Direito Civil Comentado - Art. 1.417 e 1.418
Do Direito do Promitente Comprador – VARGAS, Paulo S. R.
- Parte Especial – Livro III – Capítulo IV – Título IX
Do
Direito do Promitente Comprador – (Art. 1.417 e 1.418)
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Art. 1.417. Mediante promessa de
compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento
público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire
o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
Historicamente,
o presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado
Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação
do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto, permanecendo, assim, a
sugestão trazida a lume pela Comissão, no sentido de ampliar o rol dos direitos
reais, incluindo, entre eles, o direito do promitente comprador do imóvel, em
face das razões de natureza socioeconômicas que envolvem este instituto
jurídico e as suas consequências de ordem prática.
Durante
a fase final de revisão do texto legal, foi apresentada sugestão modificativa,
que terminou por ser aprovada, para substituir-se a palavra “inscrita” por
“registrada”, na expressão “... registrada no Cartório de Registro de Imóveis
...“, justificando-se a modificação com base na melhor técnica e harmonização jurídica,
de acordo com a Lei dos Registros Públicos (cf. LRL art. 167, 1, n. 9 e 18) e a
terminologia do próprio Código.
Como
explica Ricardo Fiuza em sua Doutrina, o instituto jurídico da promessa de
compra e venda, tal como inserida no Código Civil, decorrente da inscrição do
instrumento público ou particular celebrado entre as partes, devidamente
registrado no Registro de Imóveis, não confere ao promitente comprador direito
real, equiparável ao direito de propriedade. O que se verifica, isto sim, é a
existência de um novo direito real, voltado a garantir, efetivamente, aquele
que se compromete a adquirir um imóvel. Trata-se, em outras palavras, de
direito à aquisição para o futuro. É direito real em toda a sua extensão e
profundidade para os fins definidos neste Título IX; contudo, a aquisição da
propriedade, como consequência lógica dessa relação contratual, envolvendo,
também, um direito real, dependerá da configuração de novos requisitos
específicos. Para o compromisso de compra e venda, em linhas gerais, celebram
as partes contrato sinalagmático, no qual definem, previamente, e em comum
acordo, o cumprimento sucessivo das obrigações (parcelas vincendas), forma de
aquisição e pagamento, objeto (imóvel), especificações relacionadas aos valores
devidos e respectivas correções, tempo para a quitação, entre outras avenças.
Diferentemente do que se verificava no regime de 1916, o NCC, ao conferir
direito real ao promitente comprador, amplia a efetiva possibilidade de
inserção de cláusula de imissão de posse em momento precedente ao término do
pagamento, ou seja, da plena quitação (v. g., após o pagamento do sinal
ou da primeira prestação), conferindo-lhe posse relativa direta (ou imprópria
direta), tendo-se em conta que o promitente vendedor reservará para si, até o
momento da consumação da negociação, a qualidade de possuidor absoluto (posse
absoluta indireta).
Havendo
cláusula de arrependimento, não há que se falar em possibilidade jurídica de
constituição do direito real em questão, por se tarde manifesto óbice,
previamente estipulado pelas partes contratantes.
Súmulas
do STF: 166 — É inadmissível o arrependimento no compromisso de compra e venda
sujeito ao regime do Decreto-lei 58, de 10 de dezembro de 1937; 167 — Não se
aplica o regime do Decreto-lei 58, de 10 de dezembro de 1937, ao compromisso de
compra e venda não inscrito no registro imobiliário, salvo se o promitente
vendedor se obrigou a efetuar o registro; 168 — Para os efeitos do Decreto-lei
58, de 10 de dezembro de 1937, admite-se a inscrição imobiliária do compromisso
de compra e venda no curso da ação; 412 — No compromisso de compra e venda com
cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem o deu, ou a sua
restituição em dobro, por quem o recebeu, exclui indenização maior, a título de
perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo.
Sumulas
do STJ: 76 — A falta de registro do compromisso de compra e venda do imóvel não
dispensa a prévia interpelação para constituir em mora o devedor; 84 — É
admissível a oposição de Embargos de Terceiros fundados em alegação de posse
advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de
registro.
Continua
em vigor toda a legislação extravagante correlata ao tema referente ao
compromisso de compra e venda (v. g., Decreto-lei n. 58/37; Decreto n.
3.079/38; Lei n. 4.505/64; Lei n. 6.766/79 etc.). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 723-24, apud Maria
Helena Diniz Código Civil Comentado
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Em
prólogo necessário ao comentário explica Francisco
Eduardo Loureiro: “Nesta quarta edição do Código Civil Comentado,
acrescentei parte do texto que escrevi recentemente sobre o compromisso de
compra e venda (“Responsabilidade civil no compromisso de compra e venda”. In:
silva, Regina Beatriz Tavares da (coord.). Responsabilidade civil e sua
repercussão nos tribunais. Saraiva, série Direito-GV, p. 167-219). Justifica-se
a inserção, pois os CC. 1.417 e 1.418 regulam apenas o direito real do
promitente comprador, enquanto o contrato, de uso extremamente frequente,
encontra-se disciplinado em diversas leis especiais”.
“Define-se
contrato preliminar, ou pré-contrato, ou contrato promessa, ou pactum de
contrahendo na lição de Pontes de Miranda, como ‘o contrato pelo qual uma
das partes, ou ambas, se obrigam a concluir outro negócio jurídico’ (Pontes de
Miranda. Tratado das ações. vol. V IL São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1978, p. 284). As partes, ou uma delas, prometem celebrar mais
tarde outro contrato, que será o principal (Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições
de direito civil. vol. III. 11. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 81).
Múltiplas
razões justificam a utilização do contrato preliminar: assegura-se a realização
do contrato prometido, em um momento que existe algum obstáculo material ou
jurídico à sua imediata conclusão, ou as partes não podem observar as
formalidades legalmente exigidas; uma das partes não dispõe da soma ou de
outros meios necessários, mas desde logo quer estabelecer vínculo negocial;
vantagens fiscais em postergar a celebração do contrato prometido, com
diferimento do recolhimento de impostos e emolumentos; o contrato definitivo
refere-se à coisa futura ou alheia; é preciso obter o consentimento de
terceiros (Costa, Mário Júlio de Almeida. Contrato-promessa. Uma síntese do
regime atual. 4. ed. revista e atualizada. Coimbra, Livraria Almedina,
1996, p. 13).
Uma
nova e relevante função atípica a um contrato preliminar, via de regra não
cogitada pela doutrina, é a de servir de instrumento de garantia ao recebimento
do preço. Especialmente na promessa de compra e venda, é comum que o promitente
vendedor retenha a propriedade do imóvel vendido, até satisfação integral de
seu crédito. Ao invés de utilizar a garantia real da hipoteca, ou da
propriedade fiduciária sobre imóveis (Lei n. 9.514/97), que exigem a excussão
do objeto da garantia, optam pelo compromisso de compra e venda, a ser
resolvido no caso de inadimplemento do promitente comprador, com consequente
devolução do imóvel ao promitente vendedor. Essa escolha de mecanismos de
garantia vai provocar profundos efeitos quanto à possibilidade de retomar a
coisa prometida à venda e quanto à devolução das parcelas do preço pagas.
A
multiplicidade e a diversidade de funções do contrato preliminar não permitem,
por consequência, afirmar que o seu objeto sempre será a celebração de um
contrato futuro, sem a criação de efeitos substanciais, que podem apenas ser
antecipados em caráter excepcional. Claro que a celebração de um contrato
preliminar que tem por objeto mediato coisa alheia, ou futura, ou que dependa
do consentimento de terceiros, ou de estudos e documentos não disponíveis no
momento de sua celebração, terá escassa produção de efeitos substanciais e, sem
dúvida, o objeto principal será a celebração de um contrato definitivo.
Situação diametralmente diversa é a dos contratos preliminares que têm por
função apenas a garantia do recebimento do preço parcelado, ou a obtenção de
vantagens fiscais. Em tais funções, o contrato preliminar produz desde logo
efeitos substanciais e a celebração do contrato definitivo é apenas mais uma
das obrigações - nem sempre a principal - assumida pelas partes.
O
contrato principal, ou final, por seu turno, variará de acordo com a função do
contrato preliminar, com preponderância de natureza solutória, ou liberatória,
enquanto consistir no cumprimento de obrigações assumidas no contrato
precedente, e constitutivo, no concernente às novas relações que dele
resultarem em caráter definitivo (Andrade, Darcy Bessone de Oliveira. Da
compra e venda: promessa & reserva de domínio. Belo Horizonte, Editora
Bernardo Álvares S.A., 1960, p. 99).
O
CC 462 dispõe que o ‘contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter
todos os requisitos do contrato definitivo’. Adotou nosso Código posição
intermediária, exigindo a presença dos requisitos essenciais do contrato
principal a ser celebrado, mas não a presença de um acordo completo. Há espaço
a uma hierarquização de assuntos, deixando as partes lacunas que serão mais
tarde objeto de nova regulamentação convencional, ou, na falta de consenso
futuro, poderão encontrar solução na lei, nos usos ou na equidade. O que se
exige para o contrato preliminar é um mínimo de precisão, de tal modo que se
possibilite a identificação fundamental de seu conteúdo, permitindo a conclusão
do contrato definitivo sem deixar ao arbítrio das partes questões que
comprometam o seu equilíbrio (Bdine Júnior, Hamid Charaf. Compromisso de compra
e venda em face do Código Civil de 2002: contrato preliminar e adjudicação
compulsória, in Revista dos Tribunais, vol. 843, p. 64). Ressalvou o
legislador, porém, a não incidência do princípio da atração das formas entre o
contrato preliminar e o definitivo, pondo fim à dúvida doutrinária e
consolidando sedimentado entendimento jurisprudencial que sempre admitiu o compromisso
de compra e venda de bens imóveis por instrumento particular. Diga-se, aliás,
que a liberdade de formas cumpre exatamente uma das funções do contrato
preliminar, vinculando as partes até que celebrem o negócio solene.
O
compromisso de compra e venda como contrato preliminar impróprio. Defende José
Osório de Azevedo Júnior, em obra que já se tornou clássica sobre o tema, ser o
contrato de compromisso de compra e venda preliminar impróprio. Partiu da
premissa da prática negocial revelar que ‘os tradicionais poderes inerentes ao
domínio (jus utendi, fruendi et abutendi) são transferidos ao
compromissário comprador, enquanto o compromitente vendedor conserva para si a
propriedade nua, vazia, ou menos ainda que propriedade nua (Azevedo Júnior,
José Osório de. Compromisso de compra e venda. 5. ed. revista e
atualizada. São Paulo, Malheiros, 2006, p. 18).
O
domínio remanesce em poder do promitente vendedor afetado ao recebimento do
preço, como mecanismo de garantia. E arremata José Osório, ‘à medida que o crédito
vai sendo recebido, aquele pouco que restava do direito do promitente vendedor,
i. é, aquela pequena parcela do poder de dispor, vai desaparecendo, até
se apagar de todo’ (José Osório, op. cit., p. 19). Pago o preço, de modo
paradoxal o domínio formal que se encontra em nome do promitente vendedor não
lhe confere mais nenhum direito, mas apenas o dever inexorável de outorgar a
escritura definitiva.
