quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 806, 807, 808 - continua - DA CONSTITUIÇÃO DE RENDA - VARGAS, Paulo S. R.

Direito Civil Comentado - Art. 806, 807, 808 - continua
- DA CONSTITUIÇÃO DE RENDA - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XVI – Da Constituição de Renda
 – Seção III - (art. 803 a 813) - vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 806. O contrato de constituição de renda será feito a prazo certo, ou por vida, podendo ultrapassar a vida do devedor, mas não a do credor, seja ele o contratante, seja terceiro.

Sob o prisma de Claudio Luiz Bueno de Godoy, seja a título gratuito, seja a título oneroso, a renda constituída em beneficio do outro contratante, ou de terceiro, deverá sê-lo por prazo certo ou, no máximo, pelo tempo de vida do credor, do beneficiário. Como se disse já no comentário ao CC 803, repudia-se a renda perpétua, como em geral não se compadece o sistema com obrigações de caráter perpétuo. Daí a explicitação que faz o Código Civil de 2002 no artigo em comento, o que, em parte, continha o anterior art. 1.424. mas lá aludindo-se apenas à exigência de prazo determinado, agora melhor regrando-se a matéria, expressando-se que a renda poderá durar o tempo da vida do beneficiário, a renda vitalícia, ou por vida. Instituída a renda por prazo certo, de toda sorte ela se extingue se, antes de seu termo, vier o credor a falecer, dada a ressalva legal de que a renda não pode ultrapassar sua vida. A não ser que se disponha de maneira diversa, por exemplo, instituindo-se a renda pelo tempo de vida do devedor, em que pese a extinção obrigatória se, antes dele, morrer o credor, a obrigação de pagamento das prestações instituídas s transmite, com o falecimento do rendeiro, a seus herdeiros, mas na força da herança recebida (CC 1997). Alguma dificuldade surge quando se imagina a pessoa jurídica beneficiária da renda constituída, o que a lei não veda, particularmente nos casos em que a instituição se dá por prazo certo.

Mais difícil é a questão, porém, na hipótese de constituição por vida. Aqui silente o Código, poder-se-ia pensar na analogia com o usufruto, que, instituído em favor das pessoas jurídicas, se extingue pela extinção da beneficiária ou ao cabo de trinta anos (CC 1410, III). Todavia, examinando o mesmo problema surgido nas doações por meio de subvenção periódica, Agostinho Alvim sugeria que, no máximo, a renda assim instituída, na falta de prazo certo, se extinguisse, quando beneficiando pessoa jurídica não antes extinta, tão logo transmitida a obrigação aos herdeiros do devedor, sem ir à terceira geração e, mesmo na segunda, sem ultrapassar as forças da herança (Da doação. São Paulo, Saraiva, 1972, p. 114). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 832-33 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Ricardo Fiuza, em regra de experiência máxima é de reconhecer que, geralmente, o prazo da constituição de renda é indeterminado, vigorando até a morte do instituidor, visto que o interesse de quem assim contrata é o de obter uma renda vitalícia. De igual sentir, ter-se-á, por igual, extinto o contrato pela morte do beneficiário, quando constituída a renda a seu favor. Essa premissa é confortada na regra em comento, quando assinala, com propriedade, limitar-se a constituição de renda à vida do credor, seja ele o próprio instituidor ou o terceiro que aufere a renda. Uma razão lógica se impõe: a renda é constituída, sempre, em favor de uma pessoa viva. Entretanto, não se dissolverá, necessariamente, o contrato por morte do rendeiro, respondendo os sucessores pelas prestações ali previstas. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 424 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Enquanto para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a constituição de renda é contrato de duração, por prazo determinado ou indeterminado. O limite temporal estabelecido pela lei é o tempo de vida do credor. A morte do rendeiro não impõe a resilição contratual, devendo os herdeiros assumir a obrigação até o limite dos recursos da herança, salvo cláusula no sentido contrário. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 19.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 807. O contrato de constituição de renda requer escritura pública.

Espancando o Código, para Claudio Luiz Bueno de Godoy, em primeiro lugar, vale a observação de que o dispositivo e tela, ausente no CC/1916, mostra-se coerente com a advertência antes efetuada, quando do exame do CC 803, no sentido de que, hoje, somente inter vivos se constitui renda, omitindo-se o Código Civil de 2002, diferentemente do anterior, na alusão à instituição por ato de última vontade. Daí dizer-se que a constituição somente se aperfeiçoa por escritura pública. De outra parte, e mais ainda, explicita-se agora requisito de forma que é substancial e que, destarte, transforma a constituição de renda em negócio jurídico solene. Verdade que, mesmo inexistente igual exigência no Código civil de 1916, pelo que então considerada a constituição negócio jurídico informal, a não ser quando transferido, como contrapartida das prestações instituídas, um imóvel ao rendeiro, já se exigia, ao menos, instrumento escrito, como apontava Carvalho Santos (Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 183).

Pois hoje superada a questão ante o reclamo de que a constituição de renda, em qualquer hipótese, somente se consume mediante a lavratura de escritura pública, escolha do legislador sempre fundada, quando por ele exigida forma especial, na preocupação com a importância do negócio, assim para tanto chamando a atenção das partes, procurando garantir a higidez de sua manifestação de vontade, além de facilitar a prova da consumação. Se substancial a forma, seu desrespeito acarreta a nulidade do negócio jurídico (CC 166, IV). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 833 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Acompanhando Ricardo Fiuza, a exigência de escritura pública para a celebração do contrato de constituição de renda é uma das inovações do CC/2002, já que, no regime do diploma de 1916, não se exigia nenhuma forma especial. A escritura pública só era exigida no caso de ser imóvel o bem transferido e excedida a taxa legal, devido ao caráter translativo da propriedade imobiliária.

Bem lembrou o emitente Caio Mário da Silva Pereira que “a repercussão econômica de tal negócio jurídico na vida do beneficiário como na do devedor, aconselha, entretanto, que se exija sempre a forma escrita ad substantiam, como aliás era do Projeto Beviláqua, e foi dispensado, talvez por inadvertência, na sua passagem pelo Senado” (Instituições de direito civil, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978, v.. 3, p. 439), não figurando, todavia, na versão definitiva do Código Civil de 1916 essa exigência.

