Direito Civil Comentado – Art.
1.438, 1.439, 1.440. 1.441
Do Penhor Rural – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.
- Parte Especial – Livro III – Capítulo II – DO PENHOR
– Seção V – Do Penhor Rural – Subseção I - Disposições Gerais (Art. 1.438 e 1.441) -
Art. 1.438. Constitui-se o penhor rural mediante instrumento público ou particular, registrado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição em que estiverem situadas as coisas empenhadas.
Parágrafo único.
Prometendo pagar em dinheiro a dívida, que garante com penhor rural, o devedor
poderá emitir, em favor do credor, cédula rural pignoratícia, na forma
determinada em lei especial.
Para o autor Francisco Eduardo Loureiro, em uma
panorâmica completa, o penhor
rural abrange os penhores agrícola e pecuário. Inicialmente, o legislador traça
regras comuns às duas espécies, para, em seguida (CC 1.442 e ss), cuidar da
disciplina específica de cada uma delas. O penhor rural, ao lado dos penhores
industrial e mercantil, atende às necessidades do tráfico jurídico e imposições
do desenvolvimento econômico. Leva em conta que a transferência da posse direta
do bem empenhado ao credor nem sempre é o desejável ou possível. O agricultor
desprovido das sementes ou dos implementos agrícolas, o pecuarista sem a posse
de suas matrizes e reprodutores, dados em garantia pignoratícia, certamente
inviabilizariam a própria atividade econômica.
Por isso se criaram os penhores
especiais, cuja marca principal é a manutenção da posse direta em poder do
próprio devedor, para que este empregue o bem empenhado em sua atividade
econômica e possa, com isso, gerar fundos para adimplir a obrigação.
Dispõe o caput deste artigo que se
constitui o penhor rural mediante o registro imobiliário do instrumento público
ou particular. Ao contrário do penhor comum, não há entrega da posse direta do
bem empenhado ao credor. A posse direta permanece nas mãos do próprio devedor,
ou de terceiro prestador da garantia. Ao credor é transferida somente a posse
indireta e jurídica sobre o bem empenhado. Não mais alude a lei, corretamente,
à cláusula constituti, ou ao constituto possessório. O constituto
possessório é modo de aquisição e perda da posse, pelo qual o alienante
permanece fisicamente com a coisa, mas em nome do adquirente. A posse do
alienante se degrada em detenção. No penhor agrícola, não é isso o que ocorre.
Há mero desdobramento da posse, nos termos do CC 1.197, acima comentado. O
devedor é possuidor direto e o credor, possuidor indireto, ambos com direito à
tutela possessória. A situação jurídica é apenas inversa à do penhor comum, na
qual a posse direta é transferida ao credor, enquanto ao devedor remanesce a
posse indireta.
Em contrapartida, há necessidade de se
conferir publicidade mais eficaz ao penhor, porque não conta o credor com a
posse (visibilidade do domínio) sobre o bem empenhado. Deve-se criar mecanismo
de alerta a terceiros de boa-fé, para que possam saber e conhecer que o bem
móvel que se encontra com o devedor está onerado por direito real de garantia,
dotado de sequela. Esse mecanismo é o registro imobiliário, que nos penhores
especiais tem natureza constitutiva e não meramente publicitária. Sem o
registro imobiliário, não há direito real de penhor. É ineficaz o registro no
oficial de títulos e documentos. O registro é feito na circunscrição
imobiliária onde estiverem localizadas as coisas empenhadas, sob pena de
ineficácia perante terceiros, como já reconhecido pelo STJ (Ag. Reg. no Al n.
37.388/RS, rel. Min. Dias Trindade). É lançado no Livro III, de modo que fácil
fica a terceiro que vai negociar com o devedor, mediante simples consulta ao
indicador pessoal do registro de imóveis, saber quais bens móveis se encontram
empenhados e quais as obrigações garantidas. Não há necessidade de o devedor
ser proprietário ou titular de direito real sobre imóvel rural, porque o penhor
tem por objeto apenas bens móveis. O penhor não é registrado na matrícula do
imóvel, mas apenas no Livro III. Logo, o arrendatário pode dar em garantia os
bens móveis de sua propriedade que se encontram em imóvel rural alheio.