O
fato é que a jurisprudência, de modo consciente ou não da natureza imprópria do
contrato de compromisso de compra e venda, ou apenas intuindo tal situação,
passou gradativamente a antecipar todos os efeitos da escritura definitiva para
o momento do contrato preliminar. Reconhecem os tribunais que a carga negocial,
as consequências práticas, o conteúdo econômico do negócio se concentram no
primeiro contrato e não no segundo.
Os
exemplos são enumerados de modo didático por José Osório de Azevedo Júnior
(José Osorio, op. cit., p. 49): a) as questões relativas à capacidade
das partes e vícios do negócio jurídico são examinadas tendo em vista a data da
celebração do compromisso, inclusive a fraude contra credores. Disso decorre
que o prazo decadencial para ajuizamento da ação pauliana tem termo inicial na
data do registro do compromisso, ou na data que teve ciência do negócio o
credor, o que antes ocorrer; b) o promitente comprador devidamente
imitido na posse do imóvel, ainda que sem o registro do contrato, pode afastar
a penhora sobre o imóvel, em execução movida por credor do promitente vendedor,
se foi o negócio celebrado antes da citação do executado. Recente julgado do
Superior Tribunal de Justiça bem elucida o entendimento sobre o tema: ‘É
assente na jurisprudência desta Corte de Justiça que a celebração de
compromisso de compra e venda, ainda que não tenha sido levado a registro no
Cartório de Registro de Imóveis, constitui meio hábil a impossibilitar a
constrição do bem imóvel, discutido em execução fiscal, e impede a
caracterização de fraude à execução, aplicando-se o disposto no enunciado da
Súmula n. 84 do STJ: É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados
em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda
que desprovido do registro.’ (REsp n. 974062/RS, rel. Min. Denise Arruda, j.
20.09.2007); c) o direito de preferência do condômino sobre coisa
indivisível (CC 504) e da Lei do Inquilinato pode ser exercido contra o
compromissário comprador, não havendo por que se esperar a lavratura da escritura
de venda e compra. O prazo começa a contar da data do registro do compromisso
ou da data em que o condômino tomou ciência da promessa, o que antes ocorrer
(REsp n. 198516/SP, rel. Barros Monteiro, j. 23.02.1999, LEXSTJ 129/131 e RSTJ
133/391, que, embora diga respeito a contrato de compra e venda não registrado,
no corpo do voto estende a preferência ao pré-contrato); d) a
superveniência de leis novas criando obstáculos ou entraves não alcança imóveis
já prometidos à venda, ainda que não tenha sido o contrato registrado. Idem a
indisponibilidade de bens já prometidos à venda anteriormente (Embargos de
terceiro. Liquidação extrajudicial de instituição financeira. Indisponibilidade
e arresto do patrimônio dos administradores, com fundamento na Lei n. 6.024/74.
Prova cabal de que o embargante adquiriu o imóvel mais de uma década antes da
liquidação. Compromisso de compra e venda com firmas reconhecidas e imissão do
promitente comprador na posse do imóvel. Embargos procedentes. TJSP, Ap. cível
n. 383.194.4/3-00, rel. Francisco Loureiro, j. 24.05.2007); e) do mesmo
modo que se exige alvará para a alienação de imóvel de incapaz, também se exige
em caso de compromisso de compra e venda; f) é válida a escritura
definitiva outorgada após a morte do mandante, em cumprimento a compromisso de
compra e venda, irretratável e irrevogável, com o preço inteiramente pago, na
forma do CC 684; g) cabe ação reivindicatória ajuizada por promitente
comprador com contrato irretratável levado ao registro imobiliário. Julgou em
data recente o Superior Tribunal de Justiça que ‘promessa de compra e venda
irretratável e irrevogável transfere ao promitente comprador os direitos
inerentes ao exercício do domínio e confere-lhe o direito de buscar o bem que
se encontra injustamente em poder de terceiro. Serve, por isso, como título
para embasar ação reivindicatória’ (REsp n. 252020/RJ, rel. Min. Carlos
Alberto Menezes Direito, j. 05.09.2000); h) é anulável a promessa de
compra e venda de ascendente a descendente sem consentimento dos demais descendentes
e do cônjuge; i) ‘A hipoteca
firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à
celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os
adquirentes do imóvel’ (Súmula n. 308 do Superior Tribunal de Justiça); j)
o promitente comprador com contrato não registrado, mas imitido na posse, é
parte legítima para figurar no polo passivo de ação de cobrança de despesas de
condomínio edilício.
Verifica-se,
em resumo, que os tribunais gradativamente e de modo mais ousado antecipam para
o momento do contrato preliminar impróprio de compromisso de compra e venda
todos os efeitos típicos do contrato definitivo. É, sem dúvida, o
reconhecimento de que em muitos casos, o compromisso, usado em função e como
mecanismo de garantia do recebimento do preço, concentra a carga negocial e as
consequências da escritura definitiva.
O
direito real de promitente comprador. Os CC 1.417 e 1.418 disciplinam o direito
real de promitente comprador com título levado ao registro. O contrato
compromisso de compra e venda, desde que subordinado a certos requisitos -
impossibilidade de arrependimento e registro imobiliário -, converte-se de
direito de crédito em direito real de aquisição.
O
Código Civil de 1916 não contemplava o direito real de promitente comprador,
que, em vez disso, tinha em seu art. 1.088 perigosa armadilha, uma vez que
permitia ao promitente vendedor arrepender-se do negócio até o momento da
escritura definitiva.
Leis
especiais, porém, já conferiam a possibilidade de registro ao compromisso de
compra e venda, garantindo-lhe eficácia contra terceiros e impossibilitando o
arrependimento. A primeira delas, inspirada na legislação uruguaia, foi o
Decreto-lei n. 58/37, que se destinava somente aos imóveis loteados. Posteriormente,
a Lei n. 649/49 estendeu o regime jurídico do compromisso de compra e venda do
Decreto-lei n. 58/37 aos imóveis não loteados. Finalmente, a Lei n. 6.766/79
disciplinou o parcelamento do solo urbano e também o compromisso de compra e
venda de imóveis loteados. A Lei n. 4.591/64, que trata do condomínio edilício
e da incorporação imobiliária, também contém dispositivos sobre promessa de
compra de unidade autônoma futura. A doutrina apenas divergia quanto à natureza
do compromisso de compra e venda levado a registro. A maioria se posicionava no
sentido de que consistia verdadeiro direito real de aquisição, embora
determinados autores defendessem que se tratava de mero contrato com eficácia
real.
O
que se extrai do preceito em estudo é a presença de dois requisitos
cumulativos, para que o contrato de compromisso de compra e venda, que gera
apenas direito de crédito, converta-se em direito real e ganhe oponibilidade
contra todos, a saber: a) não contenha cláusula de arrependimento; b) seja
registrado no Registro Imobiliário competente.
Aos
dois requisitos explicitados no artigo em exame devem ser somados os previstos
nos CC 462 e 463, que disciplinam o gênero dos contratos preliminares, no qual
se insere a espécie compromisso de compra e venda. Assim, os contratos
preliminares, salvo quanto à forma, devem conter todos os requisitos do
contrato principal, no caso a compra e venda, declinando as partes
contratantes, o objeto e o preço.
Examine-se
os dois requisitos previstos neste artigo, individualmente. O primeiro é a
ausência de cláusula de arrependimento. O contrato de compromisso de compra e
venda não é daqueles que, nos termos do CC 473, anteriormente comentado,
admitem por força de lei ou de sua natureza a resilição unilateral. A cláusula
de arrependimento ou a opção de denúncia devem ser expressamente previstas no
contrato. Podem importar na perda do sinal pago, como nas arras penitenciais,
ou nem isso. O que importa é que, no silêncio do contrato, não há possibilidade
de arrependimento unilateral de qualquer das partes. Mais ainda: no regime dos
contratos relativos aos imóveis loteados (art. 25 da Lei n. 6.766/79), norma de
ordem pública impõe que os contratos sejam irretratáveis. Logo, sob tal regime,
eventual cláusula se considera não escrita e não impede o registro nem a
aquisição do direito real.
Mesmo
nos contratos relativos a imóveis não loteados, o entendimento pacificado dos
tribunais é no sentido de que o direito de arrependimento, expressamente
pactuado, encontra limites nos princípios da boa-fé objetiva, equilíbrio e
função social do contrato. Assim, não se admite o direito de arrependimento
quando o preço se acha integralmente pago (Súmula n. 166 do STF), ou, em
corrente mais avançada, quando já se iniciou a execução do contrato. Dizendo de
outro modo, quando a cláusula de arrependimento se dá mediante a figura das
arras penitenciais, deve ser exercida a faculdade de retratação no prazo
assinado. Ultrapassado o pagamento do sinal e iniciado o pagamento do preço,
não mais se fala em arras penitenciais, que passam a integrar o valor da coisa.
Quando a cláusula de arrependimento é pactuada sem prazo, o exercício de ato de
execução implica renúncia à faculdade de se retratar, em vista da estabilidade
e da firmeza dos contratos. Em suma, o direito de arrependimento somente pode
ser exercido até o início da execução do contrato de compromisso de compra e
venda (José Osório de Azevedo Júnior, op. cit., p. 263; Pontes de Miranda. Tratado
de direito privado. 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984,
v. X III, n. 3, § 1.525).
Disso
decorre que, mesmo nos casos de imóveis não loteados com cláusula de
arrependimento expressa, escoado o prazo das arras penitenciais, ou iniciada a
execução do contrato, não mais cabe a retratação e, por consequência, pode o
compromisso ser levado a registro e se converter em direito real.
O
segundo requisito é o registro imobiliário do contrato de compromisso de compra
e venda. Como vimos anteriormente, o registro é constitutivo da propriedade e
de outros direitos reais adquiridos a título derivado e inter vivos.
Antes do registro, há mero direito de crédito entre as partes. Após o registro,
converte-se em direito real, com oponibilidade contra todos, de modo que
eventuais novos atos de disposição ou de oneração praticados pelo promitente
vendedor em benefício de terceiros, ainda que de boa-fé, são ineficazes frente
ao promitente comprador. Lembre-se que retroage ao registro - e todos os seus
efeitos - à data do ingresso e à prenotação do título no registro imobiliário.
Note-se
que, embora o art. 167,1, n. 9, da Lei n. 6.015/73, disponha serem títulos
registráveis os contratos de compromisso de compra e venda, de cessão deste e
de promessa de cessão, com ou sem cláusula de arrependimento [...]’, o Código
Civil - lei posterior que, apesar de geral, trata da mesma matéria - dispôs de
modo diverso, exigindo a característica da irretratabilidade. Prevalece,
portanto, o disposto na lei posterior, de tal modo que, atualmente, somente
podem ingressar no registro os compromissos irretratáveis.
Das
prestações principais, acessórias e os deveres laterais de conduta assumidos
pelas partes no compromisso de compra e venda - Provocou o princípio da boa-fé
uma revolução na maneira de encarar a relação obrigacional, que deixou de ser
considerada somente um direito de crédito, em contraposição a um dever de
prestar, e passou a significar uma relação jurídica total entre as partes, uma
relação complexa, visualizada como um processo, composto por uma sucessão de
atos tendentes a um fim, qual seja, a satisfação do interesse do credor (SILVA,
Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. São Paulo, Editora José Buchatsky,
1976, p. 10).