Agora, no entanto, devido aos já mencionados efeitos patrimoniais, bem como objetivando serem tais contratos sempre levados ao conhecimento do público em geral, entendeu o codificador pela obrigatoriedade de escritura pública para todo e qualquer caso de contrato de constituição de renda. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 425 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No brilho de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo estabeleceu a escritura pública como forma essencial. O pacto realizado por escrito particular é válido, mas conforma contrato atípico, em razão da exigência legal. O Código Civil de 1916 previa a instituição da constituição de renda por testamento. Embora o Código Civil de 2002 não contenha disposição a esse respeito, é de se concluir que o testamento por escritura pública é forma idônea à formalização da constituição de renda. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 19.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 808. É nula a constituição de renda em favor de pessoa já falecida, ou que, nos trinta dias seguintes, vier a falecer de moléstia que já sofria, quando foi celebrado o contrato.

No entendimento de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a exigência legal, que já vinha expressa no CC/1916, é que a constituição de renda se faça sempre em favor de uma pessoa viva, seja ela gratuita, seja onerosa. Segue-se então que a constituição que favorece pessoa já falecida é nula. Nada diverso, a rigor, da previsão do CC 806, antes comentado, no sentido de que a constituição de renda não pode, em hipótese alguma, ultrapassar a vida do credor. Ou seja, tem-se negócio jurídico de caráter pessoa, apenas beneficiando a pessoa do credor, seja ele o próprio instituidor, seja terceiro beneficiário. Por isso dizer-se, desde o CC/1916, que a constituição de renda em favor de pessoa falecida, mesmo que terceiro e mesmo que não o saiba o instituidor, é nula, segundo majoritária doutrina por falta de objeto.

Igualmente nula, porém, a constituição em favor de pessoa que mesmo viva, venha a falecer nos trinta dias seguintes à instituição, por moléstia de que já antes da celebração do contrato estava acometida. Aqui a preocupação do legislador, à semelhança do que ocorre com o seguro, foi com o desequilíbrio no contratar o pagamento de prestações, se onerosamente em troca do recebimento de bens, que não se sustentam pela prévia existência de causa de cessação, consistente em doença que, logo em trinta dias, leve o beneficiário ao óbito. Procurou-se evitar, então, o indevido benefício ao devedor da renda, muito embora ausente qualquer distinção entre a renda onerosa e a gratuita, de toda sorte nula se o beneficiário vem a falecer trinta dias depois do contrato, em virtude de doença preexistente. Impende, todavia, a prova de que a doença já existia antes da celebração, tendo sido a causa, ademais, de falecimento sucedido nos trinta dias seguintes ao ajuste. Ou seja, doença preexistente que motive óbito somente sucedido depois de trinta dias da celebração ou doença superveniente que provoque morte mesmo antes do trintídio não nulificam o contrato. Da mesma forma se são vários os beneficiários, falecido só um ou alguns deles, nas condições do artigo em tela, persiste o ajuste quanto aos demais (CC 812). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 834 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No diapasão de Ricardo Fiuza, o dispositivo harmoniza-se com a regra do CC 806, no qual se reconhece eficaz o contrato enquanto vivo o instituidor ou beneficiário. Na identidade de tal pressuposto, a presente norma tem pela nulidade do contrato contraído em favor de pessoa já falecida ou daquela que, nos trinta dias subsequentes à conclusão do contrato, venha a falecer por doença preexistente. A moléstia superveniente ao contrato não dá causa à sua nulidade mas à sua extinção pelo evento morte, como observado no dispositivo anterior. A morte decorrente de velhice ou de gravidez, no período estigmatizado pela norma, não acarreta, todavia, a nulidade do contrato, isto porque, como pondera, com acerto, Caio Mário da Silva Pereira, não são considerados estados patológicos, que autorizem a incidência da disposição legal (Instituições de direito civil, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 440). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 425 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lumiar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a constituição de renda em favor de pessoa já falecida não pode ser válida, por falta de causa. Todo negócio jurídico possui uma causa de atribuição patrimonial, i.é, um motivo legalmente relevante para que o negócio se realize. A constituição de renda visa a instituir em favor de uma pessoa uma renda. Se a pessoa é falecida já no momento em que o negócio é realizado, ele é nulo e como tal o declara este dispositivo.

No outro caso mencionado no dispositivo, o de o credor vir a falecer nos trinta dias seguintes ao contrato de moléstia de que já sofria, realiza a lei uma equiparação, uma vez que nesta hipótese igualmente não haverá lugar para o pagamento da renda que se costuma estabelecer por periodicidade mensal. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 19.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 803, 804, 805 - continua - DA CONSTITUIÇÃO DE RENDA - VARGAS, Paulo S. R.

Direito Civil Comentado - Art. 803, 804, 805 - continua
- DA CONSTITUIÇÃO DE RENDA - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XVI – Da Constituição de Renda
 – Seção III - (art. 803 a 813) - vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 803. Pode uma pessoa, pelo contrato de constituição de renda, obrigar-se para com outra a uma prestação periódica, a título gratuito.

Recepcionando Claudio Luiz Bueno de Godoy, inaugura o Código Civil de 2002, no artigo em tela, o tratamento reservado do contrato de constituição de renda. De pouca aplicação prática, sua origem próxima remonta às rendas perpétuas, que tiveram maior incidência muito mais como uma forma de indevida burla à vedação do mútuo usurário. Costuma-se identificar nos censos reservativo e consignativo o berço da atual constituição de renda, já entrevisível, em ambos, uma maneira de garantir renda, posto que perpétua, ora mediante a entrega de um imóvel, ora de um capital. Remanesce atualmente, todavia, a proibição de instituição de renda que seja perpétua, só se podendo pactuá-la por prazo certo ou, no máximo, pelo tempo de vida do beneficiário, quando então se fala em renda vitalícia (ver CC 806, infra).

A constituição da renda pode se dar a título gratuito ou oneroso. As duas modalidades vinham previstas, juntas, no art. 1.424 do CC/1916. Entendeu, porém, o legislador de 2002 de separar seu regramento em dois dispositivos diversos. Neste primeiro, ora em comento, cuida-se da constituição de renda a título gratuito. Por seu intermédio, uma pessoa, animada pelo espírito de liberalidade, assim sem receber capital, bens móveis ou imóveis, como contrapartida, se obriga a pagar prestação periódica a outrem. Ou seja, alguém, chamado rendeiro ou censuário, se faz devedor do pagamento de uma renda em favor de outrem, chamado rentista ou censuísta, (Credor, rentista ou censuísta: quem cede algum capital em troca de uma renda; Devedor, rendeiro ou censuário: quem assume a obrigação de...), por mera liberalidade, sem nada receber por isso. Quando assim instituída, a constituição de renda encerra contrato unilateral, porquanto gera obrigação apenas ao devedor da prestação.

