quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 746, 747, 748 – continua - DO TRANSPORTE DE COISAS - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 746, 747, 748 – continua 
- DO TRANSPORTE DE COISAS - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte – Seção III
Do Transporte de Coisas - (art. 743 a 756)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 746. Poderá o transportador recusar a coisa cuja embalagem seja inadequada, bem como a que possa pôr em risco a saúde das pessoas, ou danificar o veículo e outros bens.

Como explica Claudio Luiz Bueno de Godoy, foi sempre previsão constante, nas leis especiais editadas acerca do transporte de cargas (art. 49, Decreto n. 51.813/63; art. 37, Decreto n. 90.959/85; Decreto n. 1.832/96), a possibilidade de o transportador recusar a mercadoria a ser transportada em virtude do seu mal acondicionamento. Isso porque é obrigação do expedidor embalar adequadamente a coisa que será deslocada, de acordo com sua natureza, de modo a evitar a causação de danos a pessoas ou coisas. Pois o Código Civil de 2002 repete a regra, mas acrescenta uma cláusula geral, a autorização pra a recusa sempre que a coisa cujo transporte se pretende possa por em risco, de qualquer modo, a saúde das pessoas ou a integridade do veículo transportador ou de quaisquer outros bens. Porém, ao ser aceito o transporte, sem ressalva, responsabiliza-se o transportador pelos danos que a carga possa sofrer, a par da responsabilidade perante terceiros dos danos que ela possa provocar.

Bem de ver que, nos casos de carga proibida – ou com regras específicas para deslocamento, pela sua especial periculosidade – a recusa não é uma opção do transportador, mas um dever seu, tanto quanto desacompanhada de seus correspondentes documentos, como está no artigo seguinte. A exigência de correto acondicionamento da coisa, que se impõe ao expedidor, bem assim a prerrogativa de recusa, pelo transportador, se a embalagem for inadequada, na verdade representam ainda a contrapartida da responsabilidade do condutor. Ou seja, como é responsabilidade do transportador a preservação da higidez da coisa transportada, então natural que se exija seja-lhe ela entregue adequadamente embalada, conforme sua natureza e o meio de deslocamento que se fará.

A não ser assim, e sobrevindo o dano à carga, resultante do mau acondicionamento pelo expedidor, afasta-se a responsabilidade do transportador, inclusive como, para o transporte rodoviário de cargas, se expressou no art. 12, II, da Lei n. 11.442/2007 ou, antes, para o transporte multimodal – regido por um único contrato, mas executado mediante mais de uma modalidade de transporte – já se havia levado ao texto do art. 16, II, da Lei n. 9.611/98. Isso, porém, vale a ressalva, na relação interna entre os contratantes, eis que não se exime o transportador da responsabilidade por danos havidos a terceiros, posto que assegurado direito regressivo diante do expedidor (v. ainda, comentários ao CC 735).

Veja-se, de outra parte, que o Código Civil de 2002 não fez nenhuma ressalva, ao contrário do que se poderia considerar inferido da redação do art. 50 do Decreto n. 51.813/63, por exemplo, que pudesse induzir interpretação de que o transportador é obrigado a receber a coisa se seu reclamo contra o mau acondicionamento não for acatado, apenas se eximindo da respectiva responsabilidade. Antes de tudo, o regramento presente procura evitar danos, que inclusive podem atingir terceiros, assim além da questão da responsabilidade do transportador, apenas. Confira-se, a respeito, o que se deduziu no comentário ao CC 739, acerca da questão da segurança como justificativa da recusa do transportador à entabulação do ajuste. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 768-769 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, uma das obrigações do remetente é a de entregar a mercadoria devida e convenientemente embalada, atendendo à natureza e características da coisa que será transportada. Sendo inadequada a embalagem verifica-se que ela pode pôr em risco a saúde das pessoas, ou danificar o veículo e outros bens, o transportador pode recusar a coisa, negando-se a efetuar o transporte. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 393 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob a luz de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a rigor, o princípio da boa-fé objetiva permite a recusa de qualquer coisa cujo transporte seja inadequado, não apenas em razão da embalagem. Assim, é lícito o limite imposto por transportadores para a dimensão dos volumes transportados, bem como a recusa de transporte de produtos químicos, de animais ou plantas que sejam objeto de restrições administrativas. Somente não são admissíveis as restrições arbitrárias, i.é, aquelas que não tenham justificativa num interesse público importante. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 747. O transportador deverá obrigatoriamente recusar a coisa cujo transporte ou comercialização não sejam permitidos, ou que venha desacompanhada dos documentos exigidos por lei ou regulamento.

Na esteira de Claudio Luiz Bueno de Godoy, se no dispositivo anterior se autoriza o transportador – portanto, sendo-lhe deferida uma prerrogativa – a recusar o transporte de mercadorias que estejam mal acondicionadas ou que possam colocar em risco a saúde alheia, o veículo pelo qual se efetua o deslocamento ou outras mercadorias, no artigo presente se obriga o transportador a recusar o transporte de cargas proibidas ou desacompanhadas da respectiva documentação.

E também aqui, não se cuida de regra nova, eis que já antes constante de legislação especial, por exemplo valendo a remissão ao que previa o art. 242 do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86). Quando se determina a recusa de transporte de mercadoria proibida, preserva-se mesmo a licitude do objeto do contrato. Ou, caso se prefira, do objeto da prestação do transportador.

Com efeito, não se compadece o sistema com a possibilidade de que sejam transportadas coisas cuja comercialização seja proibida, ou cuja posse por vezes constitui mesmo crime, como no caso dos entorpecentes. Deve-se lembrar, ainda, a ocasional existência de restrições legais ao transporte de coisas perigosas, como combustível, por exemplo, que devem ensejar obrigatória recusa do transportador a tanto não adequado.

Por fim, estabelece o preceito também a obrigatória recusa quando a mercadoria não estiver acompanhada de sua documentação, exigida por norma legal ou regulamentar, pense-se, por exemplo, no transporte rodoviário de cargas desacompanhadas de sua nota fiscal. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 769-770 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, além dos casos previstos no artigo antecedente, e com maior razão, o transportador terá de recusar, “deve obrigatoriamente recusar”, a coisa cujo transporte ou comercialização não sejam permitidos, ou que venha desacompanhada dos documentos exigidos por lei ou regulamento. Não se trata de uma faculdade do transportador, mas de um dever legal. O objeto transportado tem de ser lícito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 394 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, é comum a proibição de se transportar animais ou plantas para outros países, tendo-se em vista a proteção sanitária e o combate à proliferação de doenças. Razões de saúde ou de segurança podem determinar a proibição de transporte de determinados bens. O contrato de transporte deve respeitar tais proibições, sob pena de nulidade. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 748. Até a entrega da coisa, pode o remetente desistir do transporte e pedi-la de volta, ou ordenar seja entregue a outro destinatário, pagando, em ambos os casos, os acréscimos de despesa decorrentes da contraordem, mais as perdas e danos que houver.