No
contrato de compromisso de compra e venda, segundo a doutrina majoritária, o
objeto seria a celebração do contrato definitivo. Logo, manifestar
consentimento no contrato definitivo consistiria a prestação principal. Já as
prestações secundárias ou acidentais consistiriam nos deveres de pagar o preço,
fornecer a documentação relativa ao imóvel, certidões pessoais dos promitentes
vendedores, certidões fiscais e previdenciárias, autorizações e alvarás
administrativos, enfim, tudo aquilo que possa interessar à perfeição da
prestação principal.
Além
dos deveres de prestação, a obrigação como relação complexa, destinada à
satisfação do interesse do credor, gera também deveres laterais de conduta, com
o escopo de garantir o desenvolvimento regular do contrato como um todo, de
modo a não frustrar a confiança da parte contrária. São deveres que não têm
conteúdo fixo e nem número determinado e se revelam apenas na medida em que
necessários para a realização das finalidades da própria relação obrigacional (NORONHA, Fernando. O
direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo, Saraiva,
1994, p. 160). Criam condições para uma consecução sem estorvos do fim
contratual.
Vimos
acima que o contrato de compromisso de compra e venda pode ser, em determinados
casos, preliminar impróprio, porque antecipa carga negocial e os efeitos do
contrato definitivo. De igual modo, os efeitos principais e acessórios de
prestação, bem como os laterais (ou anexos) de conduta decorrentes da boa-fé
objetiva, são antecipados de acordo com a causa do contrato.
A
par da prestação principal das partes manifestarem consentimento na celebração
do contrato principal, há múltiplos deveres acessórios de prestação, ainda que
não previstos no contrato pelas partes. Tomem-se como exemplo os deveres de
fornecer toda a documentação relativa ao imóvel, bem como certidões e
documentos pessoais das partes (inclusive fiscais e previdenciárias) e a
regularização de construções existentes sobre o solo.
Há
ainda deveres laterais (anexos) de conduta, que abrangem não somente as fases
de formação e execução do contrato, como também as fases pré e pós-contratual.
São deveres que não se definem a priori, mas que surgirão desde as negociações
preliminares e se projetam até mesmo depois da celebração do contrato
definitivo. Tomem-se como exemplos os deveres pré-contratuais, na fase da
pontuação, de se alertar o adquirente sobre restrições ou limitações
administrativas existentes sobre o imóvel, questões relevantes de vizinhança,
alterações iminentes no zoneamento, problemas relativos à solidez da obra e de
composição do solo. Os deveres pós-contratuais de fornecer documentos que
porventura tenha o alienante em mãos, que auxiliem discussões dominiais, ou
facilitem a retificação do registro imobiliário.
A
cláusula geral da boa-fé objetiva, na sua função de controle, interfere de modo
significativo na execução do contrato de compra e venda. Controla o exercício
abusivo de direitos, que não tragam benefícios ao credor e gerem desproporcional
sacrifício do devedor, confere efeitos à inércia prolongada (surrectio e
supressió) e ao comportamento contraditório (venire contra factum
proprio) dos contratantes. Evita, mais, que qualquer dos contratantes
invoque em seu proveito normas que ele próprio violou (tu quoque).
Tomem-se
como exemplos a resolução do contrato em razão de inadimplemento de pequena
monta da outra parte, que não compromete a economia do contrato (teoria do
adimplemento substancial), a prolongada inércia quanto à cobrança de
determinadas verbas ou de multa moratória, e a própria exceção do contrato não
cumprido, com especial enfoque para o cumprimento imperfeito (exceptio non
rite adimpleti contractus).
É
verdade, porém, que cada vez mais, em atenção aos princípios da boa-fé objetiva
e função social, o princípio da relatividade dos contratos recebe nova leitura.
A Súmula n. 308 do Superior Tribunal de Justiça dispõe: ‘A hipoteca firmada
entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração
da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do
imóvel’.
A
súmula acima referida constitui importante marco e tem relevante aplicação nas
relações negociais. É o reconhecimento pelos tribunais de que, em determinadas
situações jurídicas, o contrato de compromisso de venda e compra, mesmo não
levado a registro, ganha eficácia frente a terceiros. Como constou de julgado
do Superior Tribunal de Justiça, ‘ao celebrar o contrato de financiamento,
facilmente poderia o banco inteirar-se das condições dos imóveis,
necessariamente destinados à venda, já oferecidos ao público e, no caso, com
preço total ou parcialmente pago pelos terceiros adquirentes de boa-fé’
(REsp n. 329.968/DF, DJ 04.02.2002).
A
tendência de se conferir efeitos contra terceiros ao compromisso de compra e
venda não levado a registro também se extrai da Súmula n. 84 do STJ de seguinte
teor: ‘É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação
de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que
desprovido do registro’.
As
obrigações do promitente comprador. O dever de consentir na celebração do
contrato definitivo. O pagamento do preço. A mora. A resolução. A cláusula
penal. As benfeitorias e acessões. Na função de mero contrato preparatório,
sem dúvida a prestação principal de ambas as partes no compromisso de compra e
venda será a de prestar consentimento no contrato definitivo. Cuida-se de
obrigação de fazer, juridicamente fungível, passível de substituição por
sentença judicial, na forma dos arts. 461 do Código de Processo Civil de 1973,
(hoje elencado no CPC/2015, art. 497) e CC 464. Comum tomar-se tal obrigação
como devida pelo promitente vendedor em benefício do promitente comprador.
A
obrigação, porém, é recíproca. Existe o direito de o promitente comprador
liberar-se da obrigação de outorgar a escritura, de recuperar a sua liberdade e
evitar todos os ônus de um imóvel registrado em seu nome, por exemplo,
lançamento de impostos, despesas condominiais e eventual responsabilidade civil
pelo fato da coisa. Na visão contemporânea do direito obrigacional, o
pagamento, em sentido amplo, é não somente um dever, como também um direito do
devedor para liberar-se da prestação. Cabe, assim, ação de obrigação de fazer
também do promitente vendedor contra o promitente comprador, para que a
sentença substitua a escritura injustamente negada pelo adquirente. Problema
surge com o registro da escritura, ou da sentença que a substitui, que exige o
recolhimento do IT BI e o pagamento das custas e emolumentos devidos ao
registrador e ao Estado, ou de imposto predial em atraso. Em tal caso, abre-se
em favor do promitente vendedor uma obrigação alternativa. Ou recolhe os
impostos e taxas, faz o registro e posteriormente pede o reembolso, ou requer
ao juiz a fixação de multa (art. 461 do CPC de 1973, hoje elencado no CPC/2015,
art. 497) até que o promitente comprador promova o recolhimento das citadas
verbas e o registro.
Em
caso recente, a Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São
Paulo decidiu o seguinte: ‘Ação ajuizada pelos promitentes vendedores contra
os promitentes compradores para compeli-los a receber a escritura do imóvel,
cujo preço se encontra integralmente pago. Interesse dos promitentes vendedores
para que as taxas e tributos ou mesmo obrigações propter rem, ou
responsabilidade civil por ruína do prédio, não recaiam sobre quem mantém
formalmente o domínio, mas despido de todo o conteúdo, já transmitido aos
adquirentes’ (TJSP, Ap. cível n. 466.654.4/8-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j.
7.12.2006).
O
contrato de compromisso de compra e venda, na frequente função de instrumento
de garantia do recebimento do preço, ou de contrato preliminar impróprio,
desloca a prestação principal do promitente comprador, de consentir na
celebração da escritura definitiva, para o pagamento do preço. A prestação de
pagar o preço, via de regra, é positiva, líquida e a termo, o que, na forma do CC
397, torna a mora ex re, independentemente de qualquer notificação ou
interpelação. Vigora o aforismo dies interpellat pro homine, razão pela
qual a multa e os juros moratórios são devidos desde o vencimento da dívida.
Para cobrar as parcelas do preço, não há necessidade de qualquer interpelação
ou notificação ao devedor. Mais de uma vez julgou o Superior Tribunal de
Justiça que ‘para a simples cobrança das prestações inadimplidas, é
desnecessária a interpelação judicial prevista no art. 1º do Decreto-lei n.
745, de 1969, só exigível quando se quer rescindir o contrato. Recurso especial
não conhecido’ (REsp n. 480435/RJ). É por isso que ‘para a simples
cobrança das prestações, a citação faz as vezes da interpelação prevista no
Decreto-lei n. 745, de 07.08.69’ (REsp n. 109716/SP).
Discute-se
se o crédito relativo ao preço é líquido e constitui título executivo. A questão
não comporta resposta única. Dependerá da função do contrato de compromisso e
do estágio de cumprimento em que se encontra. Se o promitente vendedor já tiver
cumprido suas prestações substanciais - a entrega da posse do imóvel, ou a
realização das obras de infraestrutura, se for o imóvel loteado, ou a conclusão
da obra, se for unidade autônoma em construção - restando apenas ao promitente
comprador o pagamento do preço, perde o contrato a sua bilateralidade. Resta
apenas ao promitente comprador cumprir a sua prestação principal de pagamento
do preço. É por isso que os tribunais, embora não seja o tema pacífico, em mais
de uma oportunidade assentaram que ‘tem a jurisprudência, inclusive a do
Colendo Superior Tribunal de Justiça, proclamado que o contrato bilateral pode
servir de título executivo quando o credor desde logo comprova o integral
cumprimento da sua prestação (arts. 585, II, e 615 do CPC de 1973, hoje
elencados no CPC/2015, arts. 784, II e 799, respectivamente). (REsp n.
170.446/SP, 4ª T., rel. Min. Ruy Rosado, DJU 14.09.1998, p. 82). Ou, ainda: O
contrato bilateral pode servir de título executivo de obrigação de pagar
quantia certa, desde que definida a liquidez e certeza da prestação do devedor,
comprovando o credor o cumprimento integral da sua obrigação (RSTJ 85/278).
Essa jurisprudência formou-se em face da nova redação dada ao inciso II do art.
784 II, que considera título executivo o documento particular assinado pelo
devedor e por duas testemunhas, afastando as restrições que anteriormente
existiam, podendo abranger, hoje, qualquer tipo de obrigação’ (TJSP, AI n.
208.214-4/8). Caso o contrato ainda tenha prestações recíprocas a serem
cumpridas, a cobrança pode ser feita pela via da ação monitoria.
A
penhora, no caso de execução de parcelas do preço, pode recair nos direitos do
promissário comprador sobre o próprio imóvel, ainda que o único de natureza
residencial. Entendeu o Superior Tribunal de Justiça que, assumida a dívida
para aquisição da moradia, não se aplica ao caso a regra da impenhorabilidade
do art. 1º da Lei n. 8.009/90, mas sim as ressalvas previstas no art. 3º do
mesmo diploma (REsp n. 54.740-7/DF, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar; no mesmo
sentido, RT 723/417). Pode parecer estranho que o promitente vendedor, ainda
titular do domínio, requeira recaia a penhora sobre bem próprio, onerado por
direitos do promitente comprador. Ocorre que os direitos de compromissário
comprador têm natureza patrimonial e são passíveis de alienação - cessão - a
terceiros, inclusive por mero trespasse. Logo, são perfeitamente penhoráveis e
aptos à excussão. O arrematante se sub-rogará na posição de promitente
comprador, com os créditos e obrigações inerentes ao contrato. Pode ainda o
credor adjudicar os direitos de promitente comprador, na forma prevista no
Código de Processo Civil, ou arrematar para si o imóvel.