Não se reproduziu, no Código Civil de 2002, a alusão do antigo art. 1.424 à constituição de renda por ato de última vontade, hoje se exigindo, ainda mais, a instituição por escritura pública (CC 807). A bem dizer, mesmo na vigência do CC/1916, Sílvio Rodrigues, por exemplo, já anotava o caráter de deixa modal da instituição de renda por testamento (Direito civil. São Paulo, Saraiva, 2002, v. III, p. 324). E, de fato, se cuida o Código Civil do contrato de constituição de renda, devia mesmo circunscrever-se à sua constituição por ato inter vivos.

Gratuitamente pactuada, a constituição de renda toma, conforme já advertia Clóvis Beviláqua, a natureza da doação (Código Civil comentado. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 181). Isso significa serem a ela aplicáveis todas as regras atinentes ao contrato de doação, incluindo as vedações à consumação da liberalidade (CC 548 a 550). Aliás, a própria disposição do CC 545, que trata da doação sob a forma de subvenção periódica, sempre se entendeu, desde o precedente art. 1.172 do Código Civil de 1916, como uma verdadeira constituição de renda gratuita (ver Carvalho Santos, J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XVI, p. 374), com a diferença, apenas, de que essa forma de doação, em princípio, salvo disposição diversa, se extingue com a morte do doador, ao contrário da renda constituída, que, no geral, encerra obrigação transmissível aos herdeiros, na força da herança, malgrado, repita-se, ressalvada a possibilidade de ajuste em contrário (CC 806, infra). Sem contar, ainda, como se disse, a exigência de forma pública para a sua constituição. A renda, via de regra, é pecuniária, assim mediante a paga de prestação dessa natureza, e que pode ser indexada, malgrado não se exclua, aí com alguma discussão (vinculando-a necessariamente a dinheiro, ver Caio Mário Pereira. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, forense, 2004, v. III, p. 479), a prestação em espécie, com entrega de bens. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 830 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, a constituição de renda tem sua definição dimanada do próprio art. 1.424, do CC de 1916, no que couber, segundo o qual mediante ato entre vivos, ou de última vontade, e título oneroso, ou gratuito, pode constituir-se, por tempo determinado, em benefício próprio ou alheio, uma renda ou prestação periódica, transferindo-se certo capital, em bens ou dinheiro, a pessoa que se obrigue a satisfazê-la.

Há inovação relevante no trato da matéria: ocorreu com o desmembramento em dois artigos, separando a constituição de renda a título gratuito da de título oneroso, a proclamar a diferença existente, e facilitando a aplicação de ambas.

Foi suprimida a possibilidade de constituição de renda através de atos de última vontade. A subtração da possibilidade de constituição de renda através de testamento deu-se em face de o CC/2002 considerar a constituição de renda como um verdadeiro contrato e assim sendo não poder ser feito por testamento, como aponta, com precisão, o jurista Ari Ferreira de Queiroz (Direito civil: direito das obrigações, Goiânia, Ed. Jurídica IEPC, p. 183).

A sua adolescência é reconhecida pela doutrina, embora alguns admitam a constituição de renda também como fonte de decisão judicial, resultante de condenação por ilicitude civil, onde se determina uma prestação alimentar ao ofendido ou a seus dependentes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 423 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, constituição de renda é o contrato mediante o qual alguém se obriga a pagar renda ou prestação periódica a outrem.

É contrato unilateral, formal e temporário. Pode ser gratuito (CC 803) ou oneroso (CC 804), comutativo ou aleatório. Quando oneroso, é real.

As partes são o rendeiro ou censuário (devedor da renda) e o credor da renda (beneficiário). A renda pode ser constituída em benefício de terceiros. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 18.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 804. O contrato pode ser também a título oneroso, entregando-se bens móveis ou imóveis à pessoa que se obriga a satisfazer as prestações a favor do credor ou de terceiros.

No lecionar de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a constituição de renda, que se pode instituir a título gratuito, conforme está no artigo antecedente, pode sê-lo também a título oneroso, de acordo com a disposição do preceito em comento. Já o previa o art. 1.424 do CC/1916, malgrado referindo a entrega ao rendeiro de capital consistente em móvel ou dinheiro, deixando de aludir aos imóveis porque, quando a ele vinculada a renda, tinha-se tipificado direito real sobre coisa alheia, o que no Código Civil de 2002 não se repete, perdendo assim a constituição de renda mediante a entrega de imóvel sua natureza de direito real, remanescendo mero vínculo obrigacional entre as partes, com a ressalva do que está no comentário ao CC 809.

A constituição de renda portanto, será a título oneroso quando quem a institui, o rentista ou censuísta, transfere o domínio de bem móvel ou imóvel ao rendeiro ou censuário, que então se obriga a satisfazer, em favor daquele ou de terceiro beneficiário, certa prestação periódica, tal qual, sobre ela, comentado no artigo anterior. Igualmente a exemplo do que se dá na constituição gratuita, o contrato não pode ser perpétuo, instituindo-se por prazo certo, com termo final datado, quando o ajuste se considera comutativo, ou pelo tempo da vida do beneficiário, a chamada renda vitalícia, que empresta caráter aleatório à entabulação, sem que se saiba, de antemão, a extensão da obrigação do rendeiro, prestada em compensação da entrega que lhe faz o censuísta ou rentista de bem móvel ou imóvel. Tem-se entendido, de forma prevalente, ressalvada a posição de Serpa Lopes, secundada, por exemplo, por Sílvio Rodrigues (Direito civil, 28. ed. São Paulo, Saraiva, 2002, v. III, p, 326) e Sílvio Salvo Venosa (Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 370), cuidar-se de contrato real, destarte que somente se aperfeiçoa com a entrega do bem, contrapartida da renda, ao censuário (CC 809, infra). Este bem, que no CC/1916 poderia ser um imóvel ou, especificamente, capital consistente em dinheiro, ao que se entendia, pese embora a redação do art. 1.424, sem dúvida hoje, dada a redação do artigo presente, pode abarcar os móveis, em geral.

Nesse ponto sem nenhuma divergência em relação ao CC/1916, acentua-se no dispositivo do artigo presente que a renda constituída pode beneficiar o próprio instituidor ou um terceiro, então em favor de quem se a estipula. Neste último caso será preciso individualizar a autônoma relação entre o instituidor e o beneficiário, que pode ser tanto onerosa quanto gratuita, então a que se aplicará, também aí, o regramento da doação.