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, tal como se dá no transporte de pessoas, a propósito remetendo-se aos comentários do CC 740, e lá fixando-se um limite especial, não estipulado no presente dispositivo, ao menos por incidência do Código Civil, para a respectiva cláusula penal compensatória, pode haver desistência do contrato de transporte de coisas, manifestável até sua entrega ao transportador.

Além disso, veja-se que, no transporte de pessoas, esse exercício não se condiciona, propriamente, ao início do percurso, eis que mesmo durante o trajeto poderá haver desistência. A previsão de desistência para o transporte de mercadorias até sua entrega reforça antigo entendimento que via nesta espécie um contrato real, somente aperfeiçoado com a tradição da coisa a ser transportada. Mas, como se viu nos comentários ao CC 730, o contrato de transporte, mesmo de cargas, é consensual, sendo que a entrega já constitui ato de execução.

De mais a mais, nada impedia que a lei estabelecesse, mesmo assim, a possibilidade de arrependimento. Porém, ao fazê-lo, exatamente porque o contrato já estaria então aperfeiçoado, não eximiu o desistente de compor as perdas e danos provocadas pelo seu arrependimento. É possível a fixação prévia desse valor, por acordo das partes, mediante o estabelecimento de cláusula penal, malgrado sem limite que se determinou para o transporte de pessoas, mas atendendo-se ao princípio de equilíbrio das relações contratuais que permeia o ordenamento como um todo (CF 3º, I), não só o CDC 53. A propósito, remete-se aos comentários do CC 732.

Bem de ver que, no Decreto n. 19.473/30, particularmente em seu art. 7º, facultava-se ao remetente, todavia então obrigado a pagar o frete por inteiro, exigir o desembarque imediato da mercadoria, mesmo já em trânsito, portanto ainda depois de sua entrega (right of stopage in transitu). Nem se considera que essa possibilidade esteja excluída pelo atual Código Civil, apenas se ressalvando a verificação de eventual prejuízo maior, inclusive, quanto aos lucros cessantes, que se componha pelo pagamento integral do frete, sempre observada eventual abusividade, conforme o dano real comprovado no caso concreto.

Mas, além da desistência, o preceito em questão permite que o expedidor altere o destino da carga, tal qual já se continha no art. 113 do Código Comercial. Ao que se entende, tal alteração poderá ser feita mesmo quando a mercadoria já estiver em trânsito, sempre mediante o ressarcimento do acréscimo de despesas que a contraordem pode induzir, inclusive reajuste do frete, se for o caso. A ressalva, porém, que se há de fazer quanto a qualquer alteração que se faça com relação ao destino de mercadoria cujo deslocamento já se iniciou é a eventual onerosidade excessiva que a variação pode ensejar e que persista mesmo diante da revisão do frete. Essa situação autoriza a recusa da alteração pelo transportador, tal qual o caso em que não se acorda o reajuste do frete devido pelo acréscimo de esforço para o serviço alterado, quando então o transportador permanece com a obrigação de entrega no local do destino original. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 770-771 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, como no transporte de pessoas, em que o passageiro tem direito a rescindir o contrato antes de iniciada a viagem (CC 740), no transporte de mercadoria, até a entrega da coisa, pode o remetente desistir do transporte e pedi-la de volta, ou ordenar que seja entregue a outro destinatário. Em ambos os casos, terá de pagar os acréscimos de despesa decorrentes da contraordem, mais as perdas e danos que houver. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 394 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob a luz de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o contrato de transporte de coisa é realizado entre o expedidor e o transportador. O destinatário não é parte, a menos que ele mesmo seja o expedidor. O dispositivo confirma o poder de disposição que tem o expedidor sobre a coisa. É ele quem determina a quem a mercadoria deverá ser entregue e tem assegurado o direito de alterar a destinação do bem, ficando obrigado ao pagamento dos acréscimos provenientes da alteração de desígnios. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 743, 744, 745 – continua - DO TRANSPORTE DE COISAS - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 743, 744, 745 – continua  
- DO TRANSPORTE DE COISAS - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte – Seção III
Do Transporte de Coisas - (art. 743 a 756)
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Art. 743. A coisa, entregue ao transportador, deve estar caracterizada pela sua natureza, valor, peso e quantidade, e o mais que for necessário para que não se confunda com outras, devendo o destinatário ser indicado ao menos pelo nome e endereço.

Vivenciando Claudio Luiz Bueno de Godoy, no contrato de transporte de coisas, o transportador as recebe do expedidor ou remetente para entregá-las ao destinatário ou consignatário. Impende que a coisa recebida esteja devidamente especializada, identificada, individuada, a fim de que não seja confundida com outras, conforme a lei determina. A ideia é a de que seja sempre reconhecível a coisa – e suas condições – entregue ao transporte, para perfeita execução e eficácia do contrato, ademais de viabilizar a concreta responsabilidade do transportador. Por isso, exige-se que a mercadoria a ser transportada, além de ser devidamente acondicionada, sob pena de se poder rejeitar seu deslocamento (CC 764), venha a ser caracterizada, com indicação de natureza, peso, valor e quantidade, também para servir à sua identificação.

Em diversos termos, objeto passível de transporte é a coisa identificável, mercê de dados que, como se verá nos comentários ao artigo seguinte, serão aludidos no conhecimento de transporte, sem prejuízo de o transportador exigir sua relação escrita e assinada.

Por isso, afeta ao expedidor o dever mesmo de declarar os dados de identificação da mercadoria, até como forma de se estabelecer a exata responsabilidade do transportador pelos danos que sejam causados à coisa, além de evitar qualquer fraude do remetente, de resto como já se continha no art. 5º do Decreto n. 2.681/12. Da mesma forma, o expedidor deve especificar quem seja o destinatário, ao menos indicando seu nome e endereço. Nada impede que o destinatário seja o próprio expedidor. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 766 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Há um histórico: Este artigo corresponde ao art. 749 do Projeto de Lei n. 634/75, que utilizava a palavra “condutor”, trocada por “transportador”, conforme subemenda do Relator-Geral Ernani Satyro, na Câmara, na primeira fase de tramitação do projeto. Não há paralelo no Código Civil de 1916.

