prevê igual medida, dispondo-se, ao revés, sobre a consignação judicial da coisa quando, por motivo plausível, o depositário não puder mais dela se encarregar (CC 635). Não é só. No caso de depósito resultante do direito real de penhor, o credor pignoratício, especificamente diante do risco de perda ou deterioração da coisa empenhada, pode vendê-la, desde que, frise-se, mediante prévia autorização judicial. É, a rigor, o que melhor se adequaria à inteligência do artigo em comento, analogicamente ao que se prevê para caso similar, ainda que a consumação da venda não se faça judicialmente, mas segundo os usos locais.

 

Mais, com a prévia autorização judicial permitir-se-ia ao expedidor, como ao devedor, no penhor, se permite substituir a coisa empenhada, evitando sua venda, suprir a falta de informação sobre o destino da coisa, eventualmente, até, beneficiando o transportador com a cessação da custódia da res, dando-lhe algum outro destino.

 

Se, todavia, o impedimento ao transporte decorrer de fato imputável ao transportador, portando de sua responsabilidade, quer por culpa, quer por fortuito interno (CC 734 e 749), então só lhe caberá o depósito da coisa, restando a venda, com as contingências já examinadas, apenas para a hipótese de risco de perecimento (§ 2º do artigo em comento).

 

Corolário do princípio da boa-fé objetiva pelo que se pautam as relações contratuais (CC 422) e que, na sua função supletiva, cria deveres anexos que garantem o desenvolvimento do vínculo obrigacional de maneira mais leal, incumbe ao transportador sempre informar o expedidor sobre eventual depósito ou venda da coisa.

 

Por fim, somente quando não o faça por conta de impedimento a si imputável, por culpa ou risco, terá direito o transportador a remuneração suplementar por manter a coisa depositada em seus armazéns, se o transporte for impossibilitado ou interrompido, o que, à falta de consenso, arbitrar-se-á judicialmente. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 775-776 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Seguindo a Doutrina de Ricardo Fiuza, pode ocorrer o caso de, após ter sido entregue a mercadoria ao transportador, o transporte não poder ser feito ou sofrer longa interrupção. Por exemplo: se a rodovia está obstruída; se houve suspensão do tráfego ferroviário; se num trecho do itinerário está havendo uma conturbação, uma revolução; se um furacão se aproxima do lugar em que terá de passar o navio etc.

 

Em qualquer hipótese, o transportador deverá, incontinenti, solicitar instruções ao remetente, e zelará pela coisa, persistindo sua responsabilidade com relação ao perecimento ou deterioração daquela, salvo força maior.

 

Perdurando o impedimento, sem que haja culpa do transportador, e não havendo manifestação do remetente, que, solicitado, não deu instrução alguma, poderá o transportador sair do impasse depositando a coisa em juízo, ou vendendo-a, obedecidos os preceitos legais e regulamentares, ou os usos locais, depositando o valor.

 

A referência aos “usos locais” é sintomática. O contrato de transporte de coisas tem sido regulado na legislação comercial, que, como atesta Rubens Requião, mantém, tradicionalmente, o prestígio dos usos e costumes como regra subsidiária de suas normas (Curso de Direito Comercial, 18.ed. São Paulo, Saraiva, v. 1. n. 17, p. 27).

 

Mas o impedimento, pode ser por fato imputável ao transportador (por exemplo: por falta de manutenção, apresentou defeito o sistema hidráulico da caneta), e ele poderá depositar a coisa, por sua conta e risco, mas só poderá vendê-la – observado o § P – se for perecível.

 

Em ambos os casos (§1º e §2º), o transportador deve informar o remetente da efetivação do depósito ou da venda.

 

O § 4º prevê o caso de o transportador manter a coisa depositada em seus próprios armazéns, e continuará a responder por sua guarda e conservação, sendo-lhe devida, porém, uma remuneração pela custódia, a qual poderá ser contratualmente ajustada ou se conformará aos usos adotados em cada sistema de transporte (terrestre, aéreo, aquaviário).

 

Como se sabe, a unidade básica e principal de articulação, nas leis, é o artigo. O parágrafo é um desdobramento, uma divisão, uma disposição secundária. Entre artigo e parágrafo há uma relação de principal e acessório. Ora, o § 4º está subordinado ao caput, que prevê a hipótese de o transporte não poder ser feito ou sofrer longa interrupção. Se o impedimento ocorrer sem motivo imputável ao transportador (~P), e se este mantém a coisa em seus próprios armazéns, é justo que receba remuneração pela custódia. Porém, se o impedimento for responsabilidade do transportador, não tem sentido que ainda vá cobrar pela guarda e conservação da mercadoria, e, neste caso, aplica-se o § 2~: o transportador poderá depositar a coisa, por sua conta e risco. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 396 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, muitos fatos podem impedir ou determinar a interrupção do transporte: fenômenos climáticos, acidentes, nas vias por onde o transporte deve ser feito, greves, desastres naturais, guerra. Nenhum desses fatos desobriga o transportador da guarda da coisa.

