Direito Civil Comentado - 1.390,
1.391, 1.392, 1393
Do Usufruto – Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.
- Parte Especial – Livro III – Título VI – Do Usufruto - Capítulo I – Disposições Gerais (Art. 1.390
a 1.393) - digitadorvargas@outlook.com
Art. 1.390. 0 usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-me, no todo ou em parte, os frutos e utilidades.
Com Francisco Eduardo Loureiro, tem-se a:
Definição: Na lição de Caio Mário da Silva Pereira, “usufruto é o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa sem alterar-lhe a substância, enquanto temporariamente destacado da propriedade” (Instituições de direito civil - direitos reais, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, v. IV, 2003). A definição se aproxima do que continha o art. 713 do revogado Código Civil, que, apesar de não reproduzido no atual, se encontra implícito, porque inalteradas as características do instituto. Prossegue o autor, afirmando que o ponto de partida de sua configuração é a distinção de dois elementos na propriedade, proveito e substância (op. cit., p. 290). Há um desdobramento dos poderes do proprietário, que outorga o proveito em caráter temporário ao usufrutuário e permanece com a substância do bem, tornando-se nuproprietário. Convivem pacificamente os diversos poderes sobre o mesmo bem, sem se chocar ou anular, porque as titularidades se dão em planos qualitativos diferentes, ao contrário do condomínio, em que os direitos são os mesmos, apenas quantitativamente distintos.
Características: Da definição tiramos suas principais características, a saber: a) é direito real sobre coisa alheia, gravando temporariamente um bem em favor de uma pessoa (por isso alguns autores, indevidamente, denominam-no servidão pessoal), com efeito erga omnes, distinguindo-se, portanto, da locação; b) é temporário, podendo ser a termo, ou sob condição resolutiva, quando muito vitalício, extinguindo-se com a morte do usufrutuário, porque constituído sobre sua cabeça; c) provoca o desdobramento da posse, atribuindo a posse direta ao usufrutuário e reservando a posse indireta ao nu-proprietário; d) é intransmissível, podendo apenas ser cedido o seu exercício, como veremos no comentário ao CC 1.393 adiante.
Objeto: No que se refere ao objeto, tem o usufruto amplo espectro, ao contrário dos direitos reais de superfície e de servidão. Podem ser bens frutuários, ou usufruídos, todos aqueles passíveis de apropriação, quer sejam apenas úteis à exploração, quer sejam frugíferos. Devem ser alienáveis, para sobre eles recair o gravame real de uso e fruição, com transmissão parcial das faculdades reais, razão pela qual não se admite usufruto constituído sobre bens gravados com cláusula de inalienabilidade (CC 1.911) nem sobre bem de família. Também não o admitem os direitos intransmissíveis, por exemplo servidão, uso e habitação. Não podem constituir usufruto sobre a coisa aqueles titulares de direitos reais que não têm a prerrogativa de usar e de fruir, como o penhor, a hipoteca, ou mesmo a propriedade fiduciária. Em contrapartida, admite-se o gravame do usufruto instituído pelos titulares dos direitos reais de superfície, de anticrese, de promitente comprador imitido na posse, de enfiteuse e a propriedade resolúvel. Claro que em tais hipóteses o direito de usufruto não ultrapassa o direito real sobre o qual recai. Logo, extinta a superfície, extingue-se o usufruto, ou, resolvido o compromisso de compra e venda, com ele resolve-se o usufruto.
Embora haja resistência da jurisprudência em admitir usufruto sobre direito real de promitente comprador, tal posição é hoje injustificável. É o compromisso de compra e venda contrato preliminar impróprio, que quase esgota a atividade negocial, convertendo a escritura definitiva em simples ato devido. Os poderes federados do domínio se reúnem nas mãos do compromissário comprador, restando ao promitente vendedor um mero domínio garantia do recebimento do preço (cf. Azevedo Junior , José Osório de. Compromisso de compra e venda, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 1983). Por isso, se há o registro do compromisso irretratável e o promitente comprador já se encontra imitido na posse e, mais, sendo o direito de promitente comprador transmissível até por trespasse, nada justifica que não possa ser dado em usufruto, nem em hipoteca, nem que garanta ao adquirente direito à reivindicação.
Pode o usufruto recair sobre coisas (bens corpóreos) móveis ou imóveis, singulares ou coletivas, assim como sobre bens incorpóreos. Admite-se usufruto sobre créditos, desde que transmissíveis. Abrangem tal modalidade direito sobre valores, direitos de coparticipação, direitos intelectuais, sobre um patrimônio ou sobre uma empresa. Cabe, por exemplo, usufruto sobre quotas e ações de sociedade anônima, ou sobre títulos da dívida pública, ou sobre os direitos patrimoniais (não os morais) de autor e de invenção. Como diz Orlando Gomes, “o usufruto de direitos consiste na atribuição a outrem das utilidades de um direito, durante um certo período de tempo, resguardada a sua existência e integridade” (Gomes, Orlando. “Usufruto de direitos”. In: Revista Forense, v. 180, p. 36-41). Pode recair sobre crédito incorporado em um título, ou não, com ou sem garantia real. Intervém em tal modalidade de usufruto três protagonistas, o credor, o devedor e o usufrutuário, que exercerá os direitos de gozo, devendo, porém, preservar a substância do direito.