Corrigiu este artigo a posição da Lei n.
492/37, que em seu art. Iº dispunha que o devedor permanecia como depositário
dos bens empenhados. O atual Código Civil, em posição absolutamente afinada com
a jurisprudência dominante do STJ, eliminou o termo “depositário”. Reconheceu
que tem o devedor muito mais do que a simples guarda e o dever de restituição
do bem empenhado. O devedor é proprietário do bem empenhado e tem a posse
direta e os correlatos direitos de usar e de fruir. Como frisou o Ministro
Athos Gusmão Carneiro, ao julgar o REsp n. 12.507/RS, a prisão civil só se
admite nos depósitos para guarda e não nos depósitos para garantia de crédito,
sob pena de regressão aos tempos prístinos de prisão por dívidas, proibidas
pela Constituição Federal.
O entendimento do STJ é todo no sentido
de que, em se tratando de depósito de bens fungíveis e consumíveis celebrado em
garantia de outro contrato, não cabe o ajuizamento de ação de depósito com
pedido de prisão do depositário inadimplente, uma vez que, na espécie, são
aplicáveis as regras do mútuo. Na hipótese de contrato de depósito clássico e
autônomo, ainda que de bens fungíveis, ocorrendo infidelidade, é cabível o
ajuizamento de ação de depósito com pedido de prisão do depositário dos bens
(REsp n. 440.832/RS, REsp n. 406.858/RS, HC n. 28.385/PR, HC n. 24.829/SP, H C
n. 37.967/SP, REsp n. 193.728/GO, REsp n. 218.118/SP, entre outros).
No caso de inadimplemento, cabe excussão
do penhor e até mesmo pedido de tutela antecipada, preenchidos os requisitos do
art. 300 do Código de Processo Civil, (Art. 300. A tutela de urgência será
concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o
perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. [V. arts. 294, 295,
300, 301, 303, 304, 1.059, relacionados], Grifo VD) para que a posse
direta seja transferida ao credor, ou a terceiro. Não cabe, porém, a ação de
depósito contra o devedor pignoratício. Como já decidiu o STJ, “conquanto
admissível a tradição simbólica à perfectibilização do penhor cedular, não cabe
a ação de depósito para reaver os bens que lhe serviram de objeto” (REsp n.
106.023/RS, rel. Min. Cesar Asfor Rocha. No mesmo sentido, REsp n. 122.751/MG,
rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
Finalmente, o parágrafo único deste artigo prevê a possibilidade de emissão de cédula rural pignoratícia, regulada em lei especial. A lei especial é o Decreto-lei n. 167/67, que se encontra em vigor, salvo naquilo que contrastar com o atual Código Civil, em especial a qualificação do devedor como depositário dos bens empenhados. Define-se como “ títulos representativos de operações de financiamento, constituídos a partir de empréstimos concedidos por instituições financeiras, ou entidades a estas equiparadas, a pessoa natural (física) ou jurídica que se dedique à respectiva atividade” (MAMEDE, Gladston. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 180).
Como diz Caio Mário da Silva Pereira, “a cédula é título formal, líquido, certo e exigível pela soma nela inscrita, que dispensa a outorga conjugal e é oponível a terceiros. Facilmente negociável, comporta redesconto no Banco Central, E constitui título executório extrajudicial. Pode ser endossada em preto ou em branco” (Instituições de direito civil -, 18. ed. atualizada. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 349). Constitui poderoso instrumento de mobilização do crédito rural e deve ser levada ao registro imobiliário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.539-41. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 13/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).
Para os autores Guimarães e Mezzalira, o penhor
rural é gênero que possui as espécies penhor agrícola e penhor
pecuário. Nesses casos não ocorre a tradição da coisa, tendo o credor a
posse indireta e o devedor a posse direta, tal como o depositário.
O registro do instrumento público ou particular constitutivo do penhor deve ser realizado no Registro de Imóveis da circunscrição em que situados os bens empenhados, nos termos do disposto no artigo 167, inciso I, alínea 15 c/c art. 178, inciso II, todos da Lei de Registros Públicos.