 

O transportador deve comunicar ao remetente a circunstância que impede ou interrompe o transporte, a fim de obter instruções. Caso a comunicação não seja possível, fica autorizado a depositar a coisa em juízo. Poderá, igualmente, vende-la, se esta for a solução que menos danos acarrete ao expedidor, depositando o preço em favor deste. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 754. As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos.

 

Parágrafo único. No caso de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega.

 

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a entrega das mercadorias transportadas se faz, em geral, a quem o contrato indique como sendo o destinatário, chamado consignatário. Bem de ver, porém, que, conforme já se acentuou nos comentários ao CC 744, o contrato se instrumentaliza, em regra, por documento dotado de cartularidade, o conhecimento de transporte, de frete e de carga. Mas se a lei a ele atribui a natureza de título de crédito, posto que impróprio, porquanto representativo de mercadorias, possível seu endosse se não houver cláusula proibitiva (não à ordem). Se o endosso ocorrer, o endossatário passa a estar legitimado para o recebimento da mercadoria, sempre assentado que, na dúvida sobre quem deva receber, incumbe ao transportador a consignação.

 

Aquele que receber a carga, de toda a sorte, deve conferi-la e, nesse mesmo instante, apresentar, sob pena de decadência dos direitos resultantes, as reclamações que tiver quanto às avarias ou perdas, desde que parciais, porque a perda total é o desaparecimento da coisa, por qualquer causa, e que, assim, não se apresenta para entrega, destarte não sendo cogitáveis vistoria e protesto.

 

Não se exige forma especial para efetivação desse reclamo, que pode ser feito, inclusive, no próprio conhecimento, mas sempre com ciência ao transportador. Veja-se que o Código Civil não exigiu, tal qual se continha no Código de Processo Civil de 1939 (art. 756, § 2º), reclamo ou protesto pelo atraso da entrega, com prazo para seu exercício, embora se defenda, alhures, que o preceito citado permaneça em vigor (ver, por todos: Venosa, Sílvio da Salvo. Direito civil, 3.ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 489).

 

Há casos, todavia, de perda parcial ou avaria imperceptível desde logo, portanto que não permitem reclamo ou protesto imediato, por ocasião da vistoria, da conferência efetuada ao instante do recebimento. Nessas hipóteses, como o parágrafo do dispositivo em comento prevê, o destinatário tem o prazo decadencial de dez dias, contados da entrega, para denunciar ao transportador o dano à carga. É, pois, como um interregno que a lei fixa para que a perda parcial ou avaria de pronto imperceptíveis apareçam. Ao que se entende, o Código de Defesa do Consumidor andou melhor, ao fixar, no art. 26, § 3º, prazo decadencial para vícios não perceptíveis, contado desde o momento em que o defeito se evidenciar. Lembre-se de que a legislação consumerista é subjetivamente especial, no caso atendendo melhor ao escopo constitucional de proteção de parte vulnerável na relação negocial.

 

Com as mesmas observações deve-se interpretar o art. 9º, parágrafo único, da Lei n. 11.442/2007, aplicável ao transporte rodoviário de cargas em território nacional, e o art. 13, parágrafo único, da Lei n. 9.611/98, aplicável ao transporte multimodal (v. CC 756), os quais, identicamente, previram a cessação da responsabilidade do transportador logo que recebida a carga, sem qualquer protesto pelo destinatário, mas sem ressalvar danos imperceptíveis de pronto. Impende, destarte, recurso complementar ao parágrafo único do CC 754 do CC/2002, naquilo que se tem chamado de diálogo das fontes, a rigor a interpretação sistemática. De mais a mais, as próprias leis especiais, nos arts. 7º, parágrafo único (Lei n. 11.442/2007), e II, parágrafo único (Lei n. 9.611/98), e na esteira da Súmula n. 109 do STF (vide a seguir), estabeleceram direito de vistoria em caso de danos ou avarias, destarte sem que ela se condicione a indenização ocasionalmente devida.

 

Por fim, diga-se, parecer que o Código Civil, no artigo em exame, tencionou simplificar, de formalizar mesmo o procedimento de protesto ou reclamo por avaria, se comparado com aquele que se estabelecia na legislação anterior (v.g., art. 756, CPC antigo, sem correspondência no CPC/2015):

 

Art. 756. Nos embargos pode o devedor alegar: I - que não paga por ocorrer alguma das causas enumeradas nos arts. 741, 742 e 745, conforme o pedido de insolvência se funde em título judicial ou extrajudicial; Il - que o seu ativo é superior ao passivo. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 776-777 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No ritmo de Ricardo Fiuza, terminada a viagem, as mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado (CC 744), e quem as receber deve conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos.

 

Pode ocorrer, todavia, que, no ato de entrega e conferência, não tenha sido verificada perda parcial ou avaria, até porque não seria possível percebê-las à primeira vista. Conserva o destinatário sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 397 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Lecionando Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o conhecimento é documento que representa a propriedade da coisa transportada. A transferência do conhecimento transfere a propriedade da coisa transportada, operando-se a tradição ficta, segundo as regras da venda sobre documentos. Desse modo, a coisa deve ser entregue ao destinatário, podendo reclamá-la até a entrega o expedidor ou terceiro a quem tenha sido transferido o conhecimento.