O atual Código Civil não reproduziu o art. 726 do Código Civil de 1916, que disciplinava o quase-usufruto, ou usufruto impróprio, incidente sobre as coisas consumíveis - às quais, para esse efeito, se equipararam às fungíveis - e que caíam no domínio do usufrutuário, que se obrigava a restituí-las no equivalente em gênero, qualidade e quantidade, regendo-se, no geral, pelas regras do mútuo. Note-se, porém, que o usufruto se extinguia pela morte do usufrutuário, ao contrário do mútuo, cuja obrigação e crédito se transmitem aos herdeiros.
As coisas consumíveis e fungíveis não mais podem ser dadas em usufruto, como objeto principal, porque concludente é o silêncio do legislador, que resgatou a pureza da garantia real, exigindo a preservação da substância. Ressalva-se apenas a exceção do CC 1.392, § 1º, que trata dos acessórios e acrescidos consumíveis e que será abordado mais adiante.
Classifica-se o usufruto, segundo diversos critérios, na lição de Washington de Barros Monteiro: a) quanto à causa, em usufruto legal e convencional. Decorre o convencional de negócio jurídico inter vivos ou causa mortis. Em relação ao usufruto decorrente de negócio inter vivos, o registro imobiliário para imóveis ou a tradição, para bens móveis, são constitutivos do direito real (v. CC 1.391). É solene, porque exige forma escrita, qualquer que seja o objeto. Se recair sobre coisa imóvel, exige-se outorga uxória, salvo o regime da separação total de bens, além de escritura pública, se de valor superior à taxa legal (CC 108). Em relação à aquisição causa mortis, em razão da saisina o registro tem efeito somente publicitário e regularizatório.
Já o usufruto legal é aquele estabelecido diretamente pela lei, em determinadas situações jurídicas, independentemente da vontade das partes. Há diversos casos de usufruto legal, previstos em nosso ordenamento: 1) o indígena do art. 231 da Constituição Federal, que atribui aos silvícolas o direito exclusivo de usufruto das riquezas naturais e utilidades das terras que ocupam; 2) o dos pais sobre os bens dos filhos menores sujeitos ao poder familiar (CC 1.689,1); 3) o dos cônjuges sobre os bens do outro, nos casos previstos em lei (1.652, I). Não contempla o Código Civil de 2002 a possibilidade de constituição de usufruto vidual dos cônjuges (art. 1.611, CC/1916) e companheiros supérstites (art. 2º, I e II, da Lei n. 8.971/94), sobre parte dos bens do falecido, porque atualmente concorrem eles em propriedade plena com os herdeiros de primeira e segunda classe. Claro que os usufrutos viduais constituídos antes da vigência do Código Civil de 2002 continuam a produzir os seus efeitos, até que sejam extintos. A questão crucial da necessidade - ou não - do registro do usufruto legal será examinada no comentário ao CC 1.391. Modalidade de usufruto legal é o usufruto judicial, previsto no art. 867 do Código de Processo Civil, que, a requerimento do credor, pode recair sobre imóvel ou empresa, segundo o objeto da penhora; b) quanto ao objeto, o usufruto é geral (universal) ou particular, conforme recaia sobre uma universalidade, ou parte ideal dela (patrimônio, herança), ou sobre objeto determinado; c) quanto à extensão, o usufruto é pleno, quando abrange todos os frutos e utilidades da coisa, ou restrito, quando se exclui parte desses poderes. Nada impede, assim, que constem do título certas limitações dos poderes transferidos para o usufrutuário; d) quanto à duração, pode ser a termo certo, sob condição ou vitalício, sendo este último extinto somente com a morte do usufrutuário. Não ultrapassa o usufruto a vida do usufrutuário, por isso se diz que é constituído sobre sua cabeça. Sua morte é causa automática de extinção do usufruto, mas a morte do nu-proprietário nenhuma consequência traz, porque os herdeiros recebem o bem onerado, salvo se o contrário foi expressamente convencionado entre as partes.
Discute-se a compatibilidade entre o usufruto e a cláusula de inalienabilidade nos seguintes termos, postos por Tupinambá Miguel Castro do Nascimento: “ Há uma doação com usufruto deducto, impondo ao doador a cláusula de inalienabilidade à nua-propriedade. Seria possível a manutenção dessa cláusula após a morte do doador, no caso, o usufrutuário?” (Usufruto, 2. ed. Rio de Janeiro, Aide, 1983). A questão é controversa. Afirma Washington de Barros Monteiro que a persistência da cláusula, após a extinção do usufruto, caracterizaria usufruto sucessivo, uma vez que não estariam os poderes federados do domínio reunidos na mão do dono, o que é vedado por norma cogente (Curso de direito civil - direito das coisas, 37. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. III). A jurisprudência controverte a respeito, havendo julgados em ambos os sentidos. O melhor entendimento, porém, é no sentido de que a persistência do vínculo após a morte do usufrutuário não cria usufruto de segunda geração, porque os poderes do dono do imóvel gravado são mais amplos do que os do usufrutuário, podendo mudar sua destinação ou mesmo promover a sub-rogação em bem diverso. Além disso, é inviável cogitar de usufruto sem que haja nu-proprietário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.454-56. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 14/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
No entender dos autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o Código de 1916 definia o usufruto como o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade. Tal conceito não se encontra a atual codificação, uma vez que a restrição imposta não se dá em relação à propriedade propriamente dita, mas sim em relação ao seu exercício, ou seja, à posse direta.