O registro confere publicidade à relação pignoratícia e permite a emissão de cédula rural pignoratícia, nos casos em que o devedor prometa pagar a dívida em dinheiro. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com, comentários ao CC 1.438, acessado em 13.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Lecionando e expandindo Talita
Pozzebon Venturini a respeito do penhor rural, O Código
Civil de 1916 previa o penhor agrícola e penhor pecuário, porém eram tratados
conjuntamente. Posteriormente a Lei 492/37 passou a disciplinar o penhor rural,
sendo o mesmo assunto acolhido pelo Código Civil de 2002, (subsistindo ainda a
Lei 492/37 em alguns pontos que não enfoca o CC/02) o qual disciplina a matéria
a partir do CC 1.438, dividindo o penhor rural em agrícola e pecuário.
Fala a Lei em Natureza Jurídica e seus
principais elementos, tratar-se de um direito real em garantia que só se constitui
após o registro do título no registro imobiliário competente. O Penhor Rural
incide sobre bens imóveis por acessão natural, de produção rural.
Diferenciando-se do penhor comum que visa à garantia por bem móvel (desde que
suscetível de alienação).
Exige-se formalidade, sendo indispensável escritura pública ou particular registrado no Cartório de Registro de Imóveis, de acordo com a circunscrição de onde se encontra o bem empenhado, conforme dispõe o CC 1438. O registro do mesmo é necessário, principalmente, para que valha contra terceiros. Importante frisar que o parágrafo único do mesmo artigo permite o devedor emitir cédula rural pignoratícia em favor do credor, se a dívida for paga em dinheiro.
Rizzardo diz: “A cédula rural pignoratícia constitui um certificado da existência do penhor, representando-o no mundo dos negócios e circulando por endosso. (...) sendo possível o endosso, e efetuado, fica o endossatário investido dos direitos do endossante contra os signatários anteriores, solidariamente, e contra o devedor pignoratício, como é próprio dos títulos de crédito (RIZZARDO, Arnaldo, 2011, p. 1.047). (Talita Pozzebon Venturini, artigo intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese”, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 13.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.439. O
penhor agrícola e o penhor pecuário somente podem ser convencionados,
respectivamente, pelos prazos máximos de três e quatro anos, prorrogáveis, uma
só vez, até o limite de igual tempo.
§ Iº
Embora vencidos os prazos, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens
que a constituem.
§ 2º A
prorrogação deve ser averbada à margem do registro respectivo, mediante
requerimento do credor e do devedor.
Na concepção de Loureiro, ao
contrário do penhor tradicional, que não é subordinado à limitação de tempo, o
penhor rural, para não embaraçar em demasia as atividades do dono do bem
empenhado, tem prazos máximos fixados por norma cogente, a saber: três anos o
penhor agrícola e quatro anos o penhor pecuário. Nada impede que a garantia
seja fixada por prazo inferior. A fixação por prazo superior se considera não
escrita, fulminada por nulidade, de modo que se reduz aos prazos máximos
admitidos em lei.
Dispõe este artigo que os prazos máximos
de três e quatro anos sejam prorrogados, por outro período, até limite de igual
tempo e por apenas uma vez. A cláusula antecipada de prorrogação automática é
nula de pleno direito, por fraude à norma cogente proibitiva. A convenção que
prorroga o prazo de garantia deve ser averbada no registro imobiliário, para
ganhar eficácia contra terceiros.
O parágrafo primeiro deste artigo reza que vencido o prazo da garantia, esta não se extingue de modo automático, mas persiste enquanto subsistirem os bens que a constituem. Outros bens - safras ou crias de animais - não integrarão o penhor, mas a safra e os animais existentes ao final do termo continuarão onerados e podem ser levados à excussão.
Segundo a doutrina explícita de Ricardo Fiuza, o relator, são espécies de penhor rural: a) agrícola que é aquele que recai sobre máquinas e instrumentos agrícolas, colheitas pendentes ou em via de formação, frutos armazenados, lenha cortada ou madeira das matas; b) pecuário, que é aquele que recai sobre animais do serviço ordinário de estabelecimento agrícola. • Esta norma em exame equipara-se ao art. 788 do Código Civil de 1916, com considerável melhora em sua redação, incorporando o texto da Lei n. 492, de 30-8-1937. No mais, deve ser aplicado à matéria o mesmo tratamento doutrinário dado ao dispositivo apontado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 735, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 13/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na toada de Talita Pozzebon Venturini os contratos de penhor agrícola e penhor rural devem ser pactuados nos prazos de 03 (três) e 04 (quatro) anos, respectivamente, podendo ser prorrogados, uma vez só, por período de igual tempo, consoante o CC 1439. O §1° refere que ainda que vencidos os prazos, permanece em garantia, enquanto subsistirem os bens que a constituem. Para Sílvio Venosa (2003, p. 491) o penhor passa a ter prazo indeterminado, sendo então um benefício ao credor.
