quarta-feira, 31 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.599, 1.600, 1.601 Da Filiação - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.599, 1.600, 1.601

Da Filiação - VARGAS, Paulo S. R.

-  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Subtítulo II – Das Relações de Parentesco – Capítulo II

Da Filiação -  (Art. 1.596 a 1.606) –

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 Art. 1.599. A prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da concepção, ilide a presunção da paternidade.

Em sua obviedade, mostra-se contundente o autor Milton Paulo de Carvalho Filho ao afirmar: Se na época provável da concepção o cônjuge estava impotente para gerar, não pode prevalecer a presunção de que era pai da criança nascida de sua esposa. A impotência coeumdi acarreta presunção da impossibilidade para gerar, pois se caracteriza pela impossibilidade de cópula. Métodos científicos modernos, porém, permitem que seja extraído sêmen do homem para fins de inseminação artificial. A impotência denominada generandi é a que impede a inseminação de modo absoluto. Ela pode resultar da cirurgia de vasectomia ou de fatores físicos, mas não é incompatível com a realização do ato sexual. O dispositivo contempla, portanto, toda hipótese em que se demonstrar a absoluta impossibilidade de gerar na época da concepção, sem distinguir entre uma e outra espécie de impotência (Chinelato, Silmara Juny. Comentários ao Código Civil. São Paulo, Saraiva, 2004, v. XVIII, p. 63). Não se aplica a disposição aos casos em que o marido registra filho em seu nome sabendo que não é pai biológico, pois nesse caso não poderá, posteriormente, contestar a paternidade assumida espontaneamente (op. cit., p. 63). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.759.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 31/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Historicamente, a primeira versão deste artigo aprovada pela Câmara dos Deputados mantinha praticamente o mesmo texto do projeto, e dizia: “a prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da concepção, ilide a presunção da legitimidade do filho”. Foi posteriormente emendado pelo Senado Federal, não sofrendo, a partir dali, qualquer outra modificação. 

Em sua Doutrina aquiesce que a substituição da expressão “legitimidade” por “paternidade” está adequada à Constituição Federal, cujo Art. 227, § 6º, veda as designações discriminatórias no âmbito da filiação. 

• A impotência coeundi é a “incapacidade para o coito”, e a impotência generandi é a “infecundidade ou incapacidade para gerar” (v. Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 288).

• No Código Civil anterior, seu Art. 342 estabelecia que somente a impotência absoluta valia como alegação contra a legitimidade do filho, de modo que para ser alegada em contestação de paternidade deveria ser total; se relativa, não poderia ser aceita como alegação contrária à paternidade do filho (v. Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, cit., p. 288). No artigo em análise a impotência generandi ilide a presunção da paternidade, não sendo mais necessário que seja absoluta, o que reflete o avanço das provas técnicas existentes para a demonstração da filiação, dentre as quais se destaca o exame de DNA. O artigo não refere a impotência coeundi porque, em razão das novas técnicas de reprodução artificial, pode ela existir sem que haja a impotência generandi. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 815, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 31/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No comentário de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o direito reconhece dois tipos de impotência: impotentia coeundi e impotentia generandi. A primeira é a impotência para a prática do ato sexual e corresponde ao que contemporaneamente e na linguagem natural se reconhece como impotência. A impotentia generandi é correnspondente ao que se denomina usualmente infertilidade. 

O dispositivo de origem antiga pressupõe que a pessoa infértil na época da concepção não pode ter sido responsável por ela, ilidindo o vínculo biológico. A regra perdeu eficácia, uma vez que modernamente inventaram-se métodos que permitem a conservação de gametas, tanto masculinos quanto femininos, a fim de possibilitar que o doador possa gerar mesmo quanto venha a se tornar infértil, mediante reprodução assistida. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.599, acessado em 31.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.600. Não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal da paternidade. 

Pouco a ser comentado, nas palavras de Milton Paulo de Carvalho Filho o adultério não exclui a presunção de paternidade em qualquer circunstância, pois, a despeito de sua ocorrência, subsiste a possibilidade de o cônjuge ser o pai da criança gerada pela esposa adúltera. Contudo, não se questiona que o adultério comprovado lança dúvidas sobre a paternidade do marido. Haverá, sempre, que se verificar se a mulher mantinha dupla vida sexual. Do contrário, se a mulher estiver separada de fato do marido, o adultério exclui a presunção de paternidade deste, embora, no caso de rompimento do primeiro relacionamento, não se possa falar, a rigor, em adultério. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.759.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 31/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, no texto original do projeto, o artigo fazia referência à “legitimidade da prole”. Durante a tramitação no Senado o artigo foi alterado, substituindo-se “legitimidade” por “paternidade” e não sofrendo, a partir dali, qualquer outra modificação. 

Doutrinariamente, buscando o comentário de Ricardo Fiuza • Não faz qualquer sentido, diante de adultério da mulher, manter-se a presunção da paternidade do marido, no sistema atual, em que a ação contestatória da paternidade pode ser interposta a qualquer tempo pelo marido (CC 1.601), prestigiando-se a verdade real nas relações de filiação. Restringir a impugnação à paternidade, mantendo a presunção de que o filho nascido é do marido, diante de prova do adultério da mulher, importa em violação ao ideal constitucional de que as relações de parentesco baseiem-se na verdade e não mais em ficções jurídicas (v. Regina Beatriz Tavares da Silva, Reflexões sobre o reconhecimento da filiação extramatrimonial, Revista de Direito Privado, coord. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 1, jan./mar. 2000, p. 73-6). Cite-se, a propósito, acórdão do STJ, rel. M. Eduardo Ribeiro, Dl de 14-6-1999, p. 188, segundo o qual “As normas jurídicas hão de ser entendidas, tendo em vista o contexto legal em que inseridas e considerando os valores tidos como válidos em determinado momento histórico.

Não há como interpretar-se uma disposição, ignorando as profundas modificações por que passou a sociedade, desprezando os avanços da ciência e deixando de ter em conta as alterações de outras normas, pertinentes aos mesmos institutos jurídicos”. Refira-se outro julgado do STJ, em Lex — Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, 32/159, segundo o qual, “Na fase atual da evolução do Direito de Família, é injustificável o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, sobretudo quando em prejuízo de legítimos interesses de menor. Deve-se ensejar a produção de provas sempre que ela se apresentar imprescindível à boa realização da justiça”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 815-16, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 31/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Segundo Marco Túlio de Carvalho Rocha, esta é outra regra antiga, que diz respeito à fixação da paternidade segundo o vínculo biológico e, tanto quanto outras regras que visam a solucionar dúvidas quanto à atribuição da paternidade com base no vínculo biológico, perdeu significado com a facilitação da prova do vínculo biológico. 

Os filhos nascidos do casamento são, presumivelmente, do marido da mulher. Somente a prova técnica ilide essa presunção. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.600, acessado em 31.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.

Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.