Constitui-se o usufruto no direito de desfrutar temporariamente um bem alheio, pelo usufrutuário, sem alterar-lhe a substância, definição esta que tem assento no Código Civil francês (Code, art. 578). Como se vê, o usufruto pressupõe a existência simultânea de dois titulares de direito: o usufrutuário, possuindo direito real de gozo ou fruição sobre o bem e o nu-proprietário, o qual possui um direito sobre a substância da coisa, com a restrição imposta pela fruição, acometida a terceiro.
É personalíssimo: pois é instituído de forma intuitu personae, não sendo transmissível causa mortis. É temporário: é dirigido a uma determinada pessoa, extinguindo-se com a morte do usufrutuário, prazo máximo de sua duração. No entanto, pode ser instituído em prazo menor, e tem como objetivo a proteção e o benefício de um certo indivíduo, daí sua natureza altruística. É intransmissível: decorrente de seu caráter temporário e, muito embora seu exercício possa ser cedido (o usufrutuário poderá locar o bem), o direito real não admite transmissão, dado seu caráter personalíssimo (CC 1.393).
Podem ser objeto de usufruto quaisquer bens, corpóreos ou incorpóreos, como direitos de autor, quadros a óleo (obras de arte) e ações de sociedades anônimas (Diniz, 2011, p. 376).
Distingue-se o usufruto do fideicomisso, pois neste opera-se uma substituição, onde o testador deixa bens a uma pessoa (fiduciário) para que esta o transmita, por sua morte, sob determinada condição ou pela ocorrência de um termo temporal, a outra pessoa (fideicomissário). Vê-se que no caso são contempladas duas pessoas distintas. É quando o testador deixa uma casa para X fixando que, quando Y vier a casar, ou completar a maioridade, o bem deverá ser-lhe transmitido. A propriedade do fiduciário é resolúvel, pelo advento do termo ou condição; já no usufruto, as duas partes adquirem o título no mesmo instante de sua instituição, sendo simultâneos os direitos, não dependendo do advento de termo ou condição. Ainda, antes do termo ou condição, o fiduciário poderá alienar o bem na sua substância, o que é vedado ao usufrutuário, o qual não tem poderes de disposição em relação à propriedade. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acessado em 14.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
“Usufruto: direito das coisas”, como ilustra Jonata Rosa Gonçalves Garnizé, previsto nos CC 1.225, IV, 1.390 e ss., o usufruto é um direito real, no qual a propriedade se divide entre o nu-proprietário, que tem a posse indireta, e o usufrutuário, que tem a posse direta. Conforme ensina Arnaldo Rizzardo, “a ideia de usufruto emerge da consideração que se faz de um bem, no qual se destacam os poderes de usar, gozar ou usufruir, sendo entregues a uma pessoa distinta do proprietário, enquanto este remanesce apenas a substância da coisa”.
Diante do conceito trazido acima, percebe-se que há uma divisão no direito de propriedade, que se dá entre duas pessoas, o nu-proprietário e o usufrutuário, sendo o primeiro, o real proprietário do bem, todavia, os direitos de usar e gozar da coisa pertencem ao usufrutuário. Dos elementos previstos no caput do CC 1.228, percebe-se que o nu-proprietário detém exclusivamente apenas um, dispor. O usufrutuário por sua vez, tem o direito de usar, gozar e até mesmo reaver a coisa, visto que é possuidor direto da mesma, podendo usar dos meios legais para que seja protegida sua posse, inclusive frente ao nu-proprietário, isso significa que tal direito é oponível contra todos.
O objeto do usufruto é trazido com clareza pelo CC 1.390, que diz “o usufruto pode recair sobre um ou mais bens, moveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades”. Tal dispositivo é bastante abrangente, podendo o usufruto recair desde coisa imóvel, até direitos autorais, por exemplo, tendo como formas de constituição,, através da lei, vontade das partes ou usucapião.
O direito de usufruto por determinação legal ocorre quando a lei concede o posto de usufrutuária a determinada pessoa. O CC 1.689, I, é um exemplo de constituição legal do usufruto, pois determina que os pais são usufrutuários dos bens dos filhos. No que tange a constituição do usufruto através da vontade das partes, esta se dá por contrato ou testamento, pelos quais as partes criam o direito de usufruto. Importante destacar que, quando tratar-se de bem imóvel, o ato de vontade deve ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis, é o que determina o CC 1.391 do Código Civil. Por fim, a terceira hipótese de constituição do usufruto é a usucapião, que ocorre quando o usufrutuário obtém o direito através de sentença, desde que estejam presentes os requisitos legais. Ocorre quando, por exemplo, o usufruto não foi registrado no Registro de Imóveis, neste caso, pode-se buscar o reconhecimento através da usucapião.
