sexta-feira, 2 de julho de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.788, 1.789, 1.790 Do Direito das Sucessões - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.788, 1.789, 1.790
Do Direito das Sucessões - VARGAS, Paulo S. R.
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Livro V – Do Direito das Sucessões - Título I – Da Sucessão em Geral
– Capítulo I – Disposições Gerais - (Art. 1.784 a 1.790)

 

Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.

Na interpretação do relator, porém, pode haver testamento e este não compreender Iodos os bens do de cujus. Quanto aos bens não mencionados pelo testador, a sucessão será legítima. Os herdeiros legítimos, segundo a ordem da vocação hereditária, ficarão com a parte da herança de que o testamento não tratou (CC1.906).

Neste caso, a sucessão será, a um só tempo, legítima e testamentária , e nosso direito se afasta do direito romano, que não admitia a coexistência das duas espécies de sucessão — nemno pro parte testatus et pm parte tntestatus decedere potesi (ninguém pode falecer em parte com testamento e em parte intestado). Se o testador, por exemplo, tivesse nomeado um herdeiro para a metade dos seus bens, a outra metade não iria caber aos herdeiros legítimos do testador, mas ao próprio herdeiro instituído no testamento (Inst., Liv. 2. Tít. XIV, § 59.

Na sua parte final, o CC 1.788 estabelece que subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar ou for julgado nulo. Neste ponto, o novo Código Civil incorre na erronia já verificada no Código Civil de 1916. Nada justifica que a correção não tenha sido feita. Analisando o art. 1.575 do Código Civil de 1916 - que equivale à parte final do art. 1.788 -, Clóvis Beviláqua expõe que sua redação é censurável por discrepar da técnica jurídico, e por não dar ao pensamento da lei toda a extensão necessária. O pecado técnico, diz Clóvis, está em usar do vocábulo “nulo” para significar nulo e anulado; a insuficiência da expressão consiste em reduzir a ineficácia do testamento aos casos de caducidade e nulidade, deixando de mencionar, como se estivessem contidas nessas palavras, as ideias de ruptura e anulação (Código Civil comentado, 3. Art., Livraria Francisco Alves, 1933, v. 6, p. 10).

Realmente, o testamento pode ser nulo e anulável, “e estas são espécies de invalidade. Mas o testamento pode ser ineficaz porque caducou ou em razão de rompimento...”

Rompe-se o testamento quando sobrevém descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando testou, se esse descendente sobreviver ao testador (art. 1973), ou se o testamento foi feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários (art. 1974).

Caducidade ocorre quando o testamento, embora válido, perde a sua eficácia em decorrência de um fato posterior, como, por exemplo, se o herdeiro nomeado falecer antes do testador, ou se for incapaz ou for excluído, ou se renunciar (art. 1.971); se a instituição estava subordinada a uma condição e esta não se verificou; se o testador não morrer na viagem, nem nos noventa dias subsequentes ao seu desembarque, onde possa fazer outro testamento, no caso dos testamentos marítimo e aeronáutico (art. 1.891), ou se o testador estiver, depois de feito o testamento militar, noventa dias seguidos, em lugar onde possa testar na forma ordinária, salvo se o testamento apresentar as solenidades prescritas no parágrafo único do art. 1.894 (art. 1.895). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 920, CC 1.788, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 02/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Thiago Baldo fala sobre a “Multiparentalidade e direito sucessório dos ascendentes”, publicado no site Jusbrasil.com.br, em abril de 2021: O (CC 1786) traz que “a sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade”. Ou seja, no direito sucessório brasileiro a sucessão pode ocorrer em duas vertentes, mediante testamento e sem testamento, também chamada de sucessão legítima.

 

De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2019 p. 188) “sucessão legítima, também denominada ab intestato, é a que opera por força de lei e que ocorre em caso de inexistência, invalidade ou caducidade de testamento e, também, em relação aos bens nele não compreendidos”.

 

Com isso, o (CC 1788) traz que “Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo”. Ou seja, a sucessão legítima tem um caráter subsidiário, pois é a lei que o designa; já a sucessão testamentária o sucessor é declarado no testamento, sua existência não exclui a sucessão legítima.

 

Deste modo, Carlos Roberto Gonçalves (2019 p. 190) traz que, “Herdeiro legítimo é a pessoa indicada na lei como sucessor nos casos de sucessão legal. Herdeiro testamentário é o sucessor a título universal nomeado em testamento”. Importante ressaltar, que os herdeiros legítimos, subdividem em “necessários, que não podem ser privados da herança” dos “facultativos”.


Classificam no atual Código Civil como herdeiros necessários, os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, sendo a parte que lhes cabe reservada pela lei e que constitui a metade dos bens do falecido chamada de legítima (GONÇALVES 2019). (Thiago Baldo fala sobre a “Multiparentalidade e direito sucessório dos ascendentes”, publicado no site Jusbrasil.com.br, em abril de 2021, CC 1788, acessado em 02/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Estudando Guimarães e Mezzalira, tem-se como regra geral, morrerem as pessoas sem ter feito testamento. Chama-se “sucessão ab intestato”. Há um pressuposto que o testamento poderá dificultar a partilha e os filhos devem receber igualmente. Essa regra é relativa. Nem sempre os filhos tratam os pais com o mesmo amor e dedicação, merecendo alguns uma parcela a mais. Se não houve testamento, os herdeiros receberão igualmente, dentro da regra maior: o chamamento pelas classes.

Pode ocorrer, no entanto, que seja feito o testamento, ou mais de um, até. Os bens serão divididos em duas partes: porção disponível e porção indisponível. Se o titular do patrimônio fizer seu testamento, utilizando somente parte do que poderia dispor livremente, o remanescente será somado à porção indisponível e dividida em partes iguais.

Finalmente os bens são arrecadados. Os frutos naturais serão distribuídos na herança para os herdeiros legitimários ou legítimos, até a morte do titular do patrimônio. Os frutos civis, em havendo legatário, ser-lhe-ão entregues, após o óbito. (MERZ, Sandro. Sucessioni, Milão: CEDAM, 2011, p. 222).

Jurisprudência: Direito civil. Sucessões. Usufruto vidual. Exclusão testamentária. Prevalência. – O art. 1.574 do CC/16, estabelece que, na hipótese de morrer a pessoa sem testamento, transmite-se a herança a seus herdeiros legítimos. – Se houver disposição testamentaria, resguardada a legítima aos herdeiros necessários, prepondera a última vontade transmitida pelo testador, notadamente quando manifestada por meio de testamento público, com o cumprimento de todos os requisitos e solenidades legalmente previstos no art. 1,632 e ss do CC/16. – O testamento é a expressão da liberdade no direito civil, cuja força é o testemunho mais solene e mais grave da vontade íntima do ser humano. – Se, ao dispor de seu patrimônio por meio de testamento público, silencia o testador a respeito do cônjuge que a ele sobreviver, opera-se a exclusão deste, conforme disposto no art. 1.725 do CC/16, o que se contrapõe, diretamente, ao direito de usufruto pleiteado pelo viúvo com base no art. 1.611, § 1º, do mesmo Código, que não deve ter guarida na hipótese; sobrepõe-se, dessa forma, a vontade explícita do testador em excluir o cônjuge sobrevivente da sucessão, ao direito de usufruto pleiteado pelo viúvo, que somente seria resguardado se não houvesse a referida disposição testamentária. Recurso especial provido. (STJ-REsp 802.372/MG, rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 16/09/2008, Dje 10/12/2008). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.788, acessado em 02/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.