Segundo estudos de Milton Paulo de Carvalho Filho, restringe-se ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, mas, uma vez contestada judicialmente, seus herdeiros podem prosseguir na demanda. Como registra Paulo Luiz Netto Lobo, “ninguém, nem mesmo o filho ou a mãe, poderá impugnar a paternidade. A norma, assim lida em conformidade com a Constituição, desloca a paternidade da origem genética para a paternidade socioafetiva” (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, p. 73). Silmara Juny Chinelato anota que o pai que espontaneamente reconhece filho que sabe não ser seu não poderá contestar a paternidade (Comentários ao Código Civil. São Paulo, Saraiva, 2004, v. XVIII, p. 66), salvo se comprovar que foi induzido em erro ou se agiu mediante dolo ou coação. Acrescente-se que também não basta a demonstração de que o marido não é o pai biológico: deve-se, ainda, provar que não se estabeleceu a paternidade socioafetiva (Lobo, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 76-7). 

Por outro lado, o presente dispositivo estabelece a imprescritibilidade da ação de contestação de paternidade, na medida em que envolve direitos da personalidade. Sobre a matéria, Silmara Chinelato pondera: “Tratando-se de estabelecimento de paternidade, é curial que a socioafetiva prevaleça em relação à biológica, determinando que o pai socioafetivo não tenha interesse algum em contestá-la. Os outros filhos - se houver - podem ter interesse patrimonial em fazê-lo, ao excluir um herdeiro, aumentando o quinhão na herança. Porque não sou contra o conteúdo do CC 1.601 e apenas lhe dou interpretação restrita, penso que o legislador andou bem ao estabelecer como personalíssimo o direito de ingressar com a ação negatória de paternidade, quando cabível. Resta aos herdeiros apenas prosseguir como autores, se falecer o impugnante no curso da ação. Não têm, no entanto, legitimidade para interpô-la em nome próprio e por direito próprio” (op. cit., p. 68). 

A III Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal firmou o entendimento no sentido de que “não cabe a ação prevista no CC 1.601 se a filiação tiver origem em procriação assistida heteróloga, autorizada pelo marido nos termos do inciso V do CC 1.597, cuja paternidade configura presunção absoluta” (Enunciado n. 258).

A ação de contestação da paternidade é imprescritível, tanto quanto a de investigação de paternidade, como consignado na Súmula n. 149 do STF. Os herdeiros do marido não estão autorizados a propor a ação de contestação, mas apenas a prosseguir na que ele já houver proposto, o que significa que só poderão fazê-lo em caso de óbito daquele, pois “o direito brasileiro não admite herança ou herdeiros de pessoas vivas” (Lobo, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 74-5). Levando em conta que a paternidade biológica pode inexistir, mas, em virtude de se estabelecer a paternidade socioafetiva - e sendo a questão vinculada a aspecto íntimo da família -, a contestação da paternidade não é admitida para o pai biológico (idem). A concepção do filho que se fizer por uma das formas previstas no CC 1.597 não admite a contestação da paternidade, a não ser que fique comprovado que o profissional ou o hospital utilizaram sêmen que não era do marido. 

Na lição de Paulo Luiz Netto Lobo, o estado de filiação nada tem a ver com o direito ao conhecimento da origem genética, questão ligada ao direito da personalidade (op. cit., p. 78). Para a tutela do direito de conhecer a origem genética não há necessidade de alterar a paternidade que resulta da relação social e afetiva estabelecida entre pai e filhos ou filhas. 

O dispositivo em exame não se aplica às uniões estáveis, nas quais o reconhecimento da paternidade resulta do ato espontâneo de cada companheiro. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.760.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 31/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

No histórico que acompanha os comentários a respeito do artigo, o presente dispositivo, no texto original do projeto, mantido inicialmente pela Câmara dos Deputados, correspondia a dois artigos: “Art. 1.610. Cabe ao marido o direito de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher. § 1º Decairá desse direito o marido que, presente à época do nascimento, não contestar, dentro em dois meses, a filiação. § 2º Se o marido se achava ausente, ou lhe ocultaram o nascimento, o prazo para repúdio será de três meses, contado do dia de sua volta à casa conjugal, no primeiro caso, e da data do conhecimento do fato, no segundo”. E “CC 1.611. Contestada a filiação, na forma do artigo precedente, passa aos herdeiros do marido o direito de tornar eficaz a contestação”. Durante a passagem pelo Senado Federal foi acrescentado um parágrafo ao então art. 1.610 e transformado o então art. 1.611 em parágrafo do 1.610, passando a redigir-se o dispositivo fundido da seguinte forma: “Art. (...) Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher. § lº Decairá do direito o marido que, presente à época do nascimento, não contestar a filiação no prazo de sessenta dias. § 2º Se o marido se achava ausente ou lhe ocultaram o nascimento, o prazo para repúdio será de noventa dias, contado do dia de sua volta ao lar conjugal, no primeiro caso, e do de conhecimento do fato, no segundo. § 3º Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação”. Retornando, em seguida, o projeto à Câmara, promoveu o Deputado Ricardo Fiuza completa reformulação no dispositivo, tornando a ação negatória de paternidade imprescritível, proposta que restou acolhida em definitivo.

Defendeu o Relator Parcial, Deputado Antonio Carlos Biscaia, que “as inovações constitucionais sobre o reconhecimento da filiação têm como suporte a busca da verdade real, motivando o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido da imprescritibilidade das ações relativas à filiação, incluindo nestas a negatória de paternidade. Tal entendimento leva à tese de que estariam revogados os dispositivos legais que estabeleciam prazos para o exercício desses direitos. Neste sentido, compreende-se a natureza do estado de família, no qual se enquadra J da filiação, como de ordem pública, não devendo comportar relações fictícias, salvo na hipótese de adoção. 

• A legislação anterior (Código Civil, arts. 340 e 178, § 4º) estabelecia regras limitativas à contestação da paternidade dos filhos pelo marido, tanto no que se referia às causas dessa contestação como no que dizia respeito ao prazo prescricional, extremamente exíguo, de dois a três meses. Na última fase de tramitação, o novo Código recebeu relevante modificação, baseada nas inovações constitucionais sobre as relações de filiação, que têm como suporte a busca da verdade real e não mais relações fictícias, salvo na hipótese da adoção. Somente com esse sentido compreende-se a natureza do estado de filiação. Sob á égide da legislação anterior, foi editada a Súmula 149: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é da petição de herança”. Então, se é imprescritível a investigação de paternidade, também deve sê-lo a ação negatória da paternidade. A regra deveria, como sugeriu-se, ser adaptada à legislação superveniente, que reconhece o direito ao reconhecimento da paternidade como direito personalíssimo, indisponível e imprescritível (Lei n. 8.069/90, art. 27).

