quarta-feira, 17 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.574, 1.575, 1.576 Da Dissolução da Sociedade e Do Vínculo Conjugal - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.574, 1.575, 1.576

Da Dissolução da Sociedade e Do Vínculo Conjugal

 - VARGAS, Paulo S. R. -  Parte Especial –  Livro IV

Do Direito de Família – Título I – Do Direito Pessoal –

Subtítulo I – Do casamento – Capítulo X – Da Dissolução

Da Sociedade e do Vínculo Conjugal – (Art. 1.571 a 1.582)

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 Art. 1.574. Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção.

Parágrafo único. O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges.

Como observa Milton Paulo de Carvalho Filho, o artigo trata de separação consensual ou amigável, como modalidade da separação judicial. A Lei n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007, que acrescentou o art. 1.124-A ao Código de Processo Civil/1973 (hoje elencado no art. 733 do CPC/2015), passou a permitir a separação consensual também de forma extrajudicial, mediante escritura pública, disciplinando-a no referido artigo, como se verá a seguir. Na judicial, as partes, de comum acordo, podem solicitar a dissolução da sociedade conjugal após o período mínimo de um ano do casamento, prazo definido como de experiência. Contudo, diante da diretriz do Código Civil de intervenção mínima nas relações familiares e tendo em vista que não há na Constituição da República exigência de tal prazo para a separação amigável, a doutrina tem sustentado a inconveniência do requisito objetivo ora referido, havendo, inclusive, proposta para que seja alterado (Projeto de Lei n. 276/2007). O casal elaborará convenção escrita que será homologada pelo juiz. Não há a necessidade de que seja declinada a causa da separação. O acordo deverá disciplinar obrigatoriamente a guarda dos filhos, o direito de visitas (v. comentário ao CC 1.589), os alimentos, o nome do cônjuge (v. comentário ao CC 1.578). Como as disposições de cunho processual da Lei n. 6.515, de 26.12.1977, não foram revogadas pelo atual Código, os requerentes deverão atender ao disposto no art. 34 da Lei do Divórcio e nos arts. 1.120 a 1.124-A do Código de Processo Civil/1973, (hoje correspondendo aos arts. 731 e 733, respectivamente, no CPC/2015).

O casal também poderá optar (v. art. 2º da Resolução n. 35 do CNJ, de 24.04.2007), quando, entre outras razões, não pretender a preservação do segredo de justiça (como proteção à dignidade humana, é possível, no entanto, sustentar a incidência da norma contida no art. 155, II, do Código de Processo Civil/1973, (correspondendo hoje ao art. 189, II no atual CPC/2015), para restringir a publicidade do ato - veja-se, a propósito, o item 11.11.8.6 do Provimento n. 110 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Paraná), pela separação consensual extrajudicial, que se dará por escritura pública e que não dependerá de homologação judicial, exigindo, além do consenso do casal, do preenchimento dos seguintes requisitos para que seja lavrada: 1 - prova de um ano de casamento; 2 - manifestação da vontade espontânea e isenta de vícios em não mais manter a sociedade conjugal e desejar a separação conforme as cláusulas ajustadas que expressam; 3 - ausência de filhos menores ou incapazes do casal; e 4 - assistência das partes por advogado, que poderá ser comum (cf. art. 47 da Resolução citada). Quanto à capacidade dos filhos, a lei se refere à civil, de modo que os filhos emancipados, ainda que menores, não constituirão óbice à realização da separação, como, aliás, assentou entendimento o art. 47 da Resolução n. 35 do CNJ. Contudo, adverte Rolf Madaleno (Separação Extrajudicial e fraude, Coord. Antonio Carlos Mathias Coltro e Mário Luiz Delgado. São Paulo, Método, 2007, p. 246), deverá o tabelião “estar atento para pesquisar se a emancipação não teve por objeto burlar a vedação de acesso à separação ou ao divórcio extrajudicial, quando filho menor ou incapaz (art. 1.124-A do CPC/1973 hoje elencado no art. 733 do CPC/2015), e se a sua finalidade não foi apenas a de exonerar os genitores da imprescindível pensão alimentícia do filho que não tem meios próprios de subsistência. Nesse caso, a emancipação não será de molde a permitir a formalização da escritura pública de separação ou divórcio extrajudicial dos pais do emancipado”. De outra parte, ainda que resolvidas prévia e judicialmente todas as questões referentes aos filhos menores (p. ex. guarda, visitas, alimentos), não poderá ser lavrada escritura pública de separação ou divórcio consensuais. Os bens do casal podem ser partilhados por escritura pública ou não (nessa última hipótese, não se deve olvidar do disposto no CC 1.523, III, deste Código, já que a nova lei também se aplica ao divórcio - ver comentário ao CC 1.581), conforme a opção escolhida, constituindo a escritura título hábil para a transferência da titularidade dos bens móveis e imóveis partilhados. Havendo bens a serem partilhados na escritura, distinguir-se-á o que é do patrimônio individual de cada cônjuge, se houver, do que é do patrimônio comum do casal, conforme o regime de bens, constando isto do seu corpo. A partilha em escritura pública de separação consensual se fará conforme as regras da partilha em inventário extrajudicial, no que couber, com as adaptações necessárias (ver ainda comentário ao CC 1.581). A pensão alimentícia também poderá ser estabelecida na escritura pública, de acordo com a vontade das partes, maiores e capazes, vedada qualquer imposição do notário. Quanto a esta, é possível, por mútuo consenso, a elaboração de escritura pública de retificação da cláusula relativa à obrigação alimentar ajustada anteriormente. No que se refere à possibilidade de inserção na escritura pública de cláusula de renúncia a alimentos, aplica-se a regra do CC 1.707 deste Código apenas ao procedimento administrativo de separação judicial consensual e não ao divórcio direto ou indireto, porquanto a irrenunciabilidade do direito a alimentos entre cônjuges somente é admitida enquanto subsista vínculo de direito de família (ver comentário ao CC 1.707). Também será admitido que da escritura conste cláusula de fixação de pensão devida por um ou por ambos os genitores em favor dos filhos necessitados, ainda dependentes, maiores de 18 anos (por exemplo, sem emprego e cursando ensino superior). O descumprimento da obrigação alimentícia pactuada dará ensejo à execução (CPC/1973, art. 585, II, hoje elencado no art. 784, II, no CPC/2015), podendo o credor valer-se do disposto nos arts. 732 e 733 do CPC/1973, hoje elencados nos arts. 528 e 530 no CPC de 2015, (v. arts. 693 a 699 e 913, 811 e ss e 911 relacionados, nessa ordem. (Nota VD). Da escritura ainda poderá constar a alteração de nome de algum dos cônjuges, podendo o interessado, mediante declaração unilateral, retificar por nova escritura a anterior para voltar a usar o nome de solteiro. Ressalte-se, por fim, que a cláusula de acordo firmada em separação judicial consensual pode ser alterada na via administrativa desde que haja consenso das partes e atenda os limites impostos pela Lei n. 11.441/2007.

O parágrafo único do artigo autoriza o juiz - portanto, na separação consensual judicial - a recusar a homologação quando não forem preservados os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges, muito embora também possa propor às partes as alterações que entender convenientes para evitar a recusa, chancelando a separação a seguir. O juiz poderá negar a homologação se verificar a insinceridade do pedido de um dos cônjuges, se vislumbrar no acordo que a vontade de um deles está dominada pela do outro, ou se perceber que a separação é concedida por um dos consortes mediante pacto leonino que prejudica, gravemente, o outro e a prole, não atendendo a seus interesses (veja DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: direito de família. São Paulo, Saraiva, 2002). A decisão, passível de recurso, deve ser fundamentada e limitada à recusa, não podendo o juiz alterar a convenção das partes. Estas, por sua vez, podem concor­dar com as ponderações do juiz e apresentar um novo pedido de separação com as alterações que acharem convenientes. Já na separação consensual extrajudicial, “o tabelião poderá se negar a lavrar a escritura de separação ou divórcio se houver fundados indícios de prejuízo a um dos cônjuges ou em caso de dúvidas sobre a declaração de vontade, fundamentando a recusa por escrito” (Resolução n. 35 do CNJ, art. 46, ver ainda art. 32). Com efeito, o notário não pode chancelar ilegalidades, por isso, deverá suscitar dúvida, quando uma disposição proposta estiver contrária à lei. A lavratura de escritura com a inobservância de norma legal dará ensejo à possível ação anulatória do ato jurídico, por vício de consentimento. 

Sobre a disciplina das novas regras contidas na Lei n. 11.441/2007, que permitiu a realização de separação e divórcio por escritura pública, vejam-se as orientações extraídas das “Conclusões do Grupo de Estudos instituído pela Portaria CG n. 1/2007 da Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”, de fevereiro de 2007; a Resolução n. 35 do Conselho Nacional de Justiça, de 24.04.2007; o Provimento n. 2/2007, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Acre; o Provimento n. 4/2007, da Corregedoria Geral de Justiça do Estado da Bahia; o Provimento n. 2/2007, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Mato Grosso; o Provimento n. 164/2007, da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais; o Provimento n. 3/2007, da Corregedoria Geral de Justiça do Estado da Paraíba; o Provimento n. 110/2007, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Paraná; e o Provimento n. 4/2007 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.707-709  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

No histórico que acompanha a doutrina de Ricardo Fiuza, embora esteja com enumeração errada (art. 1.374, quando na realidade trata-se do artigo em comento CC 1.574), no  texto original do projeto, inicialmente mantido pela Câmara dos Deputados, o dispositivo não continha o parágrafo único, que foi acrescido no Senado Federal e mantido em sua aprovação final na Câmara dos Deputados, corrigindo-se a falha da legislação anterior, que residia na utilização do verbo “comprovar” em vez do verbo “apurar” (Lei n. 6.515/77, § 2k).

• A separação consensual é um distrato com requisitos e formalidades especiais, porque a vontade das partes determina a dissolução da sociedade conjugal, mas se submete a requisitos e obedece a formalidades específicas, diante dos efeitos que opera. 

• A separação consensual também é regulamentada pelo art. 1.121, incisos I a IV e parágrafo único, do Código de Processo Civil/1973, (nos arts. 1.120 a 1.124-A do Código de Processo Civil/1973, hoje correspondendo aos arts. 731 e 733, respectivamente, no CPC/2015, Nota VD).  (Este falava da  Separação Consensual, v. arts. 693 a 699, relacionados, hoje correspondendo ao art. 731 no CPC/2015. V. também art. 732 a 734 relacionados) pelo qual a petição respectiva deverá conter o acordo sobre a guarda dos filhos menores, a pensão alimentícia a eles destinado e os alimentos entre os cônjuges, sendo que a partilha dos bens comuns poderá ser realizada após a homologação da dissolução da sociedade conjugal, na forma estabelecida nos arts. 982 a 1.045 do mesmo Diploma Processual/1973, hoje elencados do art. 610 a 673 do CPC/2015 (Nota VD). Assim, a dissolução consensual da sociedade conjugal é limitada em seu exercício e também em seu conteúdo, havendo cláusulas obrigatórias, sem as quais a separação não pode ser homologada, devendo o acordo dispor sobre a guarda dos filhos menores e a pensão a eles destinada; quanto à pensão entre cônjuges, não é cláusula essencial, podendo a convenção ser omissa a respeito, o que equivalerá à dispensa desse direito (v. Yussef Said Cahali, Divórcio e separação, 9. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 222 e 223).

