Art.
1.785. A
sucessão abre-se no lugar do último domicilio do falecido.
Na visão do relator Ricardo Fiuza, a sucessão se abre no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicilio do falecido.
• O domicilio da pessoa natural, segundo o art. 70, é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Independentemente do lugar onde estão os bens ou do local em que o óbito ocorreu, o último domicílio do falecido é o foro da sucessão. Aí deve ser aberto o inventário e promovida a partilha. Em regra, todos os processos relativos à herança, ou entre os coerdeiros, legatários e terceiros, devem ser ajuizados no foro da sucessão. Nas ações em que o espólio for réu é competente o foro do inventário.
• A regra do CC 1.785 é, praticamente, universal, e já constava no art. 1.578 do Código Civil de 1916. O disposto no art. 1.785 deve ser complementado com o art. 96, caput, do CPC/1973, com correspondência no art. 48 do CPC/2015, que enuncia: “O foro do domicilio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade e todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro”.
• O CPC, no parágrafo único do artigo 48, prevê que é, porém, competente o foro: 1 — da situação dos bens, se o autor da herança não possuía domicílio certo; II — havendo bens imóveis em foros diferentes, qualquer destes; III – não havendo bens imóveis, o foro do local de qualquer dos bens do espólio. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 919, CC 1.785, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/06/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No entender de Guimarães e Mezzalira, a regra contida nesse artigo é interessante e muito prática. O lugar do falecimento não é tão importante como o do último domicilio. Simples exemplo ilustra: diga-se que o Sr. Antonio vivesse em Belo Horizonte, onde tinha seu centro de atividades. Acometido de forte dor no coração, pelo seu médico, foi encaminhado para o Hospital do Coração em são Paulo. Submetido a uma cirurgia, não resistiu à dose de anestesia e veio a falecer. Então o local do falecimento é o de São Paulo, mas seu último domicilio é Belo Horizonte, local onde será aberto o processo de inventário.
Consoante o artigo 48 do CPC, já mencionado acima, se o falecido não tinha domicílio certo, os herdeiros podem optar fazer o inventário no foro da situação dos bens, escolher um deles, desde que os bens estejam em várias cidades. Se ele não deixou bens imóveis, mas, tão somente aplicações bancárias, qualquer deles é o competente para o processo judicial ou para o inventario administrativo.
Jurisprudência: Ementa: Apelação Civil. Ação de Inventário. Foro Competente. Domicilio do De Cujus. O juízo competente para a ação de inventário é, primeiramente, o do domicilio do de cujus. Não possuindo domicilio certo, será o da situação dos bens. Por último, se não tinha domicilio certo e possuía bens em diversos lugares, será o do local do seu óbito. Definido que o último domicilio do falecido foi em Belo Horizonte, pouco importa para a solução da lide saber onde foi distribuída a primeira ação ou qual delas foi despachada em primeiro lugar, pois a competência não se fixará por prevenção, mas sim pelo Juízo do “foro do domicilio do autor da herança”. Recurso conhecido e provido. (TJMG – Apelação Cível 1.0024.13.183666-0/001, relator: Desª Albergaria Costa, 3ª Câmara Cível, julgamento em 20/08/2015, publicação da súmula em 31/08/2015). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.785, acessado em 01/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.
• Este artigo corresponde ao art. 1.834 do Projeto de Lei n. 634/75. Ver art. 1.573 do Código Civil de 1916.
• O Código de 2002 põe em primeiro lugar a sucessão legitimas ou ab intestato. O Código Civil de 1916, art. 1373, diz: “A sucessão dá-se por disposição de última vontade, ou em virtude da lei”.
• A sucessão legítima é a que decorre por força exclusiva da lei. O CC 1.829 indica a ordem em que devem ser chamados os herdeiros. A sucessão testamentaria toma por base as disposições de última vontade feitas em testamento pelo autor da herança (CC 1.857).