Em
razão do inadimplemento da obrigação do pagamento do preço, abre-se ao
promitente vendedor obrigação alternativa: ou executa a prestação ou pede a
resolução do contrato. Os efeitos econômicos são radicalmente distintos,
inclusive no caso de arrematação por terceiro, pelo próprio exequente, ou de
adjudicação. Isso porque não há, em tal hipótese, devolução das parcelas pagas
pelo promitente comprador, não incidindo as normas cogentes do art. 53 do
Código de Defesa do Consumidor e do CC 413, impeditivos ou limitativos das
cláusulas de perdimento, ou de decaimento. Como decidiu em data recente o
Tribunal de Justiça de São Paulo, a unidade autônoma não retorna às mãos do
credor, diante da ilegalidade da incidência da cláusula comissória. O credor
apenas promove a excussão do imóvel, vendendo-o em hasta pública. Se o preço
apurado for superior ao crédito, a sobra é devolvida ao devedor; se inferior,
remanesce crédito a ser executado (TJSP, Al n. 455.955- 4/8-00, 4ª Câm. Dir.
Privado, j. 29.06.2006).
No
regime dos imóveis loteados (art. 38 da Lei n. 6.766/79) cabe lembrar que o
preço do imóvel somente é exigível se o loteamento se encontrar devidamente
registrado e com as obras de infraestrutura concluídas dentro do prazo legal.
Como decidiu recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo, ‘a Lei n.
6.766/79, que trata do parcelamento do solo urbano, exige que o projeto de
loteamento seja aprovado e submetido a registro junto ao Oficial de Registro
Imobiliário, acompanhado dos documentos elencados no art. 18. Entre esses
documentos, figura o comprovante da aprovação de cronograma das obras de
infraestrutura, com a duração máxima de 4 (quatro) anos’ (TJSP, Ap. cível
n. 501.986.4/6-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j. 29.11.2007). É uma espécie de exceptio
non adimpleti contractus de ordem pública, que permite ao promissário
comprador sustar o pagamento do preço, e ao juiz conhecer de ofício da matéria.
Pode-se dizer que a regularidade do empreendimento constitui pressuposto para o
válido desenvolvimento do processo, de modo que pode o juiz, já no despacho
inicial, determinar ao autor que junte certidão atualizada comprovando o
registro do loteamento e, se for o caso, a averbação da conclusão das obras de
infraestrutura.
Como
acima mencionado, a ausência de pagamento do preço, por parte do promitente
comprador, abre ao promitente vendedor obrigação alternativa a seu favor: ou
executa a prestação ou resolve o contrato. Como diz Caio Mário da Silva
Pereira, ‘descumprido o contrato bilateral, abre-se uma alternativa para o
lesado, para exigir sua execução ou resolvê-lo com perdas e danos’ (Instituições
de direito civil, 11. ed. Rio de Janeiro, Forense, v. III, p. 156). A opção
pela resolução, porém, não se opera de pleno direito, ainda que tenham as
partes convencionado cláusula resolutiva expressa, na forma do CC 473. As leis
especiais que disciplinam o contrato de compromisso de compra e venda -
Decreto-lei n. 58/37, Leis n. 6.766/79 e 4.591/64 -, atenuam a dureza da
cláusula e, por normas cogentes, impõem notificação premonitória para o fim de
converter a mora, que, como visto, normalmente é ex re, em
inadimplemento absoluto. Os prazos exigidos nas leis são, respectivamente, de
15 dias para imóveis não loteados, 30 dias para imóveis loteados e 10 dias para
unidades autônomas futuras construídas pelo regime de administração (ou preço
de custo).
Como
o exercício do direito de resolução supõe e requer uma manifestação de vontade
unilateral do contratante lesado, com o propósito de formar ou extinguir
relações jurídicas concretas, a doutrina mais moderna o tem tratado como
direito potestativo. Fala-se, assim, em direito formativo (porque transforma um
estado jurídico) extintivo (porque essa transformação desfaz a eficácia
jurídica já produzida) (Aguiar Júnior, Ruy Rosado. Extinção dos contratos
por incumprimento do devedor- resolução. 2. ed. atualizada. Rio de
Janeiro, Aide, 2003, p. 26). Ao contrário do que afirmam alguns doutrinadores,
a cláusula resolutiva expressa não se confunde com a condição resolutiva. No
dizer de Pontes de Miranda, não se pode elevar o inadimplemento a uma condição,
em sentido técnico. Na verdade, o inadimplemento faz apenas nascer ao credor o
direito formativo à resolução. A condição seria, então, o exercício desse
direito pelo credor, o que é inadmissível (Pontes de Miranda. Tratado de
direito privado. Revista dos Tribunais, 1984, t. XXV, p. 338). Em termos
diversos, ocorrendo o inadimplemento do promitente comprador, o contrato não se
encontra extinto, mas nasce para o promitente vendedor a opção entre cobrar o
preço ou resolver o contrato. A notificação, assim, não serve para constituir o
promitente comprador em mora, mas sim para convertê-la em inadimplemento
absoluto e, com isso, abrir caminho para o exercício do direito potestativo de
resolução. Tanto isso é verdade que o pagamento das parcelas fora da data
aprazada, mas antes da interpelação, certamente será acrescido dos juros e
multa moratórios (Azevedo Júnior , José Osório de. ‘Compromisso de Compra e
Venda’. In: Cahali, Youssef (coord.). Contratos nominados: doutrina e
jurisprudência. Editora Saraiva, 1995, p. 286).
O
descumprimento que dá margem à resolução é o definitivo, pela impossibilidade
do devedor ou pela inutilidade da prestação para o credor. Cabe invocar, aqui,
a clássica lição de Agostinho Alvim, para quem ‘há inadimplemento absoluto
quando não mais subsiste para o credor a possibilidade de receber a prestação;
há mora quando persiste essa possibilidade’ (Alvim Agostinho. Da
inexecução das obrigações e suas consequências. Editora Saraiva, 1959, p.
46). Há, assim, falta imputável ao devedor, que torna irrecuperável o
cumprimento da prestação, ainda que tardio. A obrigação, pois, não foi
cumprida, nem poderá mais sê-lo. Disso decorre ser inviável a resolução
decorrente de simples mora, ou seja, quando persiste, ainda, a possibilidade e
o interesse do credor no recebimento da prestação. A mora, no caso, tem dois
efeitos fundamentais: por um lado obriga o devedor a reparar os danos que causa
ao credor o atraso no cumprimento; por outro, lança sobre o devedor o risco da
impossibilidade da prestação. A resolução do contrato, porém, não é um efeito
da mora, mas só nasce para o credor quando a mora se converter em não
cumprimento definitivo da obrigação (Varela, João de Matos Antunes. Das
obrigações em geral. 6. ed. Coimbra, Almedina, 1996, v. II, p. 124).
A
notificação pode ser judicial ou extrajudicial. Já se admitiu inclusive a
notificação por simples carta com aviso de recebimento, desde que resulte
inequívoco que o devedor tomou conhecimento do ato (TJSP, Ap. cível n.
497.173.4/4-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j. 25.05.1997). Não se aceitam, porém,
simples convites para comparecimento à sede da credora, ou meras cartas ou
avisos de cobrança, sem a ressalva expressa da finalidade de conversão da mora
em inadimplemento absoluto (TJSP, Ap. cível n. 337.153.4/5-00, 4ª Câm. Dir.
Privado, j. 09.03.2006). Encontra-se em plena vigência a Súmula n. 76 do
Superior Tribunal de Justiça: ‘A falta de registro do compromisso de compra
e venda de imóvel não dispensa a prévia interpelação para constituir em mora o
devedor’. Em determinados casos, quando litigam as partes em ação diversa -
consignação em pagamento, anulatória de cláusula contratual, inexigibilidade de
crédito - e resulta claro que o promitente comprador não deseja purgar a mora,
mas discutir ou negar a dívida, a notificação perde sua finalidade e pode ser
dispensada. Nos demais casos, a ausência de notificação leva à carência da ação
de resolução do contrato, por falta de inadimplemento absoluto.
Não
é qualquer inadimplemento que leva à resolução do contrato, mas somente o
substancial. A sanção radical da extinção do contrato deve corresponder à falta
de proporcional gravidade, sob pena de se violar o princípio da boa-fé
objetiva, na sua função de controle. O melhor entendimento, adotado por
inúmeros julgados do Superior Tribunal de Justiça, é o de que a extinção do
contrato por inadimplemento do devedor somente se justifica quando a mora causa
ao credor dano de tal envergadura que não lhe interessa mais o recebimento da
prestação devida, pois a economia do contrato está afetada. O Ministro Ruy
Rosado de Aguiar Júnior, no julgado líder, assentou posição de que ‘o
adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a
propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda
do interesse na continuidade da execução, que não é o caso’ (REsp n.
272.739/MG).
Caso
típico de incidência da teoria do adimplemento substancial é o do compromisso
de compra e venda com preço diferido ao longo do tempo, quando restam apenas
algumas poucas parcelas sem pagamento. As parcelas já pagas atingem percentual
elevado do preço total, de modo que o equilíbrio contratual já não mais é
rompido pelo descumprimento. Em tal caso, pode o promitente vendedor executar
as parcelas faltantes do preço, mas não pedir a resolução do contrato.
Aplica-se então a teoria da mitigação (doctrine of mitigation), segundo
a qual o credor deve colaborar, apesar da inexecução do contrato, para que não
se agrave, por sua ação, o resultado danoso (Aguiar Júnior, Ruy Rosado de. Extinção
dos contratos por do devedor. 2. ed. Rio de Janeiro, Aide, p. 136).
A
resolução do contrato por inadimplemento depende de intervenção judicial ou,
decorrido o prazo de purgação da mora, opera extrajudicialmente? No que se
refere aos imóveis não loteados, o entendimento amplamente majoritário é no
sentido de que ainda na presença de cláusula resolutiva expressa, não pode a
estipulação persistir, à luz do art. 1° do Decreto-lei n. 745/69, que alterou o
art. 22 do Decreto-lei n. 58/37, norma de natureza cogente. O novo Código Civil
não alterou as normas de leis especiais que regem a matéria. A resolução
depende de reconhecimento judicial, e o pedido de reintegração de posse é
cumulativo e sucessivo. Em termos diversos, a reintegração pressupõe necessariamente
a resolução do contrato e dela é consequência.
Reconheço
a existência de alguma vacilação jurisprudencial, mas o entendimento
predominante do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de se exigir a prévia
resolução do contrato e a consequente reintegração de posse, como pedido
sucessivo. Nesse sentido, assentou o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
julgado com a seguinte ementa: I - A cláusula de resolução expressa, por
inadimplemento, não afasta a necessidade da manifestação judicial para verificação
dos pressupostos que justificam a resolução do contrato de promessa de compra e
venda de imóvel. II - A ação possessória não se presta à recuperação da posse,
sem que antes tenha havido a rescisão (rectius, resolução) do contrato.