• A intervenção judicial na homologação da separação por mútuo consentimento é imposta por lei, tendo caráter essencial para que seja dissolvida a sociedade conjugal, sendo facultado ao juiz recusá-la, conforme o parágrafo único do dispositivo, mas esse poder de recusa limita-se à homologação da separação judicial, não cabendo ao Poder Judiciário alterar a convenção. O art. 34, § 2º, da Lei n. 6.515/77 estabelecia que o juiz deve “comprovar” que o acordo não preserva os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges, o que era uma falha, já que descabe ao juiz a comprovação das razões da recusa da homologação, devendo, outrossim, declarar ou apurar os motivos respectivos, para que, em caso de inconformismo dos cônjuges, possam eles apelar da sentença. Assim, essa falha legislativa foi corrigida no artigo em análise, seguindo nossas sugestões anteriores (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 94, nota 247). 

• O requisito referente ao prazo de duração do casamento, que na legislação anterior era de dois anos (Lei n. 6.515/77, Art. 49), temem vista proporcionar aos cônjuges certo tempo para a verificação da possibilidade de continuação da vida em comum. No entanto, os cônjuges não podem ser acorrentados a um casamento “falido” ou “falhado” (v. João de Matos Antunes Varela, Dissolução da sociedade conjugal, Rio de Janeiro, Forense, 1980, n. 31). Deve ser eliminado o prazo de duração do casamento para a decretação da separação consensual, inclusive em face da diretriz do Código Civil de intervenção mínima nas relações familiares. Saliente-se que, embora a Constituição Federal, no Art. 226, § 6~, impossibilite a decretação do divórcio direto se não houver separação de fato por dois anos, essa vedação constitucional inexiste no que se refere à separação judicial. Observe-se, também, que a separação de fato do casal possibilita a constituição de união estável, conforme o CC 1.723, § lº , não fazendo sentido, também por isso, vedar a separação consensual por falta do decurso do prazo de dois anos contados do casamento. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 797, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

No coerente e atualizado comentário do Mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, partindo do Direito anterior: arts. 4º e 34 da Lei n. 6.515/77 (Lei do Divórcio); art. 318 do Código civil de 1916; art. 82, § 4º, do Dec. n. 181/1890). Referencias normativas: Procedimentos e requisitos: arts. 731 e 733 do CPC (Lei n. 13.105/15); regulamentação da escritura pública de separação: Resolução n. 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça:

Conforme foi salientado nos comentários ao CC 1.572, a regulamentação da separação judicial litigiosa perdeu sentido prático com a promulgação da Emenda constitucional n. 66/2010, que possibilitou a qualquer dos cônjuges requerer o divórcio direito a qualquer tempo, sem que para tanto tenha de alegar justificativa especial.

O mesmo não se pode dizer a respeito da separação por mútuo consentimento. Ainda que tenha tido sua importância reduzida, o referido instituto jurídico mantém sua aplicabilidade prática como, aliás, reconheceu o Superior Tribunal de Justina no Recurso Especial n. 1.247.098-MS, relatado pela Ministra Maria Isabel Gallotti, que versava justamente sobre pedido de separação judicial consensual (REsp 1.247.098-MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, por maioria, j. em 14/03/2017).

Embora grande parte da doutrina entenda que a Emenda Constitucional revogou o instituto da separação judicial, institutos de direitos privado têm, em regra, existência jurídica independente de previsão constitucional. Assim, a ausência de previsão constitucional não importa, por si só, a extinção do instituto da separação judicial, quanto mais se, como ocorre, ela não leva à dissolução do casamento, propriamente dito, mas da sociedade conjugal.

Não há dúvida de que a possibilidade aberta pela emenda constitucional n. 66/2010 de um só dos cônjuges poder “resilir” unilateralmente o casamento, independentemente de prazo e da anuência do outro cônjuge esvaziou sobremaneira o instituto da separação judicial, inclusive o da separação judicial por acordo dos cônjuges, o que significa, em termos práticos, torna-lo raro.

A pouca utilização de um instituto jurídico, no entanto, não significa sua revogação. Vale lembrar o exemplo do regime de bens dotal, que nunca foi utilizado no brasil, nem antes, nem depois de ser positivado pelo código Civil de 1916. O desuso do referido instituto nunca ensejou a alegação de sua revogação, ao menos até a Constituição de 1988, quando muitos entenderam que era incompatível com a igualdade jurídica dos cônjuges. O direito privado tipifica fórmulas que disponibiliza aos particulares para que delas se sirvam conforme seus interesses e necessidades. Desse modo, não se pode menosprezar o fato de que, apesar de os cônjuges poderem requerer o divórcio direto, possam ainda se valer da separação judicial consensual a fim de atender a uma necessidade rara e específica, como o interesse de poderem vir a reavivar o vínculo matrimonial mediante simples petição, caso venham a se arrepender da separação. 

Além de ser aplicável a uma tal situação, a eficácia do dispositivo remanesce quanto à sua parte final, por ser aplicável ao divórcio, uma vez que ele não é repetido nos dispositivos que regulam este. Em outras palavras, o juiz pode recusar o acorde de divórcio se verificar que ele não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges. A tradição anterior à Emenda constitucional n. 66/2010 era no sentido de condicionar a sentença de separação judicial e de divórcio à solução das questões relativas aos filhos e aos cônjuges, notadamente, quanto aos alimentos. A possibilidade de divórcio direito inverte essa lógica: o juiz somente pode recusar a homologação da separação judicial e do divórcio se constatar que há risco para os filhos ou para os cônjuges. Se não há constatação de risco, não há que se recusar a separação judicial ou o divórcio direto, ainda que as questões subjacentes à separação e ao divórcio não tenham sido solucionadas. A solução pode advir, inclusive, de medida judicial provisória, como o deferimento de alimentos provisionais, afastamento do lar e regulação provisória da guarda e das visitas aos filhos. 

O artigo 731 do Código de Processo Civil regula o procedimento da separação por mútuo consentimento judicial e o artigo 733 da mesma lei autoriza sua realização mediante escritura pública, em conformidade com o que já dispunha o artigo 1.124-A do revogado Código de Processo civil de 1973. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.574, acessado em 17.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.575. A sentença de separação judicial importa a separação de corpos e a partilha de bens. 

Parágrafo único. A partilha de bens poderá ser feita mediante proposta dos cônjuges e homologada pelo juiz ou por este decidida. 

Na visão de Milton Paulo de Carvalho Filho, a separação judicial ou extrajudicial tem como consequência a separação de corpos. Esta poderá ser concedida até mesmo antes do ajuizamento daquela ou do requerimento conjunto perante o tabelião do cartório, quando a urgência da situação recomendar, e tem por fundamento legal o disposto nos arts. 796 e seguintes do Código de Processo Civil/1973 (V. arts, 294, 295, 300, 301, 303, 304, 1059, relacionados nas Disposições Gerais Título I, Livro V – Da Tutela Provisória do CPC/2015, bem como art. 297 e 299, e parágrafo único do mesmo Códex,(Nota VG), e no CC 1.562 do Código Civil (veja comentário). A medida cautelar implica a suspensão do dever de coabitação e fidelidade recíproca e pode ser requerida por um ou por ambos os cônjuges, sendo que nessa última hipótese a medida poderá ser estabelecida também de forma extrajudicial, consoante exposto em comentário ao CC 1.562. A providência cautelar tem relevância para a contagem do prazo exigido pelo CC 1.580, pois é o marco inicial para a conversão da separação em divórcio, que também poderá ocorrer extrajudicialmente. A separação de fato não impede o ingresso do processo cautelar. Na separação de corpos cautelar o juiz poderá dispor sobre a guarda dos filhos, como autoriza o CC 1.585, observando o disposto no CC 1.584 e seu parágrafo único (veja comentário). A separação judicial ou extrajudicial também importa a partilha de bens proposta pelos cônjuges e homologada pelo juiz ou constante da escritura pública. Caso não cheguem a um acordo, a separação não poderá ser negada, até mesmo por força do disposto no CC 1.581 (veja ainda Súmula n. 197 do STJ), ficando a partilha relegada ao procedimento próprio de inventário judicial (CPC, art. 1.121, § Iº) ou extrajudicial (CPC, art. 1.124-A (V. modificações aplicadas ao artigo anterior referentes ao CPC/2015, (Nota VG). Nesse sentido é também o Enunciado n. 255 da III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: “ não é obrigatória a partilha de bens na separação judicial”. Da mesma forma, não o será na separação extrajudicial, conforme afirmado no artigo antecedente. Exatamente por esse motivo é que existe proposta de alteração do referido dispositivo no Projeto de Lei n. 276/2007, a fim de que não se deixe a impressão de que a realização da partilha é obrigatória para que ocorra a separação judicial, e agora também a extrajudicial, eliminando-se, ainda, do mesmo dispositivo, a referência sobre a separação de corpos, já mencionada no artigo subsequente que dispõe sobre a extinção do dever de coabitação. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.710-11.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina de Ricardo Fiuza, este artigo, ao utilizar o verbo ‘importar”, exige a realização da partilha de bens na separação judicial. No entanto, a divisão de bens na separação judicial não pode ser obrigatória, conforme o sistema do novo Código, que prevê a decretação do divórcio sem divisão prévia do patrimônio do casal (CC 1.581). Se o divórcio é possível sem partilha prévia de bens, é evidente que a separação judicial pode ser decretada sem essa partilha.

• A separação de corpos é consequência já determinada no artigo seguinte: extinção do dever de coabitação, de modo que essa disposição é redundante. O presente artigo deveria somente fazer referência à partilha de bens proposta pelos cônjuges e homologada pelo juiz ou por este decidida, bem como esclarecer que, em caso de litígio entre os cônjuges, deverá ser realizada em juízo sucessivo, já que, antes de sua efetivação, é decretada a separação judicial, processando-se nos mesmos autos desta (v. Yussef Said Cahali, Divórcio e separação, 9. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 792-804). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 798, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, e baseando-se no Direito anterior: art. 7º da Lei n. 6.515/77 (Lei do Divórcio); art. 322 do Código Civil de 1916. Referencias normativas: Separação de corpos: CC 1.562; efeitos da separação judicial: arts. 1.576, 1.578, 1.580, 1.583 a 1.590, 1.597, inciso II, 1.702 a 1.704 e 1.829 do Código Civil.

