segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Direito Civil Comentado - 1.390, 1.391, 1.392, 1393 Do Usufruto – Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - 1.390, 1.391, 1.392, 1393

Do Usufruto – Disposições Gerais  – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IIITítulo VI – Do Usufruto - Capítulo I – Disposições Gerais (Art. 1.390 a 1.393) - digitadorvargas@outlook.com

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Art. 1.390.  0 usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-me, no todo ou em parte, os frutos e utilidades.

Com Francisco Eduardo Loureiro, tem-se a:

Definição: Na lição de Caio Mário da Silva Pereira, “usufruto é o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa sem alterar-lhe a substância, enquanto temporariamente destacado da propriedade” (Instituições de direito civil - direitos reais, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, v. IV, 2003). A definição se aproxima do que continha o art. 713 do revogado Código Civil, que, apesar de não reproduzido no atual, se encontra implícito, porque inalteradas as características do instituto. Prossegue o autor, afirmando que o ponto de partida de sua configuração é a distinção de dois elementos na propriedade, proveito e substância (op. cit., p. 290). Há um desdobramento dos poderes do proprietário, que outorga o proveito em caráter temporário ao usufrutuário e permanece com a substância do bem, tornando-se nuproprietário. Convivem pacificamente os diversos poderes sobre o mesmo bem, sem se chocar ou anular, porque as titularidades se dão em planos qualitativos diferentes, ao contrário do condomínio, em que os direitos são os mesmos, apenas quantitativamente distintos. 

Características: Da definição tiramos suas principais características, a saber: a) é direito real sobre coisa alheia, gravando temporariamente um bem em favor de uma pessoa (por isso alguns autores, indevidamente, denominam-no servidão pessoal), com efeito erga omnes, distinguindo-se, portanto, da locação; b) é temporário, podendo ser a termo, ou sob condição resolutiva, quando muito vitalício, extinguindo-se com a morte do usufrutuário, porque constituído sobre sua cabeça; c) provoca o desdobramento da posse, atribuindo a posse direta ao usufrutuário e reservando a posse indireta ao nu-proprietário; d) é intransmissível, podendo apenas ser cedido o seu exercício, como veremos no comentário ao CC 1.393 adiante. 

Objeto: No que se refere ao objeto, tem o usufruto amplo espectro, ao contrário dos direitos reais de superfície e de servidão. Podem ser bens frutuários, ou usufruídos, todos aqueles passíveis de apropriação, quer sejam apenas úteis à exploração, quer sejam frugíferos. Devem ser alienáveis, para sobre eles recair o gravame real de uso e fruição, com transmissão parcial das faculdades reais, razão pela qual não se admite usufruto constituído sobre bens gravados com cláusula de inalienabilidade (CC 1.911) nem sobre bem de família. Também não o admitem os direitos intransmissíveis, por exemplo servidão, uso e habitação. Não podem constituir usufruto sobre a coisa aqueles titulares de direitos reais que não têm a prerrogativa de usar e de fruir, como o penhor, a hipoteca, ou mesmo a propriedade fiduciária. Em contrapartida, admite-se o gravame do usufruto instituído pelos titulares dos direitos reais de superfície, de anticrese, de promitente comprador imitido na posse, de enfiteuse e a propriedade resolúvel. Claro que em tais hipóteses o direito de usufruto não ultrapassa o direito real sobre o qual recai. Logo, extinta a superfície, extingue-se o usufruto, ou, resolvido o compromisso de compra e venda, com ele resolve-se o usufruto. 

Embora haja resistência da jurisprudência em admitir usufruto sobre direito real de promitente comprador, tal posição é hoje injustificável. É o compromisso de compra e venda contrato preliminar impróprio, que quase esgota a atividade negocial, convertendo a escritura definitiva em simples ato devido. Os poderes federados do domínio se reúnem nas mãos do compromissário comprador, restando ao promitente vendedor um mero domínio garantia do recebimento do preço (cf. Azevedo Junior , José Osório de. Compromisso de compra e venda, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 1983). Por isso, se há o registro do compromisso irretratável e o promitente comprador já se encontra imitido na posse e, mais, sendo o direito de promitente comprador transmissível até por trespasse, nada justifica que não possa ser dado em usufruto, nem em hipoteca, nem que garanta ao adquirente direito à reivindicação.

Pode o usufruto recair sobre coisas (bens corpóreos) móveis ou imóveis, singulares ou coletivas, assim como sobre bens incorpóreos. Admite-se usufruto sobre créditos, desde que transmissíveis. Abrangem tal modalidade direito sobre valores, direitos de coparticipação, direitos intelectuais, sobre um patrimônio ou sobre uma empresa. Cabe, por exemplo, usufruto sobre quotas e ações de sociedade anônima, ou sobre títulos da dívida pública, ou sobre os direitos patrimoniais (não os morais) de autor e de invenção. Como diz Orlando Gomes, “o usufruto de direitos consiste na atribuição a outrem das utilidades de um direito, durante um certo período de tempo, resguardada a sua existência e integridade” (Gomes, Orlando. “Usufruto de direitos”. In: Revista Forense, v. 180, p. 36-41). Pode recair sobre crédito incorporado em um título, ou não, com ou sem garantia real. Intervém em tal modalidade de usufruto três protagonistas, o credor, o devedor e o usufrutuário, que exercerá os direitos de gozo, devendo, porém, preservar a substância do direito.

O atual Código Civil não reproduziu o art. 726 do Código Civil de 1916, que disciplinava o quase-usufruto, ou usufruto impróprio, incidente sobre as coisas consumíveis - às quais, para esse efeito, se equipararam às fungíveis - e que caíam no domínio do usufrutuário, que se obrigava a restituí-las no equivalente em gênero, qualidade e quantidade, regendo-se, no geral, pelas regras do mútuo. Note-se, porém, que o usufruto se extinguia pela morte do usufrutuário, ao contrário do mútuo, cuja obrigação e crédito se transmitem aos herdeiros.

As coisas consumíveis e fungíveis não mais podem ser dadas em usufruto, como objeto principal, porque concludente é o silêncio do legislador, que resgatou a pureza da garantia real, exigindo a preservação da substância. Ressalva-se apenas a exceção do CC 1.392, § 1º, que trata dos acessórios e acrescidos consumíveis e que será abordado mais adiante.

Classifica-se o usufruto, segundo diversos critérios, na lição de Washington de Barros Monteiro: a) quanto à causa, em usufruto legal e convencional. Decorre o convencional de negócio jurídico inter vivos ou causa mortis. Em relação ao usufruto decorrente de negócio inter vivos, o registro imobiliário para imóveis ou a tradição, para bens móveis, são constitutivos do direito real (v. CC 1.391). É solene, porque exige forma escrita, qualquer que seja o objeto. Se recair sobre coisa imóvel, exige-se outorga uxória, salvo o regime da separação total de bens, além de escritura pública, se de valor superior à taxa legal (CC 108). Em relação à aquisição causa mortis, em razão da saisina o registro tem efeito somente publicitário e regularizatório.