Para o rendeiro, todavia, haverá sempre onerosidade consubstanciada, como compensação do recebimento de bem móvel ou imóvel do instituidor, na obrigação de pagamento de prestação periódica ao beneficiário. Verdade que a constituição de renda apresenta pontos de contato com diversos contratos. Se com a doação, quando gratuita, também possui a mesma finalidade previdenciária do seguro, especialmente quando vitalícia. Aproxima-se ainda do mútuo, se bem que com transmissão de bem, ao rendeiro, que não se devolve, como regra, ao titular. Também com a compra e venda possui similitude, pese embora a resolubilidade de que lhe é intrínseca, operada quando deixa o rendeiro de cumprir a prestação da renda periódica (CC 810). Todavia, como observa Venosa (Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 369), essa aproximação serve à extração, destes outros institutos, de critérios que servem à interpretação da constituição de renda. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 831 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, diferentemente da constituição de renda a título gratuito, onde a transmissão de determinado bem ou capital é feita sem contraprestação, por mera liberalidade do instituidor, o que guarda a semelhança com a doação, a celebrada a título oneroso obriga o rendeiro a fornecer àquele ou a terceiro renda ou prestação periódica, durante o prazo ajustado.

O propósito desse negócio jurídico oneroso e bilateral é o de o instituidor garantir uma melhor remuneração ao seu capital, optando por transferir o seu domínio ao rendeiro ou censuário, mediante uma contraprestação. Nesse caso o instituidor desfalca seu patrimônio, entregando ao rendeiro o capital que produzirá a renda a ser recebida por ele próprio ou por terceiro beneficiário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 423 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na versão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o rendeiro (devedor da renda) pode se obrigar livremente a pagá-la ao beneficiário, sem receber contraprestação. Neste caso, a constituição de renda é gratuita e conforma uma doação por prestações periódicas, ficando subordinadas aos limites legais impostos a esta.

O contrato é oneroso se o rendeiro se obriga ao pagamento da renda mediante o recebimento de contraprestação que, nos termos deste dispositivo, pode ser bem móvel ou imóvel. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 18.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 805. Sendo o contrato a título oneroso, pode o credor, ao contratar, exigir que o rendeiro lhe preste garantia real, ou fidejussória.

Sob entendimento de Claudio Luiz Bueno de Godoy, para garantia do cumprimento da prestação que lhe é afeta, e em função da qual lhe é transferido bem móvel ou imóvel, explicita-se, no Código Civil de 2002, a prerrogativa que tem o censuísta de exigir do rendeiro uma garantia, que pode ser real ou fidejussória. Evidente que tal exigência somente terá cabimento na constituição onerosa, afinal aquela, bilateral nos seus efeitos, em que se pressupôs a entrega, pelo rentista, de bem móvel ou imóvel ao rendeiro, em virtude do que pactuada uma prestação periódica que, assim, pode ter seu cumprimento previamente garantido, por pacto das partes. Embora não o vedasse o CC/1916, na verdade ele apenas referiu a prestação de garantia para o caso de descumprimento já ostentado pelo rendeiro, então abrindo-se caminho à exigência de garantia das prestações futuras (art. 1.427). pois agora positiva-se a possibilidade, logo quando da instituição, desde que onerosa, da prestação de garantia pelo rendeiro. Essa garantia poderá ser real, portanto na forma e nos termos previstos nos CC 1.419 e seguintes do Código Civil de 2002, inclusive com as restrições lá previstas e exigência de registro, se se cuida de garantia hipotecaria. Ou, se preferirem as partes, a garantia poderá ser fidejussória, ou seja, mediante fiança, regrada nos CC 818 a 839 do Código. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 832 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A inserção desse artigo na visão de Ricardo Fiuza, objetiva assegurar uma garantia ao instituidor da renda que, ao tempo em que subtrai seu patrimônio por livre deliberação própria (sponte sua), na certeza de que no domínio do rendeiro o capital entregue para a esfera patrimonial deste irá propiciar-lhe melhor renda, poderá, apesar da firme expectativa desse objetivo, acautelar-se mediante uma garantia real ou fidejussória, ficando, assim, em maior segurança quanto ao êxito do contrato.

A garantia real revela a vinculação de certo bem do rendeiro ao cumprimento da obrigação por ele assumida, permitindo ao instituidor credor, caso ocorra inadimplência por parte daquele, a constrição do bem em garantia à realização da renda pactuada.

A garantia fidejussória, por sua vez, como garantia pessoa, corresponde à segurança prestada por alguém, perante o instituidor de que responderá pelo atendimento da obrigação do rendeiro, caso este não a cumpra, a exemplo da fiança, da caução de títulos de crédito pessoal etc. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 424 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na plataforma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo explicita a possibilidade de a obrigação do rendeiro ser objeto de garantia real ou fidejussória. Assim, o próprio bem alienado ao rendeiro para que ele se comprometa ao pagamento da renda pode ser hipotecado em favor do beneficiário. Outro modo de garantir o beneficiário contra o inadimplemento do rendeiro é estabelecer no contrato de alienação do imóvel a cláusula resolutiva de domínio para o caso de descumprimento. O pagamento da renda pode ser também garantido por fiança.

A interpretação a contrario sensu leva à conclusão de a renda gratuita não poder possuir garantias. Essa conclusão destoa do sistema, que admite que não impede que obrigações a título gratuito gozem de garantia real ou fidejussória. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 18.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 798, 799, 800, 801, 802 - DO SEGURO DE PESSOA - VARGAS, Paulo S. R.

Direito Civil Comentado - Art. 798, 799, 800, 801, 802
- DO SEGURO DE PESSOA - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO DE PESSOA
 – Seção III - (art. 789 a 802) - vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 798.  O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.

Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado.

Como leciona Claudio Luiz Bueno de Godoy, este dispositivo procura enfrentar problema que havia muito já se colocava em matéria de seguro envolvendo a cobertura do evento morte, mas provocada pelo próprio segurado, ou seja, suicídio. A questão toda sempre esteve em que, a rigor, dando-se o sinistro por ato do segurado, quebrava-se a equação básica do ajuste, porquanto excluída a aleatoriedade do evento coberto ou a estraneidade do fato à vontade do segurado, assim desequilibrando-se o cálculo do risco coberto que levou à fixação do prêmio pago, tudo conforme já examinado nos comentários ao CC 768.