Como aponta a doutrina do relator Ricardo Fiuza, o art. 1.845 enuncia que são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, e inova com relação ao art. 1.721 do Código Civil de 1916, que considerava herdeiros necessários apenas os descendentes e os ascendentes. Em complemento, o art. 1.846 dispõe que pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.

Entre os herdeiros legítimos indicados no art. 1.829, seja herdeiros necessários ou reservatários, o testador só pode dispor, se tiver tais herdeiros; da metade de seus bens — parte disponível —, pois a outra metade é a legítima, a quota do patrimônio destinada, obrigatoriamente, a esses herdeiros forçados. Os colaterais, por sua vez, são herdeiros facultativos: para excluí-los da sucessão, basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar (art. 1.850). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 921, CC 1.789, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 02/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Aponta Thiago Baldo, a luz do CC 1789 traz que “havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”. Com isso, o ilustre Carlos Roberto Gonçalves (2019 p. 190) ressalta que “havendo herdeiros necessários, a liberdade de testar é restrita à metade disponível; havendo somente herdeiros facultativos, é plena. Todo herdeiro necessário é legítimo, mas nem todo herdeiro legítimo é necessário”.

 

O (CC 1787) mostra que “Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela”. Ou seja, no momento da morte do de cujus que se apuram os legitimados para suceder, pois é nesse instante que o patrimônio se transmite automaticamente, pelo princípio da saisine, aos herdeiros legítimos e testamentários (GONÇALVES 2019).

 

Código Civil diz que para reger o patrimônio do de cujus, que certas classes sucessórias beneficiadas, seguem uma relação preferencial denominada de “ordem de vocação hereditária”; essa atribuição é feita por classes, de modo que a classe mais próxima exclui a classe mais remota “posterior”.

 

Em complemento a isso, no interior da classe sucessória existem os graus, também atendidos na sequência dos mais próximos, para os mais remotos; assim por exemplo: o descendente afasta o ascendente; e dentre os descendentes o filho de primeiro grau afasta o neto “segundo grau”.


É importante deixar claro, que a sucessão legítima, deve ser deferida às seguintes categorias de herdeiros: “descendentes, em concorrência com cônjuge ou companheiro sobrevivente”, desde que o regime de casamento ou união estável tenha sido a separação convencional, a participação final nos aquestos ou a comunhão parcial com bens particulares do de cujus; “ascendentes, em concorrência com o cônjuge ou companheiro sobrevivente não importa o regime de bens”; “cônjuge ou companheiro sobrevivente”; “colaterais até o quarto grau”; e por fim o “ente público”. (Thiago Baldo fala sobre a “Multiparentalidade e direito sucessório dos ascendentes”, publicado no site Jusbrasil.com.br, em abril de 2021, CC 1.789, acessado em 02/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Complementando Guimarães e Mezzalira, quando há herdeiros necessários, a liberdade de testar do autor da herança estará restrita à metade, porque a lei reserva cinquenta por cento (metade) para esses herdeiros legitimários. Não os havendo, a liberdade de testar é ilimitada, mesmo que muitos sejam os colaterais. Aliás, os herdeiros necessários são sempre legítimos, mas nem todos os legítimos são necessários.

Em alguns países a liberdade de testar é ampla, praticamente sem limites; outros povos reservam porcentagens para os necessários. Na situação atual do Brasil, podemos dizer que o cônjuge sobrevivente passou a receber ais que nos países europeus, cujas legislações inspiraram o projeto que deu origem ao texto final.

“A plena liberdade de testar”, observa Diogo Leite Campos, “encontra amparo no afrouxamento dos laços familiares, pois contribui para um processo de perda significativa do patrimônio da família, gerando maior autonomia patrimonial, e diminuindo as razões de expectativa hereditária entre parentes mais próximos”.

Jurisprudência: Ementa. Apelação Cível. Anulação de testamento. Legítima. Alegado excesso de disposição testamentária. Pedido de redução. Descabimento. Ausência de prova do valor do patrimônio a ser aferido no momento da liberalidade. Sentença reformada. – Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor de metade da herança. É nula a doação da parte que exceder a parte disponível da herança. Todavia, deve ser observado, para apurar o eventual excesso, o valor do patrimônio no momento da liberalidade. (TJMG – Apelação Cível 1.0511.04.000200-4/001, relator: Des. Armando Freire, 1ª Câmara Cível. Julgamento em 25/03/2014, publicação da súmula em 03/04/2014). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.789, acessado em 02/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I -  se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

No entendimento dos autores Guimarães e Mezzalira, este é um dos artigos que gerou maior controvérsias. O projeto de Código Civil ficou pronto antes da constituição da República de 1.988, e os direitos do companheiro eram bem restritos.

Hoje, porém, largo passo foi dado e o companheiro concorre quase igual ao cônjuge supérstite. O primeiro detalhe está no caput do artigo. Quer na meação, quer na herança, o companheiro somente terá direito naqueles bens que tiverem sido adquiridos na constância da união estável e a titulo oneroso. Esse é o grande limite e o pomo da discórdia entre os autores.

Dessa forma, se o de cujus tinha determinado patrimônio, constituído antes da união estável, o companheiro não participará dessa parcela, mesmo que não haja herdeiros legítimos. Ridículo ou não, essa parcela tornar-se-á herança jacente.

Porém, em havendo companheiro e descendentes comuns, i.é, filhos do falecido e do sobrevivente, o companheiro receberá parte igual àquela destinada aos filhos, no tocante aos bens havidos na constância da união estável.

Se o de cujus tinha descendentes antes da união estável, o companheiro concorrerá com os filhos daquele, recebendo, contudo, metade da parcela que tocará a cada filho..

A pior das hipóteses não foi mencionada na lei: há filhos exclusivos do falecido e filho comuns. Com os filhos comuns o companheiro receberá parte igual, mas com os filhos exclusivos, somente metade. A explicação é simples, mas, na prática, um enorme cálculo, para que não haja desrespeito à lei.

Não havendo descendentes, o companheiro concorrerá com os ascendentes ou com os colaterais. Nessa hipótese, o companheiro receberá um terço e os outros dois terços serão divididos entre os ascendentes ou os colaterais. Esse foi um retrocesso do Código Civil, o que pode ser comparado com comentário emitido no CC 1.787.

Há, em suma, duas divisões, se existiu um patrimônio do de cujus antes da união estável. Os bens havidos a título oneroso, na constância da união, terá a participação do companheiro; os bens que os houve o falecido, antes da união, ficará para os seus descendentes ascendentes ou colaterais.