Existindo a prorrogação do mesmo deve ser averbado junto à margem do registro. Art. 1439, § 2°. Importante observar que o Código Civil de 1916 permitia o prazo de 01 (um) ano prorrogável por mais seis meses. O termo posteriormente foi alterado com o Decreto-lei n° 4.360/42 para modificar os prazos, passando a permitir o tempo de 02 (dois) anos prorrogados por mais dois para penhor agrícola e o prazo de 03 (três) anos estendidos por igual período para o penhor pecuário. Somente em 2002, com o Novo Código Civil que o tempo limite passou a vigorar como já fora supramencionado. (Talita Pozzebon Venturini, artigo intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese”, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 13.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.440. Se o prédio estiver hipotecado, o penhor rural poderá constituir-se independentemente da anuência do credor hipotecário, mas não lhe prejudica o direito de preferência, nem restringe a extensão da hipoteca, ao ser executada.
Como ensina Loureiro, diz este artigo que o penhor rural pode constituir-se sobre o imóvel hipotecado, sem anuência do credor hipotecário, nem prejuízo de seu direito de prelação. Nos termos do art. 79 do Código Civil, são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar, natural ou artificialmente. Disso decorre que plantações são bens imóveis por definição legal, mas por exceção podem ser também objeto de penhor, por serem mobilizáveis.
Em tese, pode ocorrer do mesmo bem - plantações - ser objeto simultaneamente de garantia hipotecária e pignoratícia. Permite a lei tal situação, sem anuência do credor hipotecário, que nenhum prejuízo sofre, porque mantém incólumes seus direitos de sequela e prelação. A anterior hipoteca registrada goza de preferência sobre o penhor posterior, quando houver coincidência de objetos.
A maior dificuldade está na conciliação da regra deste artigo com o disposto nos arts. 59 e 69 do Decreto-lei n. 167/67, que dispõe que os bens objeto de penhor ou hipoteca constituídos pela cédula e crédito rural não serão alienados nem penhorados, arrestados ou sequestrados por outras dívidas do devedor ou o terceiro prestador da garantia. Tal preceito, como abaixo veremos, sofre sérias restrições da jurisprudência, especialmente quando o credor que faz a penhora tem privilégio legal. De todo modo, a melhor interpretação é no sentido de que o CC 1.440 é exceção à regra da inalienabilidade e impenhorabilidade dos bens objeto de hipoteca cedular, mesmo porque esta permanece incólume para o credor hipotecário, que não perde a prelação nem a sequela. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.542. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 13/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na visão de Guimarães e Mezzalira, o imóvel hipotecado poderá ser empenhado independentemente de anuência do credor hipotecário, assegurando-se a integridade deste direito.
O Código anterior previa que, para a constituição do penhor rural de imóvel hipotecado, era necessária a anuência do credor de direito real de hipoteca, determinando a nulificação do ato na falta desta formalidade legal. Entretanto, como não há de fato qualquer prejuízo ao credor originário, a nova legislação tratou de alterar o dispositivo. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com, comentários ao CC 1.440, acessado em 13.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
À propósito, em artigo produzido em maio de 2016, Intitulado Contrato de seguro e o suicídio: divergência entre o art. 798 do Código Civil de 2002 e o entendimento sumulado das cortes superiores, Débora Marques Pereira Clemente et al, publicado em Jus.com.br. em outubro de 2019, entre conceitos e características, o Código Civil de 2002 cuidou de conceituar o contrato de seguro. Trata-se daquele pacto em que um das partes, o segurador, se obriga, mediante recebimento de um prêmio, a garantir interesse legítimo, da outra, o segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos pré-determinados. (CC, art. 757).