Existem diversas espécies de usufruto. Carlos
Roberto Gonçalves classifica da seguinte forma: a – Quanto à origem ou modo de
constituição: O usufruto pode ser voluntário ou legal; voluntário
(convencional) quando é constituído através da vontade das partes; legal quando
decorre da lei; b – Quanto à duração: Pode ser temporário ou vitalício,
temporário quando há um termo estipulado, vitalício quando se encerra com a
morte do usufrutuário; c – Quanto ao objeto: Com relação ao objeto, o
usufruto pode ser próprio ou impróprio. Será próprio quando recair sobre bens
inconsumíveis e infungíveis, ou será impróprio, quando incidir sobre bens
fungíveis e consumíveis; d – Quanto à extensão: Neste aspecto, o usufruto pode ser: (1)
Universal, quando recai sobre uma universalidade de bens; (2) Particular,
quando recai sobre determinado bem; (3) Pleno, quando engloba todas utilidades
e frutos produzidos pela coisa; (4) Restrito, quando há restrição ao gozo sobre
alguma (s) utilidade (s) da coisa; e – Quanto aos titulares: O usufruto pode
ser simultâneo ou sucessivo. Simultâneo quando for em favor de duas ou mais
pessoas, ao mesmo tempo; sucessivo quando for em favor de uma pessoa, sendo
transferido a outro após sua morte. O usufruto sucessivo não é admitido pelo
ordenamento jurídico brasileiro, conforme CC 1.410. (“Usufruto: direito das
coisas”, ilustrado por Jonata Rosa Gonçalves Garnizé, com publicação no
site Jus.com.br, publicado em julho de 2019, acessado em 14.12.2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.391. O
usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante
registro no Cartório de Registro de Imóveis.
No lecionar de Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, adquire-se o usufruto por ato inter vivos
ou causa mortis, pelos seguintes instrumentos: a) por contrato, negócio
jurídico em que o proprietário transmite em favor do usufrutuário o poder de
uso e gozo do bem, restando consigo a substância da propriedade, ou por meio de
doação com reserva, o que é muito comum nas relações familiares, onde o
doador contempla parentes seus para a transmissão do bem, garantindo para si o
usufruto até a morte (vitalício); b) por testamento, onde o testador destina
para alguém um determinado bem (legado) e também designa, neste ato, quem será
o nu proprietário, podendo recair tal encargo, se assim o quiser, para um de
seus parentes sucessíveis; c) pela usucapião, tratando-se de usucapião
apenas sobre o direito de uso e gozo sobre o bem, uma vez que falta ao
usufrutuário o animus domini em relação ao direito de propriedade. As
formas estabelecidas para a prescrição aquisitiva do direito ao usufruto são as
previstas em lei, seja a usucapião extraordinária ou ordinária (CC 1.238 ou
1.242, parágrafo único).
Não se aplica a regra da nulidade da doação – na hipótese em que o doador se desfaz da totalidade de seus bens (CC 548) – quando o proprietário realiza a doação do único bem a terceiros com reserva de usufruto, uma vez que nesta hipótese o doador ficará assegurado do necessário para sua sobrevivência (Bezerra, 2015, p. 379).
Quando se tratar de bens imóveis, opera a publicidade do usufruto por meio de seu regular registro no cartório de imóveis da localização da propriedade, à margem da respectiva matrícula. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acessado em 14.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No parecer de Francisco Eduardo Loureiro, o art. 715 do Código revogado dispunha
que “o usufruto de imóveis, quando não resulte do direito de família, dependerá
de transcrição no respectivo registro”. É a usucapião, como viu-se no
comentário ao CC 1.238, modo originário de aquisição da propriedade e de outros
direitos reais, pela posse prolongada e qualificada pelos requisitos exigidos
em lei. Se é modo originário e não derivado, a aquisição do direito real não se
subordina ao registro, como previsto no CC 1.227, bastando a mera situação de
fato da posse, a qual a lei empresta efeitos jurídicos, convertendo-a em
direito real. Além disso, a sentença que julga procedente a ação de usucapião é
meramente declaratória, retroagindo ao momento de consumação do prazo temporal
previsto em lei, ou, segundo parte da doutrina, ao início da posse ad
usucapionem. Consequência disso é que nem a sentença nem o registro são
constitutivos do direito real. O registro tem efeito meramente publicitário e
regularizador. Visa o preceito apenas a explicitar que se pode adquirir
usufruto por usucapião, o que, na vigência do Código Civil de 1916, era
admitido pela doutrina majoritária, embora negado por Pontes de Miranda.
Explica Lenine Nequete que se adquirem
por usucapião os direitos reais que implicam posse dos objetos sobre os quais
recaem, a saber: usufruto, uso, habitação e superfície. Reputam-se adquiridos
pela usucapião “quando quem os constitui não é o verdadeiro proprietário, em
consequência do que, consumada a prescrição, o direito do beneficiado subsiste
em pleno vigor, com todos os seus efeitos, como se por ele mesmo houvesse sido
estabelecido” (Nequete, Lenine. Da prescrição aquisitiva. Porto Alegre,
Sulina, 1954). É o exemplo clássico da usucapião ordinária, de usufruto adquirido
a non domino, após completado o prazo de dez ou cinco anos (CC1.242 CC).