O CC 1.790 tem sido combatido por doutrinadores, contestado como inconstitucional. (Teixeira, Ana Carolina Brochado e Ribeiro, Gustavo Pereira Leite (coordenadores) Manual do direito da Família e Sucessões. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008, Nevares, Ana Luiza Maia, ob. cit. p. 707).

Ainda recentemente, o STJ decidiu pela aplicação da norma, tal qual se encontra. Estudiosos do Direito das famílias propugnam por sua revogação, querendo igualar companheiro e cônjuge, o que não foi feito na Carta Magna. O § 3º do art. 226 revela duas situações e estabelece sua primazia. Se o legislador constitucional definiu e o texto foi aprovado, promulgado e vigora, longe de nós participar dessa apaixonada discussão jurídica.

Renata Zeno Velo diz que podem os companheiros viverem em cidades diferentes, afastadas, mas esse detalhe deve ser visto com cautela, porque os aviões a jato percorrem imensas distancias em poucas horas. Vivendo uma delas em Porto alegre e a outra em Belo Horizonte, sabe-se que a distancia não será empecilho. O que interessa é a afetividade, o sentimento de lar, a formação de família. (Velos, Zeno, Direito Brasileiro da Filiação e Paternidade. São PAULO: Malheiros, 1999, p. 59). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.790, acessado em 02/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Historicamente, este artigo não constava no Projeto de Lei n. 634/75, e foi acrescentado por emenda do Senador Nélson Carneiro. Não tem correspondente no Código Civil de 1916. Ver Lei n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994, art. 2º.

De acordo com a visão do relator, Deputado Ricardo Fiuza, este artigo está mal localizado, pois integra o capítulo das Disposições Gerais da sucessão em geral, e de disposições gerais não trata, como se conclui à simples leitura do dispositivo. Ele regula a sucessão decorrente da união estável, e devia estar no Título II — Da Sucessão Legítima, Capítulo 1 — Da Ordem da Vocação Hereditária.

Além disso, o art. 1.790 do Código Civil modifica completamente a sucessão entre companheiros, se comparado com a legislação até então em vigor — Leis n. 8.971/94 e 9.278/96—, e não havia razão para mudança de atitude tão radical do legislador.

As famílias constituídas pelo afeto, pela convivência, são merecedoras do mesmo respeito e tratamento dados as famílias matrimonializadas. A discriminação entre elas ofende, inclusive, fundamentos constitucionais.

O companheiro e a companheira ficam em situação de extrema inferioridade, quanto à sucessão, diante do marido e da mulher. Note-se que a herança que pode caber ao companheiro sobrevivente é limitada aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, o que representa uma restrição de calado profundo.

Creio ser de toda conveniência promover-se uma reforma legislativa, alterando o art. 1.790, para que a sucessão entre companheiros seja regulada de forma idêntica à sucessão entre cônjuges, dada a evidente paridade das situações.

Reconheço, todavia, que essa paridade tem sido questionada, alegando alguns autores que não é de boa política legislativa igualar a situação dos cônjuges com a dos companheiros.

Em muitos momentos de sua gloriosa luta em prol do desenvolvimento e das reformas do direito de família, o saudoso Nélson Carneiro teve de ser prudente, humilde, aceitar avanços que não eram tão significativos, rendendo-se às circunstâncias, às possibilidades do momento.

Sugestão legislativa: Consciente disso, e considerando o posicionamento assumido no Congresso Nacional, em vez de oferecer ao Deputado Ricardo Fiuza minha própria proposta, vou apresentar — com algumas alterações, a meu ver necessárias — a que foi oferecida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família — IBDFAM, colocando-a de acordo com as limitações à concorrência dos cônjuges com os descendentes (CC 1.829) e com a emenda que estou propondo ao CC 1.831, que regula o direito real de habitação. Transijo, enfim, para que o art. 1.790 não fique como está. Pelo exposto, CC 1.790 deveria ter a seguinte redação: 

Art. 1. 790 O companheiro participará da sucessão do outro na forma seguinte: I — em concorrência com descendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes, salvo se tiver havido comunhão de bens durante a união estável e o autor da herança não houver deixado bens particulares, ou se o casamento dos companheiros, se tivesse ocorrido, observada a situação existente no começo da convivência, fosse pelo regime da separação obrigatória (CC 1.641);

II — em concorrência com ascendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes; 

III — em falta de descendentes e ascendentes, terá direito a totalidade da herança.

Parágrafo único. Ao companheiro sobrevivente, enquanto não constituir nova união ou casamento, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 921-22, CC 1.789, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 02/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Consumando Thiago Baldo - Da ordem da vocação - Como dispõe o (CC 1829) a seguinte ordem “A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (CC 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais”.

 

Importante deixar claro, que Carlos Roberto Gonçalves (2019 p. 195) traz que “a sucessão que não obedecer à referida ordem preferencial é considerada anômala ou irregular”. Segundo assinala BARASSI, citado por Carlos Roberto Gonçalves (2019 p. 197) “a lei prefere os descendentes aos ascendentes por óbvias razões de continuidade da vida humana, a qual deve alicerçar-se sobre energias novas e vigorosas”.

 

Sucessão dos Descendentes, e a Parentalidade Socioafetiva - Como denota o (CC 1835) “Na linha descendente, os filhos sucedem por cabeça, e os outros descendentes, por cabeça ou por estirpe, conforme se achem ou não no mesmo grau”. Conforme o professor Carlos Roberto Gonçalves (2019 p. 198).

 

Sendo três os filhos herdeiros, por exemplo, todos recebem quota igual (sucessão por cabeça ou direito próprio), porque se acham à mesma distância do pai, como parentes em linha reta. Se um deles já faleceu (é premorto) e deixou dois filhos, netos do de cujus, há diversidade em graus, e a sucessão dar-se-á por estirpe, dividindo-se a herança em três quotas iguais: duas serão atribuídas aos filhos vivos e a última será deferida aos dois netos, depois de subdividida em partes iguais. Os últimos herdarão representando o pai premorto.

 

Com isso, há aos descendentes o direito à legítima, pertencendo-lhes, pleno jure, metade da herança; havendo na doutrina há possibilidade do reconhecimento da dupla parentalidade ou da multiparentalidade, baseada na socioafetividade (GONÇALVES 2019).

 

De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2019 p. 200), a multiparentalidade, que “pode não ser assim tão benéfica, seja à pessoa do filho, seja à própria sociedade, visto que, através desta, poderia o filho pleitear pensão alimentícia de dois pais ou duas mães, aumentando os recursos de sua sobrevivência, e também poderia pleitear direitos sucessórios aumentados, tendo em vista a duplicação de genitores. Entretanto, tendo em vista a bilateralidade das ações de família, o filho também teria dever de sustento de um maior número de genitores, os quais poderiam também requerer a guarda do filho e ainda teriam direitos sucessórios quando de sua pré-morte.”

 

Importante mencionar o julgado do (STF, RE 898.060-SC, rel. Min. Luiz Fux, j. 21-9-2016) veja: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, salvo nos casos de aferição judicial do abandono afetivo voluntário e inescusável dos filhos em relação aos pais”. Com isso, a referida decisão admitiu a multiparentalidade, com a manutenção dos pais afetivos e biológicos; deste modo proclamou a referida Corte que a existência de pai socioafetivo não tira deveres do pai biológico, como o de pagar alimentos (GONÇALVES 2019).