Esse tipo contratual é peculiar, vez que não é somente a junção de interesses individuais para amenizar os riscos, mas sim, uma conjunção jurídica e econômica, baseada na ideia de comunidade e interesse coletivo, ou seja, na mutualidade, diferente da bilateralidade comum aos demais contratos típicos, como enfatiza Judith Martins-Costa (2014). Ressalte-se, ainda, o princípio da boa-fé, potencializada nos contratos de seguro e consagrada no artigo 765 do Código civilista, determinando uma conduta ética e veraz dos contraentes. (VENOSA, 2013).
O contrato de seguro é bilateral. Para o segurado cabe o pagamento do prêmio e para o segurador cabe a garantia do pagamento de indenização, caso ocorra o risco. Trata-se de contrato oneroso, já que gera vantagens para ambas as partes. A maior parte dos doutrinadores tende a classificar o seguro como contrato oneroso aleatório, afirmando a condição de subordinação do segurado ao pagamento da prestação a um evento futuro e incerto, podendo ter ocorrência ou não do risco. Tem natureza consensual, referindo-se ao consenso entre segurado e segurador. Não dependendo de formalidade específica (GONCALVES, 2012).
Conquanto a obrigação do segurador seja condicional, há interdependência das obrigações que gera tanto para uma como para a outra parte. Obriga-se o segurado a pagar o prêmio. Do cumprimento dessa obrigação depende o seu direito a exigir do segurador o pagamento da quantia estipulada, caso se verifique o acontecimento a que se subordina a obrigação deste. Assim, o segurado é devedor de dívida certa e credor de dívida condicional. (GOMES, 2009, p. 505).
Das espécies, como já exposto, sobre os seguros recaem um risco, diante disso faz-se necessário identificar qual a natureza deste para que se delimite a obrigação do segurador. De acordo Gonçalves (2004) hoje, praticamente todos os riscos são passíveis de cobertura, exceto os excluídos pela lei, como os dolosos ou ilícitos e os de valor superior ao da coisa.
Predomina em no direito brasileiro o conceito unitário de seguro. Há um contrato somente, mas que se desdobra em várias espécies ou subespécies. Em todas, impera sempre a ideia de garantia de interesse legítimo e de ressarcimento ou de compensação do dano, seja este patrimonial ou pessoal. Dessa forma, entende-se que os seguros se agrupam em duas classes: dos danos materiais e das pessoas. (RIZZARDO, 2015) Nesta última, incluem-se os que resguardam a pessoa do segurado contra os riscos a que está sujeita a sua existência, integridade física e saúde. (GOMES, 2009). Aqui, terá mais ênfase o seguro de vida, vez que a questão ora estudada pressupõe esse tipo de seguro.
Em relação aos Seguros de Vida, Gomes (2009) esclarece que por meio desse pacto, o segurador, se obriga a pagar ao segurado, ou terceiro beneficiário, determinada quantia, sob forma de capital ou de renda, quando o evento futuro e incerto se concretiza. É possível segurar a vida de outros, desde que seja comprovado o interesse pela preservação da vida destes.
Importa salientar as sutis diferenças desse tipo de seguro. Enquanto que no seguro de dano, o valor da indenização é do efetivo dano sofrido, nos seguros de vida, por não haver um dano, propriamente dito, mas a perda da vida, violação da integridade física ou o alcance a determinada idade, o valor devido pode ser livremente estipulado, podendo ser pago pela seguradora em um só momento ou em prestações periódicas, como pensão vitalícia ou temporária, de acordo com o autor acima mencionado.
O Código Civil de 2002 dispõe que é nula qualquer transação para pagamento reduzido do capital segurado. Gonçalves (2012) alude que o interesse, nesses tipos de seguro, não é só individual, mas também altruístico, pois que visa proteger financeiramente aqueles que são importantes ao segurado. Quando se tratar de seguros de vida em favor de terceiro, quer o segurado viver durante a existência daquele. Resta nítida, nesses contratos, a estipulação em favor de terceiro.
Sendo assim, Venosa
esclarece que: “Para a determinação do risco a ser coberto pelo segurador na
garantia de vida, é necessário que este conheça o estado de saúde do segurado
ou do terceiro. Para tal avulta de importância a boa-fé do declarante ao
contrair o seguro. (VENOSA, 2006, p. 367).