São efeitos da separação judicial: a) separação de corpos (CC 1.575 e 1.576); b) partilha de bens (CC 1.575 e 1.576); c) fim dos deveres de coabitação, mútua assistência e fidelidade recíproca (CC 1.576); d) extinção do regime de bens (CC 1.576); e) extinção da presunção de paternidade (inciso II do CC 1.597); f) possibilidade de alteração do nome de casado (CC 1.578) e, g) extinção da condição de herdeiro (CC 1.830). 

O artigo 1.575 cuida da separação de corpos e da partilha dos bens. Relativamente à primeira, o fim da sociedade conjugal põe termo ao dever de coabitação, conforme o artigo 1.576, e impõe, em regra, que os cônjuges passem a ter domicílios distintos, embora não haja óbice para que continuem a manter o mesmo domicilio se lhes convier. Nos processos litigiosos, a separação de corpos é, em regra, requerida e deferida no início do processo, mediante o manejo de tutela de urgência (cf. comentários ao CC 1.562).

A extinção da sociedade conjugal implica, igualmente, a extinção do regime de bens e a partilha destes. No processo de separação e de divórcio a partilha amigável pode ser homologada pelo Juiz na sentença em que decreta a separação ou o divórcio, se a causa estiver “madura”, i.é, se houver elementos para tanto ou, caso não tenha sido feita a prova de elementos necessários ao julgamento da partilha ou haja litígio, pode ser decidida nos próprios autos após a decretação da separação ou do divórcio. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.575, acessado em 17.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.576. A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens.

Parágrafo único. O procedimento judicial da separação caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados pelo curador, pelo ascendente ou pelo irmão. 

O histórico que antecede a doutrina de Ricardo Fiuza aponta que, do cotejo do texto inicialmente aprovado pela Câmara dos Deputados —“A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens, como se o casamento fosse dissolvido” — com o texto aprovado pelo Senado Federal — “A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens”, verifica-se que houve apenas a supressão da parte final do dispositivo, que era desnecessária.

Em sua Doutrina, para o Relator Ricardo Fiuza, o dispositivo não faz referência ao divórcio direto, assim como não o fazia a legislação anterior (Lei n. 6.515/77. Art. 32, capta), o que é uma lacuna que deve ser corrigida. 

• Outra falha do dispositivo é que se refere somente à extinção dos deveres de fidelidade e coabitação, como se os demais deveres — mútua assistência e respeito e consideração mútuos — permanecessem após a separação judicial, quando é somente o dever de assistência material que, em hipóteses determinadas em lei, converte-se em obrigação de alimentos (v Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Dever de assistência imaterial entre cônjuges, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990, p. 226).

• A separação de fato entre os cônjuges é uma situação por eles frequentemente vivenciada, razão pela qual não deve ser olvidada pelo legislador, especialmente quanto aos efeitos patrimoniais. Vários julgados já reconheceram, contrariamente ao que já dispunha o art. 32, caput, da Lei n. 6.515/77, que diante de prolongada separação de fato não se aplicam os ditames do regime da comunhão de bens. Isso porque, cessada a coabitação, via de regra desaparece a affectio societatis, que é a base da comunhão de bens no matrimônio. Além disso, a continuidade da plena vigência do regime de bens na separação de fato pode conduzir a situações de enriquecimento ilícito daquele que em nada contribuiu na aquisição do patrimônio. Na Doutrina, destaca-se artigo de autoria de Segismundo Gontijo, intitulado: Do regime de bens na separação desate (R22~73aIG3I-59), em que é analisado esse tema e referida a jurisprudência a respeito. Citem-se as ementas dos seguintes acórdãos oriundos dos Tribunais estaduais: “A orientação jurisprudencial reconhece incomunicáveis os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges, durante simples separação de fato, precedente à separação judicial ou ao divórcio” (TJSP, 2º Câmara Civil, Rel. Des. Roberto Bedran, j. 25-10-1994, RT, 716/148); “Divórcio. Partilha. Bens adquiridos durante a separação de fato. Incomunicabilidade do bem adquirido. Exclusão do imóvel da partilha. Recurso provido. O regime de bens é imutável, mas, se o bem foi adquirido quando nada mais havia em comum entre o casal, repugna ao Direito e à moral reconhecer comunhão apenas de bens e atribuir metade desse bem ao outro cônjuge” (TJSP, rei. Des. Campos Mello, j. 5-8-1992, RJTJSP, 141/82); “Divórcio. Partilha. Meação de bem imóvel herdado pelo varão na constância do matrimônio. Hipótese de prolongada separação de fato do casal, que caracteriza o rompimento fático do vínculo. Inexistência de ofensa ao princípio da imutabilidade do regime de bens no casamento” (TJSP, Rel. Des. Alves Braga, j. 3-3-1988, RJTJSP, 114/102). Citem-se os seguintes acórdãos do Superior Tribunal de Justiça que reconhecem efeitos patrimoniais à separação de fato, com a extinção do regime de bens: “A cônjuge virago separada de fato do marido há muitos anos não faz jus aos bens por ele adquiridos posteriormente a tal afastamento, ainda que não desfeitos, oficialmente, os laços mediante separação judicial” (STJ, 4’ T., REsp 32218, Rel. Mm. Aldir Passarinho Junior, j. 17-5-2001, 11)/de 3-9-2001); “Casamento (efeitos jurídicos). Separação de fato (5 anos). Divórcio direto. Partilha (bem adquirido após a separação). Em tal caso, tratando-se de aquisição após a separação de fato, à conta de um só dos cônjuges, que tinha vida em comum com outra mulher, o bem adquirido não se comunica ao outro cônjuge, ainda quando se trate de casamento sob o regime da comunhão universal” (STJ, 3’ T., REsp 67678/RS, Rel. Mm. Nilson Naves, j. 19-11-1999, DJ, 14-8-2000); “Divórcio Direto. Separação de fato. Partilha de bens.

1. Não integram o patrimônio, para efeito da partilha, uma vez decretado o divórcio direto, os bens havidos após a prolongada separação de fato. 

2. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, 3’ T., REsp 40785/RI, rel. Mm. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 19-11-1999, DJ de 5-6-2000); “Divórcio. Partilha de bens. Meação reivindicada pelo marido em bens havidos pela mulher após longa separação de fato. Não se comunicam os bens havidos pela mulher após longa separação de fato do casal (aproximadamente vinte anos ). Precedentes da 4ª Turma” (STJ, 4’ T.. REsp 86302/RS, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 17-6-1999, Dl de 6-9-1999); “Casamento. Comunhão de bens. Bens adquiridos depois da separação de fato. Adquirido o imóvel depois da separação de fato, quando o marido mantinha concubinato com outra mulher, esse bem não integra a meação da mulher, ainda que o casamento, que durou alguns meses, tivesse sido realizado sob o regime da comunhão universal” (STJ, 4’ T., REsp 140694/DE Rel. Mm. Ruy Rosado de Aguiar, j. 13-10-1997, D.J de 15-12-1997); “Separação de fato. Bens adquiridos após a separação. Alienação. Os bens adquiridos pelo marido após 30 anos da separação de fato não integram a meação” (STJ, 4’ T., REsp 60820/RI, rei. Mm. Ruy Rosado de Aguiar,j. 21-6-1995, DJ de 14-8-1995).

• Saliente-se que, no sistema do novo Código, o Art. 1.723, § l~, possibilita a constituição de união estável diante de simples separação de fato no casamento de um dos partícipes daquela relação, sendo que o Art. 1.725 estabelece o regime da comunhão parcial nas uniões estáveis, o que também toma necessária a modificação desse dispositivo.

• A ação de separação judicial tem caráter pessoal, razão pela qual a legitimidade em sua propositura e na respectiva defesa é atribuída aos cônjuges, com exclusividade, como já dispunha o art. 3~, § l~, da Lei n. 6.515 fl. 7. Já que a sociedade conjugal é formada pelos cônjuges, o interesse em dissolvê-la somente a eles compete, cabendo-lhes avaliar a conveniência da sua manutenção, a insuportabilidade da vida em comum diante de violação a dever conjugal, bem como, em caso de dissolução, o meio a ser utilizado para tanto, se consensual ou litigioso. Somente na hipótese de incapacidade, que deve ser mental, já que a incapacidade por menoridade deixa de existir pelo casamento, que opera a emancipação (Art. 5º , II), é estabelecida a possibilidade de representação pelo curador, ascendente ou irmão (v. Yussef Said Cahali, Divórcio e separação, 9. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 81-100).

• Sugestão legislativa: Pelas razões antes expostas, ofereceu-se ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão legislativa: Art. 1.576. A separação judicial e o divórcio põem termo aos deveres conjugais recíprocos, salvo as disposições em contrário constantes deste Código. 1º A separação judicial e o divórcio extinguem o regime de bens, aplicando-se este efeito à separação de fato quando demonstrada a incomunicabilidade dos bens, para evitar o enriquecimento ilícito. 2º  O  procedimento judicial da separação caberá somente aos cônjuges e, no caso de incapacidade, serão pelo ascendente ou pelo irmão. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 798-800, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Milton Paulo de Carvalho Filho, a separação põe fim a alguns deveres conjugais recíprocos. Extinguem-se necessariamente os deveres de coabitação, fidelidade e regime de bens. Entenda-se aqui não só a separação judicial referida no artigo, mas a extrajudicial (instituída pela Lei n. 11.441/2007), na medida em que o legislador em nada alterou o instituto da separação em relação ao direito material, não havendo, portanto, distinção entre os efeitos de uma ou outra forma de se oficializar o fim da sociedade conjugal. No plano pessoal, permanece o dever de mútua assistência, prolongado na forma de alimentos, para os casos previstos na lei. Como efeito patrimonial, a separação, que importa a partilha dos bens, conforme art. 1.575, faz cessar, por consequência, o regime matrimonial de bens. A separação de fato do casal também poderá implicar incomunicabilidade dos bens adquiridos nesse período por um dos cônjuges para que não se gere enriquecimento sem causa (veja comentário ao art. 1.642, V). 

Da mesma forma, a separação de corpos impõe o fim do dever de coabitação, porque o presente dispositivo não trata do divórcio como uma causa que, igualmente, extingue os deveres dos cônjuges; porque a norma não se refere expressamente sobre todos esses deveres, mas apenas aos de coabitação e fidelidade recíproca; e, finalmente, porque não faz referência explícita à extinção do regime de bens durante a separação de fato do casal, o que, como já referido anteriormente, implicaria incomunicabilidade dos bens adquiridos nesse período. Há proposta para alteração nesses sentidos no Projeto de Lei n. 276/2007, em trâmite no Congresso Nacional. 