 

Dentre todos os posicionamentos da doutrina e na jurisprudência ficamos com o posicionamento do (STF, na RE 898.060-SC), sendo claro que a soma de uma paternidade socioafetiva, juntamente com uma paternidade biológica, traz a existência jurídica da multiparentalidade; mostrando uma avanço nas relações de família da sociedade brasileira, e com isso, diminuindo a discriminação e preconceitos existentes em nossa sociedade que foi por muitos anos inócua  para as relações da paternidade socioafetiva.

 

Por fim, o (CC 1.834) traz que “Os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes”.

 

Sucessão dos Ascendentes - De acordo com o (art. 1836) “Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente. E o parágrafo primeiro traz que “Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas”. E o parágrafo segundo “Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna”.

 

Em referência a isso o (CC 1852) traz que “O direito de representação dá-se na linha reta descendente, mas nunca na ascendente”. De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2019 p. 222).

 

Há, nessa espécie de sucessão, uma combinação de linhas e graus. O grau mais próximo exclui o mais remoto (proximior excludit remotiorem), sem distinção de linha. Se não há prole, herdam os genitores do falecido, em partes iguais, por direito próprio (iure proprio). Se apenas um está vivo, recebe a totalidade da herança, ainda que estejam vivos os pais do genitor falecido (avós do de cujus), pois na linha ascendente, como mencionado, não há direito de representação. Se ambos faltarem, herdarão os avós da linha paterna e materna; na falta deles, os bisavós, e assim sucessivamente.

 

O (Enunciado 642 da VIII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal), traz que “Nas hipóteses de multiparentalidade, havendo o falecimento do descendente com o chamamento de seus ascendentes à sucessão legítima, se houver igualdade em grau e diversidade em linha entre os ascendentes convocados a herdar, a herança deverá ser dividida em tantas linhas quantos sejam os genitores”.

 

Por fim, o (CC 1828) traz que “Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau”. Carlos Roberto Gonçalves (2019 p. 223) ensina que “o viúvo, portanto, terá direito: a) a um terço, se concorrer com os pais do falecido; b) à metade, se concorrer com um dos pais (por falta ou exclusão do outro); e c) também à metade, se concorrer com avós ou ascendentes de maior grau”.

 

Sucessão do Cônjuge ou companheiro sobrevivente como traz o (CC 1838) “Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente”. O cônjuge é herdeiro necessário e por isso já tem assegurada a metade da herança, além de concorrer com os descendentes “conforme o regime de bens” e com os ascendentes “em todos os casos”.

 

Além disso (CC 1.830) “Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente”.

 

Carlos Roberto Gonçalves (2019 p. 225) denota que o direito sucessório do cônjuge, todavia, só estará afastado depois de homologada a separação consensual ou passada em julgado a sentença de separação litigiosa ou de divórcio direto, que só produz efeitos ex nunc, ou ainda depois de lavrada a escritura pública de separação ou divórcio consensuais, que produz seus efeitos imediatamente, nos termos do art. 733 do diploma processual civil de 2015. Veja o entendimento da T 3 - TERCEIRA TURMA sobre o tema:

 

Agravo Interno no Recurso Especial. Direito de Sucessão. 1. Art. 1.790I e II, Do Código Civil. Inconstitucionalidade Declarada pelo STF. Incidência do CC 1.829. Ao Casamento e à União Estável. Equiparação. Ausência de Ascendentes e Descendentes do de Cujus. Companheira. Totalidade da Herança. Precedentes. 2. Multa. Não Cabimento. 3. Agravo Interno Desprovido.

 

Conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 878.694/MG (Tema 809 de Repercussão Geral), é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime do CC1.829 do CC/2002.

 

Inexistindo descendentes e ascendentes, a sucessão se dará por inteiro ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, ressalvada disposição de última vontade. 2. O mero não conhecimento ou improcedência de recurso interno não enseja a automática condenação à multa do art. 1.021§ 4º, do NCPC, devendo ser analisado caso a caso. 3. Agravo interno desprovido.

 

Importante salientar, como ensina Carlos Roberto Gonçalves (2019 p. 225) são requisitos para o cônjuge ter direito à herança, em resumo: a) que não esteja divorciado nem separado, judicial ou administrativamente; b) que não esteja separado de fato há mais de dois anos do finado, ou c) que prove ter-se tornado impossível a convivência, sem culpa sua, se estiver separado de fato há mais de dois anos do falecido.

 

Por fim o (CC 1.831) traz que “Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.

 

Em se tratando da união estável (CC 1790) traz que “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

 

Com isso, o companheiro foi equiparado ao cônjuge na ordem de vocação hereditária, há divergência na doutrina que essa equiparação sucessória não garante a companheiro a condição de herdeiro necessário, regulada em outro dispositivo, ficamos com a primeira posição de que a condição de companheiro é de herdeiro necessário. (Thiago Baldo fala sobre a “Multiparentalidade e direito sucessório dos ascendentes”, publicado no site Jusbrasil.com.br, em abril de 2021, CC 1.790, acessado em 02/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


quinta-feira, 1 de julho de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.785, 1.786, 1.787 Do Direito das Sucessões - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com

Direito Civil Comentado – Art. 1.785, 1.786, 1.787
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Livro V – Do Direito das Sucessões - Título I – Da Sucessão em Geral
– Capítulo I – Disposições Gerais - (Art. 1.784 a 1.790)

 

Art. 1.785. A sucessão abre-se no lugar do último domicilio do falecido.

Na visão do relator Ricardo Fiuza, a sucessão se abre no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicilio do falecido.

• O domicilio da pessoa natural, segundo o art. 70, é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Independentemente do lugar onde estão os bens ou do local em que o óbito ocorreu, o último domicílio do falecido é o foro da sucessão. Aí deve ser aberto o inventário e promovida a partilha. Em regra, todos os processos relativos à herança, ou entre os coerdeiros, legatários e terceiros, devem ser ajuizados no foro da sucessão. Nas ações em que o espólio for réu é competente o foro do inventário.

• A regra do CC 1.785 é, praticamente, universal, e já constava no art. 1.578 do Código Civil de 1916. O disposto no art. 1.785 deve ser complementado com o art. 96, caput, do CPC/1973, com correspondência no art. 48 do CPC/2015, que enuncia: “O foro do domicilio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade e todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro”.

• O CPC, no parágrafo único do artigo 48, prevê que é, porém, competente o foro: 1 — da situação dos bens, se o autor da herança não possuía domicílio certo; II — havendo bens imóveis em foros diferentes, qualquer destes; III – não havendo bens imóveis, o foro do local de qualquer dos bens do espólio. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 919, CC 1.785, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/06/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Guimarães e Mezzalira, a regra contida nesse artigo é interessante e muito prática. O lugar do falecimento não é tão importante como o do último domicilio. Simples exemplo ilustra: diga-se que o Sr. Antonio vivesse em Belo Horizonte, onde tinha seu centro de atividades. Acometido de forte dor no coração, pelo seu médico, foi encaminhado para o Hospital do Coração em são Paulo. Submetido a uma cirurgia, não resistiu à dose de anestesia e veio a falecer. Então o local do falecimento é o de São Paulo, mas seu último domicilio é Belo Horizonte, local onde será aberto o processo de inventário.

