Direito Civil Comentado - Art. 1.200 - continua
Do Direito das Coisas - VARGAS, Paulo S. R.
- Livro III – Título I – Da Posse (Art. 1.196 ao
1.368)
Capítulo I – Da Posse e Sua Classificação
(Art. 1.196 a 1.203) – digitadorvargas@outlook.com –
Art. 1.200. É justa a posse que não for
violenta, clandestina ou precária.
Atenção para a
fundamentação de Francisco Eduardo Loureiro: A posse
é justa quando não marcada pelos vícios da violência, clandestinidade e
precariedade. É injusta, por exclusão, quando presentes quaisquer dos vícios
acima citados. O Código Civil, seguindo a trilha do CC/1916, cataloga os vícios
da posse, o que causa situações desconfortáveis ao intérprete. Melhor seria se
seguisse o sistema alemão, para o qual a posse será viciada sempre que
adquirida contra a vontade do possuidor, ressalvados os casos em que a lei
autoriza o desapossamento (§ 858 do BGB - Código Civil Alemão). A jurisprudência,
sentindo a dificuldade de lidar com a enumeração dos vícios da posse, alarga as
hipóteses, para chegar ao resultado prático preconizado por Marcus Vinicius
Rios Gonçalves, qual seja, a posse, para o sistema brasileiro, é viciosa desde
que obtida por esbulho, contra a vontade do possuidor anterior, por meios
ilícitos, ainda que não se consiga a priori enquadrá-la em nenhuma das
situações previstas no CC 1.200 do Código Civil (Gonçalves, Marcus Vinicius
Rios. Dos vícios da posse. São Paulo,
Oliveira Mendes, 1998, p. 50).
Causa possessionis: O que
importa, para a caracterização dos vícios, é a razão, a forma de aquisição da
posse (causa possessionis). A posse
pode ter sido obtida de modo lícito ou ilícito. Quando adquirida por meio
objetivo reprovado pelo direito, é posse viciada. Posse justa, portanto, é
aquela cuja aquisição não repugna ao direito. Nada impede, porém, que uma posse
nascida justa se converta em injusta, especialmente no que se refere ao vício
da precariedade. De outro lado, como veremos adiante, a posse nascida injusta
somente se converterá em justa se alterada a sua causa possessionis.
Os
vícios da posse: A posse é violenta (vi)
quando se adquire por ato de força, natural ou física (vis absoluta), ou ameaça (vis
compulsiva). A violência física supõe a ausência de vontade daquele que foi
usurpado. A ameaça, ou violência moral, deve ser séria e injusta, de modo que o
usurpado entrega a coisa para não sofrer o mal prometido. Consequência disso é
que não constituem atos de violência o exercício regular de um direito ou mesmo
o temor reverenciai. Não pratica ato violento, por exemplo, aquele credor que,
avisando o devedor que remeterá o título a protesto, ou ajuizará ação de
cobrança, recebe dação em pagamento, com transferência da posse da coisa
adquirida.
Questão
difícil é saber se a posse adquirida por ameaça, para ser considerada injusta,
exige prévia ação anulatória do ato por vício de consentimento (coação) ou, cm
vez disso, admite o imediato ajuizamento de ação possessória para recuperar a
coisa. O entendimento mais plausível é que, se a entrega da coisa não
transmitiu também a propriedade, ou seja, se não se trata de execução de
negócio jurídico que envolva a transmissão de domínio, cabe desde logo a ação
possessória. Se, ao contrário, a entrega envolveu a transmissão da posse e do
domínio, deve ser previamente desfeito o negócio jurídico, com pedido
cumulativo de devolução da coisa alienada.
A
violência estigmatiza a posse, ainda que exercida contra preposto do legítimo
possuidor (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições
de direito civil, 18. ed., atualizada por Carlos Edison Rego Monteiro
Filho. Rio de Janeiro, Forense, 2002, v. IV, p. 23). A violência, para marcar a
posse como injusta, deve ser praticada contra a pessoa do possuidor ou também
contra a coisa? Embora haja controvérsia a respeito, é razoável que também a
violência contra a coisa estigmatize a posse, ciado o seu caráter ilícito. À
posse violenta se contrapõe a posse mansa e pacífica, ou tranquila, não só
durante a aquisição como também durante a sua persistência, matéria que terá
relevância para a usucapião. É claro que a resistência do possuidor legítimo à
eventual turbação, ou esbulho, não torna injusta a posse. Nesse caso, a
autotutela do possuidor molestado é lícita, amparada pelo CC 1.210, § Iº.