Para a doutrina de Fiuza, no contrato de transporte de coisas participam o remetente ou expedidor – pessoa que entrega a coisa a ser transportada – e o transportador – pessoa que recebe a coisa, obrigando-se a transportá-la. o destinatário ou consignatário é a pessoa a quem é destinada a coisa. As vezes o expedidor é ao mesmo tempo, destinatário, como no caso em que o remetente envia coisas em seu próprio nome, de um lugar para outro.

A descrição ou especificação da coisa transportada é necessária, para que não se confunda com outras. Para tanto, deve estar caracterizada pela sua natureza, valor, peso, quantidade e o que mais for preciso para determinar sua identificação. O destinatário deve estar indicado, ao menos, pelo nome e endereço, podendo constar outros dados, como nacionalidade, estado civil, número de carteira de identidade, inscrição na Junta Comercial, número no cadastro de pessoas jurídicas etc. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 392 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o transporte exige que a coisa transportada seja infungível, pois o transportador deve levar ao destino os mesmos bens que recebeu para transportar. A infungibilidade decorre da caracterização da coisa, sendo sua natureza, peso, quantidade e outras características necessárias à sua individuação. Igualmente, o destinatário deve ser indicado com seu nome e endereço. Tal individuação visa ao cumprimento do contrato de transporte, porque quem contrata é o expedidor. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 22.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 744. Ao receber a coisa, o transportador emitirá conhecimento com a menção dos dados que a identifiquem, obedecido o disposto em lei especial.

Parágrafo único. O transportador poderá exigir que o remetente lhe entregue, devidamente assinada, a relação discriminada das coisas a serem transportadas, em duas vias, uma das quais, por ele devidamente autenticada, ficará fazendo parte integrante do conhecimento.

Na pauta de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o conhecimento de transporte, de frete ou de cargas, é o documento que o transportador emite quando recebe a mercadoria a ser transportada. Prova o recebimento da coisa, devidamente identificada, com os dados mencionados no artigo anterior, tanto quanto se identificam as partes envolvidas, assim o expedidor, o transportador e o destinatário, por fim detalhando-se as condições do transporte, tal como o valor do frete, vale dizer, a remuneração devida pelo deslocamento contratado.

O Código Civil remete à legislação especial porquanto, de fato, conforme a natureza do transporte de coisas, inúmeras leis regram a expedição ou emissão do conhecimento de transporte. Por exemplo, o Decreto n. 1.832/96 regula o transporte ferroviário e o conhecimento que dele se expede. Já o art. 235 do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86) cuida do conhecimento de transporte aéreo de carga, discriminando tudo quanto ele deve conter, acrescentando o art. 240 que, por ele, se presume, de forma relativa, a conclusão do contrato, o recebimento da carga e as condições do transporte. Mas bem adverte o art. 226, da mesma normatização, que a falta, irregularidade ou perda do conhecimento de carga não prejudica a existência e eficácia do contrato de transporte, apenas que inviabilizando possa o transportador pretender limitar sua responsabilidade em função do que dele constaria, por exemplo no que toca ao valor da carga, sujeitando-se a eventual arbitramento.

Editada a Lei n. 11.442, de 05.01.2007, tendente a disciplinar o transporte rodoviário de cargas em território nacional, igualmente se dispôs, no art. 6º, sobre a prestação desse serviço sob contrato ou conhecimento de transporte, que deve conter os dados identificativos das partes e do frete. Nada diverso do quanto, antes, para o transporte multimodal (um único contrato de transporte, contudo efetuado por mais de um meio), já se havia levado ao texto dos arts. 8º e 9º da Lei n. 9.611/98. Lembre-se, porém, conforme se acentuou nos comentários ao CC 730, que o contrato de transporte não exige forma especial, pelo que o conhecimento não pode condicionar o seu aperfeiçoamento. Como, do mesmo modo, não se há de olvidar da primazia do regramento geral do CC/2002 acerca do transporte, quando confrontado com a lei especial (CC 732). Apenas que, como está no item da jurisprudência, a seguir, ausente o conhecimento, inverte-se o ônus de provar questões afetas ao conteúdo da mercadoria transportada.

Lembre-se, a propósito, conforme se acentuou já nos comentários ao CC 730, que o contrato de transporte não exige forma especial, pelo que o conhecimento não condiciona seu aperfeiçoamento. O conhecimento de transporte sempre foi considerado um título de crédito, desde o Decreto n. 19.473/30, que regulamentava os conhecimentos de transporte de mercadorias por terra, água ou ar, depois alterado pelos Decretos n. 4.938/42 e Decreto n. 90.959/85, o chamado Regulamento Geral dos Transportes. São títulos impróprios, por que representativos das mercadorias, mas dotados, se não emitidos com a respectiva proibição, portanto com a cláusula não à ordem, da possibilidade de endosso, de tal sorte que o endossatário presume-se o titular das coisas nele discriminadas, ou, na justa advertência de Fran Martins (Contratos e obrigações comerciais, 7. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 252-3), titulares do direito de receber ou retirar a mercadoria transportada.

A perda ou extravio do conhecimento enseja procedimento próprio previsto também na lei especial, com aviso que se deve dar ao transportador, para que retenha a mercadoria. A essa matéria se tornará quando do exame do CC 754.

Acrescenta, finalmente, o parágrafo único, do artigo em comento, ser direito potestativo da transportador exigir declaração assinada pelo expedidor, dando conta da discriminação das coisas a serem transportadas. Trata-se de medida de cautela de que pode se valer o transportador, assim garantindo-se contra o eventual transporte de carga ilegal. Uma vez exigida e apresentada a declaração, uma de suas duas vias passa a fazer parte integrante do conhecimento. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 767 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina de Ricardo Fiuza, o conhecimento de transporte, também chamado conhecimento de frete ou conhecimento de carga, prova o recebimento da coisa e da obrigação de transportá-la. no conhecimento, a coisa deve estar identificada, com os dados mencionados no artigo anterior. Lei especial deve mencionar os demais requisitos do conhecimento.

O conhecimento é documento emitido pelo transportador. Está preso ao princípio da literalidade> o que está escrito vale e deve ser cumprido. Os direitos e deveres das partes estão nele consignados, pelo que goza de autonomia. E considerado título de crédito, embora improprio, representando as coisas ou mercadorias objeto do transporte e mencionadas no documento. Em regra, é título à ordem, e, como tal, pode ser endossado; o último endossatário e detentor do conhecimento presume-se titular da mercadoria constante no título. É claro, o conhecimento nominativo com a cláusula “não à ordem” não pode ser endossado.