O montante pago quando da materialização do risco é impenhorável, visto que tem profundo reflexo social e caráter alimentício. Responderá somente por dívidas referentes ao prêmio. (VENOSA, 2013) A impenhorabilidade é afirmada no art. 833, VI, do CPC.
Do suicídio - Ao longo dos séculos, o suicídio foi tema de ocupação das mais diversas áreas do conhecimento. A corrente filosófica do existencialismo, no século XVII, destaca a ideia de liberdade individual e responsabilidade do indivíduo como senhor do seu destino e permeia a questão do suicídio através de expoentes à altura de Hume. Também, a medicina, a psicologia, a religião, literatura, por exemplo, buscaram dar respostas para tantas indagações acerca de tal fenômeno. (COSTA, 2014).
Provindo do latim, sui (si mesmo) e caederes (ação de matar), forma etimologicamente o suicídio. A conduta de eliminar a si próprio é antiga e esse termo foi introduzido por Desfontaines, em 1737, designando a necessidade de escapar do sofrimento em vida, resolver os problemas que parecem sem solução, através da morte provocada pelo próprio indivíduo, conforme assevera Guilherme Ferreira de Miranda (2010).
O suicídio é ato voluntário e intencional de matar a si mesmo [...]. É o último e irreversível estágio da autodestruição. É a violência fatal contra si para por fim a uma dor maior do que a vontade de viver. Outras vezes, é um golpe final em si mesmo para punir a outrem. O suicídio é o naufrágio da esperança, a falência dos sonhos, o fim da linha [...]. (LOPES, 2007, p. 31).
Émile Durkheim, considerado pai da Sociologia, escreveu, em 1897, “O suicídio”, obra importantíssima que teve como base empírica as sociedades europeias, especialmente a francesa. Sustenta que o suicídio tem sua causa eminentemente social, afastando qualquer possibilidade de motivos individuais como hereditariedade ou etnia, serem determinantes para o suicídio, ainda que certas características do indivíduo o influenciem ao ato. (MIRANDA, 2010).
Compreender a bipartição do conceito de suicídio é imprescindível, vez que é adotada pela doutrina e jurisprudência, na solução de variadas lides sobre o tema. No suicídio voluntário, o indivíduo premedita a sua ação, dispondo de perfeita saúde mental. Conscientemente, põe fim à sua vida. Essa vontade preordenada pode ser evidenciada por atos positivos da pessoa segurada, como escritos deixados, por exemplo. Nessa espécie de suicídio, retira-se um elemento fundamental do contrato de seguro, qual seja, a aleatoriedade. Os cálculos atuariais realizados pela seguradora com base em variáveis que permitiam a exata aferição de probabilidade de ocorrência do risco são tornados sem efeito. (MARTINS, 2003).
Em contrapartida, é involuntário esse fenômeno quando a alienação mental, dano psíquico ou ainda, qualquer outra causa interna, como uma violenta emoção, subtrai o autocontrole e faz o agente perder o entendimento do seu ato. (1988 Rizzardo apud Venosa, 2013).
Após a viagem de conhecimento, volta-se ao artigo aqui comentado,
tratando-se do CC 1.440. O Código Civil de 1916, Súmula 105 do STF e 61 do STJ, trazia em
seu artigo 798 a possibilidade de cobertura securitária à morte por suicídio
involuntário, afastando a regra para os casos que fossem premeditados.
Estabelecia-se, então, uma analise de plano subjetivo, qual seja, a consciência
e intenção do segurado em fraudar o contrato. (GONÇALVES, 2012).
À época da vigência do referido Código,
editaram-se duas súmulas. A de nº 105 teve origem no STF em 13 de dezembro de
1963. Dispunha que “salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado
no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do
seguro”. Na mesma linha, editou-se, em 14 de outubro de 1992, a súmula 61, no
Superior Tribunal de Justiça, se afirmando que “O seguro de vida cobre morte
por suicídio não premeditado”. Levando em conta a boa-fé do segurado em todas
as fases contratuais, não se afastando o dever da seguradora de pagar o
capital, conforme ensinamento de Gonçalves (2012).