A
posse é clandestina (clam) quando se
adquire via processo de ocultamento em relação àquele contra quem é praticado o
apossamento (Pereira, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 23). É um defeito
relativo: oculta-se da pessoa que tem interesse em retomar a posse, embora
possa ser ela pública para os demais. Na violência, retira-se o poder de reação
do possuidor, que conhece a agressão à sua posse. Na clandestinidade, o
possuidor não percebe a violação de seu direito, e por isso não pode reagir.
Questão relevante é saber se para cessar a clandestinidade deve o esbulhado ter
ciência inequívoca de que a coisa acha-se nas mãos do possuidor injusto ou, em
vez disso, basta que o novo possuidor não mais oculte sua conduta. O melhor entendimento
é que não há necessidade de que a vítima tenha efetivo conhecimento do esbulho,
mas que o esbulhador torne possível à vítima conhecê-lo (Pinto, Nelson Luiz. Ação de usucapião. São Paulo, Revista
dos Tribunais, 1987, p. 107-8). Torna-se pública a posse quando nasce para a
vítima a possibilidade de conhecer o esbulho.
É
fundamental lembrar que, nos exatos termos do CC 1.208, não autorizam a
aquisição da posse os atos violentos e clandestinos, enquanto perdurar a
violência e a clandestinidade. Enquanto perduram os ilícitos, há mera detenção.
Somente quando cessam é que nasce posse, mas injusta, porque a sua origem é
ilícita. A matéria será mais bem abordada adiante, no comentário ao CC 1.208.
E
precária (precário) a posse quando o
possuidor recebe a coisa com a obrigação de restituí-la e, abusando da
confiança, deixa de devolvê-la ao proprietário, ou possuidor legítimo. O vício
inicia-se no momento em que o possuidor se recusa a devolver o bem a quem de
direito. A posse, que era justa, torna-se injusta. Torna-se injusta não porque
mudou somente o animus do possuidor,
mas porque mudou a causa, a razão pela qual se possui. Tome-se como exemplo o
comodato. A posse é justa durante o prazo convencionado, porque há uma razão
jurídica que justifique a posse, vale dizer que a sua causa é lícita. Expirado
o prazo convencional, a posse que era justa torna-se injusta, porque houve
quebra do dever de restituição, desapareceu a razão jurídica que amparava a
posse e praticou o possuidor, agora precário, ato ilícito contra o ex
possuidor.
Via
de regra, a posse precária nasce da posse direta, no momento em que há quebra
do dever de devolução da coisa. A posse direta não é precária, porque a sua
causa é lícita, entregue que foi pelo possuidor indireto. Enganam-se, assim,
aqueles que dizem que as posses do locatário, ou do comodatário, ou do credor
pignoratício são precárias. Na verdade, são posses diretas e justas, que se
tornarão precárias no exato momento em que houver quebra do dever de restituir.
A
relatividade dos vícios: Os vícios da posse são relativos. A posse é injusta em
relação àquele de quem foi havida por meio ilícito. Em relação a terceiros a
posse é justa, pela simples razão de que, contra eles, nenhum ato ilícito se
praticou. Dizendo de outro modo, os vícios da posse só podem ser arguidos pela
vítima, a quem cabe a faculdade de reaver a coisa pela autotutela ou pelos
interditos possessórios. Não fosse assim, aquele que obteve a posse pela
violência poderia ter a coisa tomada por terceiros pelo mesmo modo, em
verdadeira propagação de ilícitos, o que repugna a ordem jurídica.