Para facilitar a elaboração do conhecimento e dar mais segurança à relação entre as partes, o transportador poderá exigir que o remetente lhe entregue, devidamente assinada, a relação discriminada das coisas que serão transportadas, em duas vias. Uma das vias, devidamente autenticada pelo transportador, ficará fazendo parte integrante do conhecimento. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 393 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, “Conhecimento” ou “nota de conhecimento” é o documento emitido pelo transportador ao expedidor, que contenha os dados identificadores da coisa transportada, inclusive o valor dela. O valor declarado da coisa assegura o valor a ser indenizado ao transportador em caso de dano ou extravio, bem como o valor máximo da indenização a ser paga pelo transportador nos mesmos casos (CC 750). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 22.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 745. Em caso de informação inexata ou falsa descrição no documento a que se refere o artigo antecedente, será o transportador indenizado pelo prejuízo que sofrer, devendo a ação respectiva ser ajuizada no prazo de cento e vinte dias, a contar daquele ato, sob pena de decadência.

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, já se viu, em primeiro lugar, até por conta da responsabilidade a ele afeta, que o transportador pode exigir, por um lado, a devida discriminação, pelo expedidor, das mercadorias que deverão ser transportadas, de suas condições, natureza e características. Por outro lado, como em qualquer contrato, no transporte deve imperar padrão ético de conduta das partes, que, pelo quanto o princípio da boa-fé objetiva lhes impõe, na sua função supletiva, devem cuidar da devida informação sobre o que interesse ao escorreito cumprimento da prestação.

Nesse sentido é que se refere a lei à precisa informação que deve prestar o expedidor sobre as mercadorias a serem transportadas, inclusive de modo que tais dados, levados ao conhecimento de transporte, sejam exatos.

Não se olvide a responsabilidade do transportador e a possibilidade de que ele venha a experimentar algum prejuízo decorrente da incorreção de dados fornecidos pelo expedidor e levados ao conhecimento. Não é diferente a previsão que em lei especial já se continha, como o art. 239 do Código Brasileiro de Aeronáutica sobre o transporte aéreo. Segundo esse preceito, sem prejuízo de sua responsabilidade penal, o expedidor deve responder pela exatidão das indicações e declarações constantes do conhecimento aéreo e pelo dano que, em consequência de suas indicações ou declarações irregulares, inexatas ou incompletas, venha a sofrer o transportador ou qualquer outra pessoa.

Na redação de igual artigo do Código Civil de 2002, este que ora se comenta, o problema está em que se estabelece prazo decadencial para exercício da ação indenizatória pelo transportador que tenha experimentado prejuízo em decorrência das informações imprecisas do remetente – fugindo à regra geral acerca dos prazos de ação de responsabilidade, que são de prescrição, por não envolverem direitos potestativos, estes sim, indutivos do curso de prazo de decadência, segundo o Código Civil de 2002 – de 120 dias, frise-se, contados, segundo a dicção legal daquele ato, sugerindo a possível interpretação de que o termo a quo se contaria da emissão do conhecimento.

Sucede que, mesmo havido dano diretamente oriundo dessas inexatas informações levadas ao conhecimento, como quando o transportador seja apenado pela incorreção, pela irregularidade das condições de peso, por exemplo, o fato constitutivo de seu direito ressarcitório não se terá ostentado já no momento da emissão do conhecimento. Pior, pense-se, pense-se, na exemplificação de Zeno Veloso (Novo Código Civil comentado, coord. Ricardo Fiuza. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 672), no transporte de mercadoria inflamável, circunstancia não informada, que se incendeia durante o transporte e causa dano ao transportador.

Evidente que a ação ressarcitória não pode ter seu prazo de propositura iniciado da expedição do conhecimento, supondo-se até que o caso seja de prejuízo diretamente resultante da imprecisão do conhecimento de transporte, já ao que não se acede. De toda a forma, nessas hipóteses não se considera que o termo inicial de contagem de prazo se possa dar antes de havido o prejuízo, cujo ressarcimento se perseguirá com a propositura da demanda indenizatória. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 768 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Com a Doutrina de Ricardo Fiuza, o transporte, como qualquer contrato, é regido pelos princípios de probidade e boa-fé (CC 422). Se o remetente apresenta ao transportador a relação das mercadorias com informação inexata ou falsa descrição destas, o transportador será indenizado pelo prejuízo que sofrer, devendo a ação respectiva ser ajuizada no prazo de cento e vinte dias, a contar da data em que ocorreu o dano, sob pena de decadência.

Para exemplificar, imagine-se o caso de a mercadora ser altamente inflamável, ou de ser facilmente deteriorável, e essas circunstâncias terem sido omitidas pelo remetente, ou, o que é mais grave, terem sido prestadas falas informações a respeito, e, no percurso, por causa dessas qualidades, ocorrer incêndio no navio, no trem, no caminhão etc., ou aparecer estragado ou contaminado o restante da carga. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 393 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Explicam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, em que situações um transportador pode sofrer prejuízo por informações inexatas do expedidor. Em regra, somente ao indenizar o expedidor valor superior ao que deveria indenizar, em virtude de se ter baseado em falsas informações prestadas pelo expedidor. O dispositivo é pouco operativo, pois, se o transportador discordar do valor declarado pelo expedidor após a perda do bem ele deixará de efetuar o pagamento e, logo, a ação de cobrança competirá ao expedidor. O prazo de 120 dias fica, em última instância, na dependência de ação do expedidor. A rigor, no entanto, não há o menor sentido em se limitar do tempo o direito do transportador de provar que o valor da mercadoria transportada não corresponde ao valor declarado. Em suma, o dispositivo atenta contra a razoabilidade e, ao impedir a restituição integral do dano é inconstitucional. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 22.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 740, 741, 742 - DO TRANSPORTE DE PESSOAS - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 740, 741, 742
- DO TRANSPORTE DE PESSOAS - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte – Seção II
Do Transporte de Pessoas - (art. 734 a 742)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 740. O passageiro tem direito a rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem, desde que feita a comunicação ao transportador em tempo de ser renegociada.

§ 1º. Ao passageiro é facultado desistir do transporte, mesmo depois de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor correspondente ao trecho não utilizado, desde que provado que outra pessoa haja sido transportada em seu lugar.

§ 2º. Não terá direito o reembolso do valor da passagem o usuário que deixar de embarcar, salvo se provado que outra pessoa foi transportada em seu lugar, caso em que lhe será restituído o valor do bilhete não utilizado.

§ 3º. Nas hipóteses previstas neste artigo, o transportador terá direito de reter até cinco por cento da importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa compensatória.