• Embora o direito à contestação da relação de filiação não possa caber, indiscriminadamente, a qualquer pessoa, se o filho é oriundo de casamento esse direito não deve ser tido como privativo do marido. Observe-se que, com a proteção à união estável, não tem cabimento estabelecer tamanha restrição à legitimidade da ação contestatória no casamento e não realizar as mesmas restrições na união estável. Esse direito, seja a relação oriunda ou não de casamento, além de ser imprescritível, deve caber não só àquele que consta do registro de nascimento como pai, mas, também, ao próprio filho e ao verdadeiro pai, em acatamento aos princípios constitucionais da absoluta igualdade entre os filhos e da verdade real nas relações de filiação. Por essas razões a norma sugerida diz respeito à relação de filiação, independentemente de sua origem. A única exceção disposta no artigo sugerido a seguir diz respeito à filiação oriunda de adoção, que não pode ser contestada, por força de seu caráter irrevogável.

Constitui violação aos direitos da personalidade constranger alguém a fornecer material para a realização de um exame biológico? A questão coloca-se com certa frequência em nossos tribunais na investigação da paternidade, como adiante será visto, mas também tem lugar na ação contestatória . Realmente não é possível constranger alguém à retirada de parte de seu corpo, no caso o sangue, sob pena de violação a direito da personalidade. Mas também não se pode deixar de proteger os interesses do contestante, que dependem da realização da prova para o reconhecimento de suas alegações. A Única forma de conciliar o direito da personalidade do demandado, que é o direito às partes separadas do corpo, com o direito do autor da ação contestatória, diante da recusa do primeiro à coleta de material para realização da prova pericial, é presumir-se, se a recusa for injustificada, a inexistência da relação de filiação. Já que a recusa pode ocorrer quanto a qualquer das provas médico-legais, que não se limitam ao exame de DNA, o dispositivo aplica-se a todos esses meios de prova.

• Sugestão legislativa: Em face dos argumentos acima aludidos, encaminhou-se ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão para alteração deste artigo, o qual, uma vez aprovada a proposta pela Câmara dos Deputados, passaria a redigir-se:

Art. 1.601. O direito de contestar a relação de filiação é imprescritível e cabe, privativamente, às seguintes pessoas:

I — ao filho;

II — àqueles declarados como pai e mãe no registro de nascimento;

III — ao pai e à mãe biológicos.

1º Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.

2º A relação de filiação oriunda de adoção não poderá ser contestada.

3º A recusa injustificada à realização das provas médico-legais acarreta a presunção da inexistência da relação de filiação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 816-17, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 31/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Extenso e profundo é o comentário do Mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha: 1. Desde o Código Civil de 1916, a técnica utilizada pelo legislador brasileiro para equilibrar os elementos que constituem a filiação (biológico, social e afetivo) consiste na limitação do direito de impugnar o vínculo de filiação ao estabelecer (a) prazos decadenciais para o exercício do direito, (b) restringir a legitimidade para o ajuizamento da ação, (c) restringir os meios de prova.

Há consenso no sentido de que as restrições relativas a elementos probatórios foram revogadas pela Constituição de 1988 e pela legislação posterior; as mantidas pelo Código de 2002 devem ser consideradas arbitrárias e, portanto, inconstitucionais, em razão do surgimento da técnica de exame do DNA. São elas: CC 1.598, CC 1.599 (impotência), CC 1.600 (adultério), CC 1.602 (confissão da mulher). 

Incidem na impugnação as técnicas do Direito Privado. Em outras palavras, vedada a retratação (o reconhecimento é irrevogável), a impugnação significa a possibilidade de se anular o ato de reconhecimento. A anulação do registro é mera consequência da referida nulidade.

A intervenção judicial é sempre necessária, nos termos do art. 113 da Lei n. 6.015/73, embora haja julgados em contrário.

Ação rescisória contra sentença que julgou procedente ação de investigação: “O exame de DNA realizado após a prolação da sentença é documento hábil a aparelhar a AR, como documento novo, considerando que os autos não revelaram desídia ou desinteresse total do réu-investigado na feitura do dito exame durante o curso regular do processo. A coisa julgada submete-se aos próprios comandos emergentes da lei, não sendo capaz de inibir o pedido rescisório, ancorado em exame de DNA realizado por ambas as partes e que afasta a paternidade anteriormente reconhecida” (TJMG – AR 352925-2/000, 3º G.C. Civ., Rel. Des. Célio Cesar Paduani, por maioria, DJMG, 08.10.2004, RBDFam 27/137).

Relativização da coisa julgada: “I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e, considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido. 

II – (...) 

III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do processo justo, ‘a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura see explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade” (STJ, 4ª T. REsp 226.436, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 28.06.2001). No mesmo sentido: TJMG, 5ª C. Cív., Ap. n. 0611.03.003.214-2, Rel. Des. Dorival Guimarães Pereira, j. 16.009.2004, por maioria, p. 08.10.2004, Minas Gerais.

Na primitiva ação de investigação de paternidade proposta, a improcedência do pedido decorreu de confissão ficta pelo não-comparecimento da mãe do investigando à audiência de instrução designada. Considerando, assim, que a paternidade do investido não foi expressamente excluída por real decisão de mérito, precedida por produção de provas, impossível se mostra cristalizar como coisa julgada material a inexistência do estado de filiação, ficando franqueado ao autor, por conseguinte, o ajuizamento de nova ação. É a flexibilização da coisa Julgada” (STJ, REsp 427.117-MS, 3ª T., Rel. Min. Castro Filho, DJU, 16.02.2004). 

“1. Tem-se por admissível ação negatória de paternidade, nada obstante tenha sido esta reconhecida mediante acordo realizado nos autos de investigatória proposta pelo investigante. Precedente. 2. Apelo provido. Maioria” (TJDF, Ap. Cív. N. 2002.07.1.005175-3, 3ª T., Rel. p/o ac. Des. Estevan Maia, DJU 12.05.2005, RBDFam 32/131).

“O direito do filho de buscar a paternidade real, com pedido de anulação retificação de registro de nascimento em caso de falsidade praticada pela mãe é imprescritível, não se aplicando o disposto no art. 178, § 9º, VI, do CC” (STJ) AgRg-REsp 440.472-RS, 3ª T., Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeira, DJU 19.05.2003; RBDFam 20/146).

“A regra que impõe ao perfilhado o prazo de quatro anos para impugnar o reconhecimento só é aplicável ao filho natural que visa a afastar a paternidade por mero ato de vontade, a fim de desconstituir o reconhecimento da filiação, sem buscar constituir nova relação” (STJ, REsp n. 242.486-MG, 3ª T., Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJU 25.02.2004; STJ, REsp. n. 259.768-RS, 4ª T., Rel. p/ o ac. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 22.03.2004, RBDFam 23/123). 

“A ação de investigação de paternidade, que significa o direito do filho a obter o verdadeiro pai, sempre foi imprescritível. Deferente é a situação de se impugnar o reconhecimento de paternidade, pura e simplesmente, sem envolver o direito de investigar o verdadeiro pai, ou seja, quando a impugnação não é instrumento ou decorrência da investigação. E, neste caso, a prescrição para a ação em que o filho nega o assentimento ao reconhecimento sempre foi de quatro anos” (TJMG, Ap. Cív., n. 1.0009.03.900.011-3/001, Rel. Des. Almeida Melo, j. 11.12.2003).