Já o usufruto legal é aquele estabelecido diretamente pela lei, em determinadas situações jurídicas, independentemente da vontade das partes. Há diversos casos de usufruto legal, previstos em nosso ordenamento: 1) o indígena do art. 231 da Constituição Federal, que atribui aos silvícolas o direito exclusivo de usufruto das riquezas naturais e utilidades das terras que ocupam; 2) o dos pais sobre os bens dos filhos menores sujeitos ao poder familiar (CC 1.689,1); 3) o dos cônjuges sobre os bens do outro, nos casos previstos em lei (1.652, I). Não contempla o Código Civil de 2002 a possibilidade de constituição de usufruto vidual dos cônjuges (art. 1.611, CC/1916) e companheiros supérstites (art. 2º, I e II, da Lei n. 8.971/94), sobre parte dos bens do falecido, porque atualmente concorrem eles em propriedade plena com os herdeiros de primeira e segunda classe. Claro que os usufrutos viduais constituídos antes da vigência do Código Civil de 2002 continuam a produzir os seus efeitos, até que sejam extintos. A questão crucial da necessidade - ou não - do registro do usufruto legal será examinada no comentário ao CC 1.391. Modalidade de usufruto legal é o usufruto judicial, previsto no art. 867 do Código de Processo Civil, que, a requerimento do credor, pode recair sobre imóvel ou empresa, segundo o objeto da penhora; b) quanto ao objeto, o usufruto é geral (universal) ou particular, conforme recaia sobre uma universalidade, ou parte ideal dela (patrimônio, herança), ou sobre objeto determinado; c) quanto à extensão, o usufruto é pleno, quando abrange todos os frutos e utilidades da coisa, ou restrito, quando se exclui parte desses poderes. Nada impede, assim, que constem do título certas limitações dos poderes transferidos para o usufrutuário; d) quanto à duração, pode ser a termo certo, sob condição ou vitalício, sendo este último extinto somente com a morte do usufrutuário. Não ultrapassa o usufruto a vida do usufrutuário, por isso se diz que é constituído sobre sua cabeça. Sua morte é causa automática de extinção do usufruto, mas a morte do nu-proprietário nenhuma consequência traz, porque os herdeiros recebem o bem onerado, salvo se o contrário foi expressamente convencionado entre as partes.

Discute-se a compatibilidade entre o usufruto e a cláusula de inalienabilidade nos seguintes termos, postos por Tupinambá Miguel Castro do Nascimento: “ Há uma doação com usufruto deducto, impondo ao doador a cláusula de inalienabilidade à nua-propriedade. Seria possível a manutenção dessa cláusula após a morte do doador, no caso, o usufrutuário?” (Usufruto, 2. ed. Rio de Janeiro, Aide, 1983). A questão é controversa. Afirma Washington de Barros Monteiro que a persistência da cláusula, após a extinção do usufruto, caracterizaria usufruto sucessivo, uma vez que não estariam os poderes federados do domínio reunidos na mão do dono, o que é vedado por norma cogente (Curso de direito civil - direito das coisas, 37. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. III). A jurisprudência controverte a respeito, havendo julgados em ambos os sentidos. O melhor entendimento, porém, é no sentido de que a persistência do vínculo após a morte do usufrutuário não cria usufruto de segunda geração, porque os poderes do dono do imóvel gravado são mais amplos do que os do usufrutuário, podendo mudar sua destinação ou mesmo promover a sub-rogação em bem diverso. Além disso, é inviável cogitar de usufruto sem que haja nu-proprietário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.454-56. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 14/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entender dos autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o Código de 1916 definia o usufruto como o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade. Tal conceito não se encontra a atual codificação, uma vez que a restrição imposta não se dá em relação à propriedade propriamente dita, mas sim em relação ao seu exercício, ou seja, à posse direta.

Constitui-se o usufruto no direito de desfrutar temporariamente um bem alheio, pelo usufrutuário, sem alterar-lhe a substância, definição esta que tem assento no Código Civil francês (Code, art. 578). Como se vê, o usufruto pressupõe a existência simultânea de dois titulares de direito: o usufrutuário, possuindo direito real de gozo ou fruição sobre o bem e o nu-proprietário, o qual possui um direito sobre a substância da coisa, com a restrição imposta pela fruição, acometida a terceiro.

É personalíssimo: pois é instituído de forma intuitu personae, não sendo transmissível causa mortis. É temporário: é dirigido a uma determinada pessoa, extinguindo-se com a morte do usufrutuário, prazo máximo de sua duração. No entanto, pode ser instituído em prazo menor, e tem como objetivo a proteção e o benefício de um certo indivíduo, daí sua natureza altruística. É intransmissível: decorrente de seu caráter temporário e, muito embora seu exercício possa ser cedido (o usufrutuário poderá locar o bem), o direito real não admite transmissão, dado seu caráter personalíssimo (CC 1.393).

Podem ser objeto de usufruto quaisquer bens, corpóreos ou incorpóreos, como direitos de autor, quadros a óleo (obras de arte) e ações de sociedades anônimas (Diniz, 2011, p. 376).

Distingue-se o usufruto do fideicomisso, pois neste opera-se uma substituição, onde o testador deixa bens a uma pessoa (fiduciário) para que esta o transmita, por sua morte, sob determinada condição ou pela ocorrência de um termo temporal, a outra pessoa (fideicomissário). Vê-se que no caso são contempladas duas pessoas distintas. É quando o testador deixa uma casa para X fixando que, quando Y vier a casar, ou completar a maioridade, o bem deverá ser-lhe transmitido. A propriedade do fiduciário é resolúvel, pelo advento do termo ou condição; já no usufruto, as duas partes adquirem o título no mesmo instante de sua instituição, sendo simultâneos os direitos, não dependendo do advento de termo ou condição. Ainda, antes do termo ou condição, o fiduciário poderá alienar o bem na sua substância, o que é vedado ao usufrutuário, o qual não tem poderes de disposição em relação à propriedade. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 14.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Usufruto: direito das coisas”, como ilustra Jonata Rosa Gonçalves Garnizé,  previsto nos CC 1.225, IV, 1.390 e ss., o usufruto é um direito real, no qual a propriedade se divide entre o nu-proprietário, que tem a posse indireta, e o usufrutuário, que tem a posse direta. Conforme ensina Arnaldo Rizzardo, “a ideia de usufruto emerge da consideração que se faz de um bem, no qual se destacam os poderes de usar, gozar ou usufruir, sendo entregues a uma pessoa distinta do proprietário, enquanto este remanesce apenas a substância da coisa”.

Diante do conceito trazido acima, percebe-se que há uma divisão no direito de propriedade, que se dá entre duas pessoas, o nu-proprietário e o usufrutuário, sendo o primeiro, o real proprietário do bem, todavia, os direitos de usar e gozar da coisa pertencem ao usufrutuário.  Dos elementos previstos no caput do CC 1.228, percebe-se que o nu-proprietário detém exclusivamente apenas um, dispor.  O usufrutuário por sua vez, tem o direito de usar, gozar e até mesmo reaver a coisa, visto que é possuidor direto da mesma, podendo usar dos meios legais para que seja protegida sua posse, inclusive frente ao nu-proprietário, isso significa que tal direito é oponível contra todos.

O objeto do usufruto é trazido com clareza pelo CC 1.390, que diz “o usufruto pode recair sobre um ou mais bens, moveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades”. Tal dispositivo é bastante abrangente, podendo o usufruto recair desde coisa imóvel, até direitos autorais, por exemplo, tendo como formas de constituição,, através da lei, vontade das partes ou usucapião.

O direito de usufruto por determinação legal ocorre quando a lei concede o posto de usufrutuária a determinada pessoa. O CC 1.689, I, é um exemplo de constituição legal do usufruto, pois determina que os pais são usufrutuários dos bens dos filhos. No que tange a constituição do usufruto através da vontade das partes, esta se dá por contrato ou testamento, pelos quais as partes criam o direito de usufruto. Importante destacar que, quando tratar-se de bem imóvel, o ato de vontade deve ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis, é o que determina o CC 1.391 do Código Civil. Por fim, a terceira hipótese de constituição do usufruto é a usucapião, que ocorre quando o usufrutuário obtém o direito através de sentença, desde que estejam presentes os requisitos legais. Ocorre quando, por exemplo, o usufruto não foi registrado no Registro de Imóveis, neste caso, pode-se buscar o reconhecimento através da usucapião.