A
purgação dos vícios: No que se refere à temporariedade ou perpetuidade dos
vícios, a doutrina tradicional diz que a clandestinidade e a violência são
temporários, mas o vício da precariedade nunca convalesce (Rodrigues, Sílvio. Direito civil, 27. ed. São Paulo,
Saraiva, 2003, v. V, p. 29). Há nessa posição um erro de perspectiva. Como foi
visto acima, enquanto perduram a violência e a clandestinidade, nem posse
existe, mas mera detenção. Quando cessam é que nasce a posse injusta. A posse
injusta somente se converte em justa se se mudar o que ela tem de ilícito, ou
seja, a sua causa. Logo, somente com a inversão da causa possessionis, da razão pela qual se possui, é possível a
conversão da posse injusta em justa, porque se retira a ilicitude de sua
origem. Tome-se como exemplo o caso do possuidor clandestino, violento ou
precário que consegue com a vítima um prazo para a desocupação da coisa,
mediante contrato de comodato. A posse que era injusta converteu-se em justa,
porque mudou a sua causa.
O
que gera confusão na doutrina e na jurisprudência são os efeitos da posse
injusta. Causa espécie que a posse injusta possa gerar benefícios a quem
praticou um ato ilícito. A mácula dos vícios, na verdade, acarreta ao
esbulhador uma consequência negativa fundamental: a possibilidade de perder a
coisa para o esbulhado, que pode retomá-la pela autotutela ou usando os
interditos possessórios. Gera, porem, a posse injusta efeitos positivos para o
possuidor, como a tutela possessória perante terceiros ou mesmo em decorrência
de um ato ilícito da vítima, para evitar a disseminação de novos atos ilícitos.
Se o possuidor estiver de boa-fé, sua posse, apesar de viciada, gerará inúmeros
outros efeitos em relação ao esbulhado, como indenização por benfeitorias, ou
percepção de frutos.
Questão
a ser enfrentada é se a posse injusta pode ser ad usucapionem. Alguns autores dizem que a posse deve convalescer,
ou ter purgados os vícios, para gerar usucapião. Não é bem assim. As posses
violenta e clandestina, na verdade, somente nascem quando cessam os ilícitos.
Enquanto perduram, são simples detenção. O que se exige é que durante o prazo
necessário à usucapião não haja atos violentos ou clandestinos, embora a posse
seja injusta, porque a sua causa original é ilícita. Prova intuitiva e maior
disso é que, se alguém invadir com violência uma gleba de terras e, cessada a
reação do esbulhado, permanecer por mais quinze anos sem ser molestado, terá
usucapião, apesar da injustiça original de sua posse.
Diz-se
que a posse precária nunca gera usucapião. Na verdade, é ela imprestável para
usucapião não porque é injusta, mas porque o precarista não tem animus domini,
uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito de terceiro sobre a
coisa. Caso, porém, não reconheça ou deixe de reconhecer essa posição e revele
isso de modo inequívoco e claro ao titular do domínio, para que este possa
reagir e retomar a coisa, nasce, nesse momento, o prazo para usucapião, porque
o requisito do animus domini estará
então presente. Na lição de Lenine Nequete, há uma inversão da causa da posse,
“mas os fatos de oposição, por seu turno, devem ser tais que não deixem dúvida
quanto à vontade do possuidor de transmudar a sua posse precária em posse a
título de proprietário e quanto à ciência que dessa inversão tenha tido o
proprietário: pois que a mera falta de pagamento de locativos ou outras
circunstâncias semelhantes das quais o proprietário não possa concluir
claramente a intenção de se inverter o título não constituem atos de
contradição eficazes” (Da prescrição
aquisitiva, 3. ed. Porto Alegre, Ajuris, p. 123). Lembre-se de que o CC
1.238, que trata da usucapião extraordinário, não exige posse justa e dispensa
expressamente a boa-fé. A alusão à falta de boa-fé só tem sentido se a posse
for injusta, porque a boa-fé nada mais é do que a ignorância dos vícios que
maculam a posse.
Presume-se
manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida, salvo prova em contrário
(CC 1.203). Pode ser convertida a posse injusta em justa e vice-versa, mediante
a interferência de uma causa diversa, mas o ônus dessa inversão cabe ao
possuidor. A só vontade do possuidor, porém, não altera o caráter viciado da
posse. Há necessidade de inversão do título, com alteração do fundamento
jurídico, ou ato manifesto de contradição, como visto acima. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.144-47.
Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 04/09/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Há um histórico que diz: O
dispositivo em tela não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da
parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período
final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto.
Idêntica à redação conferida ao art. 489 do CC de 1916.
Fatiada,
a Doutrina de Ricardo Fiuza mostra que o conceito de posse justa (ou injusta)
não se confunde com aquele definido no CC 1.228 do NCC (Art. 524 do CC de 1916). Em sede possessória, a concepção de injustiça ou justiça da posse restringe-se aos três vícios que a maculam
(stricto sensu), enquanto, no que concerne à propriedade, a expressão é
empregada para designar todas a situações (e
não apenas aqueles vícios) que repugnam ao mais amplo direito real.
São
as circunstancias do mundo fático, definidas nesse dispositivo, que maculam a
aquisição da posse, tornando-a injusta e mantendo-a com essas mesmas
características, indefinidamente, salvo prova em contrário.
Caracteriza-se
o vício por ser inerente ao momento da aquisição da posse em relação ao novo
titular. Assim, a posse pode ser viciosa por motivos objetivas (em consequência do fato que lhe deu origem), ou subjetivos (em face do conhecimento da
mácula).
Posse
injusta não se confunde jamais com má-fé.
Violência é a maneira
de consecução o do ato espoliativo mediante constrangimento físico ou moral
praticado contra o possuidor ou contra quem possui em nome dele. Configura-se
pela utilização da força física (armada ou não), ou por intermédio da vis compulsiva. Prescinde de confronto
material ou tumulto entre as partes conflitantes (possuidor e esbulhador.
Clandestinidade - o
vício que se manifesta pela ocultação do ato espoliativo, de forma que o
possuidor não tenha conhecimento dele. Não é suficiente o desconhecimento do
ato, fazendo-se necessário que a posse tenha sido tomada às escondidas e com
emprego de manobras tendentes a deixar o possuidor em determinada posição de
efetivo não conhecimento do esbulho. Assim, se o esbulhador não agiu
ocultamente, em que pese o possuidor desconhecer a prática do ato por qualquer
motivo, o vício da clandestinidade, neste caso, não se configura.
Precariedade
configura-se como vício da posse, nas relações em que o sujeito tem consigo,
anteriormente, um bem a título precário e recusa-se a devolvê-lo ao legítimo
possuidor, quando requerido ou chegando o momento oportuno. Resulta de um abuso
de confiança por parte daquele que previamente recebera a coisa do possuidor,
assumindo o compromisso (tácito ou
expresso) de restituí-la em certo momento, ou quando se verificasse
determinada condição ou termo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 618-19, apud Maria Helena
Diniz Código Civil Comentado já
impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 04/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Totalmente esclarecedora a versão do CC
1.200 no conceito de Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira, destrinchando cada item do artigo em comento, veja:
Posse justa é aquela que não for violenta, clandestina ou precária,
i. é, para definir o que seja posse justa, o legislador abordou os principais
vícios que maculam a posse, que não poderão subsistir (nec vim, nec clam, nec precário). Assim, será justa a posse que for
obtida de forma mansa e pacífica, ou seja, de forma normal.
Posse violenta é aquela obtida mediante o emprego da força,
utilizando-se da força física direta, ou mediante séria ameaça à vida do
possuidor ou de sua família, pela utilização de arma de fogo ou outro meio
hábil, assim como a ruptura de obstáculos. A lei não faz distinção entre a
violência física ou moral. Trata-se, assim, de ato praticado
que impede o poder físico do possuidor sobre a coisa.
Posse clandestina é a obtida às escondidas daquele que antes a
detinha e continuará como clandestina enquanto for desconhecida do verdadeiro
titular. Trata-se de uma situação oposta à publicidade, pois que obtida longe
das vistas alheias, com emprego de manobras capazes de deixar o antigo
possuidor em situação de absoluta ignorância.
A posse clandestina é considerada como um vício relativo, pois que se
oculta, apenas, da pessoa que tem interesse em defender a coisa diretamente,
mesmo que seja pública em relação às demais pessoas. Tanto a violência quanto a
clandestinidade são tidas como vícios relativos, que somente podem ser acusadas
pela própria vítima; em relação às demais pessoas, a posse produz seus efeitos
normais (Mário, 2004, p. 28-29).