• Estas são as duas formas de sucessão mortis causa reconhecidas pelo direito brasileiro. Isso não significa que a sucessão seja sempre legítima ou sempre seja testamentária. Em determinadas circunstâncias, a sucessão pode ser, ao mesmo tempo, legítima e testamentária, como no caso de o testamento não compreender todos os bens do testador (CC 1.788), e de o testador só dispor da metade da herança, por ter herdeiros necessários (CC 1.789). A sucessão legítima regulará a situação dos bens que não foram mencionados no testamento e resolverá sobre o que vai caber aos herdeiros necessários, respectivamente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 919, CC 1.786, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Seguindo com Moisés Tavares, segundo o referido códice, os sucessores farão jus ao patrimônio do de cujus mediante a lei ou disposição de última vontade (BRASIL, 2002, CC 1.786). Dessa forma, na inexistência, ineficácia ou caducidade do ato de última vontade, a sucessão será legítima, regida pela legislação. Caso contrário, existindo testamento ou codicilo válido e que manifeste expressamente a última vontade do testador, a sucessão testamentária será deferida.
Ressalta-se que, segundo o CC/02, o testamento é um ato unilateral, personalíssimo e revogável, em que seu autor indica quem receberá seus bens, total ou parcialmente, após sua morte, e faz outras disposições (GONÇALVES, 2017).
É digno mencionar que podem ocorrer, concomitantemente, tanto a sucessão legítima quanto a testamentária; isso, porque, se o testador tiver herdeiros necessários, ele só poderá dispor da cota disponível, que não será afetada pelo testamento, ou, não havendo herdeiros necessários e o testador dispondo tão somente de parte de seus bens, os herdeiros facultativos serão chamados para suceder. Não havendo a habilitação de herdeiros necessários ou facultativos, a cota disponível se tornará jacente e, posteriormente, vacante, o que ocasiona sua devolução à Fazenda Pública (FARIAS, 2017).
Quanto à capacidade para testar, o pleno gozo das faculdades mentais do testador pressupõe sua capacidade testamentária, assegurando a validez do instrumento mediante sua declaração consciente de vontade, mesmo que o testador perca seu discernimento após tê-lo feito. Em contrapartida, os que não estejam em seu juízo perfeito, transitória ou permanentemente, estão impossibilitados de testar; tais como os portadores de deficiência ou doença mentais, os ébrios habituais ou que estejam alcoolizados, os que estejam sob efeitos de medicamentos que retardam a lucidez ou drogas alucinógenas, os que tenham sofrido hipnose ou estejam em estado de choque. Ressalta-se que os menores de 16 anos estão impedidos de testar, posto que são absolutamente incapazes, não convalidando sequer a representação legal dos pais ou curador, uma vez que o testamento é ato inerente ao desejo mais íntimo e pessoal do interessado, o que inadmite sua exteriorização por terceiros. Todavia, aqueles que tenham 16 anos completos e os pródigos podem testar, visto que são exceções legais. A velhice não impede de alguém fazer seu testamento, já que não se trata de incapacidade, bem como o analfabetismo, a deficiência visual ou auditiva. Enquanto o ausente poderá fazê-lo onde se encontra (CARVALHO, 2007). (Moisés de Oliveira, em artigo publicado abril de 2021, no site Jusbrasil.com, intitulado “O testamento digital sob a ótica do Direito brasileiro”, desenvolve texto interessantíssimo ao CC 1.786, do trabalho em foco, acessado em 01.07.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Agregando Guimarães e Mezzalira, aqui está uma regra fundamental do direito sucessório. Sucessão legítima é aquela que beneficia somente os herdeiros necessários ou os legítimos. Nesse caso, o chamamento dos herdeiros é feito de acordo com a lei; por outro lado, é possível que o falecido tenha feito um testamento, i.é, transmitido parte do seu patrimônio para pessoas do seu agrado, gerando, portanto, a sucessão “por disposição de última vontade”.