 

O recebimento se faz mediante a conferência da coisa a fim de averiguar seu estado, se correspondente ao momento da entrega.

 

As avarias perceptíveis à primeira vista devem ser denunciadas de imediato; as não perceptíveis devem ser denunciadas no prado de 10 dias a contar da entrega. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 755. Havendo dúvida acerca de quem seja o destinatário, o transportador deve depositar a mercadoria em juízo, se não lhe for possível obter instruções do remetente; se a demora puder ocasionar a deterioração da coisa, o transportador deverá vende-la, depositando o saldo em juízo.

 

No raciocínio de Claudio Luiz Bueno de Godoy, conforme se asseverou nos comentários ao artigo antecedente, pode surgir dúvida sobre quem deva receber as mercadorias. Lembre-se, a respeito, de que o conhecimento de transporte, o qual habilita o portador a receber a carga, é dotado de cartularidade; pode, como regra, transferir-se por endosso, sendo, ademais, passível de perda ou extravio, de resto já antes se prevendo, em lei especial (art. 9º do Decreto n. 19.473/30), procedimento de aviso ao transportador, para retenção e deliberação judicial acerca do destino da coisa.

 

Pois o Código Civil de 2002 expressa que, sobrevindo dúvida a respeito de quem legitimamente deva receber a carga, impõe-se ao transportador a sua consignação em juízo. Ressalva, porém, o dispositivo em comento, a hipótese de se tratar de mercadoria perecível, sob risco de deterioração, em caso de demora, autorizando-se então o transportador a proceder à sua venda, depositando-se o preço. A propósito dessa prerrogativa de alienação, remete-se aos comentários já efetuados acerca de igual previsão contida no CC 753. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 777 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 28/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na toada de Ricardo Fiuza, pode chegar, a mercadoria ao destino e haver dúvida acerca de quem seja o destinatário. O transportador deve depositar a mercadoria em juízo, se não lhe for possível obter instruções do remetente. Se a demora puder ocasionar a deterioração da coisa, o transportador deverá vende-la – obedecidos os preceitos legais e regulamentares, é claro -, depositando o saldo em juízo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 397 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No tom de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o destinatário sempre deve ser indicado no conhecimento. Diversos fatos podem ocorrer que impeçam a clara e imediata identificação do destinatário, tais como a morte dele, o encerramento de pessoa jurídica, homonímia... Havendo dúvida quanto ao destinatário, deve o transportador esclarecê-las junto ao expedidor e, não lhe sendo possível, deve depositar a mercadoria em juízo. Se houver risco de deterioração, deve vender a mercadoria e depositar o preço em juízo, em favor do expedidor. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 28.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 756. No caso de transporte cumulativo, todos os transportadores respondem solidariamente pelo dano causado perante o remetente, ressalvada a apuração final da responsabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento recaia, por inteiro, ou proporcionalmente, naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano.

 

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o transporte cumulativo é aquele em que vários transportadores cumprem o deslocamento, mercê de um único vínculo obrigacional, mas incumbindo-se cada qual de um trecho do trajeto total. A matéria vem também tratada no CC 733, alocado dentre as disposições gerais do capítulo destinado ao regramento do contrato de transporte.

 

Bem de ver, porém, que, no artigo em comento, específico para o transporte cumulativo de cargas, chamado intermodal quando se desenvolve por mais de um meio de transporte (ver, sobre essas distinções: Fran Martins. Contratos e obrigações comerciais, 7.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 276), pela Lei n. 9.611/98 chamado multimodal, o Código Civil estabelece uma responsabilidade solidária dos transportadores, pelos danos causados durante o deslocamento, ainda que, ao final, identifique-se um responsável e garanta-se direito regressivo que os demais transportadores exerçam perante ele. A este respeito, vale remissão aos comentários do CC 733, em que a matéria foi já examinada e discutida. Como vale, também, a observação de que, no confronto entre a Lei n. 9.611/98 e o CC/2002, o critério de solução das antinomias deve ser o cronológico, eis que o Código civil, malgrado geral no seu todo, aqui, no artigo em comento, prevê disposição especial, especialmente aplicável ao transporte multimodal. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 778 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 28/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

A doutrina de Ricardo Fiuza mostra que, no transporte cumulativo (CC 733) a responsabilidade dos transportadores – “todos os transportadores” – pelo dano causado é solidária, mas este artigo ressalva a apuração final da responsabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento (indenização pelo prejuízo) recaia, por inteiro, ou proporcionalmente ~ naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 397 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Finalizando o Capítulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, para quem transporte cumulativo é o que se caracteriza pela unidade na prestação de serviços entre dois ou mais transportadores. Quando o expedidor se valer dos serviços de vários transportadores que atuam com independência, o transporte é sucessivo.

 

No transporte cumulativo de coisas – diferentemente do que ocorre no transporte cumulativo de pessoas (CC 733, § 1º) -, os transportadores respondem solidariamente por danos causados ao expedidor e, como nas obrigações solidárias, têm direito de regresso em relação ao responsável. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 28.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).