O parágrafo único do artigo assegura o caráter personalíssimo da ação de separação, ao afirmar que ela só poderá ser proposta pelos cônjuges. A ação é intransmissível, devendo ser declarada extinta pelo juiz no caso de morte de um deles, evento que também autoriza a dissolução da sociedade, por força do que dispõe o CC 1.571. A lei ressalva a possibilidade de a ação ser ajuizada ou ter prosseguimento por terceiro - curador, ascendente ou irmão, nesta ordem de preferência - no caso de incapacidade de um dos cônjuges. Na hipótese de interdição do cônjuge, ressalva, cabe à impossibilidade de o pedido de separação ser ajuizado pelo outro cônjuge, curador do interdito, contra quem se pretende a separação (CC, art. 1.775, caput), diante de evidente incompatibilidade de interesses. Isso leva a concluir que na hipótese tratada no referido parágrafo único, ou seja, de pedido de separação, somente o ascendente e o irmão poderão ser os representantes do cônjuge incapaz. A não referência aos descendentes do cônjuge decorre de eventual interesse pessoal que possam vir a ter, causando prejuízo ao incapaz. A representação - na realidade autêntica legitimação extraordinária -, autorizada pela lei, poderá ocorrer tanto na ação de separação litigiosa quanto na consensual, uma vez que a norma legal não fez qualquer distinção. A incapacidade mental do cônjuge - única tratada pelo artigo, por força do que dispõe o art. 5º, II - deve ser reconhecida por decisão judicial. Assim, ele será representado por seu curador. Já a separação consensual extrajudicial poderá ser requerida pelos cônjuges pessoalmente, os quais, contudo, poderão se fazer representar por mandatário constituído, desde que por instrumento público com poderes especiais, descrição das cláusulas essenciais e prazo de validade de trinta dias (Resolução n. 35 do CNJ, art. 36). Isto porque não existe nenhum óbice legal a que tal ato consensual seja praticado por procurador, além do que a exigência de procuração por instrumento público, com os requisitos antes referidos, faz com que se mantenha a solenidade do ato. Ademais, se a lei autoriza a representação por procuração para a habilitação e a celebração do casamento, não há por que impedi-la para a hipótese de separação consensual extrajudicial, sendo, inclusive, admitida a representação de ambos os cônjuges pelo mesmo mandatário, ante a inexistência de conflito de interesses. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.712-13.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Partindo do direito anterior: art. 3º da Lei n. 6.515/77 (Lei do Divórcio); art 322 do Código Civil de 1916; arts. 88 e 91 do Dec. n. 181/1890. Referencias normativas: início da vigência do regime de bens do casamento: CC 1.639, §1º, separação de corpos: CC 1.562; deveres matrimoniais de coabitação e de fidelidade recíproca: CC 1.566, incisos I e II; causas de extinção da sociedade conjugal: CC 1.571; separação de corpos como efeito da separação judicial: CC 1.575; retroação dos efeitos da separação judicial à data da separação cautelar: art. 8º da Lei 6.515/77, Marco Túlio de Carvalho Rocha prepara sua defesa: 

1. A má técnica dos artigos 1.575 e 1.576 do Código Civil. O CC 1.575 prevê que a separação judicial acarreta a separação de corpos e a extinção do regime de bens. Como se vê, o artigo que se comenta o repete em parte, uma vez que a separação de corpos significa, necessariamente, a extinção do dever de coabitação, uma vez que uma mesma conduta não pode ser, a um só tempo, ordenada e proibida. Do mesmo modo, da separação de corpos e do fim do dever de coabitação decorre, atualmente, o fim do dever de fidelidade. A prever a extinção do regime de bens como efeito da separação judicial, os dispositivos igualmente se repetem. O defeito técnico proveio de equivocada tentativa de se reproduzir o conteúdo dos arts. 7º e 3º da Lei n. 6.151 (Lei do Divórcio), que já eram redundantes. 

O erro do Código Civil de 2002, foi ainda maior, pois não reproduziu o artigo 8º da Lei n. 6.515/77 que permitia a retroatividade dos efeitos da sentença de separação judicial à data da concessão da medida cautelar de separação de corpos. A regra era importantíssima, pois estabelecia com clareza o termo final dos efeitos do casamento e, principalmente, do regime de bens.

Na ausência dessa regra, a doutrina e a jurisprudência têm de empreender o esforço hermenêutico principiológico, com todas as divergências que são típicas de processos de concretização desse tipo.

2. Termo final da eficácia do regime de bens. A literalidade dos artigos 1.575 e 1.576 indica que somente o trânsito em julgado da sentença que decreta a separação judicial extingue os deveres matrimoniais e o regime de bens. Esta conclusão representaria, se prevalecesse, grave retrocesso na ordem jurídica, pois o art. 8º da Lei n. 6.515/77 – não reproduzido no Código Civil de 2002 -, permitia que os efeitos da sentença de separação judicial retroagissem à data da “separação cautelar” (cf. CAHALI, Youssef Said. Divórcio e Separação, t. 2. 7. ed. São Paulo: RT, 1991, p. 867).

Na redação original do Código Civil de 1916, o artigo 223 exigia que a referida cautelar precedesse a ação de desquite e a de anulação de casamento. O CC 1.562/2002, diferentemente, apenas faculta o uso da cautelar, que, em razão da disciplina dada à tutela de urgência no Código de Processo civil (arts. 300 a 310), somente pode ser requerida diante da presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. 

Da conjunção de ambos os elementos resulta terem sido reduzidos drasticamente os casos em que as ações de dissolução da sociedade conjugal (separação judicial, anulatória e divórcio) são antecedidas por uma tutela de urgência.

Desse modo, a literalidade dos artigos 1.575 e 1.576 levaria à manutenção dos efeitos do casamento, dos deveres matrimoniais e do regime de bens até o trânsito em julgado da ação que decreta a dissolução do vínculo, com graves prejuízos para as partes que, por esse raciocínio, poderiam se ver presas por longo período, correspondente ao tempo de duração do processo.

A melhor solução para o problema é o entendimento de que a extinção do regime se dá no momento em que cessa a comunhão de vida entre os cônjuges (CC 1.511), o que ocorre, via de regra, quando finda a coabitação, com a separação de fato. O argumento central é de que após o desfazimento da comunhão de vida, nada mais há que justifique a permanência do regime de bens (PEREIRA, Sérgio Gishkow. A separação de fato dos cônjuges e sua influência nos bens adquiridos posteriormente. Ajuris, p. 259-267). No mesmo sentido: TJDF, AC n. 2000.07.1.002.546-8, 1ª T., Rel. des. Hermenegildo Gonçalves, DJU 16.03.2004; TJMG, AC n. 1.0479.03.066.555-4/002, Rel. Des. Kildare Gonçalves, j. 22.09.2005: 

Divórcio direto – Partilha. Bem imóvel adquirido muitos anos após a separação de fato das partes e através do esforço único do varão. Impossibilidade de se deferir a meação à mulher. Precedentes. Recurso improvido (TJSP, AC 307.795-4/0, 3ª CDPriv., Rel. Des. Flavio Pinheiro, j. 11.11.2003, v. u.; RBDFam 26/124) 

Separação litigiosa cumulada com partilha de bens. Cerceamento de defesa. Necessidade de comprovar o momento exato em que houve a separação de fato. Preliminar acolhida. Caracterizada a separação de fato, deixam de se comunicar os bens do casal, mesmo que em regime de comunhão universal. Sentença anulada exclusivamente no que diz respeito à partilha de bens, tendo em vista o cerceamento de defesa. Recurso provido. (TJSP, Ap. Cív. N. 0030990-18.2010.8.26.0068,, Rel. Des. Milton Carvalho, j. 02/02/2012).

Contra esse entendimento, confira, por todos: LEITE, Eduardo de Oliveira. Aquisição de bens durante a separação de fato. Revista de Direito Civil, n. 59, jan-mar/1992, p. 139-149. 

3. Termo final dos deveres de coabitação e de fidelidade reciproca. O que se disse a propósito da fixação do termo final do regime de bens vale, igualmente, para os deveres matrimoniais, notadamente, os de coabitação e o de fidelidade recíproca. Cessada a comunhão de vida mediante a separação de fato dos cônjuges, nada justifica que eles continuem submetidos a tais deveres matrimoniais.

O fim do dever de coabitação após a separação conjugal não impede que, mesmo separados, os ex-cônjuges continuem a viver sob o mesmo teto. 

SEPARAÇÃO JUDICIAL – PEDIDO CONSENSUAL – MORADIA NO MESMO ENDEREÇO. O fato de o casal residir ainda no mesmo endereço não constitui obstáculo para a separação judicial pela via consensual, não dispondo a lei acerca de tal exigência. A separação judicial rompe o dever de coabitação e o regime de bens, mas não impede que o casal more na mesma casa. (TJRS, AI 70007605330, 7ª C. Civ., Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, DOERS 18.12.2003, RBDF 23/124). 

O fim da sociedade conjugal não extingue o dever de mútua assistência. A razão disto é que ele pode persistir, mesmo após a separação conjugal, justificando a fixação de pensão alimentícia a ser paga por um dos cônjuges ao outro.

4. Legitimidade ativa para a ação de separação. O parágrafo único do CC 1.576 dispõe sobre a legitimidade ativa para o ajuizamento da ação de separação. Reconhece a legitimação ordinária do cônjuge, que age por si ou por seu curador, caso seja interditado.

Permite, igualmente, que a ação seja proposta por ascendente ou por irmão do cônjuge. Nestes casos, a legitimação é extraordinária e visa a atender situações emergenciais em que a parte tenha interesse na separação, mas não possa agir diretamente, não tenha ainda curador nomeado ou, tendo, se for curador o próprio cônjuge de quem se quer se separar. Obviamente, o irmão ou o ascendente deve agir no interesse do cônjuge que deseja se separar. Se não o fizer, i.é, se agir por conta própria e sem consultar o interesse da parte, cometerá abuso do direito e ficará sujeito a indenizar os prejuízos que vier a causar.  (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.576, acessado em 17.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 16 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.571, 1.572, 1.573 Da Dissolução da Sociedade e Do Vínculo Conjugal - VARGAS, Paulo S. R

                                 Direito Civil Comentado – Art. 1.571, 1.572, 1.573

Da Dissolução da Sociedade e Do Vínculo Conjugal

 - VARGAS, Paulo S. R. -  Parte Especial –  Livro IV –

Do Direito de Família – Título I – Do Direito Pessoal –

Subtítulo I – Do casamento – Capítulo X – Da Dissolução

Da Sociedade e do Vínculo Conjugal – (Art. 1.571 a 1.582)

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Art. 1.571. A sociedade conjugal termina: 

I - pela morte de um dos cônjuges;

II - pela nulidade ou anulação do casamento;

III - pela separação judicial;

IV - pelo divórcio.

§ Iº O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.

§ 2º Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial.