O artigo em estudo contém certa imprecisão. Deve ser lido do seguinte modo: o usufruto adquirido a título derivado por negócio jurídico inter vivos, tendo por objeto coisa imóvel, somente se adquire com o registro imobiliário. Isso porque, como vimos no comentário ao artigo anterior, o usufruto adquirido por testamento se transmite ao herdeiro ou legatário com a morte do testador e não com o registro imobiliário, em razão do direito de saisina. O registro, em tal caso, tem efeito meramente publicitário e regularizatório, mas não constitutivo do direito real. De igual modo, o usufruto sobre coisa móvel se constitui pela tradição, sem previsão de registro constitutivo nos arts. 127 e 129 da Lei n. 6.015/73. Também não necessita do registro imobiliário o usufruto legal do direito de família, ainda que recaia sobre coisas imóveis, por força do que dispõe o art. 167, I, 7, da Lei n. 6.015/73, em plena vigência. Embora não tenha o atual Código Civil reproduzido o disposto no art. 715 do Código Civil revogado, o preceito acima transcrito da Lei de Registros Públicos faz explícita menção à dispensa do registro do usufruto do direito de família. A publicidade, em tal caso, decorre da própria lei, bastando, por exemplo, a terceiros interessados defrontarem com patrimônio de menor sujeito ao poder familiar, para desde logo saber que existe usufruto ex lege em favor dos pais.
Questão mais delicada é saber se o usufruto vidual do direito sucessório, previsto no art. 1.611 do Código Civil de 1916 e não renovado no atual, depende de registro para produzir efeitos contra terceiros de boa-fé. Embora no atual sistema o cônjuge e o companheiro supérstite não mais recebam usufruto vidual, porque podem concorrer com as classes de herdeiros que estão à sua frente, recebendo propriedade plena, a questão ainda é relevante, em relação aos óbitos ocorridos na vigência do Código Civil anterior. Há entendimento da doutrina e dos tribunais de que o usufruto vidual tem natureza de direito real (Tepedino, Gustavo. Usufruto legal do cônjuge viúvo. Rio de Janeiro, Forense, 1991 e REsp n. 209.706/SP, rel. Min. Nancy Andrighi). O entendimento majoritário é no sentido de que, reconhecida a comunhão de aquestos, não tem o viúvo meeiro direito ao usufruto vidual, porque a sua estabilidade financeira já se encontra garantida (REsp n. 34.714/SP, rel. Min. Barros Monteiro). Caso contrário, incide sobre parte de toda a herança, inclusive a legítima dos herdeiros necessários. Além disso, embora haja dissonância na doutrina, o entendimento majoritário dos tribunais é no sentido de que o usufruto vidual deva ser levado ao registro imobiliário, para efeito publicitário e segurança do tráfego jurídico, prevenindo terceiros adquirentes de boa-fé (RJTJERGS 106/388, rel. Des. Edson Alves de Souza; TJSP, Ap. cível n. 68.107-0/6, rel. Des. Luís de Macedo). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.457-58. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 14/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na visão do unisalesiano.edu.com.br, artigo publicado sala de estudo/2019/pdf, expressa o CC 1.391 do Código Civil que o usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis, regramento fundamental dos direitos reais de gozo. Ressalte-se que, – além do usufruto decorrente de usucapião –, em havendo usufruto legal, caso dos decorrentes de Direito de Família, não há necessidade de tal registro, conforme consta expressamente do art. 167, I, n. 7, da Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos). Nos casos de usufruto convencional, o registro imobiliário é fundamental. No tocante à cessão do exercício do usufruto, sempre foi ela permitida. A título de ilustração, podem ser citadas as possibilidades de se ceder o bem usufrutuário em comodato ou locação. (unisalesiano.edu.com.br, artigo publicado sala de estudo/2019/pdf, acessado 14/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Art. 1.392. Salvo
disposição em contrário, o usufruto estende-se aos acessórios da coisa e seus
acrescidos.
§ 1º
Se, entre os acessórios e os acrescidos, houver coisas consumíveis, terá o
usufrutuário o dever de restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, das
outras, o equivalente em gênero, qualidade e quantidade, ou, não sendo
possível, o seu valor, estimado ao tempo da restituição.
§ 2º Se
há no prédio em que recai o usufruto florestas ou os recursos minerais a que se
refere o art. 1.230, devem o dono e o usufrutuário préfixar-lhe a extensão do
gozo e a maneira de exploração.
§ 3º Se
o usufruto recai sobre universalidade ou quota-parte de bens, o usufrutuário
tem direito à parte do tesouro achado por outrem, e ao preço pago pelo vizinho
do prédio usufruído, para obter meação em parede, cerca, muro, vala ou vaiado.