“Aplica-se o prazo decadencial previsto no Código Civil revogado, se o direito do filho de impugnar o reconhecimento já estava extinto quando do surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (TJMG, Ap. Cív., 1.000.00.348.900-2/00, Rel. Des. Dorival Guimarães Pereira, j. 16.10.2003).

2. Legitimidade ativa na ação para impugnar a paternidade de filhos matrimoniais. Na vigência do Código Civil de 1916 a impugnação da paternidade dos filhos matrimoniais era uma prerrogativa exclusiva do marido. A partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, entendeu-se que o próprio filho tornou-se legitimado a impugnar sua paternidade, com base no artigo 27 do Estatuto. Não se reconhece legitimidade a terceiros, ainda que possuam interesse econômico na causa, como é o caso de herdeiros. O parágrafo único permite que os herdeiros continuem, no entanto, a ação iniciada pelo próprio impugnante seja ele o pai ou o filho. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.601, acessado em 31.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 30 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.596, 1.597, 1.598 Da Filiação - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.596, 1.597, 1.598

Da Filiação - VARGAS, Paulo S. R.

-  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Subtítulo II – Das Relações de Parentesco – Capítulo II

Da Filiação -  (Art. 1.596 a 1.606) –

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 Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. 

Iniciando o Capítulo II -  “Da Filiação” -, nas palavras de Marco Túlio de Carvalho Rocha: A filiação é fenômeno cultural complexo relacionado a vínculos biológicos, socioafetivos e jurídicos. 

O vínculo socioafetivo coincide com a posse de estado de filho quando aquele não resulta de fraude ou de violência. O “filho de criação” e o enteado não entram na posse de estado de filho, pois a inexistência do vínculo de filiação é notória (fato obstativo da posse). O enteado pode acrescer o sobrenome do padrasto ou madrasta se houver anuência destes (art. 57, § 8º, da Lei n. 6.015/73, com a redação dada pela Lei n. 11.924/09). 

Com a descoberta da técnica de exame do DNA, ganhou força na jurisprudência a concepção “biologista”, segundo a qual a filiação é determinada exclusivamente pelos vínculos biológicos. Posteriormente, a jurisprudência passou a admitir que vínculos socioafetivos servem à constituição da filiação.

No tocante ao estabelecimento do vínculo, o Código Civil de 1916 continha restrições aos meios probatórios que foram consideradas revogadas pela Constituição de 1988, ao instituir a igualdade dos filhos (art. 227, § 6º). As repetidas pelo Código Civil de 2002 devem ser consideradas arbitrárias e, portanto, inconstitucionais, em razão do surgimento da técnica de exame do DNA (cf. CC 1.605, I e II; BOSCARO, Márcio Antonio, Direito de filiação, São Paulo: RT, 2002, p. 164). 

As ações de filiação não têm natureza dúplice: de desconstituição e de constituição dos vínculos. O art. 348 do Código Civil de 1916 (correspondente ao CC 1.604, vigente) foi interpretado durante muito tempo como proibição de se ajuizar ação de investigação da filiação antes de se ter impugnado a filiação preexistente (WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 14. ed. são Paulo: Saraiva, 2002, p. 202). Atualmente, contudo, os tribunais têm admitido, por economia processual, a propositura concomitante das ações e até, impropriamente, a cumulação de pedidos (VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 101-103). 

Embora sejam, tradicionalmente, consideradas declaratórias, as ações de estado são constitutivas (positivas ou negativas), podendo ter efeitos retroativos ou não (AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, v. 300, p. 7-37, out. 1960, espec. p. 30-31). 

Princípios constitucionais de maior relevância sobre a filiação: 1. a) Proteção estatal à família (art. 226, caput, CF); 2. b) Maior interesse da criança (art. 227, caput, CF); 3. c) Igualdade dos filhos (art. 227, § 6º, CF; CC 1.596); 4. d) Liberdade de planejamento familiar (art. 227, § 7º, CF).

Classificação da filiação: 1 a) Quanto ao estado civil dos pais: matrimonial (CC 1.597) ou não-matrimonial. 2 b) Quanto ao vínculo: natural ou civil (por adoção ou inseminação heteróloga). Entende-se que somente esta distinção é admissível no direito brasileiro, porque: b 1) a igualdade entre os filhos, diferentemente do que ocorre em outros países, é, no direito brasileiro, um direito fundamental que, como tal, deve ser interpretado no sentido da maior eficácia; b 2) a igualação atende melhor ao princípio da subsidiariedade, que assegura menor interferência estatal na família; b 3) não há mais a necessidade moral de se impedir o questionamento por terceiros dos filhos nascidos de pessoa casada; b 4) a igualação torna o direito mais operativo, evitando o choque da presunção pater is est com a presunção advinda do registro, em situações em que este é feito por outrem que não o marido da mulher; b 5)o art. 337 do Código Civil de 1916, que obrigava a regra pater is est, foi expressamente revogado pela Lei n. 8.560/92 e não foi reproduzido no Código Civil de 2002. 

Classificação antiga: filhos legítimos, ilegítimos, naturais, espúrios, incestuosos e adulterinos a patre e a matre. Esta classificação tem valor histórico e encontra-se superada pelo princípio da igualdade dos filhos. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.596, acessado em 30.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Lecionando Milton Paulo de Carvalho Filho, A disposição em exame corresponde ao § 6º do art. 227 da Constituição Federal e tem por objetivo eliminar as distinções que se faziam entre filhos legítimos e ilegítimos. Entre os filhos havidos ou não do casamento e os adotivos há distinções, mas elas não autorizam divergência de direitos e efeitos. Também não se admitem discriminações entre uns e outros. Sílvio Rodrigues, porém, pondera a respeito do tema o seguinte: “Assim é que, para os filhos originados de uma relação conjugal, a lei estabelece uma presunção de paternidade e a forma de sua impugnação; para os havidos fora do casamento, criam-se critérios para o reconhecimento, judicial ou voluntário; e, por fim, para os adotados, são estabelecidos requisitos e procedimento para a perfilhação” (Direito civil. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 340, v. VI).