Na balada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o dispositivo presente trata, a rigor, da desistência do passageiro, em situações diversas, mas de maneira mais abrangente do que dispõe o art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, que apenas permite, no prazo de sete dias, arrependimento nos casos de contratação à distância e, conforme interpretação extensiva, de vendas emocionais.

Assim, reforçando-se o quanto já expendido nos comentários ao CC 732, ter-se-á, mesmo nas hipóteses em que o transporte envolva, o que não se dá sempre, de maneira necessária, uma relação de consumo, a aplicação do Código Civil, que, nesta parte, é mais afeiçoado ao comando constitucional de proteção do consumidor (CC 5º, XXXII), à ideia básica de equilíbrio e solidarismo nas relações entre as pessoas, também emanada da Constituição (art. 3º, I­).

Nesta senda, permite o Código Civil de 2002 que o passageiro rescinda – na verdade, tecnicamente um caso de resilição unilateral, porque de verdadeira desistência ou arrependimento (CC 473) – o contrato de transporte, por sua vontade, com consequências diversas conforme a existência de prévia comunicação e o tempo de sua manifestação. Em diversos termos, o artigo em comento cuida da desistência, com consequências diferentes, nas seguintes situações: a) antes de iniciada a viagem, com direito do passageiro à restituição do valor do trecho faltante, mas só se demonstrado que, efetivamente, outra pessoa foi transportada em seu lugar; b) quando já iniciada a viagem, com direito do passageiro à restituição do valor do trecho faltante, mas só se demonstrado que, efetivamente, outra pessoa foi transportada em seu lugar; c) mesmo antes de iniciada a viagem, mas sem comunicação prévia da desistência, com direito à restituição do valor da passagem apenas quando igualmente se comprovar que outra pessoa foi transportada no lugar do desistente.

Nesses casos em que o transportador deve devolver o valor do bilhete, fará jus, como está na lei, à multa de até 5% da importância da restituição. Trata-se de cláusula penal compensatória, pelo que, por um lado, não há antinomia real com o CDC 52, § 1º, que estabelece uma cláusula penal moratória. De outro tanto, não se compreende, se se estatui cláusula penal, por natureza convencional, haver uma estipulação legal, que independa de prévio ato de manifestação de vontade, tanto mais se a lei alude a uma multa de até 5%, portanto o que deverá ser previamente pactuado, aí sim, observado o teto da legislação.

Pelo seu silêncio a respeito, bem como pelo que se poderia inferir da interpretação a contrario sensu do artigo, nos casos de o passageiro, antes da viagem, desistir sem comunicar a tempo de haver substituição, ou de desistir durante o percurso sem provar sua substituição no trecho faltante, ser-lhe-ia imposta a total perda do valor do bilhete. Aliás, o Código Civil foi explícito em caso de desistência sem aviso prévio e sem prova de que houve substituição (§ 2º).

Bem de ver, todavia, que tal orientação não só conflita com o princípio traduzido pela previsão do CDC 53, que pretende vedar a perda total de valores pagos quando inadimplente o consumidor, como, antes, parece não se ajustar aos valores mencionados anteriormente, de equilíbrio e solidarismo nas relações jurídicas, dispostos na Constituição Federal, de que inclusive há exemplos múltiplos no CC/2002, até mesmo quando possibilita a redução, veja-se, de cláusulas penais que o juiz repute excessivas (CC 413). Trata-se de imperativo de equidade que, segundo se entende, determina uma interpretação sistemática, e à luz da Constituição, do artigo vertente, portanto muito além de seu sentido literal.

Por isso se poderá reputar abusiva a perda completa do valor pago, acrescentando-se que a abusividade não consubstancia fenômeno de exclusiva repressão na legislação consumerista, na exata medida em que, como se disse, afronta a ideia, diretamente dimanada da Constituição Federal (art. 3º, I), de equilíbrio nas relações jurídicas, posto se a pondere de forma adequada à eventual formação de vínculo entre iguais. De toda sorte, caberá ao juiz, nessas hipóteses, estimar a extensão da perda do valor da passagem, conforme o prejuízo que possa o passageiro ter causado, mas por qualquer de suas modalidades, por qualquer forma de manifestação. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 763-764 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina apontado por Ricardo Fiuza, a rescisão unilateral do contrato de transporte tem de ser tempestiva. O passageiro pode desistir da viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem. Mas terá de comunicar o transportador em tempo de ser renegociada a passagem.

Mesmo depois de iniciada a viagem, no meio do percurso, portanto, o passageiro pode desistir do transporte, tendo direito à restituição do valor da passagem correspondente ao trecho não utilizado, desde que fique provado que, em seu lugar, outra pessoa foi transportada no percurso faltante.

O usuário que deixou de embarcar, que não se apresentou na hora determinada para a partida, que, intempestivamente tenha desistido da viagem, não terá direito ao reembolso do valor da passagem, a não ser que prove que outra pessoa foi transportada em sua vaga, e, aí, ser-lhe-á devolvido o valor do bilhete que não utilizou.

Em qualquer dos casos previstos neste artigo, a título de multa compensatória, o transportador terá direito de reter até cinco por cento da importância a ser restituída ao passageiro. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 391 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo dá ao passageiro o direito excepcionalíssimo de rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem. Uma vez que o referido direito seja exercido a tempo de o transportador renegociar a passagem, faz jus o passageiro ao reembolso do preço pago, podendo lhe ser descontado o equivalente a 5% do preço a título de multa compensatória.

A desistência da viagem após se ter percorrido determinado trecho dá ao passageiro o direito de obter o reembolso do preço proporcional ao trecho por percorrer, desde que o passageiro prove que outra pessoa foi transportada em seu lugar. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 741. Interrompendo-se a viagem por qualquer motivo alheio à vontade do transportador, ainda que em consequência de evento imprevisível, fica ele obrigado a concluir o transporte contratado em outro veículo da mesma categoria, ou, com a anuência do passageiro, por modalidade diferente, à sua custa, correndo também por sua conta as despesas de estada e alimentação do usuário, durante a espera de novo transporte.

Sob o prisma de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a regra do artigo presente revela com clareza o risco que o legislador entendeu inerente à atividade de transporte; por isso, impôs-se ao transportador uma responsabilidade independente de culpa e a obrigação, nessa esteira, de concluir viagem iniciada e que se tenha interrompido mesmo que por evento fortuito u de força maior. Em outros termos, e porque lhe é afeta uma obrigação de resultado, caso o transporte se tenha iniciado, é dever do transportador conclui-lo, sempre, mesmo se houver interrupção por fato alheio, que não lhe seja atribuível.