Ab initio, tem-se duas formas, que podem conviver harmoniosamente, respeito a vontade da lei e a vontade do titular do patrimônio. A intervenção do Estado visa proteger os herdeiros, preservando a vontade do titular do patrimônio.
Jurisprudência: “A sucessão pode ser legítima ou testamentária,
como enuncia o CC 1.786. Na legítima, os herdeiros são designados na lei, pela
ordem de vocação hereditária, sem concurso da manifestação de vontade do de
cujus. Na testamentária, prevalece a manifestação do autor da herança,
veiculada por testamento ou codicilo. A sucessão pode ser exclusivamente
legítima ou testamentária, ou ambas podem existir.” (Trecho do voto da
relatora Maria de Nazaré Saavedra Guimarães, TJPA – apelação Cível: AC
200730033749 PA 2007300-33749, Data de Julgamento: 18/09/2008). (Luiz Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC
1.786, acessado em 01/07/2021, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
Art. 1.787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela.
Historicamente, este artigo corresponde ao art. 1.835 do Projeto de Lei n. 634/75. Ver art. 1.577 do Código Civil de 1916.
Monossilabicamente, é a lei em vigor no dia em que o de cujus morreu que rege a sucessão e disciplina todo o seu processo.
Segundo a doutrina do relator Ricardo Fiuza, a legitimação para suceder é verificada de acordo com a mesma lei. Os sucessores do hereditando têm de apresentar os requisitos de legitimação requeridos pelas normas vigentes no momento da abertura da sucessão. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 920, CC 1.787, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Em referência aos Princípios do direito sucessório, Ana Vitória apresenta resumo do capítulo II da doutrina do Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, em 2020, publicado no site JusBrasil.com.br. interessante para o bom entendimento do assunto em pauta:
Princípios gerais (aplicáveis ao Direito das Sucessões): - Dignidade da pessoa humana; - Igualdade; - Função social da propriedade; - Boa-fé (fundamental para interpretação das disposições de última vontade); - Autonomia da vontade.
Princípios específicos do Direito das Sucessões: Princípio
da Saisine ou Droit de Saisine – que consiste no reconhecimento, ainda
que por ficção jurídica, da transmissão imediata e automática do domínio e
posse da herança aos herdeiros legítimos e testamentários, no instante da
abertura da sucessão.
▪ Aberta a sucessão, o Droit de Saisine evita que
se possa dar ao acervo hereditário a natureza de res derelicta (coisa
abandonada) ou de res nullius (coisa de ninguém);
▪ Tal substituição se dá, como visto, de forma imediata e
desde momento da abertura da sucessão, independentemente da prática de qualquer
ato ou manifestação de vontade do herdeiro, que pode, inclusive, desconhecer o
fato. A título exemplificativo: se Carmelo morre, deixando três filhos
(Arilson, Rivalda e Raimunda), imediatamente após o instante do óbito, os seus
herdeiros já são titulares, não de bem determinado, mas sim, cada um, de 1/3 da
herança deixada, independentemente da conclusão do arrolamento ou do
inventário.
▪ Tal principio não confere direito imediato a bem exclusivo
ao sucessor. Com a abertura da sucessão, os herdeiros passarão a ter um direito
meramente abstrato, calculado em fração do patrimônio transferível, e mesmo que
seja herdeiro único, o exercerá em face da universalidade de bens deixados, não
sendo permitido, a nenhum dos sucessores, portanto, sem a devida autorização
judicial, enquanto não concluído o procedimento de arrolamento ou inventário,
alienar bem exclusivo da herança.
▪ Interessante acórdão: “Direito civil. Recurso
especial. Cobrança de aluguel. Herdeiros. Utilização exclusiva do imóvel.