Existem diversas espécies de usufruto. Carlos Roberto Gonçalves classifica da seguinte forma:  a – Quanto à origem ou modo de constituição: O usufruto pode ser voluntário ou legal; voluntário (convencional) quando é constituído através da vontade das partes; legal quando decorre da lei; b – Quanto à duração: Pode ser temporário ou vitalício, temporário quando há um termo estipulado, vitalício quando se encerra com a morte do usufrutuário;  c – Quanto ao objeto: Com relação ao objeto, o usufruto pode ser próprio ou impróprio. Será próprio quando recair sobre bens inconsumíveis e infungíveis, ou será impróprio, quando incidir sobre bens fungíveis e consumíveis; d – Quanto à extensão: Neste aspecto, o usufruto pode ser: (1) Universal, quando recai sobre uma universalidade de bens; (2) Particular, quando recai sobre determinado bem; (3) Pleno, quando engloba todas utilidades e frutos produzidos pela coisa; (4) Restrito, quando há restrição ao gozo sobre alguma (s) utilidade (s) da coisa; e – Quanto aos titulares: O usufruto pode ser simultâneo ou sucessivo. Simultâneo quando for em favor de duas ou mais pessoas, ao mesmo tempo; sucessivo quando for em favor de uma pessoa, sendo transferido a outro após sua morte. O usufruto sucessivo não é admitido pelo ordenamento jurídico brasileiro, conforme CC 1.410. (“Usufruto: direito das coisas”, ilustrado por Jonata Rosa Gonçalves Garnizé, com publicação no site Jus.com.br, publicado em julho de 2019, acessado em 14.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis.

 

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, adquire-se o usufruto por ato inter vivos ou causa mortis, pelos seguintes instrumentos: a) por contrato, negócio jurídico em que o proprietário transmite em favor do usufrutuário o poder de uso e gozo do bem, restando consigo a substância da propriedade, ou por meio de doação com reserva, o que é muito comum nas relações familiares, onde o doador contempla parentes seus para a transmissão do bem, garantindo para si o usufruto até a morte (vitalício); b) por testamento, onde o testador destina para alguém um determinado bem (legado) e também designa, neste ato, quem será o nu proprietário, podendo recair tal encargo, se assim o quiser, para um de seus parentes sucessíveis; c) pela usucapião, tratando-se de usucapião apenas sobre o direito de uso e gozo sobre o bem, uma vez que falta ao usufrutuário o animus domini em relação ao direito de propriedade. As formas estabelecidas para a prescrição aquisitiva do direito ao usufruto são as previstas em lei, seja a usucapião extraordinária ou ordinária (CC 1.238 ou 1.242, parágrafo único).

 

Não se aplica a regra da nulidade da doação – na hipótese em que o doador se desfaz da totalidade de seus bens (CC 548) – quando o proprietário realiza a doação do único bem a terceiros com reserva de usufruto, uma vez que nesta hipótese o doador ficará assegurado do necessário para sua sobrevivência (Bezerra, 2015, p. 379).

Quando se tratar de bens imóveis, opera a publicidade do usufruto por meio de seu regular registro no cartório de imóveis da localização da propriedade, à margem da respectiva matrícula. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 14.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No parecer de Francisco Eduardo Loureiro, o art. 715 do Código revogado dispunha que “o usufruto de imóveis, quando não resulte do direito de família, dependerá de transcrição no respectivo registro”. É a usucapião, como viu-se no comentário ao CC 1.238, modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais, pela posse prolongada e qualificada pelos requisitos exigidos em lei. Se é modo originário e não derivado, a aquisição do direito real não se subordina ao registro, como previsto no CC 1.227, bastando a mera situação de fato da posse, a qual a lei empresta efeitos jurídicos, convertendo-a em direito real. Além disso, a sentença que julga procedente a ação de usucapião é meramente declaratória, retroagindo ao momento de consumação do prazo temporal previsto em lei, ou, segundo parte da doutrina, ao início da posse ad usucapionem. Consequência disso é que nem a sentença nem o registro são constitutivos do direito real. O registro tem efeito meramente publicitário e regularizador. Visa o preceito apenas a explicitar que se pode adquirir usufruto por usucapião, o que, na vigência do Código Civil de 1916, era admitido pela doutrina majoritária, embora negado por Pontes de Miranda.

 

Explica Lenine Nequete que se adquirem por usucapião os direitos reais que implicam posse dos objetos sobre os quais recaem, a saber: usufruto, uso, habitação e superfície. Reputam-se adquiridos pela usucapião “quando quem os constitui não é o verdadeiro proprietário, em consequência do que, consumada a prescrição, o direito do beneficiado subsiste em pleno vigor, com todos os seus efeitos, como se por ele mesmo houvesse sido estabelecido” (Nequete, Lenine. Da prescrição aquisitiva. Porto Alegre, Sulina, 1954). É o exemplo clássico da usucapião ordinária, de usufruto adquirido a non domino, após completado o prazo de dez ou cinco anos (CC1.242 CC).

 

O artigo em estudo contém certa imprecisão. Deve ser lido do seguinte modo: o usufruto adquirido a título derivado por negócio jurídico inter vivos, tendo por objeto coisa imóvel, somente se adquire com o registro imobiliário. Isso porque, como vimos no comentário ao artigo anterior, o usufruto adquirido por testamento se transmite ao herdeiro ou legatário com a morte do testador e não com o registro imobiliário, em razão do direito de saisina. O registro, em tal caso, tem efeito meramente publicitário e regularizatório, mas não constitutivo do direito real. De igual modo, o usufruto sobre coisa móvel se constitui pela tradição, sem previsão de registro constitutivo nos arts. 127 e 129 da Lei n. 6.015/73. Também não necessita do registro imobiliário o usufruto legal do direito de família, ainda que recaia sobre coisas imóveis, por força do que dispõe o art. 167, I, 7, da Lei n. 6.015/73, em plena vigência. Embora não tenha o atual Código Civil reproduzido o disposto no art. 715 do Código Civil revogado, o preceito acima transcrito da Lei de Registros Públicos faz explícita menção à dispensa do registro do usufruto do direito de família. A publicidade, em tal caso, decorre da própria lei, bastando, por exemplo, a terceiros interessados defrontarem com patrimônio de menor sujeito ao poder familiar, para desde logo saber que existe usufruto ex lege em favor dos pais.