No clarear dos autores Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo inicia com a advertência de que as
partes poderão, de comum acordo, estabelecer o inverso do texto. Assim, trata
da possibilidade de o usufrutuário exercer a posse direta e fruição
sobre quaisquer bens acessórios ou benfeitorias da propriedade e, havendo bens
consumíveis, deverá restituir os remanescentes ou o seu valor correspondente.
Os recursos naturais previstos no § 3º do dispositivo são aqueles que pertencem à União, como os recursos naturais e potenciais de geração de energia elétrica, para efeito de exploração, previsto no art. 176 da CF, distinguindo-se o limite da propriedade do subsolo da propriedade dos elementos deste mesmo subsolo (CC. 1260).
Tratando-se de usufruto sobre a universalidade do bem, o legislador prestigiou o direito do usufrutuário, atribuindo-lhe a propriedade de parte do tesouro achado no imóvel e também do valor referente à indenização, pago pelo vizinho, por despesas de construção de muros divisórios, a qual não se destinará ao nu proprietário, já que não é este quem exerce a posse direita. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acessado em 14.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Esclarecendo, para Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame
condensa os arts. 716, 725, 726, 727 e 728 do Código Civil de
1916. Houve alteração significativa, especialmente no que se refere ao §
1" do artigo em foco, que substituiu o art. 726 do Código revogado.
A cabeça do artigo contém norma
dispositiva, que somente se aplica no silêncio da convenção entre as partes.
Diz que o usufruto se estende aos acessórios da coisa e aos seus acrescidos. Os
acessórios, segundo Caio Mário da Silva Pereira, “pela sua própria existência
subordinada, não têm, nesta qualidade, uma valoração autônoma, mas liga-se-lhes
o objetivo de completar, como subsidiário, a finalidade econômica da coisa
principal” (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro,
Forense, 2003, v. I, p. 435). Falta-lhes autonomia, seguindo o destino da coisa
principal. Assim, salvo cláusula expressa em sentido contrário, o usufruto de
um imóvel abrange as construções e plantações que sobre ele se encontram, bem
como os frutos, os produtos, os rendimentos e as benfeitorias.
O problema está em saber se o termo
“acessórios” inclui as pertenças, que, na forma do CC 94, são coisas que não
constituem partes integrantes, mas que se destinam, de modo duradouro, ao uso,
aformoseamento ou serviço de outra. São tudo o que o proprietário mantém no bem
visando a servir à sua finalidade econômica, mas se distinguem da parte
integrante, porque podem ser retiradas sem alterá-las. Conservam identidade
própria e não se incorporam à coisa, à qual servem temporariamente. O CC 95
rompe o princípio da gravitação jurídica ao dispor que os negócios jurídicos
que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o
contrário resultar da lei, das circunstâncias ou manifestação de vontade das
partes. Via de consequência, para que as pertenças - implementos agrícolas,
veículos, máquinas, objetos de decoração e utensílios de casa em geral -
integrem o usufruto de um imóvel, deve haver expressa convenção a respeito
entre as partes. No silêncio, as pertenças são entregues ao nu-proprietário,
porque não mais são consideradas imóveis por acessão intelectual. O usufruto
abrange os acrescidos, que dizem respeito às acessões, em especial avulsão,
aluvião ou formação de ilhas, que aumentem a coisa usufruída.
O § 1º do artigo em exame consagra
importante novidade, já mencionada no comentário ao CC 1.390 acima. O art. 726
do Código Civil de 1916, que disciplinava o usufruto impróprio sobre bens
consumíveis, não encontrou eco no sistema vigente. Desaparece, assim, a
possibilidade de se constituir direito real de usufruto sobre bens consumíveis
e fungíveis, cuja substância era transferida ao usufrutuário, que a devolvia no
mesmo gênero, qualidade e quantidade, quebrando a característica fundamental do
instituto. Agora somente tolera o legislador o usufruto sobre coisas
consumíveis - e acrescente-se, fungíveis - se consistirem elas de acessórios ou
acrescidos de coisa principal infungível e inconsumível ao primeiro uso.
Dizendo de outro modo, não mais se admite o gravame do usufruto sobre coisa
principal consumível ou fungível.
O § 2º trata da existência de florestas e recursos minerais no imóvel usufruído, com expressa menção ao disposto no CC 1.230, comentado anteriormente. Claro que o usufruto não pode recair sobre minas, jazidas, demais recursos minerais, potenciais de energia elétrica, monumentos arqueológicos e outros bens referidos em lei especial, pela simples razão de que tais bens não são de propriedade do dono do solo, mas sim da União federal. Logo, não pode o proprietário transmitir ao usufrutuário o que não tem. A referência a recursos minerais se limita à hipótese do parágrafo único do CC 1.230, vale dizer, àqueles de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos à transformação industrial. No que se refere às florestas, o usufruto somente pode abranger aquelas destinadas à extração de madeira, uma vez que as matas nativas não podem ser destruídas em face da legislação ambiental. Quanto às florestas e recursos minerais passíveis de exploração, vigora a convenção entre as partes. No silêncio do título, somente se admite a extração, pelo usufrutuário, se as árvores já se destinavam pelo proprietário para o corte, ou se já havia atividade de exploração mineral no terreno (Viana , Marco Aurélio S. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XVI, p. 628).