O conceito de entidade familiar foi reformulado na nova ordem constitucional, especialmente com base na doutrina moderna que define a família sob a visão das pessoas que dela fazem parte. Em estrita observância ao princípio da dignidade da pessoa humana e considerando exclusivamente os integrantes da família e os laços de afetividade que os envolvem, foram reconhecidos expressamente pela Constituição Federal de 1988 outros modelos de entidade familiar, além daquele decorrente do casamento: o núcleo formado pela união estável e a denominada família monoparental constituída por um dos genitores e seus filhos. Com referência às relações familiares e, especialmente, no tocante à filiação, identifica-se no Brasil de hoje a plena observância ao princípio da afetividade como uma espécie do princípio geral da dignidade da pessoa humana, que privilegia os laços sociais e afetivos, em contraposição aos vínculos de origem biológica ou genética, que eram, em outros tempos, os únicos critérios considerados para a constatação da filiação. Paulo Lobo assevera que a doutrina jurídica brasileira tem vislumbrado aplicação do princípio da afetividade em variadas situações do direito de família, nas dimensões: a) da solidariedade e da cooperação; b) da concepção eudemonista; c) da funcionalização da família para o desenvolvimento da personalidade de seus membros; d) do redirecionamento dos papéis masculino e feminino e da relação entre legalidade e subjetividade; e) dos efeitos jurídicos da reprodução humana medicamente assistida; f) da colisão de direitos fundamentais; g) da primazia do estado de filiação, independentemente da origem biológica ou não biológica (RBDFS 5/12-13, Magister).

Com efeito, do registro de nascimento constarão todas as informações apontadas como obrigatórias no art. 54 da Lei de Registros Públicos e anotadas de acordo com as declarações prestadas pelo pai da criança, sendo este o declarante. A filiação e o conteúdo das demais informações constantes do assento de nascimento são dotadas de presunção de veracidade, nos termos dos CC 1.603 e CC 1.604. Ao Estado e à sociedade interessam que o vínculo registrai seja mantido por ser o principal gerador de direitos e deveres, em razão da lei e da publicidade de que é revestido. Contudo, em alguns casos, ele poderá ser alterado, em razão do vínculo socioafetivo que, para ser reconhecido, necessita de ampla dilação probatória. A despeito da presunção de veracidade de que todos os dados existentes no assento de nascimento são dotados, a verdade registrai poderá não coincidir com a verdade biológica.

A parentalidade biológica é identificada pela herança genética recebida pela criança que foi gerada após a fecundação do óvulo pelo espermatozoide. O vínculo biológico surge, portanto, já no início da vida da criança ao receber os genes da mãe e do pai, por meio da união dos respectivos gametas. A paternidade genética pode hoje, pois, ser identificada por intermédio da utilização de avançadas técnicas científicas e de modernos exames laboratoriais que rastreiam e esclarecem a verdade biológica, muitas vezes, contrariando as informações existentes no registro de nascimento. 

A parentalidade socioafetiva, por sua vez, não decorre de uma declaração, nem tampouco, de um fato biológico. Ela surge em razão da existência de estreitos laços afetivos e sociais que unem determinadas pessoas que se relacionam como entidade familiar, independentemente da correspondência com a verdade biológica ou aquela constante do assento de nascimento. A posse do estado de filho, como também é denominado o relacionamento socioafetivo, é reconhecida pela própria sociedade que identifica o vínculo parental pela observação daquele núcleo familiar que possui uma relação verdadeira entre pais e filhos ligados pelo amor, carinho, consideração, respeito e cumplicidade, importando direitos e deveres. A opção do legislador pela filiação socioafetiva se manifesta nos arts. 1.593,1.596, 1.597, V, 1.605 e 1.614 deste Código.

É possível concluir que a nossa legislação estabelece quatro tipos de estados de filiação, decorrentes das seguintes origens: 1) por consanguinidade; 2) por adoção; 3) por inseminação artificial heteróloga; 4) em virtude de posse de estado de filiação. Paulo Lobo ensina que a consanguinidade, a mais ampla de todas, faz presumir o estado de filiação quando os pais são casados ou vivem em união estável, ou ainda na hipótese de família monoparental, e que o direito brasileiro não permite que os estados de filiação não consanguíneos (itens 2, 3 e 4 acima) sejam contraditados por investigação de paternidade, com fundamento na ausência de origem biológica, pois são irreversíveis e invioláveis, no interesse do filho (ob. cit., p. 14).

No histórico consta do artigo em referência “preservam-se os direitos dos filhos concebidos na constância do, casamento, mesmo anulado ou nulo, independentemente da boa-fé ou da má-fé dos seus pais”. Retomando, em seguida, o projeto à Câmara, promoveu o Deputado Ricardo Fiuza reformulação no dispositivo, que restou acolhida em definitivo.

Ficando da seguinte forma grafado na Doutrina • O presente artigo repete, na íntegra, o disposto no Art. 227, § 6º , da Constituição da República de 1988, que, em preservação da dignidade da pessoa humana, veda as desigualdades entre os filhos.

• Esse preceito coroou uma longa e árdua evolução da sociedade e do direito, já que, durante muito tempo, filhos havidos fora do casamento não tinham os mesmos direitos dos oriundos de matrimônio civil, sendo excluídos da “cidadania jurídica”, em favor de uma falsa harmonia nas relações matrimoniais (cf. Luiz Edson Fachin, Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 15; e Zeno Veloso, Direito brasileiro da filiação e paternidade, São Paulo, Malheiros Ed., 1997, p. 7-1 1). 

• No Código Civil anterior, classificava-se a filiação em legítima (resultante de casamento) e ilegítima (oriunda de relação extramatrimonial), sendo esta última natural (decorrente de relação extramatrimonial entre pessoas sem impedimento matrimonial), espúria (resultante de relação com impedimento matrimonial), adulterina (originária de relação entre pessoa casada com terceiro) e incestuosa (proveniente de relação entre parentes próximos).

• É vedada a classificação da filiação, feita no regime anterior, por ser discriminatória. 

• Todos os filhos, independentemente de sua origem, têm os mesmos direitos. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 812-13, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: 

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; 

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; 

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. 

É entendimento de Milton Paulo de Carvalho Filho, que a regra em exame tem por objeto fixar critérios para tornar certa a filiação. O dispositivo foi alterado significativamente em relação ao Código Civil revogado, na medida em que não se restringiu às hipóteses de relação sexual. José de Oliveira Ascensão criticou o dispositivo ao afirmar que ele traz mais dúvidas do que soluções, uma vez que os seus incisos não tratam propriamente da filiação, mas de presunções de vínculos decorrentes do casamento.

O período da gravidez se inicia com a concepção e se encerra com o nascimento. Desse modo, de acordo com o inciso I do dispositivo em exame, os nascidos seis meses após o estabelecimento da convivência conjugal presumem-se concebidos durante o casamento. Esse prazo é o mínimo para o desenvolvimento da gestação. De todo modo, Arnaldo Rizzardo observa que “inexistindo impugnação de parte do marido da mãe, firma-se a paternidade” (Direito de família. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 416).

O sistema legal, por outro lado, afasta a presunção se o nascimento ocorrer antes do decurso do prazo de 180 dias contados do estabelecimento da convivência conjugal. Também se estabelece presunção de que a concepção se verificou na constância do casamento quando o filho nasceu menos de dez meses após sua dissolução (inciso II). O marco inicial para a fluência desse prazo deve ser a separação de fato. Tais presunções, contudo, não prevalecem em face da constatação biológica em sentido diverso. Tratando-se de presunção relativa, e levando em conta a evolução da ciência contemporânea a respeito do tema, haverá de prevalecer a constatação técnica a propósito da paternidade.