Consoante o artigo 48 do CPC, já mencionado acima, se o falecido não tinha domicílio certo, os herdeiros podem optar fazer o inventário no foro da situação dos bens, escolher um deles, desde que os bens estejam em várias cidades. Se ele não deixou bens imóveis, mas, tão somente aplicações bancárias, qualquer deles é o competente para o processo judicial ou para o inventario administrativo.

Jurisprudência: Ementa: Apelação Civil. Ação de Inventário. Foro Competente. Domicilio do De Cujus. O juízo competente para a ação de inventário é, primeiramente, o do domicilio do de cujus. Não possuindo domicilio certo, será o da situação dos bens. Por último, se não tinha domicilio certo e possuía bens em diversos lugares, será o do local do seu óbito. Definido que o último domicilio do falecido foi em Belo Horizonte, pouco importa para a solução da lide saber onde foi distribuída a primeira ação ou qual delas foi despachada em primeiro lugar, pois a competência não se fixará por prevenção, mas sim pelo Juízo do “foro do domicilio do autor da herança”. Recurso conhecido e provido. (TJMG – Apelação Cível 1.0024.13.183666-0/001, relator: Desª Albergaria Costa, 3ª Câmara Cível, julgamento em 20/08/2015, publicação da súmula em 31/08/2015). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.785, acessado em 01/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.

• Este artigo corresponde ao art. 1.834 do Projeto de Lei n. 634/75. Ver art. 1.573 do Código Civil de 1916.

• O Código de 2002 põe em primeiro lugar a sucessão legitimas ou ab intestato. O Código Civil de 1916, art. 1373, diz: “A sucessão dá-se por disposição de última vontade, ou em virtude da lei”.

• A sucessão legítima é a que decorre por força exclusiva da lei. O CC 1.829 indica a ordem em que devem ser chamados os herdeiros. A sucessão testamentaria toma por base as disposições de última vontade feitas em testamento pelo autor da herança (CC 1.857).

• Estas são as duas formas de sucessão mortis causa reconhecidas pelo direito brasileiro. Isso não significa que a sucessão seja sempre legítima ou sempre seja testamentária. Em determinadas circunstâncias, a sucessão pode ser, ao mesmo tempo, legítima e testamentária, como no caso de o testamento não compreender todos os bens do testador (CC 1.788), e de o testador só dispor da metade da herança, por ter herdeiros necessários (CC 1.789). A sucessão legítima regulará a situação dos bens que não foram mencionados no testamento e resolverá sobre o que vai caber aos herdeiros necessários, respectivamente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 919, CC 1.786, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo com Moisés Tavares, segundo o referido códice, os sucessores farão jus ao patrimônio do de cujus mediante a lei ou disposição de última vontade (BRASIL, 2002, CC 1.786). Dessa forma, na inexistência, ineficácia ou caducidade do ato de última vontade, a sucessão será legítima, regida pela legislação. Caso contrário, existindo testamento ou codicilo válido e que manifeste expressamente a última vontade do testador, a sucessão testamentária será deferida.

Ressalta-se que, segundo o CC/02, o testamento é um ato unilateral, personalíssimo e revogável, em que seu autor indica quem receberá seus bens, total ou parcialmente, após sua morte, e faz outras disposições (GONÇALVES, 2017).

É digno mencionar que podem ocorrer, concomitantemente, tanto a sucessão legítima quanto a testamentária; isso, porque, se o testador tiver herdeiros necessários, ele só poderá dispor da cota disponível, que não será afetada pelo testamento, ou, não havendo herdeiros necessários e o testador dispondo tão somente de parte de seus bens, os herdeiros facultativos serão chamados para suceder. Não havendo a habilitação de herdeiros necessários ou facultativos, a cota disponível se tornará jacente e, posteriormente, vacante, o que ocasiona sua devolução à Fazenda Pública (FARIAS, 2017).

Quanto à capacidade para testar, o pleno gozo das faculdades mentais do testador pressupõe sua capacidade testamentária, assegurando a validez do instrumento mediante sua declaração consciente de vontade, mesmo que o testador perca seu discernimento após tê-lo feito. Em contrapartida, os que não estejam em seu juízo perfeito, transitória ou permanentemente, estão impossibilitados de testar; tais como os portadores de deficiência ou doença mentais, os ébrios habituais ou que estejam alcoolizados, os que estejam sob efeitos de medicamentos que retardam a lucidez ou drogas alucinógenas, os que tenham sofrido hipnose ou estejam em estado de choque. Ressalta-se que os menores de 16 anos estão impedidos de testar, posto que são absolutamente incapazes, não convalidando sequer a representação legal dos pais ou curador, uma vez que o testamento é ato inerente ao desejo mais íntimo e pessoal do interessado, o que inadmite sua exteriorização por terceiros. Todavia, aqueles que tenham 16 anos completos e os pródigos podem testar, visto que são exceções legais. A velhice não impede de alguém fazer seu testamento, já que não se trata de incapacidade, bem como o analfabetismo, a deficiência visual ou auditiva. Enquanto o ausente poderá fazê-lo onde se encontra (CARVALHO, 2007). (Moisés de Oliveira, em artigo publicado abril de 2021, no site Jusbrasil.com, intitulado “O testamento digital sob a ótica do Direito brasileiro”, desenvolve texto interessantíssimo ao CC 1.786, do trabalho em foco, acessado em 01.07.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Agregando Guimarães e Mezzalira, aqui está uma regra fundamental do direito sucessório. Sucessão legítima é aquela que beneficia somente os herdeiros necessários ou os legítimos. Nesse caso, o chamamento dos herdeiros é feito de acordo com a lei; por outro lado, é possível que o falecido tenha feito um testamento, i.é, transmitido parte do seu patrimônio para pessoas do seu agrado, gerando, portanto, a sucessão “por disposição de última vontade”.

Ab initio, tem-se duas formas, que podem conviver harmoniosamente, respeito a vontade da lei e a vontade do titular do patrimônio. A intervenção do Estado visa proteger os herdeiros, preservando a vontade do titular do patrimônio.

Jurisprudência: “A sucessão pode ser legítima ou testamentária, como enuncia o CC 1.786. Na legítima, os herdeiros são designados na lei, pela ordem de vocação hereditária, sem concurso da manifestação de vontade do de cujus. Na testamentária, prevalece a manifestação do autor da herança, veiculada por testamento ou codicilo. A sucessão pode ser exclusivamente legítima ou testamentária, ou ambas podem existir.” (Trecho do voto da relatora Maria de Nazaré Saavedra Guimarães, TJPA – apelação Cível: AC 200730033749 PA 2007300-33749, Data de Julgamento: 18/09/2008). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.786, acessado em 01/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela.

Historicamente, este artigo corresponde ao art. 1.835 do Projeto de Lei n. 634/75. Ver art. 1.577 do Código Civil de 1916.