Finalmente, o § 3º do artigo em comento reza que, se o usufruto recair sobre universalidade ou quota-parte de bens, como o patrimônio ou a herança, o usufrutuário tem direito à parte do tesouro achado por outrem e ao preço pago pelo vizinho, para obter meação em parede, cerca, muro, vala ou vaiado. A contrário senso, se recair o usufruto sobre coisas singulares, não se confere tal direito ao usufrutuário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.459-61. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 14/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
No dizer de Leonardo Peixer, em seu artigo “O exercício do direito de voto do usufrutuário de ações da sociedade anônima”, publicado em fevereiro de 2015, no site da jus.com.br, “ainda, a regra de que os acessórios do bem objeto do usufruto sempre acompanharão o principal, conforme preceito estabelecido no artigo 1.392, do Código Civil, nesse sentido, extrai-se da doutrina de Monteiro (2010, p. 375-376): Segundo o disposto no art. 1.392 do Código Civil de 2002, “salvo disposição em contrário, o usufruto estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos”. Assim, se trata do usufruto de prédio residencial, o usufrutuário tem direito a desfrutar amplamente de todas as suas utilidades, como parque, pomar e piscina; se se trata de imóvel agrícola, o usufruto abrange, além da sede, lavouras, animais, águas e outras serventias. Os acrescidos, a que se refere o texto, são os produtos da acessão, ressalvando-se a hipótese do tesouro, regulada pelo CC 1.392, §3°.
A corroborar com a tese trazida acima, cite-se a doutrina de Diniz (2007, p. 413): Pelo art. 1.392 do Código Civil, esse usufruto, salvo disposição em contrário, estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos. De modo que se for usufruto de prédio residencial, o usufrutuário terá direito de desfrutar de todas as suas utilidades, como jardins, piscina etc.; se for de imóvel agrícola, abrange os animais, lavoura, frutos de um pomar, águas etc. Se entre os acessórios e os acrescidos houver coisas consumíveis, o usufrutuário deverá restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, não sendo possível, o seu valor, estimado ao tempo da devolução (CC 1.392, §1°). Se houver, no prédio em que recai o usufruto, florestas ou recursos minerais, o nu-proprietário e o usufrutuário deverão prefixar-lhe a extensão do gozo e o modo de exploração. (CC 1.392, §2°). Os acrescidos são concernentes aos produtos da acessão (CC 1.248), ressalvando o tesouro, que está regulado nos CC 1.064 a 1.266.
E não é só. Infere-se da doutrina de Venosa (2003, p. 431): Não havendo ressalva, “o usufruto estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos” (CC 1.392). O usufruto é, em regra, instituído sobre uma unidade materialmente considerada. O usufruto estende-se também às acessões verificadas nos bens usufruídos, bem como aos acessórios e pertenças que o dono coloca na coisa antes de instituí-lo. O direito estende-se também às servidões ligadas ao prédio usufruído. (Leonardo Peixer, em seu artigo “O exercício do direito de voto do usufrutuário de ações da sociedade anônima”, publicado em fevereiro de 2015, no site da jus.com.br., acessado em 14.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.393. Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício
pode ceder-se por título gratuito ou oneroso.
Conforme já referido anteriormente, conforme afirmam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, não se pode transmitir o direito real de usufruto a terceiro, por seu caráter personalíssimo, sendo estabelecido intuitu personae. Entretanto, a cessão do direito de usufruto, ou posse direta, poderá ocorrer em favor de terceiros, quando aquele não puder ou não quiser exercer o gozo. O terceiro, neste caso, não substitui o usufrutuário direto e, por esta razão, não tem a seu favor o direito real que o acobertaria, restando-lhe apenas uma relação jurídica de direito pessoal ou obrigacional, dispensando registro do título no cartório de registro imobiliário.
O direto de usufruto é, por natureza, insuscetível de penhora; porém, os rendimentos e lucros obtidos com a cessão do exercício do usufruto poderão sofrer referida constrição legal. O nu proprietário poderá dispor do bem gravado de usufruto, assim como dar em garantia a propriedade na sua substância, sendo que eventual penhora recairá apenas sobre esta, não podendo prejudicar direitos do usufrutuário. O usufruto acompanha o bem, em relação ao novo adquirente, em função da característica de sequela. Assim, se o bem for alienado judicialmente por dívidas, o usufruto terá que ser respeitado pelo novo arrematante, que não fará jus à posse direta.
