CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 – COMENTADO – Art. 976
DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE
DEMANDAS REPETITIVAS - VARGAS, Paulo S.R.
LIVRO III – Art. 976 - TITULO I – DA
ORDEM DOS PROCESSO
E DOS PROCESSOS DE COMPETÊNCIA
ORDINÁRIA DOS TRIBUNAIS
– CAPÍTULO VIII – DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS – vargasdigitador.blogspot.com
976. É
cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando
houver, simultaneamente:
I –
efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão
unicamente de direito;
II –
risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
§ 1º. A
desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do
incidente.
§ 2º.
Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no
incidente e deverá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de
abandono.
§ 3º. A
inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de
qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez
satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado.
§ 4º. É
incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos
tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado
recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual
repetitiva.
§ 5º.
Não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas
repetitivas.
Sem
correspondência no CPC/1973.
1. CABIMENTO
Nos termos do art 976, caput, do CPC, é cabível o incidente de resolução de demandas
repetitivas, conhecido por IRDR, quando houver, simultaneamente, a efetiva
repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão
unicamente de direito e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
Concordo com o Enunciado 342 do Fórum
Permanente de Processualistas Civis (FPPC) no sentido de o incidente, ora
analisado, aplicar-se a recurso, remessa necessária ou a qualquer processo de competência
originária de tribunal.
O tratamento isonômico de diferentes
processos que versam sobre a mesma matéria jurídica, gerando dessa forma
segurança jurídica e isonomia, é a justificativa do incidente ora analisado,
como se pode contatar da mera leitura do art 976, caput, incisos I e II, do CPC. (Apud Daniel
Amorim Assumpção Neves, p. 1.593. Novo Código de Processo Civil
Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
2. EFETIVA REPETIÇÃO DE PROCESSOS REPETITIVOS
Cabe registrar que, no projeto aprovado
originariamente no Senado, o incidente tinha natureza preventiva porque poderia
ser instaurado quando “identificada controvérsia
com potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundada em idêntica
questão de direito”. A redação aprovada afasta essa realidade a exigir a existência
de múltiplos processos, dando a entender que a questão jurídica deve ser enfrentada
e decidida em diversos processos antes de ser instaurado o incidente
processual.
A redação final do dispositivo deve ser
elogiada porque é necessária uma maturação no debate jurídico a respeito da questão
jurídica para que só então seja instaurado o incidente de resolução de demandas
repetitivas. O dissenso inicial a respeito da mesma questão jurídica, apesar de
ofender a isonomia e a segurança jurídica, é essencial para uma maior exposição
e mais aprofundada reflexão sobre todos os entendimentos possíveis a respeito
da matéria.
Compreende-se o temor de parcela da doutrina
de que não se pode esperar que o caos se instaure em primeiro grau, como
milhares de decisões conflitantes, para só então se instaurar o incidente. E nesse
sentido essa corrente doutrinária defende que a mera existência de algumas
dezenas de processos, que versem sobre uma mesma matéria jurídica que,
inexoravelmente, gerará muitos outros, já seja o suficiente para a instauração do
IRDR.
Entendo que deva ser encontrado um meio
termo. Não deve se admitir o IRDR quando exista apenas um risco de múltiplos
processos com decisões conflitantes, como também não será plenamente eficaz o
IRDR a ser instaurado quando a quebra da segurança jurídica e da isonomia já
forem fatos consumados. A instauração, dessa forma, precisa de maturação,
debate, divergência, mas não pode demorar demasiadamente a ocorrer. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.593/1.594. Novo
Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed.
Juspodivm).
3. MESMA QUESTÃO UNICAMENTE DE DIREITO
A literalidade da norma, entretanto, deixa
uma dúvida. Ao prever a repetição de processos que contenham controvérsia sobre
a mesma questão unicamente de direito, o dispositivo dá a entender que, havendo
diferentes questões de fato em tais processos, não seria cabível a instauração do
incidente processual.
No entanto, essa realidade deve ser analisada
com certa flexibilidade, porque, mesmo existindo diversidade de fatos, a questão
jurídica pode ser a mesma. Basta imaginar diferentes remessas de nomes para
cadastros de devedores por uma causa comum, quando cada autor indicará um fato
diferente, afinal, cada inclusão é um fato. Contudo, nesse caso, a causa da inclusão
nos cadastros de devedores é comum, de forma a ser irrelevante a diversidade
dos fatos para a fixação da tese jurídica.