Trabalho de base de sua fundamentação ao Título de Mestre de Marco Túlio de Carvalho Rocha. Direito anterior: Arts. 2º, 17 e 18 da Lei n. 6.515/77 (Lei do Divórcio); art. 315 do Código Civil de 1916; arts. 88 e 93 do Decr. 181/1890. Referências normativas: Morte real e presumida: arts. 6º e 8º do Código Civil; invalidade matrimonial: CC 1.548 a 1.564; Separação Conjugal: CC 1.572 a 1.578; Disposições específicas sobre processos judiciais de família: Arts. 693 a 699 do CPC; Divórcio: § 6º do art. 226 da Constituição da República e CC 1.581 e 1.582; Ausência: CC 6º e 22 a 39; nome de casado: CC 1.565, § 1º. 1. Noção de sociedade conjugal. Sociedade conjugal é instituto que tem origem no Direito Canônico. Tendo-se em vista que o cristianismo não admite a dissolução do casamento (Paulo, I Co, 10:11), a ideia de existência de uma “sociedade conjugal” distinta do “casamento”, possibilitou à tradição canônica admitir a dissolução da primeira sem prejuízo à conservação do segundo. A separação com permanência do vínculo ou “separação de cama e mesa” (quoad torum et mensam) suspende, para o Direito Canônico, os deveres matrimoniais (Cânones 1.151 a 1.155 do Código de Direito Canônico de 1983).

O Direito Civil recebeu o instituto sob o nome de desquite e de separação judicial,, dando-lhe efeitos mais amplos. Pela cessação da sociedade conjugal sem a dissolução do casamento somente subsiste o impedimento matrimonial: uma vez que não se atinge a dissolução do casamento, em si, pessoas separadas judicialmente não estão ainda habilitadas a contrair novas núpcias.

A única causa que põe fim à sociedade conjugal sem atingir o casamento em si é a separação judicial. Todas as demais causas de extinção da sociedade conjugal extinguem igualmente o casamento: a) a morte de um dos cônjuges; b) a anulação do casamento; e c) o divórcio.

2. Da vigência da separação conjugal no direito brasileiro. A Emenda Constitucional n. 66/2010 alterou o § 6º do art. 226 da Constituição Federal para suprimir o requisito de prévia separação judicial ou de fato que antes condicionava o divórcio. Com a nova redação, o dispositivo estabelece simplesmente: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Grande parte da doutrina e da jurisprudência agasalhou o entendimento que a referida alteração teria implicado, igualmente, a revogação do instituto da separação conjugal. Em 2017, o Superior Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido de reconhecer a vigência do instituto, no Recurso Especial n. 1.247.098-MS, relatado pela Ministra Maria Isabel Gallotti, porque a Emenda Constitucional n. 66 somente suprimiu os requisitos temporais do divórcio. Argumentou-se igualmente, que o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de julgar, após o advento da emenda Constitucional n. 66/2010, o Recurso Extraordinário n. 227.114-SP, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, que trazia a discussão sobre o foro competente para o ajuizamento da ação de separação, reforçando a permanência do instituto no direito brasileiro e que o Código de Processo Civil de 2015 manteve referencias ao instituto da separação judicial, inclusive regulando-o no capítulo que trata das ações de família, art. 693 e ss, e constando no próprio título da seção IV do capítulo XV, que trata dos procedimentos de jurisdição voluntária (art. 731 e ss), (REsp 1.247.098-MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, por maioria, j. em 14/3/2017).

Além de tais fundamentos, deve-se acrescer que os institutos jurídicos são ordinariamente criados e regulados pela lei. A regulamentação constitucional de temas de Direito Civil é excepcional e atende a conjunturas políticas. Portanto, a mera omissão da Constituição quanto a determinado tema de Direito Civil nada significa quanto à vigência deste.

3. dissolução da sociedade conjugal por ausência declarada. O artigo 6º do Código civil estabelece a presunção da morte da pessoa nos casos em que a lei autoriza a abertura da sucessão definitiva. Os casos são elencados nos artigos 37 e 38 do Código Civil:

a) 10 anos após passar em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória;

b) prova de que o ausente contaria 80 anos de idade, se vivo estivesse, e que dele não há notícia há mais de 5 anos.

A presunção de morte do ausente acarreta, pois, a presunção de extinção do casamento e faz cessar o impedimento matrimonial para o cônjuge supérstite.

4. sobrenome de casado. Por ocasião do divórcio, os cônjuges têm a opção de renunciar ou não ao sobrenome que tenham adotado do outro cônjuge quando do casamento (cf. CC 1.565, § 1º), exceto se anteriormente já tiver havido a renúncia ao sobrenome quando de eventual separação judicial ou administrativa. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.571, acessado em 16.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Remanescendo no comentário de Milton Paulo de Carvalho Filho, o Código Civil passou a regulamentar os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, revogando os dispositivos que tratavam dos temas previstos na Lei n. 6.515, de 26.12.1977.

Entre os casos estabelecidos pela lei, há dois que não só dissolvem a sociedade conjugal como o próprio vínculo do casamento, autorizando o consorte a contrair novas núpcias. São eles a morte e o divórcio (CC 1.571, § Iº, primeira parte). A morte, prevista no inciso I do artigo comentado, é a real, a causa natural que faz cessar ipso iure o casamento. Equipara-se a ela a presumida. A primeira deverá ser comprovada por certidão do assento de óbito. A segunda, morte presumida, novidade introduzida pelo legislador (CC 1.571, § Iº, segunda parte), configura-se quando alguém desaparece por longo tempo, sendo autorizado o seu reconhecimento, quanto aos ausentes (CC 6º, segunda parte, veja comentário), nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva (CC 37 e 38, veja comentários). Assim, a abertura desta pode ser requerida após dez anos de passada em julgado a sentença que conceder a abertura da sucessão provisória ou provando-se que o ausente tem oitenta anos de idade e que as últimas notícias dele são de cinco anos atrás. Sua inclusão entre as causas terminativas teve por fim solucionar questão relativa à situação de um dos cônjuges que estava impedido de casar sem a declaração de óbito do outro. Para fins de dissolução da sociedade conjugal basta, nessa hipótese, a declaração judicial de ausência. Contudo, não se vislumbra vantagem concreta em solicitar a declaração de ausência do cônjuge, principalmente quando não há patrimônio a ser partilhado, se a parte pode obter a extinção do vínculo do casamento pelo divórcio direto em prazo inferior (dois anos), mediante a alegação de separação de fato do casal. A ausência passou a ser tratada na parte geral do atual Código, especificamente nos arts. 6º, 7º e 22 a 25 (veja comentários). E exatamente no art. 7º citado encontra-se a disposição em que o legislador admite a declaração de morte presumida, sem decretação de ausência, para todos os efeitos. Nos casos previstos na lei (“se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida” e “se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra” ), a sentença fixará a data provável do falecimento. Ressalte-se, por fim, que o aparecimento do morto presumido após o casamento de seu ex-cônjuge não o tornará nulo, mas apenas putativo (veja comentários ao CC 1.561).

A segunda causa terminativa da sociedade conjugal é a nulidade ou anulação do casamento, prevista no inciso II e que ocorrerá sempre que houver vício de legalidade do ato praticado (vide comentários aos CC 1.548 a 1.564).

As outras causas que geram o fim da sociedade conjugal, previstas nos incisos III e IV, são a separação (judicial ou extrajudicial - Lei n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007) e o divórcio, que serão objeto de comentários nos CC 1.572 a 1.582.

Já o disposto no § 2º do CC 1.571 disciplina a utilização do nome do cônjuge no caso de ocorrer o divórcio. Segundo o legislador, no divórcio direto será facultado ao cônjuge, da mesma forma que na separação consensual, manter o sobrenome de casado. No caso do divórcio-conversão essa faculdade não poderá ser exercida quando a sentença proferida nos autos da separação judicial dispuser de maneira diversa. Terá, contudo, aplicação ao divórcio o disposto nos incisos do CC 1.578, quando a alteração do nome do cônjuge acarretar alguma das consequências enumeradas no referido dispositivo. Quanto ao nome de casado, no divórcio direto consensual realizado deforma extrajudicial, as partes poderão livremente optar pela alteração de algum dos cônjuges, podendo o interessado, inclusive, retificar, mediante declaração unilateral, por nova escritura, a anterior, para voltar a usar o nome de solteiro. Já no divórcio-conversão, também efetivado de forma consensual, extrajudicialmente, as partes podem deliberar pela modificação do nome, mesmo quando a sentença de separação judicial tenha disposto em sentido contrário, pois autorizados pelo disposto no art. 1.124-A do Código de Processo Civil. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.693-94  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 16/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, o texto originalmente aprovado pela Câmara dos Deputados era o seguinte: “A sociedade conjugal termina:

1 — pela morte de um dos cônjuges;

II —, pela nulidade ou anulação do casamento;

III — pela separação judicial;

IV — pelo divórcio.

Parágrafo único, O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, não se lhe aplicando a presunção estabelecida neste Código quanto aos ausentes”.

Durante a tramitação no Senado Federal passou a redigir-se: “A sociedade conjugal termina:

1 — pela morte de um dos cônjuges;

II — pela anulação do casamento;

III — pela separação judicial:

IV — pelo divórcio:

V — por novo casamento do cônjuge, declarada a ausência do outro em decisão judicial transitada em julgado.

§ 1º O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.

§ 2º Dissolvido o casamento por morte do marido, a viúva terá direito à manutenção do nome de casada, e no caso de divórcio observar-se-á o disposto na lei específica”.

Retomando o projeto à Câmara, emenda do Deputado Ricardo Fiuza deu ao dispositivo a sua conformação atual, corrigindo a falha da supressão da nulidade como causa terminativa do casamento, suprimindo o inciso V e modificando o § 2º. Dessa forma apresenta-se a Doutrina do Relator, Deputado Ricardo Fiuza:

Pelo casamento cria-se um vínculo jurídico entre os cônjuges, em que está contida a sociedade conjugal, que importa na comunhão de vidas, sob os aspectos espiritual, social e físico e, por vezes, de patrimônios, a depender do regime de bens em vigor no casamento. A separação judicial dissolve a sociedade conjugal, com a produção dos efeitos constantes dos arts. 1.575 e 1.576, mas conserva íntegro o vínculo entre os consortes, de modo a impedi-los de contrair novo casamento. O divórcio, a morte real e a morte presumida extinguem o vínculo conjugal válido. A nulidade e anulação extinguem o vínculo conjugal que padecia de vício em sua constituição.

No § 1º foi introduzida em no direito brasileiro a declaração de ausência como forma de dissolução do vínculo conjugal, adotando a proposta legislativa realizada em “Sugestões ao projeto de Código Civil”, Direito de família, anteriormente citadas, em RiS 730/32. Essa nova causa terminativa é fundada no instituto da morte presumida. Em caso de desaparecimento do cônjuge, como de qualquer pessoa, faz-se necessário o procedimento de ausência, de modo que a inexistência daquela causa terminativa, na legislação anterior, obrigava o cônjuge do ausente a iniciar tal procedimento e também o de divórcio; bis in idem, certamente, desnecessário. O argumento de que são raros os casos de ausência não é aceitável, já que o Direito deve regular também os fatos menos comuns, desde que possam ocorrer. No entanto, de acordo com nossas sugestões anteriores, já não considerávamos adequada a inserção do inciso V, feita pelo Senado no referido artigo, uma vez que o disposto no § P é suficiente para solucionar as hipóteses de ausência.