Monossilabicamente, é a lei em vigor no dia em que o de cujus morreu que rege a sucessão e disciplina todo o seu processo.

Segundo a doutrina do relator Ricardo Fiuza, a legitimação para suceder é verificada de acordo com a mesma lei. Os sucessores do hereditando têm de apresentar os requisitos de legitimação requeridos pelas normas vigentes no momento da abertura da sucessão. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 920, CC 1.787, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em referência aos Princípios do direito sucessório, Ana Vitória apresenta resumo do capítulo II da doutrina do Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, em 2020, publicado no site JusBrasil.com.br. interessante para o bom entendimento do assunto em pauta:

Princípios gerais (aplicáveis ao Direito das Sucessões): - Dignidade da pessoa humana; - Igualdade; - Função social da propriedade; - Boa-fé (fundamental para interpretação das disposições de última vontade); - Autonomia da vontade.

 

Princípios específicos do Direito das Sucessões: Princípio da Saisine ou Droit de Saisine – que consiste no reconhecimento, ainda que por ficção jurídica, da transmissão imediata e automática do domínio e posse da herança aos herdeiros legítimos e testamentários, no instante da abertura da sucessão.

 

▪ Aberta a sucessão, o Droit de Saisine evita que se possa dar ao acervo hereditário a natureza de res derelicta (coisa abandonada) ou de res nullius (coisa de ninguém);

 

▪ Tal substituição se dá, como visto, de forma imediata e desde momento da abertura da sucessão, independentemente da prática de qualquer ato ou manifestação de vontade do herdeiro, que pode, inclusive, desconhecer o fato. A título exemplificativo: se Carmelo morre, deixando três filhos (Arilson, Rivalda e Raimunda), imediatamente após o instante do óbito, os seus herdeiros já são titulares, não de bem determinado, mas sim, cada um, de 1/3 da herança deixada, independentemente da conclusão do arrolamento ou do inventário.

 

▪ Tal principio não confere direito imediato a bem exclusivo ao sucessor. Com a abertura da sucessão, os herdeiros passarão a ter um direito meramente abstrato, calculado em fração do patrimônio transferível, e mesmo que seja herdeiro único, o exercerá em face da universalidade de bens deixados, não sendo permitido, a nenhum dos sucessores, portanto, sem a devida autorização judicial, enquanto não concluído o procedimento de arrolamento ou inventário, alienar bem exclusivo da herança.

 

▪ Interessante acórdão: “Direito civil. Recurso especial. Cobrança de aluguel. Herdeiros. Utilização exclusiva do imóvel. Oposição necessária. Termo inicial. — Aquele que ocupa exclusivamente imóvel deixado pelo falecido deverá pagar aos demais herdeiros valores a título de aluguel proporcional, quando demonstrada oposição à sua ocupação exclusiva. — Nesta hipótese, o termo inicial para o pagamento dos valores deve coincidir com a efetiva oposição, judicial ou extrajudicial, dos demais herdeiros. Recurso especial parcialmente conhecido e provido” (REsp 570.723/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 27-3-2007, DJ, 20-8-2007, p. 268).

 

Princípio (Non) Ultra Vires Hereditatis – significa “além do conteúdo da herança”. A ideia que ela representa é a possibilidade de que o herdeiro, com a aceitação pura e simples da herança, possa ser obrigado a pagar suas dívidas e obrigações, não só com os bens do patrimônio do de cujus, mas também com os seus próprios bens. Na contemporaneidade, porém, as dívidas do falecido, de fato, devem ser pagas somente com seu próprio patrimônio, não ultrapassando as forças da herança. Por isso, esse dogma traduz uma regra que proíbe o alcance do patrimônio pessoal do herdeiro por dívida do falecido, razão por que preferimos denominá-lo Non Ultra Vires Hereditatis.

 

Em síntese: no Direito brasileiro, o herdeiro só responde intra vires hereditatis (dentro das forças da herança), não mais se confundindo o patrimônio do falecido com o patrimônio do herdeiro (bonorum separatio).

 

Função Social da Herança - porquanto permite uma redistribuição da riqueza do de cujus, transmitida aos seus herdeiros.

 

Princípio da Territorialidade - Na forma do art. 1.785 do CC/2002, a “sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido”. LINDB:

 

“Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.

 

§ 1.º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.

§ 2.º A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder”.

 

Princípio da Temporariedade - Consiste ele no postulado, insculpido no CC 1.787, de que regula “a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela”.

 

Seguindo essa linha de raciocínio, regras hoje criticáveis, mas vigentes ao tempo da morte, poderiam ser aplicadas, como, por exemplo, o tratamento diferenciado de filhos (ilegítimos, adotivos etc.) ou da (o) companheira (o) em face do cônjuge.

 

Nesse diapasão, o próprio novo Código Civil brasileiro estabeleceu expressamente tal premissa, na parte referente às suas regras de transição, conforme se verifica do art. 2.041, a saber:

 

“Art. 2.041. As disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior (Lei n. 3.071, de 1.º de janeiro de 1916)”. (Aplicação da ultratividade).


Princípio do Respeito à Vontade Manifestada - conhecido como “favor testamenti”. Tal princípio deve prevalecer, inclusive, no caso de simples irregularidades testamentárias formais ou de modificações supervenientes de situação de fato, se for possível verificar, inequivocamente, qual era a intenção do testador. Princípios do direito sucessório, (Ana Vitória apresenta resumo do capítulo II da doutrina do Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, em 2020, publicado no site JusBrasil.com.br, abordando o Artigo 1.787 do Código Civil, acessado em 01/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na inteligência de Guimarães e Mezzalira, esse artigo do Código Civil sempre foi seguido, no curso de décadas, salvo uma única exceção. Em termos gerais, a lei que está em vigor na data do óbito é que definirá quem é herdeiro, quais classes são chamadas, qual é a imposição da sucessão legítima. Exemplo típico é a situação do companheiro. Mesmo que tenha havido união estável por muitos anos, somente a partir de 30 de dezembro de 1994, com a vigência da Lei n. 8.971, de 29/12/1994, o companheiro passou a ser herdeiro legítimo, por força do inciso III, do art. 2º da referida lei. O companheiro tinha direitos antes dessa data, sim, mas outros direitos, por força da relação jurídica e o Direito das Obrigações. Entretanto, integrou a sucessão legítima com a vigência do diploma legal supra mencionado.

Jurisprudência: Pelo princípio da saisine, a transmissão da herança aos herdeiros se dá no momento do óbito. – Pela previsão do CC 1.787, a sucessão é regulada pela legislação vigente à época de sua abertura. – A sucessão é aberta no momento do falecimento do autor da herança. – O artigo 12-A, § 2º da Lei 12.587/12 só poderá ser aplicado naqueles casos em que o óbito ocorrer durante a vigência da norma. (TJMG – Agravo de Instrumento Cível – 1.0024.12.195156-0/001, relator: Des. Hilda Teixeira da Costa, 2ª Câmara Cível, julgamento em 19/08/2014, publicação da súmula em 02/09/2014). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.787, acessado em 01/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


quarta-feira, 30 de junho de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.784 - Do Direito das Sucessões – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.784 - Do Direito das Sucessões
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Do Direito das Sucessões - Título I – Da Sucessão em Geral –
Capítulo I – Disposições Gerais - (Art. 1.784 a 1.790)

 

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

 

Este artigo corresponde ao art. 1.832 do texto original do Projeto de Lei n. 634, de 1975 — Projeto de Código Civil —, cujo Anteprojeto teve o Livro V da Parte Especial — Do Direito das Sucessões — redigido pelo Prof. Torquato Castro. Ver art. 1.572 do Código Civil de 1916.