Questão mais delicada é saber se o usufruto vidual do direito sucessório, previsto no art. 1.611 do Código Civil de 1916 e não renovado no atual, depende de registro para produzir efeitos contra terceiros de boa-fé. Embora no atual sistema o cônjuge e o companheiro supérstite não mais recebam usufruto vidual, porque podem concorrer com as classes de herdeiros que estão à sua frente, recebendo propriedade plena, a questão ainda é relevante, em relação aos óbitos ocorridos na vigência do Código Civil anterior. Há entendimento da doutrina e dos tribunais de que o usufruto vidual tem natureza de direito real (Tepedino, Gustavo. Usufruto legal do cônjuge viúvo. Rio de Janeiro, Forense, 1991 e REsp n. 209.706/SP, rel. Min. Nancy Andrighi). O entendimento majoritário é no sentido de que, reconhecida a comunhão de aquestos, não tem o viúvo meeiro direito ao usufruto vidual, porque a sua estabilidade financeira já se encontra garantida (REsp n. 34.714/SP, rel. Min. Barros Monteiro). Caso contrário, incide sobre parte de toda a herança, inclusive a legítima dos herdeiros necessários. Além disso, embora haja dissonância na doutrina, o entendimento majoritário dos tribunais é no sentido de que o usufruto vidual deva ser levado ao registro imobiliário, para efeito publicitário e segurança do tráfego jurídico, prevenindo terceiros adquirentes de boa-fé (RJTJERGS 106/388, rel. Des. Edson Alves de Souza; TJSP, Ap. cível n. 68.107-0/6, rel. Des. Luís de Macedo). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.457-58. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 14/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão do unisalesiano.edu.com.br, artigo publicado sala de estudo/2019/pdf, expressa  o  CC 1.391  do  Código  Civil  que  o  usufruto  de  imóveis,  quando  não  resulte  de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis, regramento fundamental dos direitos reais de gozo. Ressalte-se que, – além do usufruto  decorrente  de  usucapião –,  em  havendo  usufruto  legal,  caso  dos decorrentes de Direito de Família, não há necessidade de tal registro, conforme consta expressamente do art. 167, I, n. 7, da Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos).   Nos casos   de   usufruto   convencional, o   registro   imobiliário   é fundamental. No tocante à cessão do exercício do usufruto, sempre foi ela permitida.  A  título  de  ilustração, podem  ser  citadas  as possibilidades  de  se  ceder  o bem usufrutuário em comodato ou locação. (unisalesiano.edu.com.br, artigo publicado sala de estudo/2019/pdf, acessado 14/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.392. Salvo disposição em contrário, o usufruto estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos.

 

§ 1º Se, entre os acessórios e os acrescidos, houver coisas consumíveis, terá o usufrutuário o dever de restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, das outras, o equivalente em gênero, qualidade e quantidade, ou, não sendo possível, o seu valor, estimado ao tempo da restituição.

 

§ 2º Se há no prédio em que recai o usufruto florestas ou os recursos minerais a que se refere o art. 1.230, devem o dono e o usufrutuário préfixar-lhe a extensão do gozo e a maneira de exploração.

 

§ 3º Se o usufruto recai sobre universalidade ou quota-parte de bens, o usufrutuário tem direito à parte do tesouro achado por outrem, e ao preço pago pelo vizinho do prédio usufruído, para obter meação em parede, cerca, muro, vala ou vaiado.

 

No clarear dos autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo inicia com a advertência de que as partes poderão, de comum acordo, estabelecer o inverso do texto. Assim, trata da possibilidade de o usufrutuário exercer a posse direta e fruição sobre quaisquer bens acessórios ou benfeitorias da propriedade e, havendo bens consumíveis, deverá restituir os remanescentes ou o seu valor correspondente.

 

Os recursos naturais previstos no § 3º do dispositivo são aqueles que pertencem à União, como os recursos naturais e potenciais de geração de energia elétrica, para efeito de exploração, previsto no art. 176 da CF, distinguindo-se o limite da propriedade do subsolo da propriedade dos elementos deste mesmo subsolo (CC. 1260).

Tratando-se de usufruto sobre a universalidade do bem, o legislador prestigiou o direito do usufrutuário, atribuindo-lhe a propriedade de parte do tesouro achado no imóvel e também do valor referente à indenização, pago pelo vizinho, por despesas de construção de muros divisórios, a qual não se destinará ao nu proprietário, já que não é este quem exerce a posse direita. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 14.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Esclarecendo, para Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame condensa os arts. 716, 725, 726, 727 e 728 do Código Civil de 1916. Houve alteração significativa, especialmente no que se refere ao § 1" do artigo em foco, que substituiu o art. 726 do Código revogado.

 

A cabeça do artigo contém norma dispositiva, que somente se aplica no silêncio da convenção entre as partes. Diz que o usufruto se estende aos acessórios da coisa e aos seus acrescidos. Os acessórios, segundo Caio Mário da Silva Pereira, “pela sua própria existência subordinada, não têm, nesta qualidade, uma valoração autônoma, mas liga-se-lhes o objetivo de completar, como subsidiário, a finalidade econômica da coisa principal” (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. I, p. 435). Falta-lhes autonomia, seguindo o destino da coisa principal. Assim, salvo cláusula expressa em sentido contrário, o usufruto de um imóvel abrange as construções e plantações que sobre ele se encontram, bem como os frutos, os produtos, os rendimentos e as benfeitorias.

 

O problema está em saber se o termo “acessórios” inclui as pertenças, que, na forma do CC 94, são coisas que não constituem partes integrantes, mas que se destinam, de modo duradouro, ao uso, aformoseamento ou serviço de outra. São tudo o que o proprietário mantém no bem visando a servir à sua finalidade econômica, mas se distinguem da parte integrante, porque podem ser retiradas sem alterá-las. Conservam identidade própria e não se incorporam à coisa, à qual servem temporariamente. O CC 95 rompe o princípio da gravitação jurídica ao dispor que os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, das circunstâncias ou manifestação de vontade das partes. Via de consequência, para que as pertenças - implementos agrícolas, veículos, máquinas, objetos de decoração e utensílios de casa em geral - integrem o usufruto de um imóvel, deve haver expressa convenção a respeito entre as partes. No silêncio, as pertenças são entregues ao nu-proprietário, porque não mais são consideradas imóveis por acessão intelectual. O usufruto abrange os acrescidos, que dizem respeito às acessões, em especial avulsão, aluvião ou formação de ilhas, que aumentem a coisa usufruída.

 

O § 1º do artigo em exame consagra importante novidade, já mencionada no comentário ao CC 1.390 acima. O art. 726 do Código Civil de 1916, que disciplinava o usufruto impróprio sobre bens consumíveis, não encontrou eco no sistema vigente. Desaparece, assim, a possibilidade de se constituir direito real de usufruto sobre bens consumíveis e fungíveis, cuja substância era transferida ao usufrutuário, que a devolvia no mesmo gênero, qualidade e quantidade, quebrando a característica fundamental do instituto. Agora somente tolera o legislador o usufruto sobre coisas consumíveis - e acrescente-se, fungíveis - se consistirem elas de acessórios ou acrescidos de coisa principal infungível e inconsumível ao primeiro uso. Dizendo de outro modo, não mais se admite o gravame do usufruto sobre coisa principal consumível ou fungível.

 

O § 2º trata da existência de florestas e recursos minerais no imóvel usufruído, com expressa menção ao disposto no CC 1.230, comentado anteriormente. Claro que o usufruto não pode recair sobre minas, jazidas, demais recursos minerais, potenciais de energia elétrica, monumentos arqueológicos e outros bens referidos em lei especial, pela simples razão de que tais bens não são de propriedade do dono do solo, mas sim da União federal. Logo, não pode o proprietário transmitir ao usufrutuário o que não tem. A referência a recursos minerais se limita à hipótese do parágrafo único do CC 1.230, vale dizer, àqueles de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos à transformação industrial. No que se refere às florestas, o usufruto somente pode abranger aquelas destinadas à extração de madeira, uma vez que as matas nativas não podem ser destruídas em face da legislação ambiental. Quanto às florestas e recursos minerais passíveis de exploração, vigora a convenção entre as partes. No silêncio do título, somente se admite a extração, pelo usufrutuário, se as árvores já se destinavam pelo proprietário para o corte, ou se já havia atividade de exploração mineral no terreno (Viana , Marco Aurélio S. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XVI, p. 628).