Inovou o Código Civil ao trazer entendimento diverso acerca das hipóteses de cabimento de indenização ao segurado suicida. A modificação legislativa passou do critério de aferição subjetivista, qual seja, da premeditação ou não, para um critério temporal. Pretendeu o legislador, não incentivar o suicídio, mas também, quis dificultar a concessão de indenizações (NADER, 2008). Assim preceitua o código civilista:
Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.
Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado.
Imposto pelo legislador, esse critério objetivo
limitador, permite algumas interpretações. “De acordo com a primeira, trata-se
de espécie de prazo de carência para a cobertura nos casos de suicídio [...].
Consoante outra interpretação o dispositivo instituiria presunção relativa
[...]” (GOMES, 2009, p. 513). Assim, é possível que o beneficiário demonstre
que não foi premeditado.
Tepedino (2006) se manifestou no mesmo sentido
afirmando que o dispositivo em questão possibilita somente uma inversão do ônus
da prova, dessa forma, cabe ao beneficiário comprovar sua boa-fé,
consequentemente, a não premeditação do suicídio. Restando comprovada a não
premeditação, não poderia a seguradora se abster de cobrir o segurando com a
garantia pactuada, ainda que o suicídio venha a ocorrer nos primeiros dois anos
após o contrato ser firmado.
O Enunciado nº 187 da III Jornada de Direito
Civil corrobora o entendimento, no sentido de que atribui ao beneficiário o
ônus da prova da não premeditação. Porém, é claro equívoco hermenêutico por
infringir disposições constitucionais e infraconstitucionais, tais como as do
Código de Defesa do Consumidor. (COSTA, 2014).
Carlos Roberto Gonçalves (2004), muito apropriadamente,
por sua vez, afirma que a norma deve ser interpretada no sentido de que
decorrido o prazo bienal, presume-se que o suicídio não foi intencional.
Entretanto, uma vez ocorrendo antes do término do período, caberá à seguradora
provar que houve a premeditação com intuito fraudulento. Em harmonia, a 2º e a
3º Seção do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.077.342-MG reafirmaram a
importância de interpretar o contrato presumindo a boa-fé e lealdade.
Em consonância com o entendimento do supracitado
autor e da Corte, respectivamente, decidiu o Tribunal de Justiça mineiro em
2013: “Apelação cível. Ação de cobrança. Seguro de vida. Morte do segurado
no prazo de 2 (dois) anos do início de vigência da apólice de seguro. Suicídio.
Art. 798 do cc interpretação literal incabível. Alegação de premeditação deve
ser provada. Art. 333, ii do CPC. Ausência de comprovação. Correção monetária a
partir da data do evento danoso. Recurso não provido. Conforme consolidada
jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, o art. 798 do Código
Civil de 2002 não alterou o entendimento de que a morte do segurado no prazo de
2 (dois) anos do início de vigência da apólice de seguro, somente exime o
segurador do pagamento do seguro se ficar comprovada a premeditação do
suicídio. É ônus do réu comprovar a ‘existência de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor’ conforme disposto no art. 333,
II do Código de Processo Civil. [...] Recurso não provido (Apelação Cível
1.0024.07.570863- 6/001, Relator Des. Veiga de Oliveira, 10ª Câmara Cível, j.
em 09.07.2013, p. em 19.07.2013).”
A exegese literal da norma vigente no Código
Civilista não é o mais adequado, ainda que, a priori, a apreensão linguística
seja imprescindível para que a atividade hermenêutica seja desenvolvida. Não se
pode olvidar que o legislador quis desentranhar o aspecto subjetivo nos casos
suicídio do indivíduo segurado. (COSTA, 2014)
Apesar de doutrinariamente predominar a tese da
interpretação extensiva do dispositivo legal, o Superior Tribunal de Justiça
modificou o entendimento pacificado em 2011. É o que se verá a seguir.
A atual interpretação do STJ - No dia 8 de
abril de 2015, por decisão da maioria, em sua Segunda Seção, o STJ mudou seu
entendimento através do julgamento do agravo regimental do recurso especial nº
1.334.005, que teve como relator o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, para
uma interpretação literal do art. 798 do Código Civil. De acordo
a íntegra da ementa do agravo interposto, não há a necessidade de a seguradora
comprovar a premeditação do suicídio, tão pouco a indenizar quando ocorrido no
prazo de dois anos contados a partir da data do pacto.