Destarte, inadmissível a concessão de liminar reintegratória em ação de
rescisão de contrato de compra e venda de imóvel’ (REsp n. 204.246/MG).
Seguiu
tal julgado a esteira de anterior precedente do Superior Tribunal de Justiça,
rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, no REsp n. 237.539/SP, nestes termos: ‘Logo, o
litígio há de ser solucionado em juízo, e no processo será apreciada não apenas
a existência da cláusula, mas também a verificação das circunstâncias que
justifiquem a resolução do contrato, pois bem pode acontecer que o inadimplemento
não tenha a gravidade suficiente para extinguir o contrato. Com isso quero
dizer que a cláusula de resolução expressa não afasta, em princípio, a
necessidade da manifestação judicial, para verificação dos pressupostos que
justificam a cláusula de resolução. A própria lei já tratou de flexibilizar o
sistema do Código ao exigir a notificação prévia (art. 1º do Decreto-lei n.
745/69), a mostrar que as relações envolvendo a compra e venda de imóveis,
especialmente em situação como a dos autos, de conjunto habitacional para
população de baixa renda, exigem tratamento diferenciado, com notificação
prévia e apreciação em concreto das circunstâncias que justificam a extinção do
contrato, atendendo ao seu fim social. No sistema brasileiro, a regra é que a
resolução ocorra em juízo, uma vez que somente ali poderá ser examinada a
defesa do promissário, fundada, entre outras causas, em fato superveniente e no
adimplemento substancial, as quais, se presentes, impediriam a extinção do
contrato’.
No
que se refere aos imóveis loteados, o art. 32 da Lei n. 6.766/79 dispõe que no
caso de inadimplemento de qualquer das parcelas do preço, após interpelação dos
compromissários compradores, o contrato estará automaticamente resolvido, com
cancelamento do registro imobiliário, e a posse do compromissário comprador se
tornará injusta, em razão da precariedade, cabendo a reintegração de posse do
imóvel. Apesar do expresso texto de lei, parece melhor exigir-se a resolução
judicial do contrato. As razões dessa equiparação são expostas com clareza por
José Osório de Azevedo Júnior: a) inadimplemento absoluto ou relativo
pressupõe culpa do devedor, sem o que é mero retardamento, e envolve o exame de
matéria de fato, insuscetível de análise pelo registrador, sem prévio contraditório;
b) se a resolução de compromisso de imóvel não loteado exige
pronunciamento judicial, seria um contrassenso que no caso de imóvel loteado,
em que há maior disparidade de forças, dispensasse-se a intervenção do Poder
Judiciário; c) se a resolução opera com força ex tunc, devem
retornar as partes ao status quo ante e seria impossível, na esfera
administrativa, o Oficial do Registro Imobiliário apurar o quantum do
preço devolvido, além de indenizações por acessões e benfeitorias (Azevedo
Júnior, José Osório de. Compromisso de compra e venda. 3. ed. Malheiros,
p. 112/114). Embora a jurisprudência colecione precedentes em ambos os
sentidos, recente julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo assentou o
seguinte: ‘Compromisso de Compra e venda. Imóvel loteado. Inadimplemento do
compromissário comprador. Resolução extrajudicial do contrato, com fundamento
no art. 32 da Lei n. 6.766/79. Ajuizamento de ação de reintegração de posse com
pedido de concessão de liminar. Impossibilidade sem prévia resolução judicial
do contrato. Extensão aos imóveis loteados do regime resolutório dos imóveis
não loteados. Indeferimento da liminar mantida. Recurso não provido’ (A I n.
422.973.4/1- 00,24.11.2005).
Finalmente,
no que se refere às unidades autônomas futuras, construídas por regime de
administração, os tribunais admitem a aplicação do art. 63 da Lei n. 4.591/64.
Após notificação do condômino inadimplente para purgar a mora em 10 dias, o
contrato se resolve sem intervenção judicial, e os direitos do promissário
comprador podem ser levados a leilão extrajudicial, para com o produto
reembolsar os adiantamentos dos demais condôminos para levantamento da obra.
Persiste
dúvida se o mesmo regime jurídico se estende às unidades futuras construídas em
regime de empreitada a preço global, certo e determinável. Aparentemente existe
contradição entre as regras do art. 63, que pressupõem a reversão do produto do
leilão extrajudicial da unidade aos condôminos que custearam a obra, e a
construção a preço fechado, em que a edificação é paga pela
construtora/incorporadora, sem repasse da quota do inadimplente aos demais
adquirentes. Ocorre que a Lei n. 4.864/65, em seu art. 1º, VII, estende às
incorporações a preço fechado a possibilidade de resolução e venda
extrajudicial da unidade futura do inadimplente ao construtor e incorporador. O
que acima foi dito em relação ao imóvel loteado aqui se reproduz, pois a
resolução e venda extrajudicial impedem a aferição de inadimplemento culposo e
subtraem o mecanismo de devolução de parte do preço pago pelo adquirente.
Há,
porém, precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo estendendo às
incorporações por empreitada a preço certo o regime do art. 63 da Lei n.
4.591/64: ‘Incorporação. Regime de empreitada a preço certo. Alienação
extrajudicial de unidade, decorrente de rescisão do compromisso em razão da
mora dos adquirentes. Alegação de nulidade do leilão, por não previsto
expressamente no contrato, só cabível para o regime de construção a preço de
custo e inadequado para obra já pronta e com posse entregue. Vícios inexistentes.
Incidência das disposições da Lei n. 4.864, de 29.11.1965, que criou medidas de
estímulo à construção civil e ampliou o âmbito das vendas extrajudiciais
decorrentes do inadimplemento dos compradores, com poderes, para tanto,
delegados à própria incorporadora. Improcedência da ação declaratória dos
adquirentes e procedência da ação de imissão de posse do arrematante. Sentença
mantida. Apelação não provida’. (Ap. cível n. 180.020-4/0-00, rel. José Roberto
Bedran, j. 08.082006).
A
resolução, nos contratos de execução diferida e fracionada, provoca efeitos ex
tunc, retornando as partes ao estado anterior, com composição das perdas e
danos por parte do contratante inadimplente. No dizer de Ruy Rosado de Aguiar
Júnior, a resolução produz efeitos liberatórios e recuperatórios. Produz a
liberação de ambas as partes, que tornam ao estado anterior. Produz o direito à
restituição das prestações já pagas, que, no caso do compromisso de venda e
compra, implica na devolução da coisa ao promitente vendedor e do preço ao
promitente comprador (Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2.
ed. Aide, p. 259). O promitente vendedor devolve o preço e o promitente
comprador devolve a coisa ocupada, como consequência natural da resolução e
independentemente de pedido expresso da parte. Fixou o Superior Tribunal de
Justiça em inúmeras oportunidades, que ‘em havendo rescisão do compromisso
de compra e venda, o desfazimento da relação contratual implica,
automaticamente, como decorrência lógica e necessária, na restituição das
prestações pagas, reservada uma parte, que fica deduzida, em favor da
alienante, para ressarcir-se de despesas administrativas, sendo desnecessário
que tal devolução conste nem do pedido exordial (quando o autor é o vendedor),
nem da contestação (quando o autor é o comprador), por inerente à natureza da
lide’ (REsp n. 500038/SP, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior). Logo,
resolvido o contrato, não há necessidade de reconvenção ou mesmo de pedido
contraposto para a devolução das parcelas pagas pelo promitente comprador,
compensadas com as perdas e danos. O juiz pode de ofício determinar a
restituição, como seu efeito natural.
O
retorno ao estado anterior decorrente da natureza da resolução, com composição
de perdas e danos, levou à interessante situação, na qual o promitente
comprador que deixou de pagar as parcelas do preço tem interesse em postular a
extinção do contrato, para reaver ao menos parte do valor já pago. Como explica
o autorizado Ruy Rosado de Aguiar Júnior, ‘o devedor pode propor a demanda
quando fundamentar o pedido na superveniente modificação das circunstâncias,
com alteração da base objetiva do negócio. É o que tem sido feito com muita
intensidade relativamente a contratos de longa duração para aquisição de
unidades habitacionais, em que os compradores alegam a insuportabilidade das
prestações reajustadas por índices superiores aos adotados para a atualização
dos salários’ (Extinção dos contratos por incumprimento do devedor.
2. ed. Aide, p. 165).
O
Superior Tribunal de Justiça, em dezenas de julgados, assentou admitir-se ‘a
possibilidade de resilição do compromisso de compra e venda por iniciativa do
devedor, se este não mais reúne condições econômicas para suportar o pagamento
das prestações avençadas com a empresa vendedora do imóvel’ (EREsp n.
59.870/SP, rel. Min. Barros Monteiro, DJU 09.12.2002; REsp n. 78.221/SP, rel
Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 26.08.2003, DJ 29.09.2003 p. 253, muitos
outros).
A
posição, que se encontrava absolutamente sedimentada nos tribunais, teve recente
revés. Julgado do Superior Tribunal de Justiça criou limitação temporal ao
direito do promitente comprador pedir a resolução do contrato por
impossibilidade superveniente. Entendeu que a iniciativa somente pode ser
tomada pelo adquirente até a entrega das chaves ou imissão na posse do imóvel
(REsp n. 476780/MG, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 11.06.2008).
Constam
do corpo do aresto as seguintes passagens, para justificar a limitação temporal
do pedido de resolução: ‘deve haver, evidentemente, um limite fático-temporal
para o exercício deste direito reconhecido na situação em que, diversamente do
comum dos casos, ele é investido na posse do imóvel e passa a ocupá-lo ou
alugá-lo a terceiros, transformando o apartamento, que era novo, em usado, iniciando
o desgaste que ocorre com a ocupação, alterando o valor comercial do bem, que
naturalmente, quando vendido na denominada 1ª locação, tem maior valia’.
E
arremata o julgado: ‘se a desistência unilateral pelo comprador puder ser
postergada para além da ocupação do imóvel, isso ameaça a integridade de obras
futuras, posto que um capital disponibilizado para um empreendimento seguinte,
já em andamento, sofrerá corte pela restituição que se imporá ante a
desconstituição de uma venda implementada em todos os sentidos, notadamente
pela entrega e ocupação do imóvel, que passa de novo a usado’.
A
crítica que se faz à recente alteração de posicionamento é que, na verdade, a
justificativa do pedido de resolução por iniciativa do adquirente nunca foi o
simples arrependimento, pois o contrato é irretratável, mas sim a
impossibilidade superveniente de arcar com o pagamento do preço. O
inadimplemento fatalmente ocorrerá, com a resolução do contrato ou a execução
do preço, e a consequência prática da alteração é apenas impedir a iniciativa
do adquirente, após a imissão na posse.
Parece
mais razoável, ao invés de limitar a iniciativa do pedido de resolução no
tempo, limitando-a à data da imissão na posse, exigir prova da impossibilidade
superveniente do promitente comprador e dosar com rigor as perdas e danos
sofridas pelo promitente vendedor com a utilização e depreciação do imóvel pelo
adquirente. Constata-se que em sede de cumprimento de sentença de muitos
julgados, as perdas e danos do promitente vendedor foram subestimados, de modo
que o valor a restituir, muitas vezes, iguala-se ou mesmo supera o valor atual
e depreciado do imóvel. A correção de tal distorção não se dá pela limitação da
iniciativa do pedido de resolução, mas sim pelo cálculo cuidadoso das perdas e danos
sofridos pelo promitente vendedor, a serem compensados com a devolução de
parcelas do preço, especialmente determinando valor de mercado de retribuição
pelo uso do imóvel, com termo inicial na data da ocupação.