Finalmente, o § 3º do artigo em comento reza que, se o usufruto recair sobre universalidade ou quota-parte de bens, como o patrimônio ou a herança, o usufrutuário tem direito à parte do tesouro achado por outrem e ao preço pago pelo vizinho, para obter meação em parede, cerca, muro, vala ou vaiado. A contrário senso, se recair o usufruto sobre coisas singulares, não se confere tal direito ao usufrutuário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.459-61. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 14/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No dizer de Leonardo Peixer, em seu artigo “O exercício do direito de voto do usufrutuário de ações da sociedade anônima”, publicado em fevereiro de 2015, no site da jus.com.br, “ainda, a regra de que os acessórios do bem objeto do usufruto sempre acompanharão o principal, conforme preceito estabelecido no artigo 1.392, do Código Civil, nesse sentido, extrai-se da doutrina de Monteiro (2010, p. 375-376): Segundo o disposto no art. 1.392 do Código Civil de 2002, “salvo disposição em contrário, o usufruto estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos”. Assim, se trata do usufruto de prédio residencial, o usufrutuário tem direito a desfrutar amplamente de todas as suas utilidades, como parque, pomar e piscina; se se trata de imóvel agrícola, o usufruto abrange, além da sede, lavouras, animais, águas e outras serventias. Os acrescidos, a que se refere o texto, são os produtos da acessão, ressalvando-se a hipótese do tesouro, regulada pelo CC 1.392, §3°. 

A corroborar com a tese trazida acima, cite-se a doutrina de Diniz (2007, p. 413): Pelo art. 1.392 do Código Civil, esse usufruto, salvo disposição em contrário, estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos. De modo que se for usufruto de prédio residencial, o usufrutuário terá direito de desfrutar de todas as suas utilidades, como jardins, piscina etc.; se for de imóvel agrícola, abrange os animais, lavoura, frutos de um pomar, águas etc. Se entre os acessórios e os acrescidos houver coisas consumíveis, o usufrutuário deverá restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, não sendo possível, o seu valor, estimado ao tempo da devolução (CC 1.392, §1°). Se houver, no prédio em que recai o usufruto, florestas ou recursos minerais, o nu-proprietário e o usufrutuário deverão prefixar-lhe a extensão do gozo e o modo de exploração. (CC 1.392, §2°). Os acrescidos são concernentes aos produtos da acessão (CC 1.248), ressalvando o tesouro, que está regulado nos CC 1.064 a 1.266. 

E não é só. Infere-se da doutrina de Venosa (2003, p. 431): Não havendo ressalva, “o usufruto estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos” (CC 1.392). O usufruto é, em regra, instituído sobre uma unidade materialmente considerada. O usufruto estende-se também às acessões verificadas nos bens usufruídos, bem como aos acessórios e pertenças que o dono coloca na coisa antes de instituí-lo. O direito estende-se também às servidões ligadas ao prédio usufruído. (Leonardo Peixer, em seu artigo “O exercício do direito de voto do usufrutuário de ações da sociedade anônima”, publicado em fevereiro de 2015, no site da jus.com.br., acessado em 14.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.393. Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso. 

Conforme já referido anteriormente, conforme afirmam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, não se pode transmitir o direito real de usufruto a terceiro, por seu caráter personalíssimo, sendo estabelecido intuitu personae. Entretanto, a cessão do direito de usufruto, ou posse direta, poderá ocorrer em favor de terceiros, quando aquele não puder ou não quiser exercer o gozo. O terceiro, neste caso, não substitui o usufrutuário direto e, por esta razão, não tem a seu favor o direito real que o acobertaria, restando-lhe apenas uma relação jurídica de direito pessoal ou obrigacional, dispensando registro do título no cartório de registro imobiliário.

O direto de usufruto é, por natureza, insuscetível de penhora; porém, os rendimentos e lucros obtidos com a cessão do exercício do usufruto poderão sofrer referida constrição legal. O nu proprietário poderá dispor do bem gravado de usufruto, assim como dar em garantia a propriedade na sua substância, sendo que eventual penhora recairá apenas sobre esta, não podendo prejudicar direitos do usufrutuário. O usufruto acompanha o bem, em relação ao novo adquirente, em função da característica de sequela. Assim, se o bem for alienado judicialmente por dívidas, o usufruto terá que ser respeitado pelo novo arrematante, que não fará jus à posse direta. 

A cessão de direitos do usufruto é admitida se o título constitutivo não o vetar expressamente, pela vontade de seu instituidor; de qualquer forma o usufrutuário sempre permanecerá vinculado aos termos estabelecidos no ato de sua constituição. Assim, caso o beneficiário por testamento de uma grande e antiga residência não tenha interesse em ocupa-la, poderá locá-la ou emprestá-la gratuitamente a terceiro, que a cuidará devidamente (direito pessoa), mantendo o originário usufrutuário, entretanto, sua relação jurídica com o nu proprietário (direito real). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao art. 1.393 do CC/2002, acessado em 14.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Em referência ao CC 1.393, como aponta Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame corresponde ao art. 717 do Código Civil de 1916, de conteúdo semelhante, mas com a ressalva de que a alienação somente poderia ser feita ao proprietário da coisa. No dizer de Carvalho Santos, justifica-se a vedação cogente à alienação do usufruto por duas razões: “a) por melhor corresponder aos fins da instituição, que, como se sabe, ordinariamente criada para beneficiar alguém, dando-lhe meios de prover a subsistência, falharia a seus fins, desrespeitado os intuitos do instituidor, se fosse possível ser alienado; b) porque o usufruto é sem dúvida uma servidão pessoal e, portanto, um direito vinculado à pessoa, sendo evidentemente contrário à sua essência torná-la alienável” (Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX, p. 366). 

A inalienabilidade do usufruto não tem nenhuma incompatibilidade com a extinção por consolidação. O que proíbe a norma cogente é que o direito real de usufruto sobreviva sob a titularidade de terceiro, porque é personalíssimo do usufrutuário. A transmissão, porém, se admite quando provocar a extinção do usufruto por consolidação. São os casos da aquisição do usufruto a título gratuito ou oneroso pelo nu-proprietário ou, então, de um terceiro que adquira simultaneamente a nua-propriedade e o usufruto, consolidando a propriedade em suas mãos. Não há aí propriamente alienação do direito real, mas sim modo de sua extinção por consolidação. 

Discute-se se a intransmissibilidade abrange também a partilha do direito real de usufruto pertencente ao casal. Washington de Barros Monteiro ensina que, “como servidão pessoal, vinculada à própria pessoa do usufrutuário, não admite adjudicação ao outro cônjuge, em partilha consequente a desquite do casal” (Curso de direito civil-direito das coisas, 37. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. III. No mesmo sentido, PONTES de Miranda. Tratado de direito privado, 4. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1977, t. XIX , p. 63). Há, porém, precedentes dos tribunais entendendo, com razão, que a partilha não tem natureza atributiva da propriedade, de modo que escaparia da proibição de alienação, até como meio de evitar a perpetuação de disputas e conflitos entre os ex-cônjuges (Fioranelli, Ademar. “ Direito real de usufruto”. In: Direito registral imobiliário. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 394). 