 

Segundo a doutrina, instrumento do relator Ricardo Fiuza, a sucessão de que trata este artigo é a mortis causa. Com o falecimento do indivíduo, abre-se-lhe a sucessão. O patrimônio do de cujus, com o nome de herança, passa aos seus sucessores. Não se pode falar em herança de pessoa viva — viventis nulla est /zereditas (= nenhuma herança existe de pessoa viva) —, embora possa ocorrer a abertura de sucessão do ausente, presumindo-se-lhe a morte (art. 26 e s.).

 

• A herança não é constituída apenas de bens materiais (o terreno, o automóvel, o apartamento), mas representa uma universalidade de direito (CC 91), o complexo de relações jurídicas dotadas de valor econômico. Compreende o ativo e o passivo. E um somatório, em que se incluem os bens e as dívidas, os créditos e os débitos, os direitos e as obrigações, as pretensões e ações de que era titular o falecido, e as que contra ele foram propostas, desde que transmissíveis. No CC 1.997, diz-se que a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido, e o CC 1.792 menciona que o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança.

 

• Porém, não integram a herança relações jurídicas que, embora de conteúdo econômico, extinguem-se com a morte do titular, tratando-se de direitos personalíssimos, intuitu personae, como, por exemplo obrigações de fazer infungíveis (CC 247) — a do pianista, que se comprometeu a dar um concerto; a do médico, que ficou de fazer uma cirurgia; a do advogado, que prometeu entregar um parecer; o direito de revogar a doação por ingratidão do donatário, exceto no caso de homicídio doloso do doador (CC 560 e 561); o direito de preempção ou preferência (CC 520); o contrato de prestação de serviço (CC 607); a empreitada ajustada em consideração às qualidades pessoais do empreiteiro (CC 626); o mandato (CC 682, II); a constituição de renda, em relação ao credor (CC 806); os direitos de usufruto, de uso e de habitação (CC 1.410,11, 1.413 e 1.416).

 

• No direito romano, os heredes sui et necessarii (como os filhos que estavam sob o pátrio poder) e os heredes necessarii (os escravos libertados no testamento e, ao mesmo tempo, nomeados herdeiros) adquiriam automaticamente a herança, desde o momento da delação, independentemente de aceitação, e não podiam repudiá-la. Já os heredes extranei ou voluntarii (pessoas não incluídas nas categorias acima e que se tomavam herdeiros por força da lei ou em virtude do testamento) só adquiriam a herança se manifestassem a aceitação, estabelecendo-se um hiato entre a delação e a aceitação, período em que a herança ficava sem dono, jacente, à espera de aceitação (hereditas jacens). sendo equiparada nesse interregno, pelo direito justinianeu, às pessoas jurídicas.

 

• Na França, desde o século XIII, fixou-se o droit de saisine, instituição de origem germânica, pelo qual a propriedade e a posse da herança passam aos herdeiros, com a morte do hereditando — le mort saisit te vif . O Código Civil francês, de 1804— Code Napoléon —. diz, no art. 724, que os herdeiros legítimos, os herdeiros naturais e o cônjuge sobrevivente recebem de pleno direito (son saisis de pIem dmit) os bens, direitos e ações do defunto, com a obrigação de cumprir todos os encargos da sucessão. No Código Civil alemão — BGB —, arts. 1.922 e 1.942, seguindo o direito germânico medieval, afirma-se, igualmente, que o patrimônio do de cujus passa ipso jure, i. é, por efeito direto da lei, ao herdeiro.

 

• O princípio da saisine foi introduzido no direito português pelo Alvará de 9 de novembro de 1754, reafirmado pelo Assento de 16 de fevereiro de 1786. O Código Civil português, de 1867, já revogado, dizia, no art. 2.011: “A transmissão do domínio e posse da herança para os herdeiros, quer instituídos, quer legítimos, dá-se no momento da morte do autor dela”. A mesma solução constou no art. 978 da Consolidação das Leis Civis, de Teixeira de Freitas. E o Código Civil de 1916 manteve essa linha, enunciando, no art. 1.572: “Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. Filiou-se, portanto, ao sistema germânico-francês. O vigente Código Civil português, de 1966, abandonou a antiga tradição, afirmando, no art. 2.050, 1: “O domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, independentemente de sua apreensão material”. A inspiração veio do art. 459 do Código Civil italiano: “L’eredità si acquista con l’accettazione”. Nesses países, portanto, a aquisição da herança não se dá por força da lei, mas depende do ato voluntário da aceitação. Porém, tanto o Código Civil português (art. 2.050, 2) quanto o italiano (art. 459) dispõem que os efeitos da aceitação retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão.

 

• Pelo CC 1.784, sob comento, terminando a existência da pessoa natural com a morte (CC 69, extinguindo-se a personalidade civil, que começou do nascimento com vida (CC 29, abre-se a sucessão, dando-se, no mesmo instante, a transmissão do patrimônio do de cujus. Se há um só herdeiro, este tem o domínio e a posse exclusivos, de tudo; se há mais de um, estabelece-se o condomínio e a composse. A posse dos bens da herança transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres (CC 1.206), ou seja, com os méritos e vantagens ou os vícios e defeitos que apresentava. A morte, a abertura da sucessão e a transmissão da herança aos herdeiros ocorrem num só momento. Os herdeiros, por essa previsão legal, tomam-se donos da herança ainda que não saibam que o autor da sucessão morreu, ou que a herança lhes foi transmitida. Mas precisam aceitar a herança, bem como podem repudiá-la, até porque ninguém é herdeiro contra a sua vontade. Mas a aceitação tem o efeito — como diz o art. 1.804 — de tornar definitiva a transmissão que já havia ocorrido por força do CC 1.784. E, se houver renúncia por parte do herdeiro, tem-se por não verificada a transmissão mencionada no mesmo artigo (CC 1.804, parágrafo único). Assim, o legislador concilia a transmissão automática e por força da lei da herança, no próprio momento da morte do de cujus, com a necessidade de os herdeiros aceitarem a herança e com a possibilidade de eles preferirem repudiá-la.


• Em complemento, informe-se que a herança se defere como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Entre a abertura da sucessão e a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e à posse dos bens da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio (CC 1.791). O Código Civil regula o condomínio geral no CC 1.314 e seguintes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 917-18, CC 1.784, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/06/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na instrução recente de Moisés de Oliveira, em artigo publicado abril de 2021, no site Jusbrasil.com, intitulado “O testamento digital sob a ótica do Direito brasileiro”, desenvolve texto interessantíssimo ao CC 1.784, como segue:

A internet tem se mostrado como uma ferramenta útil e de necessidade inestimável para toda a humanidade. Dessa forma, as pessoas estão transferindo tudo que remete à sua vida para o espaço cibernético.