Além disso, impende fazê-lo, à sua custa, nos mesmos moldes do transporte contratado, ou seja, por veículo da mesma categoria, como a lei determina, só se admitindo meio diverso se houver o pacet do passageiro. Até que se implemente o novo transporte para conclusão da viagem, ocasionais despesas com hospedagem e alimentação correm também por conta do transportador. José Maria Trepat Cases (Código Civil comentado, coord. Álvaro Vilaça Azevedo. São Paulo, Atlas, 2003, v. VIII, p. 174-5),  com base inclusive em aresto do STJ, lembra que, em virtude da regra em comento, a qual impõe a responsabilidade dos transportadores pela conclusão da viagem iniciada e interrompida, mesmo pelo casus, é dever de todos eles aceitar o passageiro de outro para dar cabo da exigência legal em comento, sob pena de cumprir perdas e danos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 764 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para Fiuza, em qualquer hipótese, ainda que por caso fortuito, se a viagem for interrompida, o transportador fica obrigado a concluir o transporte contratado em outro veículo da mesma categoria, ou, se o passageiro concordar por modalidade diferente, à sua custa. Durante a espera do novo transporte, correm por conta do transportador as despesas de estada e alimentação do usuário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 391 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o transportador tem o dever de resultado de levar o passageiro e sua bagagem em segurança até o destino acertado. Ele não se desobriga nem mesmo diante da ocorrência de fortuito externo que interrompa a viagem. O CDC 84 (Lei n. 8.078/90) dá ao consumidor o direito de exigir o cumprimento específico da obrigação pelo fornecedor. Caso o transportador não proceda no sentido de reduzir os prejuízos sofridos pelos passageiros, ainda que em razão de fortuito externo, violará seu dever legal e ficará obrigado a indenizar os passageiros pelos danos morais e materiais que sua falta acarretar. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 742. O transportador, uma vez executado o transporte, tem direito de retenção sobre a bagagem de passageiro e outros objetos pessoais deste, para garantir-se do pagamento do valor da passagem que não tiver sido feito no início ou durante o percurso.

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, bem de ver, antes de mais nada, que legislação especial, particularmente acerca do transporte de cargas, já conferia ao transportador o direito de reter coisas transportadas como garantia do pagamento do frete. Assim, o próprio Código Comercial, nos arts. 116 e 117, malgrado referindo a uma não mais existente hipoteca tácita, que foi substituída pela noção de direito de retenção (v.g., Martins, Fran. Contratos e obrigações comerciais, 7. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 261), dispunha que o transportador podia reter a mercadoria para vendê-la e, com o respectivo produto, ver seu crédito pago. Da mesma forma o vetusto Decreto n. 19.472/30, alterado pelo Decreto n. 19.754/31, previa igual direito ao transportador, de retenção das coisas transportadas.

Trata-se mesmo de uma medida inspirada na equidade, de sorte a equilibrar a relação contratual, permitindo ao transportador que retenha consigo coisa transportada ou bagagem e objetos de passageiros, até ser pago o valor ajustado pelo respectivo transporte. É o que o Código Civil explicita para o transporte de pessoas, à semelhança da retenção que faculta ao hoteleiro, para garantia do pagamento do valor da hospedagem, mas sem erigir um penhor legal, tal qual procede no CC 1.467, I.

A distinção é relevante porquanto, na retenção que se faz para tornar o penhor legal efetivo, há a necessidade de posterior ato judicial homologatório (homologação de penhor legal), o que não ocorre com o direito de retenção, exercitado extrajudicialmente, eis que não é necessária qualquer formalidade homologatória posterior (ver a respeito: Fonseca, Arnoldo Medeiros da. Direito de retenção, 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1944, p. 287).

Porém, tanto quanto no penhor legal que tem o hospedeiro sobre a bagagem do hóspede, ou mesmo o do fornecedor de alimento sobre bens do freguês, a ideia do legislador foi garantir de forma especial o pagamento à consideração de que geralmente é desconhecido o usuário do serviço.

O transportador que retém a bagagem ou outros objetos pessoais que estiverem com o passageiro por ocasião do transporte passa a ter sobre a res o dever de custódia, empregando na guarda e conservação a diligência que o exigir a natureza da coisa, aqui, de novo, à semelhança do que se dá com o credor pignoratício (CC 1.435, I). Tem, em contrapartida, porquanto possuidor da coisa, o direito básico de defender essa posse, pela utilização dos interditos, e de ser ressarcido pelas despesas de conservação ou prejuízos decorrentes de ignorados vícios da res. A todo este propósito vale conferir, ainda uma vez, Arnoldo Medeiros da Fonseca (op. cit., p. 267-76).

Veja-se, por fim, que o Código Civil concede ao transportador o direito de retenção apenas para garantia do valor da passagem e não de eventuais danos que o passageiro tenha provocado.  (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 765 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza, no caso de o viajante não ter pago a passagem no início ou durante o percurso, terá de fazê-lo ao final, uma vez executado ou concluído o transporte. Não o fazendo, o transportador tem direito de retenção dobre a bagagem e outros objetos pessoais do passageiro, para garantir-se do pagamento do valor da passagem. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 392 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Concluindo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo estabelece o direito de retenção da bagagem do passageiro em favor do transportador para o pagamento da passagem. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 737, 738, 739 - continua - DO TRANSPORTE DE PESSOAS - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 737, 738, 739 - continua
- DO TRANSPORTE DE PESSOAS - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte – Seção II
Do Transporte de Pessoas - (art. 734 a 742)
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Art. 737. O transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior.

No compasso de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a regra em comento nada mais significa senão a obrigação que tem o transportador de cumprir sua prestação, tal como convencionada. Ou seja, incumbe-lhe atender, no deslocamento que propicia ao passageiro, o exato horário previamente estabelecido e, também, o itinerário antecipadamente informado. Isso implica, ao revés, em que, havido atraso ou alteração de trajeto, responde o transportador pelos prejuízos decorrentes, ressalva a prova de que ocorrida força maior.

Veja-se, quanto ao atraso, e conforme já acentuado nos comentários ao CC 732, a qe ora se remete, que, já não fosse a força revogadora da superveniência do Código de Defesa do consumidor, lei posterior subjetivamente especial, a previsão dos arts. 230 e 231 do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86) acerca do transporte nacional efetuado pelo meio aéreo, ao fixar limite mínimo para que o atraso de voo pudesse ensejar indenização, ostenta-se visivelmente incompatível com a disposição do CC 737, ora em comento.