No § 2º , também ocorreu inovação, de modo a permitir que a mulher divorciada permaneça com o sobrenome do marido, se não houver renúncia a esse direito, a não ser que tenha sido determinada a respectiva perda em sentença de separação judicial, que, conforme o CC 1.578, I a III, somente ocorrerá se decretada sua culpa e desde que não estejam presentes as exceções ali estipuladas. A legislação anterior determinava a perda desse direito no divórcio conversão, em regra, sendo lacunosa quanto ao divórcio direto (Lei n. 6.515/77, art. 25, incisos I,II e III). Essa modificação do dispositivo, operada na Câmara dos Deputados, na fase final de tramitação do projeto, foi oriunda de nossas sugestões, realizadas em consonância com a tutela ao nome, como direito da personalidade (v. nota ao art. 1.578). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 792-93, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft WordAcessado em 16/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.

§ 1º A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.

§ 2º O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.

§ 3º No caso do parágrafo 2º, reverterão ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal. 

Direito anterior: art. 5º da Lei n. 6.515/&& (Lei do Divórcio). Referencias normativas: Deveres conjugais: CC 1.565 a 1.570; atos que violam deveres conjugais: CC 1.573.

Destrinchando o artigo em comento, Marco Túlio de Carvalho Rocha inicia com:

1. Da separação-sanção: a) separação-sanção (caput); b) separação-consumação ou separação-falência (§ 1º); c) separação-remédio (§§ 2º e 3º).

A regulamentação da separação judicial litigiosa perdeu sentido prático com a promulgação da Emenda Constitucional n. 66/2010, que possibilitou a qualquer dos cônjuges requerer o divórcio direito a qualquer tempo, sem que para tanto tenha de alegar qualquer justificativa especial. Desse modo, mesmo que um dos cônjuges ajuíze ação com base neste dispositivo, o outro sempre poderá obter a dissolução do casamento mediante o divórcio direito e, desse modo, fazer extinguir por perda do objeto o processo de separação judicial e, desse modo, fazer extinguir por perda do objeto o processo de separação judicial em que se lhe seja imputada alguma culpa ou invocada alguma outra causa.

Pode-se mesmo dizer que o dispositivo se tornou, na prática, um inútil eco do passado. Isso não justifica, no entanto, considera-lo revogado, porque não há na lei nem na teoria das fontes a revogação por inutilidade prática. Há inúmeros institutos jurídicos que sofrem do mesmo mal, que não deixam de vigorar. 

A separação-sanção de que cuida o caput é a forma mais característica de separação judicial da tradição familiarista do Ocidente e, por influência da Igreja, orienta-se pelo princípio da culpa, i.é, permite o pedido unilateral de separação mediante a prova de que um dos cônjuges cometeu grave violação a um dos deveres matrimoniais elencados nos CC 1.565 a 1.570.

Somente autoriza o pedido de separação judicial com base neste dispositivo a violação grave que torne insuportável a vida em comum. O CC 1.573 contém enumeração exemplificativa das principais e mais comuns violações dos deveres matrimoniais. A gravidade da violação e a insuportabilidade da vida conjugal são medidas segundo as circunstâncias de cada caso. O assentimento e o perdão, no entanto, provam a ausência dos referidos requisitos e extinguem o direito de pedir a separação judicial com base na culpa.

2. Separação-consumação. A separação-consumação ou separação-falência foi admitida pelo parágrafo 1º do art. 5º da Lei n. 6.515, introduzindo, no direito brasileiro, o princípio da ruptura, que permite a separação judicial independentemente da alegação de culpa.

Conforme o Código Civil de 2002, a ruptura da vida conjugal por 1 ano permite tanto a separação-sanção por abandono quanto a separação sem culpa, nos termos do CC 1.572, § 1º, que pode ser requerida, inclusive, pelo cônjuge que deixou o lar. 

A ruptura da vida conjugal, vale lembrar, caracteriza a separação de fato do casal e tem importantes efeitos jurídico:

a) permite aos cônjuges contrair união estável (CC 1.723, § 1º);

b) alguns entendem que faz cessar a presunção de paternidade (VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997; RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família, v.. 2. 3. ed. Rio de Janeiro: Aide, 2005);

c) se superior a 2 anos, exclui direitos sucessórios (CC 1.830);

d) se superior a 5 anos, impede um cônjuge de reivindicar bens alienados pelo outro cônjuge ao concubino (CC 1.642, V); e) após certo tempo, entende-se, jurisprudencialmente, que cessa a comunhão de bens:

DIVÓRCIO DIREITO – Partilha. Bem imóvel adquirido muitos anos após a separação de fato das partes e através do esforço único do varão. Impossibilidade de se deferir a meação à mulher. Precedentes. Recurso improvido (TJSP, AC 307.795-4/0, 3ª CDPriv., Rel. Des. Flávio Pinheiro, j. 11.11.2003, v.u.; RBDFam 26/124).”

f) se resultar de abandono, permite ao cônjuge que mantenha a posse usucapir imóvel de até 250 m², após 2 anos, se não for proprietário de outro imóvel (CC 1.240-A, com a redação dada pela Lei n. 12.424/11).

3. Separação-remédio. O dispositivo cuida da chamada separação-remédio que é alvo de acerba crítica doutrinária, pois o pedido de separação em razão de doença do outro cônjuge atenta, acentuadamente, contra o princípio da comunhão matrimonial. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.572, acessado em 16.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No comentário de Milton Paulo de Carvalho Filho, o artigo trata da separação judicial, que é causa de dissolução da sociedade conjugal (CC 1.571, III). Não rompe o vínculo matrimonial, de modo que nenhum dos consortes pode convolar novas núpcias somente separado, exigindo a lei que estejam divorciados.

A separação judicial pode ocorrer de forma consensual, por mútuo consentimento (CC 1.574), podendo nesta hipótese se dar também extrajudicialmente, ou litigiosa. A tratada no artigo é a litigiosa. Tem por fundamento a culpa de um dos cônjuges (caput) ou uma das causas objetivas independentes de culpa (§§ 1º e 2º) (a respeito da necessidade da prova da culpa, veja comentários e jurisprudência correspondente ao CC 1.573, a seguir).

São três as espécies de separação litigiosa. A primeira delas é a separação-sanção, prevista no caput do artigo, que é, na verdade, uma cláusula geral. Está fundamentada na culpa que um dos cônjuges atribui ao outro pela dissolução do matrimônio, em razão da grave violação de um dos deveres conjugais (há quem sustente que apenas essa separação é litigiosa, porquanto nas demais não se discute a culpa). Os requisitos (a) de qual dever do casamento foi gravemente violado (art. 1.566) e (b) da insuportabilidade da vida em comum são cumulativos e devem ser demonstrados pelo autor. A culpa, portanto, deve ser comprovada. Reconhecida a culpa, o cônjuge perderá o direito a alimentos, exceto os naturais, nas hipóteses dos arts. 1.694, § 2o, e 1.704, parágrafo único (veja comentários aos arts. 1.702 e 1.704), e o direito de conservar o sobrenome do outro, observadas as exceções do art. 1.578 (veja comentário). Já a culpa recíproca afasta o direito a alimentos de qualquer dos cônjuges. O art. 1.573 enumera os motivos que podem causar a insuportabilidade da vida comum e serão analisados a seguir. Quando a ruptura do matrimônio provém da prática de um ato antijurídico, de um delito ou quase delito (por exemplo, adultério ou agressões físicas continuadas), produzindo danos de natureza extrapatrimoniais ao outro cônjuge, que teve sua honra ofendida, a doutrina atual tem admitido a reparação moral, com amparo no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, elevado à categoria de fundamento da República Federativa do Brasil (CF, art. Iº, III) (veja doutrina na RT775/128).

No § Iº do artigo ora comentado se encontra a separação-ruptura (ou falência), que se caracteriza pela ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição. Nessa modalidade não se discute culpa. São requisitos cumulativos (a) a separação de fato há mais de um ano e (b) a impossibilidade da reconstituição do casamento. Ambos devem ser comprovados; contudo, não se discutirá a razão da ruptura ou quem tenha dado causa a ela. A lei passou a considerar possível, para os fins da contagem do tempo estabelecido no parágrafo, a soma dos períodos de separação para integralizar o prazo exigido, abolindo-se também a sanção, no tocante à partilha dos bens, que era imposta ao cônjuge que tomava a iniciativa da ação. Esse é o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves em Direito de família, 8. ed. São Paulo, Saraiva, 2002.

O § 2º do art. 1.572 trata da separação-remédio, que recebeu muitas críticas da doutrina por ofender o dever de mútua assistência moral (CC 1.566, III). Poderá ser pedida (a) quando o cônjuge estiver acometido de doença mental grave (b) manifestada após o casamento, (c) impossibilitando a continuação da vida em comum e (d) quando for reconhecido que a cura para a doença é improvável. O requerente deverá fazer a prova da insanidade mental. São casos de doença mental para os fins dispostos neste artigo, entre outros, a paranoia, a neurose-traumática e a psicose maníaco-depressiva.

Por fim, o § 3º o deste artigo acima considera efeito patrimonial da separação sem culpa, apenas no caso da separação requerida por motivo de doença mental (§ 2º), a perda pelo cônjuge requerente dos bens remanescentes que o cônjuge enfermo levou para o casamento, assim como a perda da meação dos aquestos, se o regime adotado permitir. O dispositivo visa dar maior proteção à pessoa doente e impor uma sanção ao cônjuge requerente. Na verdade, o requerente perderá a meação dos bens remanescentes do cônjuge enfermo, quando adotado o regime da comunhão universal de bens, e metade dos adquiridos na constância da sociedade conjugal, se o regime for o da comunhão parcial. O Código não mais prevê a cláusula da dureza (art. 6º da Lei do Divórcio), que estabelece a possibilidade de o juiz negar a separação-remédio caso ela traga agravamento da saúde do cônjuge doente ou prejuízo aos filhos do casal. De outra sorte, o Código de 2002 reduziu de cinco para dois anos o período de duração da enfermidade grave de cura improvável, que servirá de fundamento à separação-remédio (art. 5º, § 2º, da Lei do Divórcio). Considerando que haverá a necessidade de o cônjuge requerente fundamentar e comprovar o pedido de reconhecimento da separação-remédio, correndo o risco de sofrer repercussão negativa em seu patrimônio, decorrido o prazo de dois anos de separação, caracterizado pela impossibilidade de continuação da vida em comum, poderá requerer imediatamente o divórcio direto. Isso explica porque há forte tendência de o disposto no § 2º do artigo comentado cair em desuso.