 

Não obstante, muitas dúvidas surgem com esse caminhar digital. É certo que todos possuem uma identidade e acabam criando uma nova quando adentram ao mundo virtual e, assim como no mundo físico, a pessoa digital também morre.

 

Falar sobre a morte é um assunto mórbido, inoportuno, mas inevitável e, sob o prisma jurídico, imprescindível. Dito isso, quando alguém morre, seus direitos e obrigações se extinguem; porém, tal situação dará origem a novos direitos e obrigações, que serão conferidos àqueles que se vinculam sanguínea ou afetivamente com o falecido.

 

Assim, é posto à luz o questionamento de até onde a morte física pode afetar a morte virtual. É do conhecimento de todos que os perfis em redes sociais ou contas em servidores de arquivos não desaparecem instantaneamente com a morte de seu usuário. Então, o que poderia ser feito e como os sucessores deveriam agir diante de tal situação?

 

Já é possível realizar o planejamento do que será feito com os ativos digitais, que são tudo aquilo que o internauta disponibiliza na internet. Desse modo, o indivíduo pode decidir quem cuidará de suas contas, quem terá acesso aos seus arquivos, senhas etc.

 

Outrossim, a discussão vai mais além. Tais condutas poderiam configurar uma modalidade de testamento? A princípio, o Código Civil brasileiro vigente estipula somente duas espécies de testamento: o ordinário e o especial. Os testamentos ordinários são o público, o cerrado e o particular, enquanto os especiais, o marítimo, o aeronáutico e o militar. Portanto, não se admite outra modalidade estranha que não sejam as retromencionadas, dada a inexistência de amparo legal.

 

Desta feita, o testamento digital, como tem sido chamada a prática de declarar a última vontade pela internet, é apenas uma ideia do quão é preciso a legislação brasileira se modernizar, alinhando-se aos fenômenos sociais propiciados pela internet. Afinal, por influência dessa controvérsia, o Direito é o único instrumento capaz de fornecer harmonia ao buscar a resolução de conflitos entre sociedade e juridicidade.

 

Entretanto, a realização de testamentos não é da práxis brasileira. Ressalta-se que este ato causa mortis possui vasto supedâneo legal, o que importa em uma segurança jurídica firme e unânime, não se fragmentando em interpretações esparsas. Não é ousadia dizer que o testamento é o instituto do Direito Civil brasileiro mais bem elaborado.

 

Por consequência de sua falta, é implicada a vocação hereditária pela sucessão legítima, a qual é matéria de grande combate no Poder Judiciário por aqueles que realmente são herdeiros e que se proclamam herdeiros. A robustez jurídica que institui o testamento afasta qualquer incerteza e protege os herdeiros testamentários, vez que o que prevalece é a declaração de última vontade do de cujus, respeitadas as disposições que preservam os direitos dos demais herdeiros legítimos.

 

Na condição de base elementar de todos os relacionamentos sociais, o Direito é atemporal, calca-se nas mazelas do passado para que o presente e o futuro não sejam assolados pela insegurança, e nada cria óbices quanto à possibilidade de se fundar nos fenômenos hodiernos, com intuito de proporcionar às questões irresolutas um corolário que garanta a aplicação de normas efetivamente estáveis, em conformidade com o progresso humano.


Sucessão Testamentária no Brasil - O direito à herança está garantido no Art. , inciso XXX, da Constituição Federal de 1988 e é regulamentado pelo Código Civil de 2002, a partir de seu Art. 1.784. O dispositivo retromencionado do diploma civilista vigente proclama que “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários” (BRASIL, 2002). (Moisés de Oliveira, em artigo publicado abril de 2021, no site Jusbrasil.com, intitulado “O testamento digital sob a ótica do Direito brasileiro”, desenvolve texto interessantíssimo ao CC 1.784, do trabalho em foco, acessado em 30.06.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na sequência, como lecionam Guimarães e Mezzalira, o momento da morte da pessoa é, para o Direito Sucessório, o marco inicial para a transmissão dos bens aos herdeiros. A transferência é automática. Excluída a meação do cônjuge supérstite, se houver, os herdeiros passam a ser os titulares da universalidade de bens, de forma unitária, até o momento da partilha. Essa comunhão é impositiva.

De origem milenar, o droit de saisine foi introduzido na legislação brasileira no primeiro artigo do direito sucessório. Prevaleceu a tradição, vindo das Ordenações Manuelinas e Filipinas, legislação que vigorou no direito português primitivo, antes, muito antes, do projeto Seabra. Mesmo com a Independência do Brasil de Portugal, vigoraram referidas Ordenações.

Como é sabido, o Código comercial é de 1850, mas nossos projetos de código civil não prosperaram até novembro de 1899, quando Clóvis Bevilaqua entregou seu trabalho para o Ministro da Justiça, que o enviou para o Congresso Nacional. Muitas das normas processuais passaram a ser regidas pela lei n. 13.105/2015, em vigor desde março de 2016.

A personalidade civil começa com o nascimento e termina com a morte. Verificado o fato, são chamados os herdeiros, segundo a ordem da vocação hereditária. Tem-se os herdeiros legítimos, os necessários ou legitimários, os instituídos e os legatários, que são sucessores mas não são herdeiros.

Pontua Caio Mário a posição atual, como princípio fundamental da droit de saisine. “Com a promulgação do Código Civil de 1916, ficou assentada a doutrina transmissão imediata da posse e propriedade: “Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários” (CC 1.572). O mesmo princípio predominou no Projeto de Código civil de 1965 e no Projeto de 1975, e se viu conservado no novo Código Civil, conquanto neste eliminada a referência a “domínio e posse” (CC 1.784). É o conceito do droit de saisine que ainda vigora na sua essência, e do qual podem ser extraídos os necessários efeitos” (Pereira, caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Direito das Sucessões, vol. VI, 20ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2013).

A lei não fez distinção entre herdeiros necessários, legítimos ou testamentários. Mais adiante haverá melhor explicação. A definição dos herdeiros necessários está no CC 1.845.

Jurisprudência: Apelação. Ação Anulatória de Partilha. Parcial procedência. A autora pretende que se esclareça a incidência de correção monetária e juros sobre os valores que deverão ser objeto de sobrepartilha. Pelo princípio da saisine, a abertura da sucessão é o momento da transmissão da herança, i.é, no instante da morte o patrimônio do falecido transfere-se imediatamente para a posse dos herdeiros. Assim, os bens, direitos e obrigações de que titular naquele momento serão transmitidos aos herdeiros. Serão objeto de sobrepartilha os valores pertencentes ao de cujus e existentes nas contas bancárias no dia de seu passamento. Negado o provimento ao apelo. (TJSP-Relator Fábio Podestá; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; data do julgamento: 08/07/2015; data de registro: 08/07/2015). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.784, acessado em 30/06/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).