Depreende-se do julgado, o entendimento da ministra Isabel Gallotti quanto a impossibilidade de interpretações subjetivas relativas à premeditação ou à boa-fé do segurado. Para ela, durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, não é possível cobrir o seguro, mas somente em mortes decorrentes de outras causas, justamente para que se evite a dificuldade de prova da premeditação. Sua decisão foi acompanhada pelos ministros João Otávio Noronha, Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze.
Diante do exposto, é notável o caráter remoto dos contratos de seguro. Adotados desde o século XII para trazer segurança aos navegantes, perdura até os dias atuais para propiciar aos segurados uma amenização das consequências advindas de um sinistro. O artigo então se propôs, para que ampliasse a compreensão sobre o assunto, identificar as principais características do seguro, distinguir suas espécies, e de forma específica, trazer um estudo comparativo entre o Código Civil de 1916 e o de 2002, elucidando as controvérsias jurisprudenciais decorrentes da alteração do dispositivo que trata a respeito do prazo de carência estabelecido em casos de suicídio, para que seja possível a seguradora garantir a cobertura. O tratamento do referido tema está presente no CC 1440 do atual Código e no art. 798 do Código de 1916. (Débora Marques Pereira Clemente et al, publicado em Jus.com.br. em outubro de 2019, Em artigo produzido em maio de 2016, Intitulado Contrato de seguro e o suicídio: divergência entre o art. 798 do Código Civil de 2002 e o entendimento sumulado das cortes superiores, Acessado 13/01/2021. Ref. CC 1.440 - Revista e atualizada nesta data por VD).
Art. 1.441. Tem o credor direito a verificar o estado das coisas empenhadas, inspecionando-as onde se acharem, por si ou por pessoa que credenciar.
Segundo claro entendimento de Loureiro, a regra é simples e corolário lógico da posse direta do bem empenhado permanecer nas mãos do devedor, que pode usá-lo e receber seus frutos.
Esse direito de inspeção, embora de natureza dispositiva, decorre da lei e se aplica ainda que nada tenham as partes convencionado a respeito. Permite o credor verificar se o devedor mantém seu dever de custódia e íntegro o bem empenhado. A inspeção pode ser feita pessoalmente pelo credor, ou por terceiro por ele autorizado. A recusa injustificada do devedor abre ao credor o direito de obter judicialmente a inspeção. Podem convencionar as partes que a recusa do devedor provoca o vencimento antecipado da dívida.
Embora silencie o Código Civil de 2002, alerta com razão Gladston Mamede que se encontra em vigor o disposto no art. 76 do Decreto-lei n. 167/67, que determina o seguro compulsório dos bens empenhados, quando houver expedição de cédula rural ( Código Civil Comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 195). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.543-44. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 13/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).
Segundo entendimento de Talita Pozzebon Venturini, importante observar que o Código Civil de 1916 permitia o prazo de 01 (um) ano prorrogável por mais seis meses. O termo posteriormente foi alterado com o Decreto-lei n° 4.360/42 para modificar os prazos, passando a permitir o tempo de 02 (dois) anos prorrogados por mais dois para penhor agrícola e o prazo de 03 (três) anos estendidos por igual período para o penhor pecuário. Somente em 2002, com o Novo Código Civil que o tempo limite passou a vigorar como já fora supramencionado.
A não necessidade de tradição, pois o bem fica na permanência do devedor tendo este a posse direta e indireta. Já o credor obtém unicamente a posse indireta, pois lhe confere o direito de verificar e inspecionar a coisa empenhada que está na posse do devedor. É o que alude o art. 1441, CC/02. (Talita Pozzebon Venturini, artigo intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese”, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 13.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No entendimento de Guimarães e Mezzalira, como no penhor rural o devedor permanece na posse do bem, o legislador previu o direito de o credor fiscalizar o estado da coisa, pessoalmente ou por terceiro, como instrumento de preservação dos seus interesses.
Na hipótese de
recusa do devedor, o credor poderá ter o seu direito assegurado judicialmente,
sendo que a constatação de deterioração ou depreciação poderá ensejar a
antecipação da dívida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com,
comentários ao CC 1.441, acessado em 13.01.2021, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).