Controvertida na doutrina é a questão relativa à possibilidade de reparação por dano moral em Direito de Família, especialmente nas hipóteses de separação judicial por descumprimento de alguns dos deveres do casamento. Regina Beatriz Tavares da Silva sustenta ser cabível a indenização quando houver dano ao consorte em razão de tal descumprimento, não se enquadrando nessa hipótese o simples desamor, pois a falta de amor, por si só, não pode acarretar qualquer consequência jurídica, já que amar não é dever jurídico, inexistindo ato ilícito na falta de amor. Sobre o tema, Ênio Santarelli Zuliani assevera que no cotidiano familiar o dano que outrora não se ressarcia, hoje se indeniza. O abandono afetivo, por exemplo, nunca deixou de ser um ato de covardia que se comete contra um ser frágil, mas nunca foi reprovado; agora o é, pelos efeitos perversos da rejeição que, naturalmente, perturbam e lesam a vida, a saúde e o bem-estar da vítima. O sentido cultural do problema é atualmente mais aguçado e receptivo. A infidelidade conjugal é mais grave que a desilusão em face de um amor não correspondido, ela nem sempre será indenizável, exatamente porque o direito jamais impedirá os acertos e desatinos dos sentimentos; contudo, quando a traição excede os limites de uma acentuada tolerância, que se admite em casos do gênero, ao traído cabe destinar uma quantia em dinheiro para que se recupere do golpe vergonhoso e humilhante.

Assim, forçoso é concluir que o cabimento da indenização com essa finalidade é de ser analisado em cada caso concreto. Terá em vista a natureza dos direitos lesados, a intensidade da violação e as consequências dela promanantes, para que seja reconhecida a necessidade de reparação e atribuído o seu valor em pecúnia. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.696-97  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 16/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na linha do histórico que sempre antecede a doutrina de Ricardo Fiuza, o texto original deste artigo, aprovado pela Câmara no início da tramitação do projeto, estabelecia o prazo de cinco anos de separação de fato (separação ruptura) e de duração da doença mental (separação remédio), para que um dos cônjuges pudesse propor a ação de separação fundada, respectivamente, nos § 1º e 2º , e a modificação do regime de bens, disposta no § 3º , era aplicada a essas duas espécies de dissolução da sociedade conjugal. Durante a tramitação no Senado Federal, foi eliminada a conduta desonrosa do caput do dispositivo, e o prazo da separação judicial fundamentada no § 1º foi reduzido a dois anos. O Senado acrescentou, ainda, cláusula final ao capta do artigo, estabelecendo que as hipóteses de grave violação aos deveres do casamento (separação culposa) seriam apenas aquelas previstas no CC 1.573. Na Câmara, em sua redação final, o prazo de separação de fato foi reduzido a um ano e o prazo da duração da doença mental do cônjuge foi diminuído para dois anos, em consonância com a Constituição Federal, que prevê o divórcio direto diante de separação de fato por dois anos consecutivos. Além dessas importantes correções, a sanção imposta no § 3º passou a ser aplicada somente à separação baseada na grave doença mental do cônjuge. E, quanto à separação judicial fundamentada em grave violação aos deveres conjugais, restabeleceu-se o regime aberto e não limitado às hipóteses do CC 1.573.

Em sua doutrina, Ricardo Fiuza retrata todas as novas medidas. Diz ele este dispositivo regular as três espécies de separação judicial, por pedido unilateral, denominadas, doutrinariamente, “sanção”, “ruptura” e “remédio”, e discrimina:

Separação “sanção”o sistema das causas genéricas na separação culposa, adotado no caput do dispositivo, é o melhor, uma vez que o juiz, diante do fato, ou causa real ou concreta da separação, realça o seu devido enquadramento na causa legal, que é o grave descumprimento de dever conjugal. Foi corrigida falha constante da legislação anterior (Lei n. 6.515/77, Art. 52, caput), fazendo-se referência somente ao grave descumprimento de dever conjugal e eliminando-se a redundante referência à conduta desonrosa, consoante nossas sugestões anteriores, reiteradas na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Dever de assistência imaterial entre cônjuges, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990, p. 174 e 175). A conduta desonrosa nada mais é do que injúria grave indireta, ou seja, o comportamento do cônjuge que depõe contra sua honra, afetando, pela via indireta, a reputação social de seu consorte, em razão do princípio da solidariedade de honras que existe no casamento; desse modo, ao referir-se ao grave descumprimento dos deveres conjugais, dentre os quais está o dever de respeito e consideração (CC 1.569, inciso V), o dispositivo já prevê essa causa de separação judicial. Além disso, no art. 1.573, VI, a conduta desonrosa está expressamente estabelecida como causa real ou concreta de separação judicial, de modo que a redundância era evidente.

Separação “ruptura”: nesta espécie de separação não importam os motivos que ensejaram a ruptura da vida em comum, tendo como únicos requisitos a separação de fato por um ano contínuo e a impossibilidade de reconstituição da comunhão de vidas.

Separação “remédio”: a sugestão de manutenção desta espécie de separação judicial, fundada na doença mental do cônjuge, foi acolhida na redação final deste dispositivo. A introdução do divórcio direto, fundado na separação de fato por dois anos, não dispensa a regulamentação da separação “remédio” devem ser diferenciadas dos efeitos do divórcio direto. Enquanto o cônjuge mentalmente doente merece proteção especial, inclusive de benefícios de cunho patrimonial, na partilha de bens, consoante o § 32 do mesmo artigo, além da prestação de alimentos, as partes, na ação de divórcio direto que se fundamenta na pura e simples separação de fato por dois anos consecutivos, devem ser tratadas sem qualquer proteção especial ao demandante ou ao demandado. Outra sugestão que realizou-se e que foi adotada diz respeito ao prazo de duração da doença mental do cônjuge, que foi reduzido para dois anos, tendo em vista ser período suficiente à avaliação da gravidade da doença e da impossibilidade de manutenção da vida conjugal (v. Regina Beatriz lavares da Silva Papa dos Santos, Dever de assistência imaterial entre cônjuges , cit., p. 225).

Modificação do regime de bens: o § 32 estabelece a modificação do regime da comunhão universal de bens em benefício do cônjuge que padece de doença mental. Essa regra era, no regime legal anterior, erroneamente aplicada de forma indiscriminada às separações “ruptura” e “remédio” (Lei n. 6.515/77, art. 5º, § 32). Assim, o cônjuge que desejava regularizar seu estado civil, encontrando-se separado de fato, ao utilizar-se do permissivo legal da separação “ruptura”, pelo simples fato de promover a ação respectiva era punido indevidamente pela lei. Consoante as sugestões, foi eliminada tal punição na separação “ruptura”, de modo que a alteração do regime de bens passou a beneficiar somente o cônjuge mentalmente enfermo (v. Regina Beatriz lavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 120-3). 

Como já deixou-se assentado em estudos anteriores, não fazia qualquer sentido negar a separação judicial se esta viesse a constituir causa de agravamento das condições pessoais do cônjuge, ou determinar consequências morais, mesmo que graves, aos filhos menores, como ocorre no regime da Lei n. 6.515/77, art. 6º. Quando a desunião se instala, pela separação de fato, não pode haver mal maior à prole do que a manutenção forçada do casamento de seus pais. Quando a separação de fato destrói a comunhão física e espiritual entre os cônjuges, é precisamente em face do desequilíbrio que passa a existir no agrupamento familiar que deve haver a possibilidade do desfazimento desse casamento (v. Regina Beatriz lavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, cit., p. 99 e 103). Essa cláusula de dureza foi eliminada no novo Código Civil, seguindo as sugestões.

(Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 794-95, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft WordAcessado em 16/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:

 I — adultério;

II — tentativa de morte;

III — sevícia ou injúria grave;

IV — abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;

V — condenação por crime infamante;

VI — conduta desonrosa. 

Parágrafo único. O Juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.

Na visão de Milton Paulo de Carvalho Filho, o artigo enumera os motivos que caracterizam a impossibilidade de manutenção da vida em comum. 

O Código restabeleceu o rol de situações que autorizavam a separação litigiosa previsto no art. 317 do Código Civil de 1916, então revogado pela Lei n. 6.515, de 26.12.1977. O rol é exemplificativo (até por esse motivo o elenco de cláusulas gerais estabelecido na Lei do Divórcio era mais eficiente) por força do que dispõe o parágrafo único do artigo, autorizando o juiz a considerar outros motivos para aquilatar a insuportabilidade do convívio do casal para os fins da separação, tendo em vista a ausente comunhão plena de vida retratada no CC 1.511 (veja comentário) como efeito do casamento. Entre eles podem ser citados os casos de “incompatibilidade de gênios” e de “crueldade mental”, próprios de casais que efetivamente “não combinam”, desde que o comportamento de um dos cônjuges se revele ofensivo ao dever de “respeito e consideração”, tornando insuportável o prosseguimento da vida em comum (OLIVEIRA, Euclides Benedito de. “Direito de família no novo Código Civil”. In: Cadernos Jurídicos, n. 13, p. 97-112). Até mesmo pela ausência da affectio, que constitui a própria razão de ser do relacionamento conjugal, pode ser decretada a separação judicial com fundamento exclusivo na impossibilidade de continuação da vida em comum. Evidencia ainda a insuportabilidade da vida em comum, o mero ajuizamento da ação imputando fato grave ao outro, a autorizar, inclusive, a inversão da prova quanto à exceção da suportabilidade da vida em comum.

A propósito do tema, oportuna a referência ao Enunciado n. 254 da III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no seguinte sentido: “formulado o pedido de separação judicial com fundamento na culpa (arts. 1.572 e/ou 1.573 e incisos), o juiz poderá decretar a separação do casal diante da constatação da insubsistência da comunhão plena de vida (CC 1.511) - que caracteriza hipótese de outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum’ - sem atribuir culpa a nenhum dos cônjuges”. 

De qualquer forma, o que importa ressaltar é que o tipo aberto previsto no parágrafo único pode ser a válvula de escape para que o julgador, valendo-se da equidade, relativize o sistema separatório brasileiro, que exige comprovação de culpa e que representa verdadeiro retrocesso doutrinário e jurisprudencial, para poder, norteado especialmente pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, autorizar a separação do casal - independentemente da prova da culpa - que não mais pretenda preservar o matrimônio, porque falido (veja jurisprudência a seguir). Contudo, mais correta seria a proposta de alteração legislativa do dispositivo, para permitir que qualquer dos cônjuges possa ajuizar ação de separação judicial, com fundamento na impossibilidade da vida em comum. 

O primeiro motivo enumerado no artigo comentado é o adultério (inciso I), que constitui ofensa ao dever recíproco de fidelidade. Por essa razão seria melhor que o legislador tivesse mencionado a infidelidade, em vez do adultério, pois, além de possuir um dever correspondente, abrangeria outros casos de infidelidade, já que o adultério não é a única forma de violação do dever de fidelidade, sendo, na verdade, espécie do gênero infidelidade. Há proposta de alteração deste dispositivo no Projeto de Lei n. 276/2007. O adultério é, de outra parte, a mais infamante das causas separatórias. A infidelidade virtual é uma nova forma de relacionamento que pode ser motivo da separação judicial litigiosa. Não constitui adultério, mas injúria grave. Caracteriza-se pela possibilidade de o internauta casado valer-se de programa de computador para manter envolvimentos amorosos que criam laços afetivo-eróticos virtuais, fazendo surgir, na internet, infidelidade, por e-mail e contatos sexuais imaginários com outra pessoa, que não seja seu cônjuge, dando origem à conduta desonrosa (veja DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil - direito de família. São Paulo, Saraiva, 2002). O adultério caracteriza-se pela conjunção carnal entre duas pessoas de sexo diferente, exigindo também a voluntariedade da ação. Os atos pré-sexuais ou preparatórios configuram o quase-adultério ou injúria grave. O adultério científico é a inseminação artificial, que também constitui injúria grave e não é verdadeiramente adultério, pois este exige a realização do ato sexual. 