Tem
o juiz a delicada tarefa de calibrar a cláusula penal, tornando-a proporcional
aos reais prejuízos do promitente vendedor. Deve levar em conta, assim, as
despesas administrativas, fiscais e com intermediação da venda frustrada por
circunstância superveniente imputável aos adquirentes. Não se pode esquecer de
eventual depreciação, ou mesmo de valorização do imóvel, para chegar ao justo
montante das perdas e danos. Deve levar em conta, sobretudo, eventual período
de ocupação do imóvel pelo promitente comprador, desde a entrega da posse direta
até a efetiva devolução das chaves ao promitente vendedor. Note-se que a
indenização pela ocupação, ao contrário do que se vê em muitos julgados, deve
ter termo inicial na data da imissão da posse, e não na data do inadimplemento,
sem o que não haveria efetivo retorno das partes ao estado anterior, diante do
enriquecimento sem causa do promitente comprador, que ocuparia gratuitamente o
imóvel durante certo lapso de tempo. Todas essas verbas devem ser compensadas
com a devolução das parcelas do preço pagas. Em certos casos, mesmo a perda
integral das parcelas do preço não será suficiente para cobrir os danos da
parte inocente do contrato.
No
que se refere às arras, ou sinal, é entendimento corrente do Superior Tribunal
de Justiça que ‘compreendem-se no percentual a ser devolvido ao promitente
comprador todos os valores pagos à construtora, inclusive as arras’ (REsp n.
355.818/MG, rel. Min. Aldir Passarinho Junior; REsp n. 23.118/MG, rel. Min.
Nancy Andrighi; REsp n. 257.582/PR, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar). Entender o
contrário seria, por via oblíqua, consagrar o enriquecimento sem causa do
promitente vendedor, em frontal vulneração ao princípio cogente do equilíbrio
contratual, especialmente quando se trate de arras confirmatórias. Também se
entende ‘abusiva a cláusula que fixa a multa pelo descumprimento do contrato
com base não no valor das prestações pagas, mas no valor do imóvel, onerando
demasiadamente o devedor’ (Ag. Reg. nos Emb. Decl. no AI n. 664744/MG, rel.
Min. Sidnei Beneti, j. 26.08.2008).
Decidiu
em data recente o Tribunal de Justiça de São Paulo que o crédito relativo à
devolução das parcelas é da natureza da resolução, de modo que a pretensão está
sujeita ao prazo prescricional ordinário, não ao trienal do enriquecimento sem
causa (TJSP, Ap. cível n. 486.081.4/9-00, 4ª Câm. Dir. Privado j. 24.05.2007).
Além
disso, o crédito correspondente à devolução de parte das parcelas pagas rende
juros de mora. A dúvida que persiste é o termo inicial da contagem dos juros.
Inicialmente, entendeu-se que a mora não é do descumprimento do contrato
resolvido, mas sim da obrigação de devolução de parte do preço pago. Decidiu em
tal sentido o Superior Tribunal de Justiça que, ‘tratando-se de
responsabilidade contratual, a mora constitui-se a partir da citação, e os
juros respectivos devem ser regulados, até a data da entrada em vigor do novo
Código, pelo art. 1.062 do diploma de 1916, e, depois dessa data, pelo CC 406
do atual Código Civil’ (REsp n. 594486/MG, rel. Min. Castro Filho). Decisão
mais recente da mesma Corte, contudo, adotou posicionamento diferente,
entendendo que ‘na hipótese de resolução contratual do compromisso de compra e
venda por simples desistência dos adquirentes, em que postulada, pelos autores,
a restituição das parcelas pagas de forma diversa da cláusula penal
convencionada, os juros moratórios sobre as mesmas serão computados a partir do
trânsito em julgado da decisão (REsp n. 1008610/RJ, rel. Min. Aldir Passarinho,
j. 26.03.2008). Entendo mais adequada a primeira corrente, que manda pagar os
juros moratórios contados da citação, momento em que tem o promitente vendedor
conhecimento da pretensão de restituição de parte do preço pago pelo
adquirente. A segunda corrente, que manda pagar os juros de mora a contar do
trânsito em julgado, aparentemente viola o que dispõe o CC 405, além de
estimular a litigância e o retardamento dos julgamentos, com sucessivas
interposições de recursos, postergando o momento trânsito.
A
cláusula que determina a perda das acessões e benfeitorias erigidas pelo promitente
comprador segue o mesmo regime jurídico acima referido. Tem, sem dúvida, a
natureza de cláusula penal compensatória, sujeita, portanto, ao regime do CC
413. O art. 34 da Lei n. 6.766/79, norma cogente aplicável aos imóveis
loteados, dispõe serem indenizáveis as benfeitorias necessárias e úteis levadas
a efeito pelo adquirente. Apenas diz não serem indenizáveis as benfeitorias
erigidas em desacordo com o contrato ou com a lei. Não há como acolher, porém,
a tese de que a acessão não é indenizável, porque clandestina e irregular junto
a órgãos municipais. O que menciona o art. 34, parágrafo único, da Lei n.
6.766/79, não é a aprovação da construção, mas sim que esteja esta de acordo
com a lei. Entender o contrário significaria que a construção irregular na
esfera administrativa, mas com inegável valor de mercado, seria adquirida a
título gratuito pelo promitente vendedor, em manifesto enriquecimento sem
causa. Claro que as despesas correspondentes à regularização do imóvel deverão
ser abatidas da indenização, como decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo,
em caso recente (TJSP, Ap. cível n. 425.300.4/3-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j.
01.03.2007).
Não se
pode também deixar de perceber nítida tendência dos empreendedores cm tentar a
fuga das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor e do CC 413 sob a
criação de novas formas societárias. A tendência dos tribunais é no sentido de
desprezar a estrutura jurídica da empreendedora - associação, clube de
investimento, cooperativa ou sociedade - com o objetivo de alienação de
unidades autônomas futuras, em construção ou a construir, ou de alienação de
lotes. O que se privilegia é a natureza da atividade, que sempre consiste, com
maior ou menor variação, em serviços remunerados de construção de unidade
autônoma futura, vinculada a fração ideal de terreno, ou de lotes (cf., entre
dezenas de outros, TJSP, Ap. cível n. 479.000.4/4-00, 4ª Câm. Dir. Privado j.
24.05.2007). Questão delicada é a da necessidade das cooperativas promoverem o
registro da incorporação imobiliária, antes de lançar ao público
empreendimentos de venda associativa de unidades autônomas futuras ou em
construção. São omissas a Lei n. 4.591/64 e as Normas da Corregedoria Geral cia
Justiça de São Paulo a respeito do tema. A princípio, não há necessidade da
incorporação, pois inútil aos cooperados, que constroem pelo regime associativo
de preço de custo da obra. Admite-se, porém, a necessidade do aludido registro,
inclusive de sua efetivação por determinação judicial, desde que presentes dois
requisitos cumulativos: a) a existência de indícios de que a forma social
cooperativa mascara atividade empresarial; b) a utilidade do registro aos cooperados,
permitindo-lhes maior e eficaz garantia do recebimento das unidades autônomas
futuras (TJSP, AI n. 471.689.4/9-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j. 07.12.2006)”. (Francisco
Eduardo Loureiro, apud Código Civil
Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord.
Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.489-502. Barueri, SP:
Manole, 2010. Acessado 29/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
No lecionar
de Guimarães e Mezzalira, o artigo 1.417 em comento, trata de um novo direito
real de aquisição – direito do promitente comprador do imóvel (CC
1.225, VII) – não se tratando de fruição ou de garantia e diferindo em relação
à propriedade por não ser um direito pleno ou ilimitado.
A promessa
irretratável de venda é o contrato em que o compromitente-vendedor se obriga a
vender ao compromissário-comprador determinado imóvel, pelo preço, condições e
modos especificados, outorgando-lhe a escritura definitiva tão logo se dê o
adimplemento da obrigação. Uma vez pago o preço, o promissário-comprador
adquire direito real à aquisição do bem, podendo exigir a escritura do vendedor
ou de terceiros cedidos e, em caso de recusa, socorrer-se-á da adjudicação
compulsória (Diniz, 2011, p. 419).
São
características do instituto a irretratabilidade do negócio, não podendo
haver cláusula de arrependimento, recaindo sobre bens imóveis loteados ou não,
onde o preço seja pago à vista ou mediante prestações periódicas, com registro
no cartório de imóveis que assegure o direito real de aquisição
mencionado.
O contrato
pode ser particular ou por via de escritura pública, não exigindo a legislação
civil forma preordenada.
Súmula 239
do STJ: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro
do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.
Os
devedores devem ser interpelados para resgatarem as prestações vencidas e não
pagas (mora solvendi), sob pena de não configurar fundamento para a
rescisão do contrato (RT 184/125)
Súmula 76
STJ: “A falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não
dispensa a prévia interpelação para constituir em mora o devedor”.
Enunciado 253 CJF: “O promitente comprador, titular de direito real
(CC 1.417), tem a faculdade de reivindicar de terceiro o imóvel prometido à
venda”.
É necessária a outorga uxória quando relacionada à alienação de
bens imóveis (CC 1.647, I), aplicando-se a mesma regra em relação ao
compromisso de compra e venda, sob pena de nulificação do ato, no prazo de até
dois anos após o término da sociedade conjugal, exceto no regime da separação
de bens (CC 1.647). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com,
comentários ao CC 1.417 de 2002, acessado em 29.12.2020, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de
direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os
direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e
venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa,
requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
No entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, nesta quarta edição do Código Civil Comentado, tal como no artigo
anterior, acrescentou-se trechos de texto escrito recentemente sobre o
compromisso de compra e venda (“Responsabilidade civil no compromisso de
compra e venda”. In: Silva, Regina Beatriz Tavares da (coord.). Responsabilidade
civil e sua repercussão nos tribunais. Saraiva, série Direito-GV, p.
167-219). Justifica-se a inserção, pois o CC 1.418 regula apenas a adjudicação
compulsória, mas não loca nas demais prestações acessórias e deveres laterais
de conduta que derivam do compromisso de compra e venda e que com extrema
frequência ocorrem nos tribunais.
“As
obrigações do promitente vendedor. O dever de consentir na celebração do
contrato definitivo. A adjudicação compulsória. A entrega da posse. A
documentação relativa ao imóvel. De modo simétrico ao que foi dito no artigo
anterior, as obrigações do promitente vendedor variarão de acordo com a função,
o objetivo, a operação econômica desejada pelas partes no contrato de
compromisso de compra e venda. Caso cumpra o contrato o papel de mero
preliminar, enquanto as partes se preparam para a celebração da escritura de
compra e venda, sem dúvida a obrigação principal do promitente vendedor
consistirá em consentir no contrato definitivo. Essa obrigação de manifestar
vontade consiste num facere, juridicamente fungível, porque pode ser
suprida por decisão judicial. Desde o Decreto-lei n. 58/37, admite-se que a
emissão do consentimento prometido e injustamente negado seja suprida por
sentença judicial.