No inciso III do presente artigo, cuida-se da fecundação artificial homóloga, correspondente àquela que resulta da manipulação de gametas do marido (sêmen) e da mulher (óvulo). Tal procedimento depende do consentimento do marido enquanto ele viver (Lobo, Paulo Luiz Netto. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XV I, p. 50). Diversamente do que ocorre com a presunção prevista no inciso II do presente artigo, nessa hipótese a fecundação pode ocorrer mais de trezentos dias da dissolução do casamento. Nesses casos, será indispensável o consentimento expresso do marido.

Segundo o Enunciado n. 106 da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, “para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte”.

A hipótese tratada no inciso IV cuida dos embriões excedentários, i.é, aqueles que foram manipulados geneticamente, mas encontram-se armazenados sem, ainda, terem sido introduzidos no útero materno. A concepção de embriões excedentários só é admitida nos casos de fecundação homóloga, ou seja, em que os gametas sejam de pessoas casadas ou que vivam em união estável (Lobo, Paulo Luiz Netto. Código Civil comentado, v. XVI. São Paulo, Atlas, 2003, p. 52). Descumprida essa regra, o filho será juridicamente da mulher em cujo útero ele foi instalado e do marido dela, se ela for casada (idem). “Finda a sociedade conjugal, na forma do CC 1.571, a regra do inciso IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges, para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões” (Enunciado n. 107 da I Jornada de Direito Civil). 

Finalmente, a última hipótese - inciso V - disciplina a inseminação heteróloga - aquela em que o gameta não é do marido -, possibilidade condicionada exclusivamente à autorização prévia deste. O dispositivo não exige nem mesmo que a autorização seja dada por escrito, bastando que seja prévia. Comprovada a autorização, o marido não poderá negar a paternidade, prevalecendo, mais uma vez, a paternidade socioafetiva. Note-se, ainda, que, embora o dispositivo faça referência expressa ao casamento, deve ser aplicado integralmente à união estável ( Lobo, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 59, v. XV I). 

Sobre o presente dispositivo legal, as I e III Jornadas de Direito Civil do Centro de Estudos antes referido estabeleceram os seguintes Enunciados: n. 104: “no âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) de vontade no curso do casamento”; n. 105: “as expressões 'fecundação artificial’, ‘concepção artificial’ e ‘inseminação artificial’ constantes, respectivamente, dos incisos III, IV e V do CC 1.597 deverão ser interpretadas como ‘técnica de reprodução assistida’”; n. 257: “as expressões ‘fecundação artificial’, ‘concepção artificial’ e ‘inseminação artificial’, constantes, respectivamente, dos incisos III, IV e V do CC 1.597 do Código Civil, devem ser interpretadas restritivamente, não abrangendo a utilização de óvulos doados e a gestação de substituição”.

A doutrina prevê que a Lei de Biossegurança, n. 11.105/2005, trará inúmeros questionamentos acerca da filiação decorrente de inseminação artificial heteróloga, entre outros, o relativo à autorização de utilização de células-tronco pelos genitores do embrião (art. 5º, § Iº). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.753-54.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Partindo-se do histórico, a primeira versão deste artigo aprovada pela Câmara dos Deputados mantinha praticamente o mesmo texto dó projeto, com apenas dois incisos, e dizia: “presumem-se concebidos na constância da sociedade conjugal : I — os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal. II — os nascidos dentro nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial ou anulação”. Durante a tramitação no Senado, o dispositivo foi emendado, passando a redigir-se: “presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I — nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; lI — nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal; III — havidos por inseminação artificial, desde que tenha prévia autorização do marido”. Retornando, em seguida, o projeto à Câmara, promoveu o Deputado Ricardo Fiuza reformulação no dispositivo, que restou acolhida em definitivo.

Dessa forma, a Doutrina - o casamento gera a presunção da paternidade — pater is est quem nuptiae demonstrant — por presunção da coabitação e da fidelidade da mulher, ou, por outras palavras, porque a lei supõe relações sexuais entre os cônjuges e que a mulher as tenha tido somente com o marido (cf. Yussef Said Cahali, Dos alimentos, 3. cd., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 595).

• No entanto, a presunção constante do inciso II não faz qualquer sentido. A uma, porque a separação judicial, a nulidade do casamento e a anulação do casamento são, via de rega, precedidas de separação de fato entre os cônjuges , de modo que não podem os tenham havidos trezentos dias após as sentenças respectivas ser havidos presumivelmente como sendo do marido. A duas, porque, se o cônjuge simplesmente separado de fato pode constituir união estável (CC 1.723 § 1º) o filho havido da nova relação da mulher, nestas circunstâncias e diante deste dispositivo, será tido presumivelmente como de seu marido. Somente devem permanecer as presunções constantes dos incisos I, III, IV e V, com a sua devida renumeração. A presunção da paternidade em reprodução assistida é adequada aos avanços da ciência ocorridos nesta área. A palavra “fecundação” vem do latim — fecundatio, proveniente do verbo fecundare, que significa “fertilizar” —, sendo entendida como a fase de reprodução consistente na fertilização do óvulo pelo esperma. A palavra “inseminação” tem origem no verbo inseminare, composto por in — dentro — e semen — semente, de modo que significa a colocação do sêmen ou do óvulo fecundado na mulher No entanto, fecundação e inseminação, por meios artificiais, são utilizadas como expressões sinônimas. A fecundação ou inseminação homóloga é realizada com sêmen originário do marido, e a fecundação ou inseminação heteróloga é feita com sêmen de terceira pessoa. A fecundação ou inseminação artificial post mortem é aquela realizada com sêmen ou embrião conservado por meio de técnicas especiais, após a morte do doador do sêmen (v. Regina Beatriz Tavares da Silva, Responsabilidade civil do médico na inseminação artificial, in Responsabilidade civil médica, odontológica e hospitalar, coord. Carlos Alberto Bittar, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 33-57). Embrião é o ser oriundo da junção de gametas humanos, sendo que há basicamente dois métodos de reprodução artificial: método ZIFT, consistente na realização da fecundação fora do corpo da mulher (in vitm), e método GIFT, consistente na introdução de gameta. por meio artificial, no corpo da mulher, esperando-se que a própria natureza faça a fecundação. O embrião é excedentário quando é fecundado fora do corpo (in vitro) e não é introduzido prontamente na mulher, sendo armazenado por técnicas especiais (v. Mônica Sartori Scarparo, Fertilização assistida, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1991, p. 8-17; e Joaquim José de Souza Diniz, Filiação resultante da fecundação artificial humana, in Direitos de família e do menor, Belo Horizonte, DeI Rey, 1993, p. 46). O dispositivo traz solução às situações em que o filho é oriundo de fecundação ou inseminação artificial homóloga e heteróloga, inclusive após a morte do doador. Na fecundação homóloga considera-se, por presunção, filho do marido aquele concebido após a sua morte e aquele concebido a qualquer tempo sendo embrião (sedentário, e na fecundação heteróloga presume-se a filiação do marido desde que tenha havido o seu consentimento. Como acentua Zeno Veloso, “Seria antijurídico, injusto, além de imoral e torpe, que o marido pudesse desdizer-se e, por sua vontade, ao seu arbítrio, de fazer um vínculo tão significativo, para o qual aderiu, consciente e voluntariamente (Zeno Veloso, Direito brasileiro da filiação e da paternidade, São Nulo, Malheiros Ed., 1997, p. 151). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 813-14, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nas considerações gerais, apostas por Marco Túlio de Carvalho Rocha, o anteprojeto do Código Civil foi elaborado numa época em que o Direito de Família ocupava-se essencialmente do casamento. As demais formas de família eram marginais. Essa diferenciação resultou em verdadeira discriminação da lei, ao considerar a filiação sob o prisma matrimonial.