O segundo motivo previsto no artigo é a tentativa de morte (inciso II). Caracteriza-se pelo começo de execução do crime de homicídio por um dos cônjuges contra o outro, só não consumado por circunstâncias alheias à vontade do agente. O seu reconhecimento não depende da condenação penal do agente. Contudo, poderão ser aproveitadas as causas de sua absolvição criminal, consistentes na falta de prova da existência do fato, de sua autoria e na presença de uma das causas de exclusão da antijuridicidade.

sevícia (inciso III) - maus-tratos corporais ou agressões físicas intencionais - e a injúria grave (inciso III) - conceito de grande extensão ou elasticidade - também são motivos que autorizam a separação litigiosa. A injúria, ato que ofende a integridade moral do cônjuge, pode ser real - derivada de gesto ultrajante, que diminui a honra e a dignidade do outro ou põe em perigo seu patrimônio - ou verbal - decorrente de palavras que ofendam a respeitabilidade do outro cônjuge.

O “abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo”, previsto no inciso IV, é causa para a separação litigiosa. O abandono, que é a ausência física ou moral, deve ser, necessariamente, voluntário, pressupondo a intenção ou o ânimo do consorte de não mais retornar ao lar conjugal depois do prazo mínimo de um ano cumprido continuamente. Pode se caracterizar pelo ato de deixar o outro cônjuge e os filhos desamparados material e moralmente. A ausência física do cônjuge, que é o abandono material, deve ser por um ano e ter motivo justo. Já o prazo de um ano exigido pela lei para a configuração do abandono, sem o qual não haveria a situação motivadora da separação, não guarda coerência com o disposto no CC 1.723, § Iº, que reconhece a união estável, sem exigir qualquer lapso temporal, quando a pessoa casada se achar separada de fato. Assim, para que seja possível ao cônjuge separado regularizar seu estado civil, deverá esperar que o juiz reconheça, com fundamento no parágrafo único do artigo comentado, a impossibilidade da vida em comum, pela união do cônjuge com terceiro, ainda que decorrente de concubinato. Por essa razão é que será bem-vinda a alteração proposta no Projeto de Lei n. 276/2007 que excluirá do inciso esse prazo de um ano. Vale ressaltar que o referido prazo legal também é incompatível com a comunhão plena de vida prevista no CC 1.511 (veja comentário), porquanto para que esse dever deixe de existir não há a necessidade do prazo de um ano, podendo ocorrer até mesmo antes do decurso de tal período.

A condenação do cônjuge por crime infamante acarreta a insuportabilidade da vida em comum, porque revela o caráter do seu autor, responsável pela repulsa no meio social em que vive. A conduta desonrosa, que foi deslocada do caput do art. 5º da Lei n. 6.515/77 para figurar como motivo autônomo da separação, por impossibilidade da comunhão de vida, é conceito jurídico indeterminado cuja definição cabe aos juízes e tribunais, diante do caso concreto. Fatores como o ambiente familiar, o meio social em que vive o casal, a sensibilidade e o grau de educação dos cônjuges deverão ser considerados para tal definição. Não há dúvida de que o comportamento imoral, ilícito ou antissocial pode configurar conduta desonrosa. A doutrina e a jurisprudência reconhecem o alcoolismo, o uso de tóxicos, o namoro com estranhos, a prática de crimes sexuais e de crimes em geral e a contaminação com doença venérea como condutas desonrosas. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.700-702  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 16/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico que geralmente acompanha, antecedendo a doutrina do relator, o texto original deste artigo, conforme o projeto de Clóvis do Conto e Silva, e que restou aprovado pela Câmara no período inicial de tramitação do projeto, era o seguinte: “Considerar-se-á impossível a comunhão de vida tão-somente se ocorrer algum dos seguintes motivos: 1— adultério; II — tentativa de morte; III — sevícia ou injúria grave; IV — abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V — condenação por crime infamante; VI — conduta desonrosa”. Durante a tramitação no Senado Federal, foi atenuado o rigor enumerativo do dispositivo, que passou a ter a seguinte redação: “Considerar-se-á impossível a comunhão de vida se ocorrer algum dos seguintes motivos: 1 — adultério; II — tentativa de morte; III — sevícia ou injúria grave; IV — abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V — condenação por crime infamante; VI — conduta desonrosa. Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos, que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”. Retornando o projeto à Câmara, promoveu o Deputado Ricardo Fiuza nova modificação no caput do artigo, substituindo a frase “Considerar-se-á impossível a comunhão de vida” por outra que denota, com maior clareza, o caráter permissivo e não taxativo da regra: “Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida”.

Então, dessa forma final, toma-se conhecimento da Doutrina do Relator Ricardo Fiuza: O Projeto de Código Civil n. 634/75, em sua redação aprovada pelo Senado em 1997, ao mesmo tempo em que reproduzia, no artigo anterior, a regra constante do art. 52, caput, da Lei do Divórcio, retrocedia ao antigo sistema do Código Civil, das causas taxativas.

Alerta-se sobre as falhas do sistema híbrido que se projetava: uma norma genérica e uma regra limitativa, a gerar dúvidas de interpretação, além de constituir um retrocesso e implicar a perda da evolução alcançada na matéria pela Lei do Divórcio, sob a inspiração do Código Civil francês (v. Regina Beatriz lavares da Silva Papa dos Santos, Dever de assistência imaterial entre cônjuges. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990, p. 100 e 101). Foi, então, incluído parágrafo único no dispositivo para o fim de dar-lhe caráter exemplificativo. Essa natureza do artigo em teia foi reforçada em sua redação final, por meio da frase constante do caput: “Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida...”. 

No entanto, reitera-se a seguinte indagação: se o poder discricionário do juiz é retomado no referido parágrafo único: não tendo a norma caráter taxativo, em que seria embasada a razão da manutenção de elenco dos motivos culposos da separação.  Não encontrou-se resposta convincente, já que cabe ao juiz conhecer o conteúdo dos deveres conjugais que são estabelecidos em lei, para, então, enquadrar a causa concreta da separação na respectiva causa legal, consoante regra genérica anterior. 

Já que foi mantida a regra em análise, deve ser modificado o seu inciso IV, que refere o abandono do lar pelo prazo de um ano, prazo este que não se aplica desde a Lei n. 6.515/77; anote-se que essa exigência de duração do abandono do lar por um ano, para possibilitar o pedido de separação judicial culposa, está em contradição com os requisitos da união estável, que possibilitam sua constituição diante de separação de fato no casamento de um dos conviventes (CC 1.723, § lº) desse modo, o cônjuge pode, separado de fato, constituir união estável, mas não lhe é possibilitada a propositura de ação de separação judicial para buscar a regularização de seu estado civil, se abandonado por período inferior a um ano. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 795-96, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft WordAcessado em 16/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Tendo como base a seus comentários o Mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha – Direito anterior: art. 317 do Código Civil de 1916; art. 82 do Dec. n. 181/1890. Referências normativas: Deveres conjugais: CC 1.566; cláusula geral da separação-sanção: CC 1.572.

1. Ecos do passado. A enumeração das causas que justificam a separação-sanção é duplamente arcaica. Primeiro, porque, como já se apontou nos comentários ao CC 1572, a separação judicial litigiosa perdeu sentido prático; segundo, porque a enumeração das condutas que autorizavam a separação-sanção (feita no artigo 317 do Código Civil de 1916) já havia sido substituída pela cláusula geral do art. 5º da Lei n. 6.515/77 (Lei do Divórcio) que corresponde ao CC 1.572 vigente. O referido rol é prova da vetustez do Código Civil de 2002, que resulta de um projeto de lei de 1972 e que, por isso, reavivou regras que já tinham se tornado obsoletas há décadas. 

Em suma, a tradição jurídica ocidental, análoga ao Direito Canônico, enumerava as causas que permitiam o desquite (separação judicial) e não permitia a extinção da sociedade conjugal por outras razões: o rol era fechado; a Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/77) estabeleceu uma cláusula geral para as causas da separação-sanção; o Código Civil de 2002, fruto de um projeto de 1972 adaptado segundo as alterações legislativas posteriores, reproduziu o rol das causas de separação-sanção, tal como o fazia o Código de 1916, mas acrescentou a cláusula geral, conforme prevista na Lei do Divórcio, fazendo com que a referida enumeração tenha passado a ter caráter meramente exemplificativo, como assevera o parágrafo único do artigo comentado. 

2. Adultério é a prática sexual consciente e voluntária com pessoa do sexo oposto. As demais práticas sexuais violadoras do dever de fidelidade não abrangidas no conceito de adultério representam injúria grave.

3. Sevícia ou injúria grave. Sevícia é violência física; injúria grave é toda ofensa moral – o termo não é empregado no sentido exato que possui no Direito Penal – inclusive violações ao dever de fidelidade não abrangidas no conceito de adultério (quase-adultério). 

4. Abandono do lar. O abandono do lar é a violação do dever de coabitação. Exige a intenção de romper a vida em comum. A saída do lar deve ser injustificada. O CC 1.569 enumera hipóteses em que a ausência do domicilio conjugal não representa abandono do lar. Contraditoriamente, o Código Civil prevê que a ruptura da vida em comum pelo mesmo prazo de 1 ano permite a separação-ruptura (CC 1.572, § 1º). 

5. Crime infamante. Que eram, no Código Criminal do Império, de 1830, os crimes contra o patrimônio, a fé pública e a honra. A legislação atual desconhece o instituto. Não há analogia entre crime infamante e crime hediondo. 6. Conduta desonrosa – que era considerada pela antiga doutrina familiarista uma “causa facultativa da separação” que dependia da demonstração da gravidade. Era a previsão que conferia maleabilidade ao sistema da enumeração fechada das causas de separação. Exemplos de condutas desonrosas: emissão reiterada de cheque sem fundos, cometimento de vários crimes, vício de jogo, de embriaguez e a toxicomania, “práticas degeneradas de religiosidade”, práticas sexuais anômalas”. 

Algumas condutas desonrosas representavam violações ao dever de respeito e estima: “adultério casto” (inseminação artificial não-autorizada); incitação do cônjuge ao cometimento de crime, prodigalidade; homicídio contra familiar do cônjuge; revogação abrupta de procuração, negativa injusta da paternidade.

Outras violavam o dever de coabitação: recusa às relações sexuais; constrangimento de cônjuge a viver com parente (CAHALI, Youssef Said. Divórcio e separação, t. I, 7. ed., São Paulo: RT, 1994, p. 385-388). (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.573, acessado em 16.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).