A cessão de direitos do usufruto é admitida se o título constitutivo não o vetar expressamente, pela vontade de seu instituidor; de qualquer forma o usufrutuário sempre permanecerá vinculado aos termos estabelecidos no ato de sua constituição. Assim, caso o beneficiário por testamento de uma grande e antiga residência não tenha interesse em ocupa-la, poderá locá-la ou emprestá-la gratuitamente a terceiro, que a cuidará devidamente (direito pessoa), mantendo o originário usufrutuário, entretanto, sua relação jurídica com o nu proprietário (direito real). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com, comentários ao art. 1.393 do CC/2002, acessado em 14.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Em referência ao CC 1.393, como aponta Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame corresponde ao art. 717 do Código Civil de 1916, de conteúdo semelhante, mas com a ressalva de que a alienação somente poderia ser feita ao proprietário da coisa. No dizer de Carvalho Santos, justifica-se a vedação cogente à alienação do usufruto por duas razões: “a) por melhor corresponder aos fins da instituição, que, como se sabe, ordinariamente criada para beneficiar alguém, dando-lhe meios de prover a subsistência, falharia a seus fins, desrespeitado os intuitos do instituidor, se fosse possível ser alienado; b) porque o usufruto é sem dúvida uma servidão pessoal e, portanto, um direito vinculado à pessoa, sendo evidentemente contrário à sua essência torná-la alienável” (Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX, p. 366).
A inalienabilidade do usufruto não tem nenhuma incompatibilidade com a extinção por consolidação. O que proíbe a norma cogente é que o direito real de usufruto sobreviva sob a titularidade de terceiro, porque é personalíssimo do usufrutuário. A transmissão, porém, se admite quando provocar a extinção do usufruto por consolidação. São os casos da aquisição do usufruto a título gratuito ou oneroso pelo nu-proprietário ou, então, de um terceiro que adquira simultaneamente a nua-propriedade e o usufruto, consolidando a propriedade em suas mãos. Não há aí propriamente alienação do direito real, mas sim modo de sua extinção por consolidação.
Discute-se se a intransmissibilidade abrange também a partilha do direito real de usufruto pertencente ao casal. Washington de Barros Monteiro ensina que, “como servidão pessoal, vinculada à própria pessoa do usufrutuário, não admite adjudicação ao outro cônjuge, em partilha consequente a desquite do casal” (Curso de direito civil-direito das coisas, 37. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. III. No mesmo sentido, PONTES de Miranda. Tratado de direito privado, 4. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1977, t. XIX , p. 63). Há, porém, precedentes dos tribunais entendendo, com razão, que a partilha não tem natureza atributiva da propriedade, de modo que escaparia da proibição de alienação, até como meio de evitar a perpetuação de disputas e conflitos entre os ex-cônjuges (Fioranelli, Ademar. “ Direito real de usufruto”. In: Direito registral imobiliário. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 394).
Situação diversa, porém, é o caso do usufruto constituído a favor de um só dos cônjuges, ou anteriormente ao casamento. Não há comunicação do usufruto ao outro cônjuge em razão do regime de bens adotado, ainda que da comunhão universal, porque feriria o seu caráter personalíssimo e intransmissível. Como não pode ser o direito real de usufruto alienado, não pode também ser dado em garantia real, nem penhorado, porque não seria passível de arrematação por terceiro em hasta pública. Ressalte-se, porém, que inalienável é apenas o direito real, nada obstando que credores penhorem as utilidades do usufrutuário, por exemplo os rendimentos da coisa. Nada impede, de outro lado, que se penhore a nua-propriedade, apenas com a ressalva de que o direito real de usufruto gravará a coisa mesmo após a arrematação. Admite-se apenas a cessão do exercício do usufruto, ou seja, o terceiro favorecido será titular de um simples direito de crédito, podendo usar ou fruir a coisa, mas não de um direito real. Não se transmite usufruto, mas apenas os poderes derivados da relação jurídica de usufruto. Nada impede que o usufrutuário, eventualmente impedido de explorar pessoalmente a coisa, possa alugá-la ou emprestá-la a outrem. Disso decorre que, extinto o usufruto, por qualquer de suas causas, extingue-se o direito de exercício dele decorrente, não podendo o cessionário do exercício opor seus direitos frente ao nu-proprietário que consolidou a propriedade em suas mãos, salvo disposição em lei especial, como ocorre na locação predial urbana. Os deveres do usufrutuário continuam os mesmos e incólumes perante o nu-proprietário, admitindo-se, apenas, que por convenção o cessionário se torne devedor solidário.
No dizer de Pontes de Miranda, “se foi transferido o exercício, o usufrutuário continua com o direito real, as pretensões, ações e exceções ligadas a esse direito” (op. cit., t. XIX, p. 56). Pode ocorrer novo desmembramento da posse, passando o usufrutuário a ser possuidor indireto e o cessionário do exercício possuidor direto, o que permite a ambos usar da tutela possessória, por ofensas de terceiros, ou mesmo entre si (v. CC 1.197). Como não se transfere direito real, a cessão do exercício não ingressa no registro imobiliário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.461-62. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 14/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Complementando
o Capítulo I, Título VI – Do Usufruto, para Ricardo Fiuza, em sua doutrina, o usufruto
é inalienável, mas pode ser cedido a título gratuito (comodato) ou até oneroso,
como, por exemplo, o contrato de locação. Admite-se a penhora do usufruto,
mesmo que o usufrutuário resida ou não no bem onerado (JTACSP, 126/18). • O
dispositivo equipara-se ao art. 717 do Código Civil de 1916, com considerável
melhora em sua redação. No mais, deve ser-lhe dado o mesmo tratamento
doutrinário dispensado ao artigo apontado. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 711, apud Maria Helena Diniz Código
Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 14/12/2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).