A esse respeito desenvolveu-se, então, na jurisprudência, e na esteira da previsão do parágrafo único do art. 1.440 do Código civil de 1916, relevante distinção sobre a conduta do suicídio. Dizia-se coberto o evento quando não premeditado, ou seja, quando cometido sob estado do pleno discernimento, juízo, compreensão do ato praticado, o chamado suicídio involuntário. Já, ao revés, planejado o ato, praticado de forma consciente, refletiva, falava-se em suicídio voluntário e, nesse caso, em ausência de cobertura securitária. Seguindo e assentando essa diferenciação, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula n. 105, dispondo que, “salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado, no período contratual de carência, não exime o segurador do pagamento do seguro”. Da mesma forma, no Superior Tribunal de Justiça fixou-se orientação sumulada dispondo que “o seguro de vida cobre o suicídio não premeditado” (Súmula n. 61). É evidente que persistia sempre grande dificuldade de prova, de demonstração sobre as condições em que praticado o ato de suicídio, sem contar a discussão sobre a quem caberia o ônus de demonstrar a existência ou não dessa premeditação, se ao beneficiário ou à seguradora.

Foi diante desse quadro que sobreveio a regra do artigo em pauta, estabelecendo, a exemplo do que faz o art. 1.927 do Código Civil italiano, um prazo objetivo, dentro do qual, em princípio, se ocorrido o suicídio, não haverá a cobertura, devolvendo-se aos herdeiros a reserva técnica, nos mesmos moldes do parágrafo único do CC 797. Após esse prazo, no entanto, qualquer suicídio será coberto, em qualquer hipótese. Tal prazo é fixado, novamente em consonância com o Direito italiano, em dois anos, contados da celebração do contrato ou de sua recondução depois de suspenso, ou seja, de sua retomada após a purgação de prêmios em atraso, causa de suspensão do ajuste. Tudo isso o CC/2002 dispõe, a priori, sem identificar qualquer distinção acerca das condições em que cometido o suicídio, portanto se voluntária ou involuntariamente. Tem-se entendido que a regra pretendeu justamente superar essa diferenciação, a bem da segurança jurídica, prevendo um critério objetivo e tarifado mediante o qual, o suicídio, voluntário ou involuntário, se cobre sempre depois do prazo legalmente estipulado (veja José Augusto Delgado. Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. I, p. 815; Sílvio de Salvo Venosa. Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 399).

Poder-se-ia objetar que a solução peca, uma vez que, afinal, o suicídio involuntário acaba equivalendo a um fortuito, bem ao sabor do pressuposto básico do risco que se quer garantir com o seguro (ver Pedro Alvim. O contrato de seguro. Rio de Janeiro, forense, 1999, p. 236). Daí dizer-se que, mesmo durante o prazo de dois anos, suicídio involuntário não excluiria a obrigação de pagar o capital segurado. A diferença, então, estaria em que, depois dos dois anos, qualquer suicídio se cobriria, voluntário ou involuntário. É essa a posição, por exemplo de Guilherme Calmon Nogueira da Gama (“O seguro de pessoa no novo Código Civil”. In: Revista dos Tribunais, v. 826, agosto de 2004, p. 11-37). Vale lembrar, porém, que, mesmo para casos de eventos cobertos em seguros de vida individuais, previu-se a possibilidade de as próprias partes fixarem carência, dentro da qual o sinistro não se cobre (CC 797). Assim, no caso em discussão, ter-se-ia nada mais que uma carência legal, todavia com contrapartida na cobertura indistinta após seu transcurso, destarte abarcando mesmo o suicídio voluntário, além do involuntário, de forma objetiva, aprioristicamente deliberada pelo legislador, e sem que, mais, seja dado às partes pactuar outra hipótese de exclusão de cobertura, como se expressa no parágrafo único do dispositivo vertente. Ou seja, haveria uma espécie de carência legal, mas ponderada ante a cobertura indistinta depois do prazo de dois anos, sem qualquer cláusula excludente. É esse o papel de fator de equilíbrio que, segundo se entente, a estipulação de tal prazo procura desempenhar. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 825-826 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, retrata o dispositivo a problemática referente à morte voluntária como causa de inobrigatoriedade do dever de indenizar. Como sabemos, somente poderá ser efetivamente exigida a obrigação do segurador quando a morte do segurado tenha sido involuntária. O Código Civil de 1916, através do parágrafo único do art. 1.440, estatuía que se considerava morte voluntária a recebida em duelo, bem como o suicídio premeditado por pessoa em juízo.

Agora, porém, a lei veio a estabelecer um limite temporal, como condição para pagamento do capital segurado, ao afirmar, categoricamente, que somente após dois anos da vigência inicial do contrato é que o beneficiário poderá reclamar o seguro devido em razão de suicídio do segurado. A rigor, é irrelevante, doravante, tenha sido, ou não, o suicídio premeditado, pois a única restrição trazida pelo CC/2002 é de ordem tempo. A norma, ao introduzir lapso temporal no efeito da cobertura securitária e caso de suicídio do segurado, recepciona a doutrina italiana, onde o prazo de carência especial é referido como spatio deliberandi. Esse prazo de inseguração protege o caráter aleatório do contrato, diante de eventual propósito de o segurado suicidar-se.

Assim, depois de passados dois anos de celebração do contrato, se vier o segurado a suicidar-se, poderá o beneficiário, independentemente de qualquer comprovação quanto à voluntariedade, ou não, do ato suicida praticado, reclamar a obrigação. Observa-se que o preceito veio em abono à pessoa do beneficiário, em detrimento das companhias seguradoras, que, amiúde, se valiam de eventuais suicídios para se desonerarem da obrigação, ao argumento de que teria sido premeditado o evento.

Sobre a questão, os pretórios superiores sumularam entendimentos no sentido seguinte: “O seguro de vida cobre morte por suicídio não premeditado” (Súmula 61 do SI’); e “Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro  (Súmula 105 do STF, DE 16-12-1063). Há um estudo interessante da lavra do eminente jurista pernambucano José Carlos Cavalcanti de Araújo: “Exclusão do Suicídio da cobertura do contato de seguro de acidentes pessoais. Distinção do Seguro de vida” (RT, 58/11-20).

Direito comparado: A Lei n. 17.418/67, conhecido como Código de Seguros argentino, dispõe em seu art. 135 que o suicídio voluntario da pessoa cuja vida se assegura libera o segurador, salvo se o contrato esteja em vigor ininterruptamente por três anos.