Posse precária é a que se origina no abuso de confiança, como na
hipótese de alguém receber determinada coisa mediante a condição de
restituição, com prazo determinado ou não, acabando por recusar-se a devolver o
bem. É o que sucede no caso de fâmulo na posse (detenção), que tem o dever de
restituir a coisa quando demandada pelo verdadeiro titular.
Tal vício, consistente no abuso
de confiança, tem início no momento exato em que o possuidor a título precário se
recusa a restituir o bem àquele que o detinha anteriormente, e prossegue sem
termo certo para findar, ou seja, até que se restabeleça o status quo ante, pela efetiva restituição. Aqui não há,
necessariamente, violência, e
tampouco vinculação automática com a clandestinidade.
Na hipótese de posse injusta, o possuidor não poderá
utilizar-se dos interditos possessórios contra aquele que a detinha anteriormente,
mas tão-somente contra terceiros, estranhos à relação. Isto porque a violência e a clandestinidade são vícios relativos, que se projetam somente em
relação à pessoa vitimada pelo ato; em relação às demais pessoas, aquela posse
é tida como justa. Nada impede que uma posse, tida inicialmente por injusta, possa vir, posteriormente, a se
tornar uma posse justa, ou jurídica, mediante uma causa posterior, como no caso
daquele que a tomou com violência vir a comprar do antigo titular (Mário, 2004,
p. 29).
Enquanto perdurar a situação de
violência e da clandestinidade não haverá situação possessória (Alvim, 2003, p.
79-80). Haverá, tão-somente, detenção,
conforme disposto no CC 1.208.
A precariedade difere-se da violência
e da clandestinidade, quanto ao momento
de sua ocorrência: estes dois vícios ocorrem no momento da aquisição da posse,
ao passo que a precariedade se dá em momento posterior, quando da recusa do
tomador em restituir o bem ao possuidor indireto.
A clandestinidade poderá cessar posteriormente, desde que o
esbulhador não mais oculte sua posse daquele que foi esbulhado, tomando este
pleno conhecimento do fato, deixando de opor qualquer resistência. Não se
exige, destarte, a demonstração cabal desta circunstância, bastando que existam
as condições normais para que esta tenha ciência daquela posse viciada.
Idêntico raciocínio se aplica à posse
violenta, a qual, independentemente do tempo decorrido, se convola em posse justa.
Com a cessação dos vícios da violência e clandestinidade, haverá a transmudação
da situação de detenção para posse
jurídica. O mesmo não sucede em relação à posse precária, pois se trata de uma situação única, em que o
possuidor precário já tinha a posse anterior da coisa, alterando apenas o animus, transfigurando-se, pois, em
posse injusta pela recusa na restituição (Gonçalves, 2006, p. 72).
Quando a posse violenta ou
clandestina prorrogar-se por mais de ano e dia, o possuidor poderá ser mantido provisoriamente na posse, por força do
Art. 924 do CPC/1973, (correspondendo hoje ao art. 558 caput e parágrafo único do CPC/2015), contra o antigo titular. Não
há um convalescimento da posse injusta em justa, mas uma proteção provisória ao
atual possuidor, em decorrência do lapso temporal.
Da mesma forma, a posse justa poderá se transmudar em posse injusta, como no caso de posse
recebida por contrato (desde que não seja de locação) com a aquisição posterior
de um dos vícios apontados, em face da inadimplência do possuidor (TJ-SP, Ap.
Cível 31.770-4).
Não há contradição entre o disposto
nos CC 1.208 e CC 1.203, pois este dispositivo traz em si uma presunção relativa, que poderá ceder na
existência de prova em contrário, ou seja, alguns vícios de posse podem vir a
cessar, desde que presente circunstância que a justifique.
Enunciado 302 do conselho da
Justiça Federal: “Pode ser considerado
justo título para a posse de boa-fé o ato jurídico capaz de transmitir a posse
ad usucapionem, observado o disposto no CC 1.133”. (Até aqui Luís Paulo
Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em
04.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).