Situação diversa, porém, é o caso do usufruto constituído a favor de um só dos cônjuges, ou anteriormente ao casamento. Não há comunicação do usufruto ao outro cônjuge em razão do regime de bens adotado, ainda que da comunhão universal, porque feriria o seu caráter personalíssimo e intransmissível. Como não pode ser o direito real de usufruto alienado, não pode também ser dado em garantia real, nem penhorado, porque não seria passível de arrematação por terceiro em hasta pública. Ressalte-se, porém, que inalienável é apenas o direito real, nada obstando que credores penhorem as utilidades do usufrutuário, por exemplo os rendimentos da coisa. Nada impede, de outro lado, que se penhore a nua-propriedade, apenas com a ressalva de que o direito real de usufruto gravará a coisa mesmo após a arrematação. Admite-se apenas a cessão do exercício do usufruto, ou seja, o terceiro favorecido será titular de um simples direito de crédito, podendo usar ou fruir a coisa, mas não de um direito real. Não se transmite usufruto, mas apenas os poderes derivados da relação jurídica de usufruto. Nada impede que o usufrutuário, eventualmente impedido de explorar pessoalmente a coisa, possa alugá-la ou emprestá-la a outrem. Disso decorre que, extinto o usufruto, por qualquer de suas causas, extingue-se o direito de exercício dele decorrente, não podendo o cessionário do exercício opor seus direitos frente ao nu-proprietário que consolidou a propriedade em suas mãos, salvo disposição em lei especial, como ocorre na locação predial urbana. Os deveres do usufrutuário continuam os mesmos e incólumes perante o nu-proprietário, admitindo-se, apenas, que por convenção o cessionário se torne devedor solidário.

No dizer de Pontes de Miranda, “se foi transferido o exercício, o usufrutuário continua com o direito real, as pretensões, ações e exceções ligadas a esse direito” (op. cit., t. XIX, p. 56). Pode ocorrer novo desmembramento da posse, passando o usufrutuário a ser possuidor indireto e o cessionário do exercício possuidor direto, o que permite a ambos usar da tutela possessória, por ofensas de terceiros, ou mesmo entre si (v. CC 1.197). Como não se transfere direito real, a cessão do exercício não ingressa no registro imobiliário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.461-62. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 14/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Complementando o Capítulo I, Título VI – Do Usufruto, para Ricardo Fiuza, em sua doutrina, o usufruto é inalienável, mas pode ser cedido a título gratuito (comodato) ou até oneroso, como, por exemplo, o contrato de locação. Admite-se a penhora do usufruto, mesmo que o usufrutuário resida ou não no bem onerado (JTACSP, 126/18). • O dispositivo equipara-se ao art. 717 do Código Civil de 1916, com considerável melhora em sua redação. No mais, deve ser-lhe dado o mesmo tratamento doutrinário dispensado ao artigo apontado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 711, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 14/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Direito Civil Comentado - 1.387, 1.388, 1.389 Da Extinção das Servidões – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - 1.387, 1.388, 1.389

Da Extinção das Servidões  – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IIITítulo V – Capítulo III – Da Extinção das Servidões (Art. 1.387 a 1.389) - digitadorvargas@outlook.com

   - vargasdigitador.blogpot.com

 

Art. 1.387. Salvo nas desapropriações, a servidão, uma vez registrada, só se extingue, com respeito a terceiros, quando cancelada.

 

Parágrafo único. Se o prédio dominante estiver hipotecado, e a servidão se mencionar no título hipotecário, será também preciso, para a cancelar, o consentimento do credor.

 

Como esclarece Francisco Eduardo Loureiro, em comparação com o direito anterior, apenas o termo transcrição foi atualizado para registro, em consonância com o regime da Lei n. 6.015/73. Traça o preceito regra geral de ser o registro, salvo exceções, constitutivo do direito real de servidão; sua extinção, em relação a terceiros, somente se dará com o respectivo cancelamento por averbação junto ao registro imobiliário. Há um fato extintivo e, como efeito desse fato, o cancelamento do registro da servidão. Entre as partes, normalmente, a servidão deixa de produzir efeito desde o fato extintivo; em relação a terceiros, somente do momento no qual se averba o cancelamento junto ao registro imobiliário. A própria lei traça uma exceção ao princípio: nas desapropriações, o cancelamento da servidão ocorre independentemente do registro, em razão do modo originário de aquisição da propriedade pelo Poder Público. A perda da servidão por desapropriação é indenizável, devendo, por consequência, ser citado o titular do prédio dominante. Nada impede, de outro lado, o próprio Poder Público, ao desapropriar um imóvel, de optar pela preservação da servidão, em vez de indenizar, caso no qual esta será preservada, continuando a onerar o prédio serviente. A não exigência do cancelamento vale somente para a desapropriação; não vale para aquisições de imóveis pelo Poder Público a título derivado, provenientes de negócio jurídico.

 

Esqueceu-se o legislador, porém, de que também a usucapião do prédio serviente, dado seu modo originário de aquisição, cria uma nova cadeia dominial, desligada da propriedade anterior e de todos os direitos reais sobre coisa alheia a ela acessórios, inclusive a servidão. Logo, consumada a usucapião sobre a propriedade plena do prédio serviente, extingue-se o direito real de servidão, independentemente do cancelamento do registro. É por essa razão que o titular do imóvel dominante é litisconsorte passivo necessário na ação de usucapião sobre o imóvel serviente. Ressalva-se, é claro, a possibilidade do usucapiente possuir como seu o imóvel, mas respeitar a servidão que o grava. Em tal hipótese, a aquisição da propriedade por usucapião não provocará a extinção da servidão.

A servidão proporciona utilidade ao imóvel dominante e o valoriza, ao potencializar sua exploração. Decorre daí a regra do parágrafo único do artigo em exame: caso esteja o imóvel hipotecado, o credor hipotecário deverá anuir ao cancelamento, pois haverá desfalque da garantia real. Embora não diga a lei, o mesmo ocorrerá em relação a outros direitos reais sobre coisa alheia, como usufruto e superfície. O cancelamento da servidão, se atingir direitos do usufrutuário ou do superficiário - e normalmente isso ocorrerá - deverá contar com a anuência deles quando tiver origem em negócio jurídico. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.448. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 11/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

O artigo foi modificado pela Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. O vocábulo “inscrita” foi substituído pela palavra “registrada”, com vistas a adequar a redação do artigo da Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73). Em sua Doutrina como Ricardo Fiuza registra, esta norma é a aplicação do princípio, de que os direitos reais se constituem e se transmitem por atos entre vivos, como o registro de títulos no Cartório de Registro de Imóveis.. • A servidão é uma qualidade do prédio dominante, aumentando-lhe o valor, e por ser acessória está com o prédio vinculada ao ônus hipotecário. Assim sendo, seu cancelamento depende da concordância do credor. • É o artigo idêntico aos arts. 708 e 712 do Código Civil de 1916; deve, portanto, receber o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 710, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 11/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão simplificada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, ocorrendo o registro imobiliário da servidão, somente com seu cancelamento cartorário se dará a extinção. Caso o prédio dominante esteja hipotecado, constando a servidão do respectivo título, para o cancelamento desta será preciso a anuência do credor hipotecário, prevenindo-o quanto à possível desvalorização do bem, uma vez que a servidão se propõe a dar maior utilidade ao imóvel dominante. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 11.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.388. O dono do prédio serviente tem direito, pelos meios judiciais, ao cancelamento do registro, embora o dono do prédio dominante lho impugne: 

I — quando o titular houver renunciado a sua servidão;

II — quando tiver cessado, para o prédio dominante, a utilidade ou a comodidade que determinou a constituição da servidão;

III — quando o dono do prédio serviente resgatar a servidão.