O parágrafo único do CC 798 apenas fortalece a ideia de proteger os interesses do beneficiário, quando reputa plenamente nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 420/421 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No espancar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o suicídio sempre é razão de controvérsias relativamente ao seguro de vida, pois se, de um lado, o sinistro é causado pelo próprio segurado, de outro, a autonomia da vontade deste encontra-se limitada por circunstâncias de fato que se encontram fora do poder de ação do segurado.

Antes do Código Civil de 2002 a controvérsia foi resolvida no sentido de se admitir o pagamento da indenização se o suicídio não for premeditado, conforme as súmulas 105 do STF e 61 do STJ: Súmula 105/STF: Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro.

A fórmula jurisprudencial esclarece que o suicídio, em si, não exclui o dever de indenizar, mas não esclarece o que é a premeditação em caso de suicídio. Em certo sentido todo suicídio é premeditado, por definição, por se tratar de ação voluntária. Não é este, portanto, o sentido em que a jurisprudência menciona a premeditação. Resta apenas considera-la em relação à própria contratação do seguro, retirando a garantia nos casos em que o contrato é feito quando o segurado já tenha deliberado retirar sua própria vida.

Visando a superar a controvérsia, o CC 798 estabeleceu que a cobertura do seguro permanece em caso de suicídio se este ocorrer após 2 anos do início de vigência do contrato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 799. O segurador não pode eximir-se ao pagamento do seguro, ainda que da apólice conste a restrição, se a morte ou a incapacidade do segurado provier da utilização de meio de transporte mais arriscado, da prestação de serviço militar, da prática de esporte, ou de atos de humanidade em auxílio de outrem.

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, tal como já se examinou nos comentários aos artigos precedentes, os seguros de pessoa cobrem, essencialmente, eventos aleatórios que provoquem morte ou incapacidade da pessoa natural. Por isso mesmo, no seguro de vida, havendo suicídio, sempre se diferenciou, como comentado no artigo anterior, a hipótese de premeditação de outras em que o cometimento do ato era considerado involuntário, equiparado mesmo ao acaso, porquanto despido o segurado de devido discernimento ao praticá-lo. Vale dizer que, nos seguros de pessoa por morte ou acidente, o risco garantido está, fundamentalmente, nas condições individuais do segurado – sua idade, estado de saúde, perfil de atividade normal. O que, portanto, quer exprimir o Código Civil de 2002, no artigo em pauta, é que contingências de transporte, serviço militar, esporte ou atos de auxílio ou salvamento de que decorra a morte ou incapacidade da pessoa inserem-se, já, no risco normal do contrato, motivo pelo qual não podem encerrar causa de exclusão da cobertura. São, de toda forma, eventos aleatórios, contingenciais na vida da pessoa, que não servem a impedir o pagamento, havido o sinistro, do capital segurado.

Aliás, muito antes da novel codificação, já alertava Pontes de Miranda (Tratado de direito privado. Rio de Janeiro, Borsoi, 1964, t. XLVI, § 4.960, n. 6, p. 17) que, nos casos do seguro em exame, o serviço militar, o esporte, a mudança da pessoa consubstanciavam circunstâncias que entravam normalmente no risco garantido e que, na técnica da contratação, já tinham sua eventual ocorrência prevista pelo segurador. Ou seja, a seu ver, o elemento diferencial do risco não eram as circunstâncias aludidas, mas sim as condições pessoais do segurado – idade, saúde, tipo de atividade normal. Da mesma forma, Pedro Alvim (O contrato de seguro. Rio de Janeiro, forense, 1999, p. 263-4) já lembrava, apoiado na lição de Vivante, que, nos seguros de pessoa, a regra de equivalência das prestações não pode coarctar as exigências de vida do segurado, ao normal desenvolvimento da vida do indivíduo, somente se podendo cogitar, antes que de agravamento, de causas excludentes, concernentes a atos dolosos do segurado por vezes constitutivos de ilícito penal, que sejam causas de sua morte, como quando se morre na tentativa de escalar casa alheia, malgrado se cubram eventos posteriores daí decorrentes, como a morte no cárcere por isso imposto (O contrato de seguro. Rio de Janeiro, forense, 1999, p. 263-4). Ressalva porém, João Marcos Brito Martins, quanto ao artigo em questão, que a pretensão é de vedar exclusão de eventos resultantes das hipóteses explicitadas no texto, desde que se coloquem dentro da perspectiva do que seja razoável esperar, como quando o segurado se veja na contingência de usar transporte mais arriscado, ou quando morra ou fique incapacitado em virtude do exercício de esporte normal, mas não de práticas excepcionalmente perigosas, além mesmo da concepção de esporte, de risco incomum, que se pretenda qualificar como esportiva, tal qual, no seu exemplo, saltos de penhascos ou atos semelhantes (O contrato de seguro. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2003, p. 154). Na verdade, entende-se aqui de rigor não olvidar que a regra contém preceito que tenciona preservar a amplitude da cobertura do seguro pessoa, ante o bem da vida que lhe é subjacente, pelo que qualquer exclusão deve ser vista com extrema cautela e olhar sempre restritivo. Assim, no exemplo da atividade arriscada, que não se queira esportiva, é bem de ver que, hoje, esportes até há pouco vistos como próprios de aventureiros, fora portanto de qualquer risco razoável, são já mais corriqueiros, praticados não mais por um grupo raro de pessoas com gosto por expor sua vida a perigo demasiado. Pense-se nos esportes de montanha, nas escaladas, nos enduros, nas ultra maratonas e assim por diante. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 827 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A redação do artigo, em seu histórico, é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no CC/1916. Na realidade, segundo o histórico apresentado por Ricardo Fiuza, o dispositivo em questão confirma, em maior escala, a responsabilidade do segurador, ainda que o óbito provenha de ato do segurado, no qual se sobreleve maior risco e mesmo que da apólice conste essa restrição. Para que tal regra seja efetivamente aplicada, faz-se necessário que o segurado esteja em uma das quatro hipóteses taxativamente elencadas. São elas: o segurado há de estar no exercício regular do direito (prestação de serviço militar ou prática de esporte), ou praticando filantropia (atos de humanidade em auxílio de outrem), ou se utilizando de meio de transporte ais arriscado, quando é óbvio – não vai prever o resultado, somente porque se trata de atividade de maior risco.