É bom não olvidar que, no CC 732, o atual Código estabeleceu a primazia de seus preceitos em relação a dispositivos da lei especial que com ele se mostrassem, como no caso, incompatíveis. Na melhor das hipóteses, também como já se disse nos comentários do CC 732, o limite mínimo de quatro horas de atraso, determinado no Código de Aeronáutica, apenas pode ser admitido, em interpretação sistemática e harmonizadora como Código Civil de 2002, se compreendido como uma hipótese em que a indenização se paga de forma automática, só pelo fato do retardo, sem qualquer excludente, porém com possibilidade de tarifação ou limitação do quantum indenizatório. Mas sempre sem prejuízo de se poder provar dano maior, evidente que com o ônus a tanto atinente, assim correndo-se o risco de nada se conseguir provar.

O atraso pode provocar danos materiais e, muito frequentemente, pode provocar também danos morais. A essa verificação importará a aferição das circunstâncias do caso concreto, a extensão e condições do atraso e do passageiro durante sua permanência, valendo diferenciar, a propósito, o que seja mero e pequeno incômodo, contingência própria da vida de relações, do que signifique verdadeiro abalo psíquico, frustração grave de justa expectativa do contratante, real afronta a direito da personalidade.

Da mesma forma, a mudança do itinerário pode, conforme a hipótese fática, induzir dano ao passageiro, material e/ou moral, de possível cumulação, valendo não olvidar o padrão de transparência que a boa-fé objetiva impõe nas relações contratuais, particularmente caracterizadas pela adesão, como via de regra se dá nos transportes, assim sobressaindo a necessidade de detida informação sobre as condições do deslocamento, aí incluindo-se o itinerário a ser percorrido, até para possibilitar a mais livre escolha do passageiro diante das opções que existem para o deslocamento pretendido.

Ocorrência lamentavelmente comum que se tem dado, sobretudo no transporte aéreo, é o chamado overbooking, resultado da venda de bilhetes em número superior ao de assentos, como forma de prevenção contra desistências, que, se não sucedem, levam à necessidade de recolocação de alguns passageiros em voos não raro com horários e percursos diversos, por exemplo, com conexões que a contratação original não envolvia. Evidente que o caso é de indenização pelos prejuízos causados, não excluída ou afastada pela ocasional autorização administrativa dos órgãos reguladores.

A responsabilidade pelos danos decorrentes de atraso e mudança de itinerário, de acordo com a lei, somente se elide pela ocorrência de força maior. A respeito das excludentes no contrato de transporte, remete-se ao exame já detidamente efetuado nos comentários ao CC 734 e 735, apenas reiterando, quanto à força maior e caso fortuito, conforme já acentuado no comentário ao CC 734, que eles devem ser externos para afastar a responsabilidade objetiva do transportador, e que isso não ocorre quando se trata de defeitos mecânicos do veículo de transporte. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 760 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Enquanto que para Fiuza o transportador tem de cumprir os itinerários e obedecer aos horários previstos no contrato ou regulamentos é, salvo motivo de força maior, responder pelos danos que decorrerem de atrasos ou mudanças de percurso. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 390 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a jurisprudência divide-se quanto à necessidade prova de danos pelo consumidor quando há descumprimento de horário pelo transportador. Admite-se que o dano moral é damnun in re ipsa, pois sua configuração não depende de prova exaustiva; pode ser presumida a partir de certas condutas). Nesse sentido: REsp n. 659.760-MG, Rel. Min. Aldir Passarinho Jr., j. 4.04.2006.

O simples atraso no voo, de per si, já caracteriza a prestação de serviço como inadequada, posto que o contrato de transporte é de resultado, sendo irrelevante a demonstração dos danos suportados pelos passageiros em razão de seus próprios interesses, origina-se a responsabilidade civil da companhia aérea em indenizar o incômodo causado ao seu passageiro. A obrigação de indenizar das companhias aéreas é objetiva, pois se trata de companhia concessionária de serviço público de transporte aéreo (§ 6º, art. 37, CF), tanto no que tange aos danos patrimoniais, quanto aos danos morais (...). Apelação parcialmente provida. Decisão: Conhecer. Dar parcial provimento. Unânime” (Apelação Cível, n. 2000015000380apc/DF, 3ª Turma Cível do TJDFT, Rel. Campos Amaral, j. 10.04.2000, p. DJU 17.05.00, p. 30). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 20.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 738. A pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo transportador, constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários, abstendo-se de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou impeçam a execução normal do serviço.

Parágrafo único. Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à transgressão de normas e instruções regulamentares, o juiz reduzirá equitativamente a indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano.

Na esteira de Claudio Luiz Bueno de Godoy, por sua natureza bilateral, o contrato de transporte, uma vez aperfeiçoado, enseja obrigações a ambas as partes. Pois, das obrigações básicas do passageiro, a par do pagamento do preço do bilhete, cuida o artigo em comento. Conforme seus termos, o passageiro é obrigado, durante o transporte, a atender as instruções legais, administrativas e regulamentares que visam a garantir a segurança do deslocamento e a tranquilidade dos demais passageiros. Assim, deve-se abster o passageiro da prática de qualquer ato que, como genericamente está na lei, dificulte ou impeça o normal deslocamento, a regular prestação do serviço de transporte. Apenas que, quanto a específicas instruções para determinada forma de transporte, devem ser objeto de regular informação ao passageiro, corolário do dever de transparência que a boa-fé objetiva exige venha a permear as relações contratuais (CC 422). Repete-se, de maneira genérica é dever do transportado não agir de modo a perturbar os outros passageiros e a prejudicar o normal transcurso do transporte.

Aliás, a propósito, vale não olvidar previsão da lei especial de regulação do transporte aéreo, compatível com o novo Código Civil e por isso com plena aplicabilidade, dispondo sobre verdadeiro poder de polícia ao comandante da aeronave (Arts. 165 e ss, da Lei. n. 7.565/86), podendo mesmo ordenar o desembarque de passageiro de qualquer forma inconveniente, porquanto infringente das obrigações mencionadas anteriormente. Aliás, a mesma prerrogativa é reconhecida por Sílvio de Salvo Venosa a qualquer preposto do transportador que seja responsável pelo deslocamento, sempre a bem da segurança do serviço, afinal um dos deveres de quem o presta (Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 490).

Por fim, o parágrafo único do dispositivo em comento trata da indenização dos danos sofridos pelo passageiro e/ou pela bagagem durante o transporte, mas para cuja eclosão tenha este contribuído. Ou seja, cuida-se da culpa concorrente da vítima, que deve levar à proporcionalização da indenização. Tem-se causa de redução da indenização de responsabilidade objetiva do transportador. E aqui impende repetida menção à questão da concorrência normativa da legislação consumerista, que não faz qualquer remissão à culpa concorrente, mas apenas à culpa exclusiva da vítima como excludente da responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços (art. 14).