A
adjudicação compulsória, na lição de Ricardo Arcoverde Credie, pode ser
definida como ‘a ação pessoal que pertine ao compromissário comprador, ou ao
cessionário de seus direitos à aquisição, ajuizada com relação ao titular do
domínio do imóvel - que tenha prometido vendê-lo através de contrato de
compromisso de venda e compra e se omitiu quanto à escritura definitiva -
tendente ao suprimento judicial desta outorga, mediante sentença constitutiva
com a mesma eficácia do ato não praticado’ (Credie, Ricardo Arcoverde. Adjudicação compulsória.
7. ed. São Paulo, Malheiros, 1997).
Embora
defenda José Osório de Azevedo Júnior a tese da possibilidade da dispensa da
escritura definitiva, substituída pelo compromisso acompanhado de prova da
quitação, tal conclusão implica violação ao disposto no CC 108 (‘O
compromisso de compra e venda’. In: Franciuli, Neto , Domingos (coord.), Mendes,
Gilmar Ferreira & Martins Filho, Ives Gandra da Silva. O novo Código
Civil: estudos em homenagem ao prof. Miguel Reale. São Paulo, LTr, 2003, p.
450).
Não pode
prevalecer, portanto, o Enunciado n. 87 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho
da Justiça Federal, por ocasião da Jornada de Direito Civil realizada entre 11
e 13 de setembro de 2002, cujo teor é o seguinte: ‘Considera-se também título
translativo, para fins do CC 1.245, a promessa de compra e venda devidamente
quitada (CC 1.417 e 1.418 e § 6º do art. 26 da Lei n. 6.766/79)’.
Possível,
porém, que compromissos de compra e venda de imóveis de valores inferiores a
trinta salários-mínimos, desde que contenham todos os requisitos do negócio
principal, sejam neste convertidos (CC 170) e, recolhidos os impostos
correspondentes, levados diretamente a registro, com transferência plena do
direito de propriedade, em homenagem ao que dispõem os CC 104 e 108,
anteriormente comentados. De igual modo, no que se refere a imóveis loteados
destinados à população de baixa renda, o art. 26 da Lei n. 6.766/79 admite a
transferência da propriedade plena mediante registro do compromisso de venda e
compra acompanhado da prova da respectiva quitação (Bdine Júnior, Hamid Charaf.
Compromisso de compra e venda, R T 843/58 e ss).
Para que o
compromisso de compra e venda gere direito à adjudicação compulsória, deve
preencher determinados requisitos, a saber: a) que o contrato preliminar tenha
sido celebrado com observância do disposto no CC 462, ou seja, que contenha
todos os requisitos essenciais do contrato a ser celebrado, com exceção da
forma; b) que do contrato preliminar não conste cláusula de arrependimento.
Caso contrário, as partes terão a possibilidade de desistir da celebração do
negócio definitivo, de modo que não faria sentido admitir a execução
específica, restando ao prejudicado receber o valor da cláusula penal (CC 408),
as arras (CC 420) ou indenização por perdas e danos. Lembre-se, porém, que a
lei e a jurisprudência colocam diversos limites à cláusula de arrependimento e
ao momento em que pode ser alegada; c) que o promitente vendedor esteja em
mora; d) que haja adimplemento da contraprestação devida pelo promitente
comprador, se exigível.
O CC
1.418, ora comentado, menciona dever ser o compromissário comprador titular de
direito real, vale dizer, o compromisso de compra e venda se encontrar
registrado, para que possa exigir a adjudicação compulsória. Tal exigência
constitui manifesto retrocesso e ofende todo o entendimento doutrinário e jurisprudencial
construído sobre o tema. A Súmula n. 239 do Egrégio STJ condensa o entendimento
dos tribunais: ‘O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao
registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis’.
Admitir
interpretação literal do CC 1.418, ou seja, o registro como requisito para a
adjudicação, criaria manifesta contradição em termos. Os demais contratos
preliminares admitiriam execução específica, à exceção do mais relevante deles,
que é o compromisso de compra e venda. Além disso, geraria situação de
manifesta injustiça. Colocaria o promitente comprador, cujo contrato não obteve
registro por falha meramente formal - erro na menção de um dado pessoal das
partes, ou de uma medida perimetral - nas mãos do promitente vendedor, que
poderia exigir vantagem indevida para outorgar a escritura devida.
Para
contornar a exigência absurda criada pelo atual Código Civil, necessária se faz
interpretação construtiva, com saída técnica e razoável para a questão. Basta
entender que adjudicação compulsória é espécie do gênero execução de obrigação
de fazer, de prestar declaração para concluir contrato (art. 498 do CPC). Logo,
o promitente comprador com título registrado usa a espécie adjudicação
compulsória (CC 1.418), enquanto o promitente comprador sem título registrado
usa o gênero do art. 498 do Código de Processo Civil, que alberga todos os
contratos preliminares. O resultado prático é rigorosamente o mesmo e produzirá
a sentença judicial todos os efeitos do contrato ou declaração não emitida.
A única e
relevante diferença entre ambas as situações - contrato registrado e sem
registro - é a oponibilidade perante terceiros. Se o imóvel tiver sido alienado
nesse meio tempo a terceiro de boa-fé, que obteve o registro, o promitente
comprador sem título registrado terá direito apenas de exigir do promitente
vendedor a devolução do preço, mais perdas e danos, mas não a sentença
substitutiva da escritura de venda e compra. Se o contrato estiver registrado,
produz efeito erga omnes e impede a disposição e a criação de direito
real antagônico.
Em suma, o
registro do contrato preliminar no oficial competente não é requisito para que
o contratante possa exigir a celebração do contrato principal, mas mero
pressuposto de oponibilidade a terceiros de boa-fé.
Situação
extremamente comum é a do promitente vendedor não ter o domínio do imóvel ou,
ainda, a outorga de escritura registrável depender de uma série de providências
para a regularização da propriedade, tais como aprovação de loteamento,
desmembramento, instituição de condomínio edilício, retificação do registro,
apresentação de certidões negativas fiscais, ou outros entraves. Em tais casos,
a sentença de adjudicação compulsória, ou sentença substitutiva de vontade, será
inócua, porque inábil para ingressar no registro imobiliário. Lembre-se que a
sentença apenas substitui o contrato definitivo e está sujeita, como qualquer
título, ao exame qualificador do oficial registrador e à obediência aos
princípios registrários.
O
promitente comprador, diante de tais obstáculos, terá execução de obrigação de
fazer distinta contra o promitente vendedor, qual seja, a de promover a
regularização do imóvel para, ato subsequente, outorgar a escritura, ainda que
em pedidos sucessivos formulados na mesma inicial. Se a obrigação de
regularizar não for juridicamente fungível, como na prática via de regra não o
é, o pedido cominatório se mostra perfeitamente adequado para compelir o
devedor a cumprir com exatidão a prestação de transmitir domínio hígido ao
adquirente. Muitas vezes, não resta outra opção ao adquirente que pretenda
regularizar a situação dominial de seu imóvel que não a ação de usucapião.
Ainda que a prestação de regularizar não esteja expressamente avençada, é um
daqueles deveres acessórios, ou laterais, que interessam ao exato cumprimento
da prestação principal, em homenagem ao princípio da boa-fé objetiva e da
obrigação vista como processo.
Em casos
excepcionais, em que a regularização dos entraves formais ao registro da escritura
- e da sentença que a substitui - encontre-se em vias de ser atingida, pode ter
a ação de adjudicação compulsória utilidade ao promitente comprador. Estará o
adquirente munido de título, ciente, porém, de que o ingresso no registro de
imóveis está subordinado a prévias medidas ou providências formais. Em caso
recente, assim julgou o Tribunal de Justiça de São Paulo: ‘Compromisso de venda
e compra. Contrato particular quitado, porém não levado a registro perante o
Oficial de Registro de Imóveis. Impossibilidade de registro de lote situado em
loteamento irregular. Carência da ação afastada. Apreciação do mérito, com
fulcro no art. 1.013, § 3º, do CPC. Loteamento que se encontra em vias de
regularização, já obtida a aprovação da Prefeitura Municipal de Guarulhos.
Interesse em postular a adjudicação. Reconhecimento do direito dos autores ao
suprimento judicial da outorga da escritura definitiva do imóvel,
ressalvando-se que a aquisição do domínio pelo registro somente poderá ser
feita após a regularização do empreendimento. Remessa dos autos ao Ministério
Público para apuração de crime previsto na Lei n. 6.766/79. Ação parcialmente
procedente. Recurso provido em parte’ (TJSP, Ap. cível n. 341.210.4/0-00, j.
07.08.2008).
O
inadimplemento do promitente vendedor faz nascer obrigação alternativa em favor
do promitente comprador. Pode ajuizar a execução de obrigação de fazer - ou
adjudicação compulsória - ou, ainda, pedir a resolução do contrato, cumulada
com perdas e danos.
Não está
sujeita a adjudicação compulsória a prazo prescricional. Cuida-se de direito
potestativo, podendo ser exercido a qualquer tempo em face do promitente
vendedor, que somente cede frente a usucapião consumado em favor de terceiro
(STJ, REsp n. 369206/MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar).
Além da
obrigação de outorgar a escritura definitiva, assume o promitente vendedor
outras obrigações, especialmente no caso de o compromisso de compra e venda ter
a função de garantia do recebimento do preço. Ganha relevo, nessa hipótese, a
obrigação de entregar a posse da coisa desimpedida ao adquirente. O
inadimplemento gera ao promitente comprador a pretensão de ver-se imitido na
posse, estando ou não o seu contrato registrado. Mostra-se rigorosamente
irrelevante o nome que se dê à ação. O que interessa é seu fundamento no ius
possidendi, vale dizer, o direito de obtenção da posse como efeito da
titularidade de uma relação jurídica de direito pessoal ou real preexistente. O
Superior Tribunal de Justiça, em mais de uma oportunidade, assentou não ser
‘necessário o registro para o ingresso da ação petitória de imissão de posse,
na forma de precedente da Corte’ (REsp n. 25871 l/SP, rel. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito, j. 24.04.2001). Isso porque, segundo aquele tribunal,
‘obrigando-se o promitente vendedor no contrato a proceder a entrega do imóvel
ao compromissário comprador, desde logo ou em determinado tempo, a este é
facultado o exercício da ação de imissão de posse, ainda que não esteja a
promessa registrada no álbum imobiliário” (REsp n. 93015/PR, rel. Min. Barros
Monteiro, RST) 92/283).