A diversidade de fatos apta a afastar o
cabimento do incidente de resolução de demandas repetitivas deve ser aquela
suficiente a influenciar a aplicação do direito ao caso concreto, porque,
havendo fatos diferentes de origem comum, deve ser cabível o incidente ora
analisada. (Apud
Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.594.
Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo –
2016. Ed. Juspodivm).
4. RISCO DE OFENSA À ISONOMIA E À SEGURANÇA JURÍDICA
Entendo que a mera existência de algumas decisões
em sentido contrário ao que vem majoritariamente se decidindo, pode não ser
suficiente para colocar em risco a isonomia e a segurança jurídica, porque se
houver um entendimento amplamente majoritário sendo aplicado nas decisões sobre
a mesma questão jurídica, a previsibilidade do resultado não estará sendo
afetada de forma considerável, não sendo, nesse caso, necessária a instauração
do IRDR.
E é justamente por essa razão que a interpretação
mais adequada do caput e do inciso II
do art 976 do CPC, é a necessidade não só de múltiplos processos, mas de
múltiplos processos já decididos, com divergência considerável, nos quais a questão
jurídica tenha sido objeto de argumentações e decisões. Caso a mera existência de
processos sem decisões sobre a matéria já seja suficiente para a admissão do
incidente ora analisado, teremos uma natureza preventiva, o que parece não ter
sido o objetivo do legislador.
Reconheço, entretanto, que não foi nesse
sentido a previsão legal. Enquanto o inciso I do art 976 do CPC exige a existência
de múltiplos processos repetitivos para a instauração do IRDR, o inciso II do
mesmo dispositivo exige apenas que exista um risco de que as decisões nesses
processos sejam ofensiva à isonomia e à segurança jurídica. Se o requisito
exige apenas o risco, é possível se concluir que mesmo sem divergência real
instaurada, seja cabível o incidente ora analisado. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.594/1.595. Novo
Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed.
Juspodivm).
5. PROCESSO EM TRÂMITE NO TRIBUNAL
Apesar de não estar previsto como requisito
de admissibilidade do IRDR, já se discute, na doutrina, a necessidade de haver
ao menos um processo em trâmite no tribunal, seja em grau recursal ou em razão do
reexame necessário, para que se admita a instauração do incidente processual
ora analisado.
Parcela da doutrina entende que não, de forma
que o IRDR deva ser admitido
ainda que os múltiplos processos estejam todos em primeiro grau de jurisdição. Parece
também ter sido essa intenção do legislador, como se pode notar de trecho da
Emenda constante do tópico 2.3.2.231 do Parecer Final 956 do Senado, que na
realidade notou um problema que eu não entendia existir no projeto de lei
aprovado pela Câmara: “Os §§ 1º, 2º e 3º do art 998 do SDC desfiguram o
incidente de demandas repetitivas. Com efeito, é nociva a eliminação da
possibilidade da sua instauração em primeira instancia, o que prolonga
situações de incerteza e estimula uma desnecessária multiplicação de demandas,
além de torna-lo similar à hipótese de uniformização de jurisprudência”.
Prefiro a corrente doutrinária que defende a
necessidade de ao menos um processo em trâmite no tribunal, justamente o
processo no qual deverá ser instaurado o IRDR. Esse requisito não escrito
decorre da opção do legislador de prever, no art 978, parágrafo único, do CPC,
a competência do mesmo órgão para fixar a tese jurídica, decidindo o IRDR, e
julgar o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originaria
de onde se originou o incidente.
Caso só exista processos em trâmite no
primeiro grau e seja instaurado o IRDR, necessariamente, o processo de onde se
originou o incidente será um processo de primeiro grau, o que impossibilitará o
cumprimento pleno do art 978, parágrafo único, do CPC. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.595. Novo Código de
Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
6. REQUISITO NEGATIVO
Ainda que estejam preenchidos todos os
requisitos previstos pelo art 976, caput,
e incisos I e II do CPC, não se admitirá a instauração do incidente ora
analisado quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência,
já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material
ou processual repetitiva (art 976, § 4º, do CPC).