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro a inovação restringiu-se ao inciso II, aperfeiçoando o dispositivo. Em vez de se referir à espécie servidão de passagem, como fazia a lei revogada, alude a atual ao gênero, determinando a extinção da servidão pelo desaparecimento de utilidade ou comodidade que lhe deu causa. O Código Civil contém um rol meramente enunciativo das causas de extinção da servidão, nos CC 1.388 e 1.389. Além das causas enumeradas na lei, há outras, implícitas ou lógicas: perecimento do prédio dominante ou serviente, como invasão de um deles, em caráter permanente, por águas de represa ou mar; resolução do domínio de quem as constituiu, pois, resolvido o domínio dos prédios serviente ou dominante, resolvem-se os direitos reais concedidos em sua pendência, como determina o CC 1.359; expiração de termo ou condição resolutiva a que se subordina a servidão, já que não tem caráter necessariamente perpétuo, podendo ser constituída por prazo certo, ou ter sua eficácia subordinada a evento futuro e incerto; usucapião do prédio serviente por terceiro, que rompe a cadeia dominial e os direitos reais atrelados à propriedade perdida; desapropriação, comentada no artigo anterior; abandono especificado, comentado no CC 1.382. 

Em relação às três causas previstas de modo explícito no artigo em análise, cabem algumas observações. A cabeça do artigo tem redação deficiente, dando falsa impressão de o cancelamento do registro em razão das causas arroladas nos três incisos ocorrer exclusivamente por decisão judicial. A intervenção judicial, porém, somente se faz necessária quando depender do exame de prova dos fatos das causas extintivas. Tanto a renúncia expressa quanto o resgate, desde que deduzidos pelos interessados por documento escrito hábil, podem ser diretamente levados ao registro imobiliário, sem necessidade de decisão judicial, na forma do art. 250, III, da Lei n. 6.015/73.

Para a renúncia (inciso I), o renunciante deve ser capaz e legitimado. A regra é somente poder renunciar à servidão quem puder constituí-la, ou seja, quem pode dispor do prédio dominante. Se casado for, necessita da outorga uxória, salvo se o regime de bens for de separação absoluta. Se o prédio dominante é em condomínio, a servidão não se extingue pela renúncia de um só dos condôminos, em razão de sua indivisibilidade. A renúncia é unilateral, não se exigindo, por consequência, a anuência dos titulares do prédio serviente. A renúncia expressa é solene e exige forma de escritura pública, se acima do valor legal, em obediência ao disposto no CC 108. Pode a renúncia ser expressa ou tácita, a última dedutível do comportamento concludente do titular do prédio dominante, incompatível com a persistência da servidão. Tomem-se como exemplos os casos do titular de direito de aqueduto, que desfaz as obras e nada coloca em seu lugar; ou do titular de direito de não construir, que aconselha e auxilia o titular do prédio serviente a fazer a construção proibida. A renúncia tácita, cuja aferição depende de exame de conduta, pressupõe sempre pronunciamento judicial. 

O inciso II trata da extinção por cessação da utilidade ou comodidade, que modelam o exercício da servidão. No dizer de Marco Aurélio Viana, “a extinção vem como decorrência da perda da razão de ser da servidão. O novo estado de fato supre a função que a servidão exercitava” (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XV I, p. 604). O binômio utilidade-comodidade serve como causa do negócio jurídico gerador do direito real de servidão. O desaparecimento posterior da causa não leva à invalidade, mas à frustração da restrição, que perde o sentido e não mais se justifica. A prova dessa causa extintiva deve ser feita judicialmente e não perante o oficial do registro, diante da necessidade de se aferir o fato da ausência de utilidade ou comodidade. A ação é imprescritível, pois se trata de direito potestativo, sem prazo decadencial assinado em lei.

O inciso III trata do resgate da servidão pelo dono do prédio serviente. Omitiu-se a lei, porém, em definir a figura do resgate. No direito real de enfiteuse constitui prerrogativa do proprietário, que pode exercê-lo contra a vontade do enfiteuta. Na servidão, tem o resgate natureza convencional, ou, no dizer de Carvalho Santos, “é a liberação do prédio serviente, mediante acordo dos interessados” (Santos. J. M. Carvalho. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX, p. 227). O titular do prédio serviente recobra, readquire do dono do prédio dominante direitos e vantagens transmitidos ao constituir a servidão. A vontade geradora do negócio jurídico que serve de título para a servidão atua em sentido contrário e leva à sua morte, em negócio extintivo solene, por escritura pública, se acima do valor legal, e levado ao registro imobiliário. O resgate não constitui direito potestativo do titular do prédio serviente, mas, ao contrário, somente se dá pelo consenso das partes. Esse ajuste pode ser feito tanto no próprio negócio constitutivo da servidão, acordando desde logo as partes o direito de resgate, inclusive quanto à oportunidade e preço, quanto em negócio posterior. Caso tenha sido ajustado no momento da constituição da servidão, gera direito potestativo ao dono do prédio serviente; e, diante de eventual resistência do titular do prédio dominante, tem o primeiro ação judicial na qual deposita o preço e postula a declaração de extinção da servidão, levando o mandado judicial ao registro imobiliário. Lembre-se de que o direito de resgate é conferido para o titular do prédio serviente recomprar a restrição que onera seu prédio, não dando ao titular do prédio dominante, salvo ajuste explícito entre as partes, direito de exigir o preço sem anuência da parte contrária. Finalmente, caso o resgate seja instrumentalizado por escritura pública, pode ser levado diretamente ao registro imobiliário, sem necessidade de qualquer intervenção judicial. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.449-50. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 11/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Nos comentários ao CC 1388, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, dizem: Da Renúncia: ocorrerá quando o titular do prédio dominante, de maneira unilateral, vem a abrir mão de seu direito de servidão, liberando o ônus real incidente sobre o prédio serviente. 

O término da utilidade ou comodidade: ocorrerá em qualquer hipótese da qual não mais se faça útil a servidão, como a construção de um novo acesso mais curto e seguro, ou pela execução de poço artesiano que torne inócua a servidão de passagem de água antes estabelecida. 

Quanto ao resgate: trata-se de hipótese de liberação da servidão instituída, mediante cancelamento no registro imobiliário competente, devendo o titular do prédio serviente efetuar respectivo pagamento ao dono do prédio dominante. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 11.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.389. Também se extingue a servidão, ficando ao dono do prédio serviente a faculdade de fazê-la cancelar, mediante a prova da extinção: 

I – pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa; 

II – pela supressão das respectivas obras por efeito de contrato, ou de outro título expresso;

III – pelo não uso, durante dez anos contínuos. 

Os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, iniciam seus comentários falando de 1 – Confusão: Como não há juridicamente a servidão instituída sobre o próprio bem – e sim somente em relação à de outro titular – quando o titular do prédio serviente (ou vice-versa) adquire a propriedade do dominante, extingue-se a servidão por inexistência de elemento constitutivo; 2. Obras: se foram realizadas obras necessárias à efetiva utilização da servidão, sua supressão implica na negação da própria servidão, tornando-a impropria ao fim para o qual se destina – o que se aplica apenas nas servidões aparentes exigindo-se que tal supressão faça constar expressamente de contrato para o cancelamento da servidão; 3. Desuso: É ônus do titular do prédio serviente a prova de que a servidão não está sendo utilizada pelo tempo decimal previsto em lei, presumindo-se não mais propiciar qualquer utilidade, sendo caso de prescrição liberatória, apta a extinguir o respectivo direito e 4. Ação confessória: é aquela a serviço do dono do prédio dominante, o qual busca a declaração judicial de afirmação da existência de uma determinada servidão predial. Ação negatória trata-se do oposto, onde o titular do prédio serviente busca uma declaração judicial da inexistência ou desconstituição de uma determinada servidão predial, da qual a parte contrária afirma existir e ser seu legítimo titular. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 11.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, foi alterada apenas a cabeça do artigo, e para pior, criando falsa impressão de as três causas extintivas da servidão, previstas nos respectivos incisos, independerem de intervenção judicial, podendo ser levadas diretamente ao registro imobiliário. Melhor seria que se agrupassem todas as causas extintivas em único artigo, com a regra simples de que causas comprováveis documentalmente independem de intervenção judicial. Em especial a causa prevista no inciso III demanda análise de fatos – não uso – e, necessariamente, deve ser objeto de sentença judicial. 