Ocorre que
em casos frequentes a entrega da posse ao promissário comprador está
subordinada à prévia construção da acessão, especialmente sob a forma de
unidade autônoma, no regime da incorporação imobiliária da Lei n. 4.591/64. A
obrigação deixa de ser apenas de dar e envolve um fazer que, via de regra, é
juridicamente infungível. Cabe ao promissário comprador exigir a entrega da
coisa, sob pena de incidência de multa, ou, então, resolver o contrato por
inadimplemento do promitente vendedor, recuperando a totalidade das parcelas
pagas, acrescidas de danos materiais e, em certos casos, também morais. Note-se
que aqui não se cogita de impossibilidade superveniente do adquirente, mas de
inadimplemento do alienante, razão pela qual a devolução é da integralidade das
parcelas pagas, sem qualquer retenção e acrescida de perdas e danos. Decidiu o
Superior Tribunal de Justiça que ‘resolvida a relação obrigacional por culpa do
promitente vendedor que não cumpriu a sua obrigação, as partes envolvidas
deverão retornar ao estágio anterior à concretização do negócio, devolvendo-se
ao promitente vendedor faltoso o direito de livremente dispor do imóvel,
cabendo ao promitente comprador o reembolso da integralidade das parcelas já
pagas, acrescida dos lucros cessantes’. (REsp n. 644984/RJ, rel. Min. Nancy
Andrighi).
Questão
ligada à entrega da posse do imóvel, interessante e atual, a ser abordada como
pressuposto da resolução é a da quebra antecipada do contrato. Há situações em
que se pode deduzir, conclusivamente, que o contrato não será cumprido, de tal
forma que não seria razoável aguardar o vencimento da prestação, ou obrigar o
contratante fiel e cumprir, desde logo, a prestação correspectiva. Não há,
propriamente, quebra da prestação principal ainda não vencida, mas sim quebra
da confiança no cumprimento futuro, pautada em elementos objetivos e razoáveis.
Admite-se, em tais casos, a resolução do contrato, desde logo. Tomem-se como
exemplos casos recentes, em que se contratou a aquisição futura de apartamento,
a ser construído, mediante pagamento parcelado. Aproximando-se a data da
entrega da unidade, sem que nem as fundações do edifício estivessem concluídas,
razoável supor que não seria entregue na data aprazada ou próxima. Viável a
resolução, abrindo desde logo ao adquirente a possibilidade de reaver os
valores pagos e de exonerar-se dos pagamentos vincendos. No dizer de Ruy Rosado
de Aguiar Júnior, é possível o inadimplemento antes do tempo sempre que o
devedor pratica atos nitidamente contrários ao cumprimento, de tal sorte que se
possa deduzir conclusivamente, diante dos dados objetivos existentes, que não
haverá cumprimento. Evidenciada a impossibilidade da prestação, há quebra da
confiança e desaparece o interesse social na manutenção de um vínculo que
somente gerará lesão ao contratante inocente (Extinção dos contratos por
incumprimento do devedor. 2. ed. revista e atualizada. Aide, p. 130). Foi
decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo o seguinte, a respeito do tema:
‘Compromisso de compra e venda. Resolução do contrato por atraso na entrega da
obra. Quebra antecipada por violação positiva do contrato. Descompasso entre o
cronograma e o andamento da obra, com clara indicação de não entrega na data
prevista. Inadimplemento antecipado da obrigação da empreendedora. Efeito ex
tunc da sentença resolutória. Restituição integral, atualizada e imediata
das parcelas pagas. Ação procedente. Recurso improvido’ (TJSP, Ap. cível n.
306.617.4/1-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j. 02.02.2006).
Não basta
a entrega física da posse do imóvel ao promitente comprador. A celebração do
contrato definitivo de compra e venda exige também perfeição jurídica. Isso
envolve, no caso de promessa de venda de unidade autônoma futura, a expedição
do habite-se e a instituição do condomínio edilício (Lei n. 4.591/64). No caso
de imóvel loteado, o prévio registro do loteamento e a realização de obras de
infraestrutura (Lei n. 6.766/79). Não se pode esquecer que o compromisso de
compra e venda é contrato translativo, que visa, em última análise, a aquisição
da propriedade imóvel. Por isso, deve o promitente vendedor atender todos os
requisitos substanciais, formais, fiscais e administrativos para que o contrato
e a futura escritura possam ingressar no registro imobiliário e provocar a
aquisição da propriedade. Desdobros, desmembramentos, retificações do registro,
averbações de construções, certidões negativas fiscais e previdenciárias,
enfim, tudo o que estiver sob o crivo do princípio da legalidade e passível de
qualificação pelo Oficial do Registro constituem prestações acessórias e, ainda
que não previstas no contrato, são devidas pelo promitente vendedor, para
viabilizar a prestação principal e atender o interesse do promitente comprador.
Em todos
os casos, qualquer que seja o regime jurídico do compromisso de compra e venda,
indispensável a apresentação de documentação completa do imóvel, do promitente
vendedor e, se o caso, de seus antecessores, de modo a evitar a ocorrência de
evicção total ou parcial. As certidões pessoais do alienante devem proporcionar
segurança jurídica ao adquirente. Por isso, são levadas em conta as condições e
as qualificações pessoais do promitente vendedor. O crescente desenvolvimento
da desconsideração da personalidade jurídica faz com que sejam exigíveis
pesquisas em nome da pessoa jurídica da qual o promitente vendedor é cotista, a
fim de conhecer a existência de passivos fiscais, previdenciários e
trabalhistas que possam afetar de algum modo o patrimônio dos sócios.
A ausência
ou deficiência da documentação podem provocar tanto o efeito da suspensão da
exigibilidade de parcelas do preço, proporcionais ao risco - exceptio non
rite adimpleti contractus - como em casos mais graves, nos quais se
constate violação que comprometa a economia do contrato e afete de modo
substancial o interesse da parte, até mesmo a resolução (TJSP, Ap. cível n.
503.502.4/3-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j. 29.11.2007). Evidente que, violado o
dever acessório de prestação, abre-se em favor do promitente comprador
obrigação alternativa de exigir o exato cumprimento da obrigação ou de resolver
o contrato”. (Francisco Eduardo Loureiro,
apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de
10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p.
1.504-08. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 29/12/2020. Revista e atualizada
nesta data por VD).
Segundo o
panorama exposto na Doutrina de Ricardo Fiuza, para o promitente comprador
fazer uso da ação (de direito material) cujos contornos aparecem delineados
nesse dispositivo conjugado com o precedente, faz-se mister a configuração dos
seguintes requisitos de ordem substantiva (mérito propriamente dito): a)
cumprimento cabal do que lhe competia conforme avençado no contrato; b)
recusa injustificada do promitente vendedor ou de terceiros a quem os direitos
forem cedidos, em firmar a escritura definitiva de compra e venda do imóvel; c)
inexistência de cláusula de arrependimento; d) registro do instrumento
público ou privado no Cartório de Registro de Imóveis. Sobre esse último
requisito, merece destaque a perda de eficácia da Súmula 239 do STJ, ao preconizar
que “o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do
compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”, tendo em vista que se
trata de condição necessária definida no próprio CC 1.417, ou seja, requisito
que se opera ex lege para a configuração do próprio direito real, não
podendo ser rechaçado por orientação pretoriana, ainda que sumulada, nada
obstante perfeitamente adequada, antes do advento do novo CC.
•
Atingindo o contrato o seu termo, e cumprindo integralmente o promitente
comprador com a sua pane, conforme avençado, o sistema positivado faculta-lhe a
tutela jurisdicional para a obtenção da satisfação de sua pretensão resistida,
por meio da utilização de diversas ações (materiais), variando conforme a
relação jurídica apresentada na hipótese em concreto, senão vejamos: a)
adjudicação compulsória; b) adjudicação compulsória de imissão de posse;
c) indenização por perdas e danos; d) adjudicação compulsória c/c
imissão de posse e perdas e danos; e) ação cognitiva de obrigação de
fazer com pedido cominatório; ação de execução de título extrajudicial. A ação
de adjudicação compulsória tramitará pelo rito sumário (art. 16. caput,
do Decreto-lei n. 58/37 c/c arts. 275 usque 281 do CPC/1973, [V. art.
1.046, § 1.º e 1.049 e 1.063 relacionados no CPC/2015). (sobre o tema processual
v. SoeI Dias Figueira Jr., Comentários ao CPC/1973, v. 42, t, 1, arts. 270 a
281, p. 306 a 483, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001); v.
interessante estudo de MI*CC16 Abelha Rodrigues e Flávio Cheim Jorge,
intitulado Meios processuais para a efetivação do direito do credor titular de
compromisso de compra e venda registrado e a ausência de tipicidade de ações no
sistema processual brasileiro (RePro, 103t210-22).
•
Legitimidade ativa e passiva: pelo princípio da aderência, donde exsurge o
chamado direito de sequela (oponibilidade erga omnes), o titular do
direito real de promessa de compra e venda (autor da ação = parte ativa
legítima ad causam) haverá de dirigir a demanda contra o promitente vendedor
ou contra terceiros, a quem os direitos forem cedidos, com a outorga da
escritura definitiva de compra e venda, conforme ajustado no contrato
preliminar (parte passiva legitima ad causam).
• Súmula
do STF: 413 — O compromisso de compra e venda de imóveis, ainda que não
loteados, dá direito à execução compulsória, quando reunidos os requisitos
legais.
• Súmula
do STJ: 239 — O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro
do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.
• Conforme
já assinalado anteriormente, entende-se que esta Súmula perde sua eficácia com
o advento do novo CC e a implementação do rol com o direito real de compromisso
de compra e venda. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – p. 724-25, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 29/12/2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
No dizer de Guimarães e Mezzalira, o compromissário-comprador passa a ter
direito real de aquisição em relação ao bem tão logo se veja quitado de
todas suas prestações e obrigações, sendo titular do respectivo direito de
sequela em face do vendedor – ou a quem o imóvel tenha sido transferido – dado
o efeito erga omnes gerado pelo registro imobiliário.
Havendo recusa para entrega da escritura do bem, o
compromissário-comprador poderá valer-se da ação judicial de adjudicação
compulsória, demonstrando o cumprimento total de suas obrigações pactuadas
na avença.
A ação de adjudicação compulsória tem por finalidade obter, através de
sentença, a denominada carta de adjudicação, a qual substitui a
lavratura da escritura definitiva – recusada por quem tinha o dever de emiti-la
– devendo a respectiva decisão ser levada a cartório para registro.
Caso o vendedor esteja recusando, de má-fé, o recebimento das prestações
faltantes, para livrar-se da adjudicação compulsória com o intuito de impedir a
transferência do bem, cabe ao comprador consignar em juízo os respectivos
pagamentos, para o posterior ajuizamento da competente ação (RT 783/438).
Enunciado 95 do CJF: “O direito à adjudicação compulsória (CC 1.418),
quando exercido em face do promitente vendedor, não se condiciona ao registro
da promessa de compra e venda no cartório de registro imobiliário (Súmula 239
do STJ)”.
O registro imobiliário do contrato de compromisso de compra e venda em
cartório legitima o compromissário-comprador a receber a indenização integral
em virtude de eventual desapropriação sobre o imóvel, desde que sua
obrigação esteja quitada (STF, MS nº 24.908).
O procedimento da ação de adjudicação compulsória se operava pelo
rito sumário previsto no CPC de 1973, o qual deixou de existir pela novel lei
processual (Lei 13.105/2015), não tendo sido contemplada esta demanda,
entretanto, dentre aquelas de procedimento especial (art. 539 e ss), o que a
remete ao procedimento comum. (Luís Paulo Cotrim Guimarães
e Samuel Mezzalira apud Direito.com,
comentários ao CC 1.418 de 2002, acessado em 29.12.2020, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).