Novamente, esse artigo vem garantir o direito do beneficiário contra possíveis manipulações das companhias de seguro, objetivando à postergação do pagamento devido. Nada mais justo do que proteger o beneficiário nessas situações, previstas taxativa e especialmente, justamente porque representam atividades, umas de maior risco, mais imprevisíveis, outras, praticadas sob o império do altruísmo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 421 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo torna nula a cláusula de exoneração da seguradora no caso de morte nas circunstâncias que especifica, que cuidam ou de exercício irrenunciável do direito de escolha de meio de transporte ou de praticar esportes, ou do cumprimento de deveres legais, como a prestação de serviço militar e a realização de atos de humanidade em auxílio de outrem.

De outro lado, a falsa declaração do estipulante quanto a alguma dessas condições implica a perda do direito à indenização (CC 766). Assim, por exemplo, a seguradora não pode se recusar a pagar indenização em razão de morte ocorrida na prática de voo livre, mas pode se recusar a indenizar se, no momento da contratação o segurado informar, falsamente, que não pratica o referido esporte. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 800. Nos seguros de pessoas, o segurador não pode sub-rogar-se nos direitos e ações do segurado, ou do beneficiário, contra o causador do sinistro.

Segundo orientação de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a disposição do presente artigo significa uma exceção à regra da sub-rogação que está no preceito do CC 786, não só porque, como muito se sustenta, no seguro de pessoa, de que aqui se trata, cobre-se evento atinente à vida ou faculdades pessoais do segurado, que, falecido, nada transfere, como nada transfere o beneficiário, afinal quanto a direito que não é seu, mas sobretudo porque a quantia que pelo sinistro se paga não representa qualquer reposição do patrimônio desfalcado, assim calculável, e sim a entrega de soma aleatória, estimada pelas partes contratantes, incompatível, destarte, com a ideia de sub-rogação (veja João Marcos Brito Martins. O contrato de seguro. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2003, p. 155-6). É de lembrar, a propósito, que a sub-rogação se dá pelo pagamento que o segurador faz de dívida do terceiro causador do sinistro, no seguro de dano, mensurado exatamente por quanto seja o importe desse prejuízo causado. Pois no seguro de pessoa não há, justamente, um valor de prejuízo que o segurador paga, no lugar do causador do evento, assim sub-rogando-se no direito do prejudicado de lhe cobrar a mesma importância. O que o segurado, ou o beneficiário, recebe não é o valor de um prejuízo provocado, mas uma soma aprioristicamente fixada, arbitrada, a forfait, no contrato. Daí a inexistência, no contrato de seguro de pessoa, do direito à sub-rogação do segurador, porquanto incompatível com um valor de seguro estipulado pelo próprio segurador e pelo segurado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 828 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No dissertar de Ricardo Fiuza, a regra geral, exposta no CC 786, é a de que, uma vez paga a indenização, tem o segurador o direito de sub-rogar-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano. Entretanto, devido às evidentes peculiaridades do seguro de pessoas, entendeu o legislador de estabelecer uma exceção; nessa modalidade específica de seguro, não poderá o segurador sub-rogar-se nos direitos e ações do segurado, ou do beneficiário, contra o causador do sinistro.

Aqui o legislador atenta para a importância do bem jurídico objeto do seguro: nesse caso, fugiria ao bom senso transferir-se ao segurador o direito de acionar o terceiro causador do sinistro, já que o interesse do segurado ou do beneficiário pelo reconhecimento judicial de sua pretensão ante aquele é, evidentemente, muito mais relevante do que o do segurador em recuperar o prejuízo sofrido. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 421 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, os objetivos visados com o seguro de danos e de pessoas são distintos. O seguro de danos visa a indenizar o segurado por prejuízos que sofreu. Tem finalidade indenitária e, em razão disso, não se admitem os atos que possibilitam ao segurado enriquecer-se em razão do sinistro, razão pela qual uma vez indenizado pela seguradora, perde em favor dela o direito de reclamar indenização ao causador do dano.

A finalidade do seguro de pessoa é compensar o segurado. O sinistro atinge atributos da personalidade que são, por sua natureza, insuscetíveis de apreciação econômica. A compensação visa a premiar o beneficiário em razão do prejuízo moral que sofreu, concedendo-lhe um ganho econômico. Se a seguradora fosse sub-rogada nos direitos que o segurado ou o beneficiário tivessem contra o causador do sinistro, o ganho econômico visado quando da contratação ficaria anulado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 801. O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule.

§ 1º. O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais.

§ 2º. A modificação da apólice em vigor dependerá da anuência expressa de segurados que representem três quartos do grupo.

Como aponta Claudio Luiz Bueno de Godoy, esse dispositivo cuida do chamado seguro de pessoas em grupo, que se define pela contratação, junto ao segurador, encetada por um estipulante, em benefício de um grupo de indivíduos de alguma forma a ele vinculados. De pronto estabelece o preceito que o estipulante pode ser não só a pessoa jurídica, como também a pessoa natural, desde que de qualquer maneira ligada ao grupo de pessoas a quem o ajuste beneficia. Tal vinculação, acrescente-se, pode ter variada origem, que vai da relação de emprego, como é comum, quando o empregador contrata seguro em proveito de seus empregados, até a relação associativa ou profissional. Nesses casos, as cláusulas contratuais são ajustadas entre o segurador e o estipulante, que se obriga, pessoalmente, ao respectivo cumprimento, incluindo a prestação do prêmio global, que pode ou não ser arrecadado, total ou parcialmente, dos beneficiários, os componentes do chamado grupo segurável. Mais, ao estipulante cumpre indicar os integrantes desse mesmo grupo, assim como as eventuais substituições, muito embora, como ressalva José Augusto Delgado (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. I, p. 851), não afastada pela lei a hipótese de grupo determinado, mas sem indicação nominal dos segurados.

Os segurados, em proveito e em nome, de quem o estipulante contrata porquanto seu mandatário, como já estava no art. 21, § 2º, do Decreto-Lei n. 73/66, possuem direta pretensão contra o segurador, para exigência do valor segurado, no caso de ocorrência de sinistro, relativo a risco que lhes concerne, que lhes é afeto, diferentemente da simples estipulação, por risco do estipulante, em que terceiro é meramente o beneficiário. Explicita-se, todavia, que o estipulante não representa o segurador perante o grupo de pessoas seguradas. A especial preocupação do legislador, porém, foi a modificação do contrato, de forma essencial e a dano potencial dos segurados, sem seu prévio conhecimento e, mais, sem seu placet. Daí a exigência, agora expressa, de que qualquer alteração daquele jaez deve contar com a concordância de pelo menos três quartos dos membros do grupo segurável, manifestada de qualquer forma, desde que inequívoca.