Porém, consoante já se vinha entendendo, mesmo sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, a redução da indenização imposta pela concorrência da culpa da vítima constitui medida de prestígio à própria boa-fé objetiva, que inúmeros deveres anexos ou laterais impõe ao fornecedor. Ou seja, de ambos os contratantes, mesmo nas relações intrinsecamente desiguais, se exige padrão de comportamento solidário e leal que, a rigor, decorre mesmo de imperativo constitucional (CF 3º, I). Significa dizer que não seria leal, solidário, equitativo que a vítima se beneficiasse de uma indenização completa quando, mesmo objetiva a responsabilidade do outro contratante, tivesse contribuído, com sua conduta culposa, para a ocorrência dos danos que veio a sofrer. Por isso, a previsão de culpa concorrente no CC/2002, a rigor, não se mostra verdadeiramente incompatível com o Código de Defesa do Consumidor. Além disso, no parágrafo em comento, essa concorrência de culpa acaba ostentando plena coincidência com a regra geral a respeito editada no capítulo da responsabilidade civil (CC 945 e seu comentário).

Por fim, duas últimas ressalvas. Primeiro, a de que, hoje, seja conforme o parágrafo presente, seja de acordo com o CC 945, quando se alude à redução equitativa da indenização, concorrendo culpa da vítima, não se reparte necessariamente em porções iguais o valor da reparação, mas sim proporcionalizado de acordo com o grau de contribuição da vítima para o prejuízo experimentado. Segundo, a de que, havida exclusiva culpa da vítima, causa única do dano ocorrido, não haverá indenização a ser paga pelo transportador, já que quebrado o correspondente nexo de causalidade daquele prejuízo com o serviço do transporte. E, malgrado ausente expressa a alusão do CC/2002 à culpa exclusiva enquanto causa excludente, ao contrário do que está no CDC 14, § 3º, II, sua incidência se deduz mesmo da previsão de que a concorrência de culpa da vítima reduz a indenização. Por isso, sua culpa exclusiva afasta, de todo, a indenização, a propósito, remete-se ao que já expendido nos comentários ao CC 734. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 761-762 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, uma das situações que importam a quebra do nexo causal é o fato da vítima, i.é, quando a própria vítima desatende ao dever de cuidado e auxilia de algum modo na ocorrência do dano.

Avisos e instruções do transportador reforçam o dever de cuidado dos passageiros e, segundo critério de razoabilidade, podem ser cobrados dos mesmos, com a finalidade de imputar-lhes parte da responsabilidade na causação de dano e até mesmo para isentar o transportador.

O artigo 742 confere ao transportador o direito de retenção sobre a bagagem do passageiro, para a garantia de eventuais créditos que tenha contra ele. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 20.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 739. O transportador não pode recusar passageiros, salvo os casos previstos nos regulamentos, ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado o justificarem.

Sob o prisma de Claudio Luiz Bueno de Godoy, em primeiro lugar, há serviços de transporte que, mesmo entregues à execução dos particulares por concessão, permissão ou autorização, são públicos e essenciais, assim de prestação continuada e que, portanto, não podem ser recusados. Veja-se, a propósito, o já expendido no comentário ao CC 731, bastando lembrar, como exemplo, o transporte coletivo municipal, tal como está no CF 30, V, que, ademais, deve ser combinado com o CDC 22.

Mas, de maneira geral, colocando-se o transportador em estado de oferta pública e permanente, obriga-se à contratação perante um público indistinto de usuários, desde que paguem o bilhete e se mantenham adequados às condições gerais que permitam a escorreita prestação do serviço, de forma segura e sem perturbar os demais passageiros, assim, antes de mais nada, conforme as circunstâncias já mencionadas no artigo anterior, e por isso, exemplificativamente, sendo recusável o embarque de passageiro menor desacompanhado ou não autorizado, na forma e quando o exija a Lei n. 8.069/90 (ECA).

Porém, mais ainda, salienta o artigo agora em comento que o transporte poderá ser igualmente recusado se o passageiro, além de não atender às instruções legais ou regulamentares, apresentar-se ao transporte em condições de saúde e higiene que potencialmente afetem ou prejudiquem os demais passageiros. Nesse pondo, de novo incide a concorrência normativa do Código de Defesa do Consumidor, que autoriza a recusa do fornecimento do serviço, no art. 49, II, em conformidade com os usos e costumes. É o que se entende também aplicável de maneira geral ao transporte, porquanto na senda de sua principiologia e posto não se trata, na hipótese fática, de relação de consumo. Pense-se no exemplo do passageiro que não se ostente convenientemente trajado, o que se deve aferir in rebus, conforme a época e o lugar do transporte.

Por fim, mas não em diferente sentido, mesmo causas inespecíficas no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, desde que consonantes com a finalidade de preservar, de maneira geral, a regular prestação do serviço de transporte, devem ser admitidas como fonte de recusa do passageiro. Assim, qualquer hipótese de risco à segurança, não só à saúde alheia ou aos bons costumes. Pense-se, como exemplo, em pessoa que queira embarcar acompanhado de animal perigoso. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 762 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na linha da doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, em princípio, não se admite a recusa de contratar por parte do transportador, a não ser nos casos previstos nos regulamentos, ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado o justificarem. Imagine-se o caso de o passageiro se apresentar exalando mau cheiro extremo, incomodando e perturbando os demais passageiros, ou com saúde tão debilitada que só devesse ser transportado em ambulância.

Embora este artigo não mencione expressamente, devem ser incluídas outras situações, como a do passageiro que se encontra em trajes menores, indecentemente, ou o que está completamente embriagado ou drogado, ou que porta, na cintura, ostensivamente, arma branca ou de fogo. Isto para não falar em viajante que forçou a entrada em ônibus interurbano, na rodovia Transamazônica, trazendo uma serpente enrolada no braço, alegando que a cobra venenosa era seu animal de estimação, e tinha de viajar em sua companhia. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 390 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na toada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o transporte de passageiros é, ordinariamente, atividade que conforma relação de consumo. O Código de Defesa do Consumidor veda a discriminação de consumidores e a recusa de atendimento às suas demandas, na medida da possibilidade do fornecedor (CDC 39, II).

O dispositivo em questão concretiza a regra geral relativamente ao contrato de transporte. Em regra, não pode o transportador recusar passageiros. Somente poderá fazê-lo diante de circunstâncias graves que ponham em risco o próprio transporte e os demais passageiros. A menção às condições de higiene e de saúde do interessado no dispositivo é meramente exemplificativa. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 20.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).