A interpretação da lei, levando-se em conta os princípios constitucionais, deve partir do estabelecimento da maternidade, a respeito do qual o Código é omisso. Presume-se que a mãe seja sempre conhecida: mater semper certa est. É crime abandonar filho (arts. 133, 134 e 243 do Código Penal), mas a mãe pode entregar a criança, ao nascer, à Vara da Infância e da Juventude (art. 13. ECA).

O parto anônimo já foi uma prática comum: entre 1825 e 1950, 4.696 bebês foram deixados na roda dos expostos na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (Turismo hospitalar. Folha de São Paulo, 12.12.2010, Caderno Saúde, p. 13). O parto anônimo é lícito na França:

“Verdade que o CC 56 exige que todo nascimento seja objeto de uma declaração junto ao oficial do estado civil no prazo de três dias. No entanto, por certo não é necessário indicar o nome da mãe e, por consequência, o nome do pai (CC 57, I c/c CC 323, I). O oficial do estado civil não pode empreender investigações de ofício. Em tal caso, o recém-nascido será inscrito no registo de nascimento, como nascido de pais desconhecidos. O Código da família e de ajuda social prevê regras particulares para a mãe que deseja conservar de modo durável seu ‘segredo de maternidade’ (CC 41, III) e entregar, em seguida sempre de maneira anônima, seu filho à assistência pública” (Frank, Rainer. La signification differente attachée a la filiation par se sang em Droit Allemand et Français de la famille, p. 637). A maternidade é estabelecida mediante: 

1 a) Declaração ao Oficial do Registro Civil (CC 1.603). É costume exigir-se do declarante a apresentação da “Declaração de Nascido Vivo” (DN), que as instituições de saúde estão obrigadas a fornecer ao Ministério da Saúde por força do art. 10, IV, do ECA. Tal documento, no entanto, não é legalmente necessário para o registro;  2 b) adoção; 3 c) Investigação judicial. O CC 1615 menciona essa possibilidade. O art. 364 do Código Civil de 1916, que cerceava a ação de investigação de maternidade não tem correspondente no Código Civil de 2002. Prazo de registro do nascimento: 15 dias (que pode ser ampliado até 3 meses e acrescido de 45 dias; art. 50 c/c art. 52, Lei n. 6.015 – Lei dos Registros Públicos). 

Ordem dos declarantes (art. 52): 1º) pai; 2º) mãe; 3º) parente mais próximo; 4º médicos e administradores de hospitais; 5º) pessoa idônea; 6º) pessoas encarregadas da guarda do menor.

O oficial pode verificar a existência do recém-nascido, diretamente ou por meio de atestado médico ou de testemunhas. Após o prazo de declaração, o oficial pode requerer ao juiz o esclarecimento do fato (art. 52, § 1º e § 2º, Lei n. 6015).

Se a mãe não for conhecida aplicam-se à criança as medidas de proteção previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90, arts. 98, 101, 90-97, 102).

Tradicionalmente, presume-se que o filho matrimonial tem como pai o marido de sua mãe: pater is est quem nuptiae demonstrant  ou simplesmente pater is est. 

No entanto, como assinala Luiz Felipe Brasil Santos, a Lei n. 8.560/92 revogou o art. 337 do CC/1916, que consagrava a presunção pater is est e não há no CC/2002 nenhum dispositivo equivalente ao art. 337 do CC/1916, razão pela qual entendeu o autor que a presunção está revogada (Santos, Luiz Felipe Brasil. A incerteza da paternidade (certa): a presunção pater es está abolida. Boletim IBDFam, n. 31, ano 5, mar/abr. 2005, p. 5).

A presunção de que o filho é matrimonial possibilita o registro do filho em nome do marido da mulher, independentemente de manifestação deste. Se se admitir a revogação da regra, como se impõe, os filhos matrimoniais, tal como os não-matrimoniais somente devem ter o reconhecimento da paternidade mediante reconhecimento voluntário ou forçado. 

2. Favor matrimonialis. O legislador parte da presunção de que o prazo mínimo de gravidez viável é de 180 dias. Portanto, se uma mulher dá à luz 180 dias após ter se caso é possível que o filho tenha sido concebido durante o casamento. Na ultrapassada tradição que inspirou o Código civil, o legislador dá a este filho a condição de filho matrimonial (favor matrimonialis).

3. 300 dias é o tempo máximo de gravidez admitido pelo legislador. Assim, se um filho nasce da mulher até o referido limite temporal após a dissolução da sociedade conjugal, é possível que a concepção tenha ocorrido dentro do casamento. Por esse motivo, o legislador estende a ele a presunção de filho matrimonial.

4. Filhos provenientes de fecundação homóloga. Fecundação homóloga é a realizada com o material genético do próprio casal. Óvulo e espermatozoides pertencem ao próprio casal. Filho nascido em tais condições é considerado filho do casal. O dispositivo é falho. Ele se situa em artigo relativo à presunção da paternidade matrimonial. Sobre filho concebido em circunstâncias, no entanto, nenhuma presunção pode ser estabelecida. Presunção é forma de raciocínio que permite afirmar uma realidade desconhecida a partir de uma realidade conhecida. Nascida uma criança, quanto mais depois de morto o marido, ultrapassado o prazo de 300 dias do inciso anterior, nenhuma presunção se pode estabelecer quanto a ser o falecido seu genitor. Será necessário exame genético que comprove o vínculo. Portanto, presunção não haverá. 

5. O dispositivo é duplamente falho. A “concepção artificial homóloga” deve ser provada, o que afasta a presunção. Além disso, a hipótese está incluída na do inciso III, que, igualmente, é írrita, por não traduzir nenhuma hipótese de presunção. 

6. Filhos provenientes de reprodução assistida heteróloga. A reprodução heteróloga ocorre com a utilização de material genético de terceiro: a doação de óvulo ou de sêmen, uma vez que a doação seja aceita pelo casal, marido e mulher assumem a condição de pais. Não é, tampouco, caso de “presunção”, mas decorrência da autonomia da vontade legalmente reconhecida. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.597, acessado em 30.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.598. Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do CC 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1.597.