Por fim, o seguro em grupo não se conforma, exatamente, à previsão que se continha nos arts. 1.466 a 1.470 do anterior Código, relativos ao chamado seguro mútuo, não reproduzido, remanescendo, apenas, em lei especial (Decretos-lei n. 2.063/40, 3.908/41 e 8.934/46). Pelo seguro mútuo, os próprios segurados dispersavam entre si o risco constituindo sociedade que exercia as funções de segurador. No artigo em comento, ao revés, alguém estipula junto ao segurador um seguro que beneficia grupo de pessoas. Não são elas próprias que constituem uma sociedade para tanto. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 829 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, o dispositivo visa à garantia dos segurados nos contratos de seguro em grupo, pondo-os a salvo de acordos feitos à sua revelia, pelos chamados estipulantes. O fato de exigir-se três quartos dos segurados como condição para qualquer alteração no contrato está a demonstrar que a regra é a sua inalterabilidade. Em verdade, a alegada impossibilidade prática de obter-se o assentimento de tão grande número de interessados, além de discutível, não procede, pois dela não se pode inferir que devam ser atribuídos ao estipulante poderes absolutos para mudança das cláusulas obrigacionais. A propósito, convém advertir que a justiça paulista já declarou nulas as alterações feitas no contrato de seguro de grupo, sem expresso assentimento dos segurados.

Em sede doutrinária, extrai-se a brilhante lição de Silvio Rodrigues, que conceitua o seguro de vida em grupo como “o negócio que se estabelece entre um estipulante e a seguradora, através do qual aquele se obriga ao pagamento de um prêmio global e aquela se obriga a indenizar pessoas pertencentes a um grupo determinado, denominado grupo segurável, pessoas essas ligadas por um interesse comum e cuja relação, variável de momento a momento, é confiada à seguradora” (Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3. P. 359).

Existem três partes interessadas no negócio: o estipulante, o segurador e o grupo segurável. O estipulante, porém, não representa o segurador perante o grupo segurado, mas é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais.

Se o grupo segurado pretender insurgir-se contra o segurador, deve fazê-lo diretamente, e não por intermédio do estipulante, que, embora permaneça inalterável durante a vigência do contrato, detém, tão somente, a atribuição de firmar o contrato com o segurador, sem responder por este perante o grupo segurado. Por outro lado, o estipulante funcionará, na equação contrária, como elo de ligação entre o segurador e o grupo, tendo a responsabilidade, perante o primeiro, de fiscalizar o cumprimento de todas as obrigações pelo grupo contraídas, uma vez que foi ele quem procurou a companhia para a consecução do negócio. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 421-422 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o artigo 790 admite que uma pessoa estipule seguro sobre a vida de outra pessoa, desde que possua interesse legítimo. O presente dispositivo autoriza que uma pessoa estipule seguro de vida de um grupo de pessoas a que se vincule. O vínculo que mais comumente justifica a estipulação do seguro em grupo é o empregatício, mas pode ser o de usuários de determinado serviço, como o de transporte. Não se confunde o seguro em grupo com o seguro de responsabilidade civil no qual o estipulante busca garantir-se contra riscos decorrentes de sua atividade, de modo a receber indenização equivalente à que tem de pagar a terceiro que sofre o dano.

O estipulante é a parte do contrato, i.é, aquele que se vincula ao cumprimento dos deveres inerentes ao contrato. Apesar disso, o § 2º retira-lhe o poder de modificar a apólice sem a anuência de três quartos dos segurados. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 802. Não se compreende nas disposições desta Seção a garantia do reembolso de despesas hospitalares ou de tratamento médico, nem o custeio das despesas de luto e de funeral do segurado.

Estudando com Claudio Luiz Bueno de Godoy, o Código Civil de 2002, no artigo presente, quer explicitar que o seguro de assistência funeral e o seguro de assistência à saúde não são modalidades de seguro de pessoa, mas sim de seguro de dano. Ou seja, a contratação que tenha por base custear despesas de funeral ou médico-hospitalares, muito embora na dependência do evento que afete a pessoa do segurado, são seguros de dano, como tal regrados, razão pela qual, então, não se lhes aplicam as disposições da Seção III, fechada pelo artigo ora em discussão.

Quanto ao seguro-saúde, aquele firmado para cobrir despesas médico-hospitalares, vale anotar a existência de lei especial a regra-lo, qual seja, a Lei n. 9.656/88, com disposições específicas, como, por exemplo: vedando a exclusão de cobertura mesmo de doenças preexistentes, depois de 24 meses (art. 11); obrigando ao reembolso de despesas de coberturas mínimas, que, portanto, não podem ser afastadas por ajuste (art. 12); determinando, nas contratações individuais, a renovação automática a partir do prazo inicial, sem cobrança de qualquer taxa, sem recontagem de carências e sem possibilidade de rescisão unilateral pela operadora, salvo nos casos de fraude e não pagamento por período superior a 60 dias, nos últimos 12 meses de vigência desde que havida regular notificação até o 50º dia da inadimplência, mesmo assim se não estiver em curso internação do titular (art. 13); garantindo, nos seguros coletivos em que o vínculo se estabelecer em virtude da relação de trabalho, a permanência do segurado, quando rescindido o ajuste laboral, sem justa causa, nas mesmas condições, pagando o prêmio devido, em tempo previamente tarifado, mínimo e máximo (art. 30), da mesma forma, malgrado em diversas condições, quando se dê a aposentadoria (art. 31). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 829 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na lógica de Ricardo Fiuza, esse dispositivo cuida de despesas acessórias, que, eventualmente, podem surgir como consectâneo lógico do evento principal. O art. 1.460 do CC de 1916 já dispunha que a apólice poderá limitar ou particularizar os riscos do seguro, eximindo, com isso, o segurador de responder por outros. Desse modo, a interpretação do contrato será concebida sempre de modo restritivo, a não permitir que as despesas acessórias, não previstas no instrumento contratual, ou não inerentes ou intrínsecas ao objeto do contrato, devam ser de responsabilidade do segurador. Tal previsão se justifica, ainda mais porque, tratando-se do contrato aleatório, o segurador assume os riscos decorrentes do negócio, nos exatos termos da avença. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 422 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Finalizando o capítulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o seguro de vida e o de danos pessoais têm como objeto conferir ao beneficiário determinada indenização pela ocorrência do sinistro. A cobertura de prejuízos que o segurado vier a suportar em razão do sinistro deve constar de previsão expressa e corresponde a seguro de dano, devendo obedecer às regras relativas a esta modalidade. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).