O inciso I trata da confusão que ocorre quando os prédios dominante e serviente passam a pertencer ao mesmo titular. A servidão é incompatível com a homogeneidade dominial, pressupondo prédios vizinhos pertencentes a titulares diversos. Se uma das aquisições for em caráter resolúvel, ou padecer de invalidade, desaparece a figura da confusão definitiva e a servidão persiste. Se houver condomínio, somente se extingue a servidão se em ambos os prédios houver a mesma titularidade dominial, ainda que em frações diferentes. A averbação do cancelamento pode ser feita diretamente pelo oficial do registro imobiliário, sem intervenção judicial. 

A maior dúvida a respeito do tema está em saber se, cessada a homogeneidade dominial sobre ambos os prédios por causa superveniente, como alienação de um deles para terceiro, ressurge a servidão, que estaria apenas adormecida, convertida em serventia. A doutrina se divide a respeito do tema (a favor da restauração da servidão, Serpa Lopes e Tupinambá Miguel Castro do Nascimento; contra, Carvalho Santos, Marco Aurélio Viana e Pontes de Miranda). Como provoca confusão a extinção da servidão, em caráter definitivo, a melhor posição está em negar seu ressurgimento, em homenagem à boa-fé de terceiros adquirentes, que certamente seriam surpreendidos com a restauração do registro inoperante em razão da anterior homogeneidade dominial. Caso desejem as partes, deverão constituir nova servidão, por negócio jurídico ou usucapião.

O inciso II trata da supressão das obras necessárias ao exercício da servidão, desde que essa eliminação tenha sido contratada ou haja outro título expresso a demonstrando. Esse negócio de supressão exige sempre o consentimento de todos os interessados, manifestado por escritura pública, se superior à taxa legal, pois importa renúncia ou distrato que leva à extinção de direito real. O instrumento que materializa a supressão pode ser levado diretamente ao registro imobiliário, sem intervenção judicial. Explicita a lei que a supressão tenha causa cm negócio jurídico ou outro título expresso. As mutações fáticas, que impliquem abandono ou destruição das obras, sem convenção explícita, podem apenas suspender ou impossibilitar momentaneamente o exercício da servidão, mas não a extingue. A destruição das obras sem base em título explícito pode, quando muito, configurar renúncia tácita ao direito de servidão, nos termos do CC 1.388, I. 

O inciso III trata da extinção da servidão pelo não uso por dez anos contínuos. A longa inércia do titular do prédio serviente faz presumir inutilidade da servidão, e não há razão para continuar a onerar o prédio serviente. Todas as modalidades de servidões - contínuas e não contínuas, aparentes e não aparentes, afirmativas e negativas - extinguem-se pelo não uso. Não vale aqui, portanto, a regra inversa, de somente se adquirirem pela prescrição aquisitiva (usucapião) as servidões aparentes. O não uso pode ocorrer desde o momento da constituição da servidão, ou iniciar-se em um momento posterior. A causa em exame exige reconhecimento na via judicial, pois não pode o oficial do registro imobiliário aferir situação de fato, consistente do não uso da servidão por determinado prazo. 

No que se refere ao termo a quo contagem do prazo de dez anos, a melhor solução, embora não explicitada em nosso direito positivo, é a adoção do que contêm os arts. 3.059 do Código Civil argentino e 2.228 do Código Civil português: “a prescrição correrá, nas servidões descontínuas, desde o dia em que se deixe de usar, e nas contínuas, desde o dia em que se começar a interrupção da servidão”, vale dizer, do dia em que o titular do prédio serviente praticar o ato que lhe era vedado.

A mesma lição é enunciada por Pontes de Miranda de modo diverso, levando em conta a natureza afirmativa ou negativa da servidão: “ nas servidões afirmativas (contínuas ou descontínuas), começa-se a contar o decênio do momento em que cessa o exercício; e. g., deixa de tirar água da fonte, cai o aqueduto, fechou a passagem. Nas servidões negativas, desde que o dono do prédio serviente pratica o ato que não devia praticar, não importa se houve, ou não, força maior para o não uso. O exercício, que interrompe o curso do decênio, pode ser por pessoa que represente o dono do prédio dominante, ou por terceiro, que o pratique como exercício do direito de servidão. Se o prédio dominante é comum, basta, para a interrupção, que o pratique qualquer dos comunheiros. Se contra um deles não corre o prazo, a suspensão aproveita a todos” (Pontes de Miranda , F. C. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1983, t. X V III, p. 418-9).

A maioria da doutrina não distingue o não uso da servidão e sua prescrição. Na verdade, há relevante distinção. Somente há prazo prescricional quando houver pretensão, ou seja, reação contra ato ou conduta do titular do prédio serviente que praticar o ato vedado (servidões negativas) ou impedir ao titular do prédio dominante fazer o permitido pela servidão (servidões afirmativas). No exato momento em que há o ato ilícito do titular do prédio serviente, nasce a pretensão, sujeita à prescrição pela inércia do titular do prédio dominante. Aplicam-se, aí, as causas suspensivas e interruptivas do prazo prescricional, previstas nos CC 197 a 204. As causas inerentes ou de iniciativa de um dos titulares do prédio dominante aos demais aproveita, em vista da indivisibilidade da servidão. Diversa, porém, é a situação na qual, com servidões afirmativas, há pura inércia do titular, sem qualquer conduta ilícita do dono do prédio serviente. Nesse caso, não há pretensão a ser exercida, pela simples razão de não haver ação ou medida a ser proposta em face do dono do prédio serviente, que nunca se opôs à servidão. Cuida-se de singela falta de exercício de direito material, que se perderá pelo decurso do tempo. O prazo é decadencial e não prescricional, razão pela qual o prazo flui de modo contínuo, sem interrupção ou suspensão, ressalvadas as hipóteses mencionadas no art. 208 do Código Civil (cf. as posições de Pontes de Miranda, F. C. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT, 1983, t. X V III, p. 419; e Nascimento, Tupinambá Miguel Castro. Direito real de servidão. Rio de Janeiro, Aide, 1985, p. 247-8). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.451-52. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 11/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Dando sequência e finalizando o Capítulo III, do Título V, Ricardo Fiuza, no histórico ressalta que o dispositivo em tela não foi alvo de nenhuma espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. E conclui em sua Doutrina: Também se extingue a servidão: a) se os dois prédios passam a pertencer ao mesmo dono; b) quando as obras previstas no contrato ou no título forem suprimidas; e c) quando não for utilizada por dez anos contínuos. • Equipara-se esta regra aos arts. 710 e 711 do Código Civil de 1916, conjugando esses dispositivos com considerável melhora na redação. No mais, deve ser dispensado à matéria o mesmo tratamento doutrinário dado aos dispositivos apontados. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 711, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 11/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).