Não endossando o artigo em comento, Marco Túlio de Carvalho Rocha comenta  que a presunção de que os nascidos durante o casamento são filhos do marido da mulher possibilita que haja um choque quando ocorra a contração de novo vínculo matrimonial pouco tempo após a extinção do matrimonio anterior.

Se uma mulher torna-se viúva, vem a se casar com menos de 300 dias do casamento anterior e dá à luz criança após o matrimonio completar 180 dias as presunções de filiação em favor do primeiro e do segundo maridos se chocam. O primeiro será, presumivelmente, o pai, porque, o filho terá nascido antes de 300 dias da dissolução do casamento (CC 1.597, II); o segundo será presumivelmente o pai, porque terá nascido após mais de 180 dias do início de seu casamento (CC 1.597, I).

A esse choque de presunções dá-se o nome de turbatio sanguinis, ou confusão de sangue. O CC 1.598 visa estabelecer critério para solucionar esse conflito: a filiação será atribuída ao primeiro marido se não ultrapassados os 300 dias desde a dissolução do primeiro casamento.

A solução legal coaduna com a causa suspensiva do casamento prevista no CC 1.523, II, que tem justamente a finalidade de impedir a confusão de sangue, tanto que o parágrafo único deste artigo permite o casamento mediante prova de não-gravidez ou do nascimento de filho.

As presunções de paternidade previstas nos incisos I e II do CC 1.597 têm por base o estabelecimento do vínculo de filiação segundo o parâmetro biológico. A facilidade de verificação do liame biológico mediante teste de DNA tornou esse sistema de presunções arcaico. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.598, acessado em 30.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Igualmente a dúvida de Milton Paulo de Carvalho Filho, ao comentar o CC 1.598. O dispositivo visa estabelecer presunções que solucionem eventual conflito a respeito da paternidade de criança nascida de mulher viúva ou separada judicialmente que volte a se casar. Se a mulher se casar novamente antes de dez meses contados de sua viuvez, anulação ou declaração de nulidade (art. 1.523, II, do CC), presumir-se-á que o filho que vier a ter é de seu primeiro marido, se nascer dentro de trezentos dias posteriores ao falecimento deste. Caso venha a nascer após esse prazo, e ultrapassados 180 dias do estabelecimento da nova convivência conjugal (CC 1.597, I), a presunção será de que o filho é do segundo marido. Embora o dispositivo só mencione a presunção de paternidade no caso de nascimento posterior a trezentos dias do falecimento do primeiro marido, como o CC 1.523, II, que também se refere à separação, é de se considerar excluída a presunção também se tratar de invalidação. 

Não se pode deixar de notar que o sistema de presunção não prevalecerá diante da prova técnica, que, nos tempos atuais, permite com segurança identificar a paternidade sem necessidade de partir de critérios meramente originados de presunção. A investigação do DNA, por exemplo, pode conferir praticamente 100% - mais exatamente 99,99% - de certeza ao reconhecimento ou à exclusão da paternidade, conforme observa Arnaldo Rizzardo (Direito de família. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 489). No mesmo sentido é a lição de Quo Mário da Silva Pereira: “Quer dizer: não poderá ser admitida a relação jurídica da paternidade em face de concluir a prova científica pela impossibilidade da filiação biológica” (Reconhecimento de paternidade e seus efeitos, 3. ed. Rio de Janeiro, Forense, p. 125). Arnaldo Rizzardo também observa com acerto que “o Código de 2002, primando pela objetividade, dá ensejo à prova da impossibilidade da concepção através da relação com o marido ou o companheiro porque inexistia a união na época, ou porque presente qualquer fator impossibilitante da relação sexual” (op. cit., p. 425).

A presunção oriunda desse dispositivo não incide nos casos de fecundação artificial homóloga, com a utilização do sêmen do primeiro marido, nos casos em que ela se verificar após trezentos dias contados de sua morte. Do mesmo modo, não se aplica aos casos em que a concepção se dá após trezentos dias da dissolução da sociedade conjugal com embriões excedentários. A norma em exame deve ser aplicada em relação às uniões estáveis, na medida em que elas também podem dar origem ao conflito de paternidades entre duas uniões, ou entre uma união posterior a um casamento, ou a um casamento posterior a uma união. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.758.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua Tese “Da prova dos negócios jurídicos”, Gilmar Ferreira Mendes, atesta as presunções legais dividirem-se em presunção relativa ou presunção absoluta: no primeiro caso, também chamada presunção iuris tantum, admite-se a prova em sentido contrário; no segundo, também denominada presunção iuris et de jure, não se afigura suscetível de refutação. O art. 1597 do Código Civil consagra regras relativas à presunção de paternidade, estabelecendo que presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos (a) nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; (b) nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação de casamento; (c) havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; (d) havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga; (e) havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. O CC 1598 estabelece, ainda, que “salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do CC 1.523 -- dez meses --, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo marido, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do CC 1.597 -- cento e oitenta dias.” Os artigos 1.599, 1.600 e 1.602 contêm, igualmente, normas ligadas à presunção da paternidade e à sua eventual superação: -- A prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da concepção, ilide a presunção de paternidade (CC 1.509); -- Não basta o adultério da mulher , ainda que confessado para ilidir a presunção legal de paternidade (CC 1.600); -- Não basta a confissão materna para excluir a paternidade (CC 1.602). Outras vezes, a lei, mediante norma de caráter interpretativo, consagra a negação da presunção. É o que se verifica no CC 265, segundo o qual a “solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”.

Como se pode depreender, o novo Código Civil brasileiro manteve a tradição da disciplina da matéria relativa às provas também no direito material. É inegável que o direito civil continua a ter, na expressão de Konrad Hesse, significado especial para a preservação e a garantia da personalidade do homem, para sua autodeterminação e responsabilidade própria. É certo, porém, que esses valores desenvolvem-se hodiernamente dentro de marcos institucionais muito mais claros, como princípio da dignidade humana, o devido processo legal, a liberdade de exercício profissional, o direito de não se incriminar e outros. Tal como observa Hesse, a autonomia privada e sua manifestação mais importante - a liberdade de contratar -, encontram seus fundamentos e seus limites na própria ideia de personalidade. Elas pressupõem a igualdade jurídica e fática dos interessados. Na ausência desses pressupostos, a autonomia privada de um conduz à falta de liberdade do outro. Assim, cabe à regulação estatal especial e à própria interpretação estabelecerem o necessário equilíbrio entre polos em eventual ou inevitável tensão dialética. Parece inegável que a disciplina sobre as provas do negócio jurídico no Código oferece rara oportunidade ao intérprete de buscar a aplicação equilibrada dos diversos princípios em jogo. (Gilmar Ferreira Mendes, tese defendida em slides “Da prova dos negócios jurídicos”, no site www.portaldeperiod cos.idp.edu.br comentário relativo ao CC 1.598,  acessado em 30.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).