A regra é elogiável já que, segundo a melhor
doutrina, não teria sentido se instaurar incidente com o objeto de criar um
precedente vinculante para determinado Estado (Justiça Estadual) ou Região
(Justiça Federal), quando já outro incidente instaurado em tribunal superior
que criar um precedente vinculante com eficácia nacional. Além desta maior abrangência,
a inadmissão do IRDR, nesse caso, evita possíveis decisões conflitante ou contraditórias
na fixação da mesma tese jurídica. (Apud Daniel
Amorim Assumpção Neves, p. 1.595/1.596. Novo Código de Processo Civil
Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
7. DESISTÊNCIA OU ABANDONO DO PROCESSO
A previsão do art 976, § 1º, do
CPC, sugere que a desistência ou abandono do processo de onde se originou o
IRDR será homologado pelo juízo, de forma que aquele processo será extinto sem
a resolução do mérito. Como parto da premissa de que o incidente só pode ser
instaurado em processo que tramite perante o segundo grau de jurisdição,
entendo que o dispositivo tenha alcance consideravelmente limitado,
aplicando-se tão somente aos processos de competência originária dos tribunais.
Isso em razão do disposto no
art 485, § 5º, do CPC, que admite a desistência do processo – e por consequência
também o abandono, que é uma desistência tácita – até a prolação da sentença. Ou
seja, se o IRDR for instaurado em processo em grau recursal, ou a espera do
julgamento do reexame necessário, não será cabível a desistência ou abandono do
processo. Uma forma de otimizar a aplicação do dispositivo é interpretá-lo
extensivamente, de forma que onde se lê desistência do processo possa se
entender desistência do recurso.
É claro que para aqueles que
entendem que é possível a instauração do IRDR em processo em trâmite no
primeiro grau de jurisdição, o disposto no art 976, § 1º do CPC faz mais
sentido. E nesse caso se aplicarão as regras consagradas nos §§ 4º e 6º do art
485, deste CPC, de forma que, depois de apresentada a contestação, a homologação
da desistência ou abandono dependerá de anuência do réu.
Independentemente de todos
esses problemas de interpretação, e dos esforços hermenêuticos para otimizar
sua aplicação no caso concreto, o ratio
da norma é clara: a desistência ou abandono do processo ou do recurso, não pode
ser capaz de evitar que o tribunal fixe a tese jurídica. E mesmo sendo omisso o
dispositivo legal, o mesmo ocorre com a transação, que será homologada
resolvendo-se o processo no caso concreto, mas não impedirá o julgamento do
IRDR. Afirma-se que o interesse público no bom funcionamento do instituto,
capaz de gerar segurança jurídica, previsibilidade e isonomia, justifica o
julgamento do incidente, com a fixação da tese, mesmo com o processo do qual se
originou tal incidente já tendo sido extinto.
Trata-se, entretanto, de
situação bastante singular, que contraria a regra básica e secular de que o
acessório segue o principal. A sobrevivência de um incidente com o processo de
onde ele se originou, extinto, lembra a figura da alma sem corpo. Ainda que a
regra se preste para evitar a manobra de partes interessadas em evitar a fixação
de tese jurídica contrária a seus interesses, com a consequente criação de um
precedente com eficácia vinculante, não deixa de causar estranheza. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.596. Novo Código de
Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
8. MINISTÉRIO PÚBLICO
Nos termos do art 976, § 2º, do
CPC, se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente
no incidente como fiscal da ordem jurídica e deverá assumir sua titularidade em
caso de desistência ou de abandono. Diferente do que ocorre com a ação coletiva,
caso haja abandono ou desistência, o Ministério Público tem o dever institucional
de assumir a titularidade do incidente de resolução de demandas repetitivas. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.596. Novo Código de
Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
9. REPROPOSITURA
Segundo o art 976, § 3º, do
CPC, a inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência
de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez
satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado e admitido,
passando o tribunal competente ao julgamento de seu mérito.
É natural que a inadmissão não obste
um novo pedido de instauração do IRDR quando se demostrar que os requisitos, não
preenchidos na primeira oportunidade, agora estão. O tribunal, por exemplo,
pode inadmitir o IRDR por entender que não há multiplicidade de processos que
justifique a instauração, mas com a propositura de outros processos, após esse
momento, é possível que mude sua opinião diante do novo quadro fático
apresentado pelo suscitante do incidente. (Apud Daniel
Amorim Assumpção Neves, p. 1.597. Novo Código de Processo Civil
Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
10. GRATUIDADE
Nos termos do § 5º, do art 976,
deste CPC, não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de
repetitivas. Como também não será exigido o pagamento de honorários advocatícios,
por se tratar de mero incidente processual, pode se dizer que o incidente é
gratuito. A gratuidade serve para incentivar os legitimados a suscitarem o
IRDR. (Apud
Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.597.
Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo –
2016. Ed. Juspodivm).
Este CAPÍTULO VIII – DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS" continua
nos artigos 977 a 987, que vêm a seguir.