Oposição necessária. Termo inicial. — Aquele que ocupa exclusivamente imóvel
deixado pelo falecido deverá pagar aos demais herdeiros valores a título de
aluguel proporcional, quando demonstrada oposição à sua ocupação exclusiva. —
Nesta hipótese, o termo inicial para o pagamento dos valores deve coincidir com
a efetiva oposição, judicial ou extrajudicial, dos demais herdeiros. Recurso
especial parcialmente conhecido e provido” (REsp 570.723/RJ, Rel. Min. Nancy
Andrighi, 3.ª Turma, j. 27-3-2007, DJ, 20-8-2007, p. 268).
Princípio (Non) Ultra Vires Hereditatis –
significa “além do conteúdo da herança”. A ideia que ela representa é a
possibilidade de que o herdeiro, com a aceitação pura e simples da herança,
possa ser obrigado a pagar suas dívidas e obrigações, não só com os bens do
patrimônio do de cujus, mas também com os seus próprios bens. Na
contemporaneidade, porém, as dívidas do falecido, de fato, devem ser pagas
somente com seu próprio patrimônio, não ultrapassando as forças da herança. Por
isso, esse dogma traduz uma regra que proíbe o alcance do patrimônio pessoal do
herdeiro por dívida do falecido, razão por que preferimos denominá-lo Non
Ultra Vires Hereditatis.
Em síntese: no Direito brasileiro, o herdeiro só responde intra
vires hereditatis (dentro das forças da herança), não mais se confundindo o
patrimônio do falecido com o patrimônio do herdeiro (bonorum separatio).
Função Social da Herança - porquanto permite uma
redistribuição da riqueza do de cujus, transmitida aos seus herdeiros.
Princípio da Territorialidade - Na forma do art. 1.785 do CC/2002,
a “sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido”. LINDB:
“Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à
lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a
natureza e a situação dos bens.
§ 1.º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no
País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos
brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável
a lei pessoal do de cujus.
§ 2.º A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a
capacidade para suceder”.
Princípio da Temporariedade - Consiste ele no postulado,
insculpido no CC 1.787, de que regula “a sucessão e a legitimação para
suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela”.
Seguindo essa linha de raciocínio, regras hoje
criticáveis, mas vigentes ao tempo da morte, poderiam ser aplicadas, como, por
exemplo, o tratamento diferenciado de filhos (ilegítimos, adotivos etc.) ou da
(o) companheira (o) em face do cônjuge.
Nesse diapasão, o próprio novo Código Civil brasileiro
estabeleceu expressamente tal premissa, na parte referente às suas regras de
transição, conforme se verifica do art. 2.041, a saber:
“Art. 2.041. As disposições deste Código relativas à ordem
da vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta
antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior (Lei n. 3.071,
de 1.º de janeiro de 1916)”. (Aplicação da ultratividade).
Princípio do Respeito à Vontade Manifestada - conhecido como “favor testamenti”. Tal princípio deve prevalecer, inclusive, no caso de simples irregularidades testamentárias formais ou de modificações supervenientes de situação de fato, se for possível verificar, inequivocamente, qual era a intenção do testador. Princípios do direito sucessório, (Ana Vitória apresenta resumo do capítulo II da doutrina do Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, em 2020, publicado no site JusBrasil.com.br, abordando o Artigo 1.787 do Código Civil, acessado em 01/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na inteligência de Guimarães e Mezzalira, esse artigo do Código Civil sempre foi seguido, no curso de décadas, salvo uma única exceção. Em termos gerais, a lei que está em vigor na data do óbito é que definirá quem é herdeiro, quais classes são chamadas, qual é a imposição da sucessão legítima. Exemplo típico é a situação do companheiro. Mesmo que tenha havido união estável por muitos anos, somente a partir de 30 de dezembro de 1994, com a vigência da Lei n. 8.971, de 29/12/1994, o companheiro passou a ser herdeiro legítimo, por força do inciso III, do art. 2º da referida lei. O companheiro tinha direitos antes dessa data, sim, mas outros direitos, por força da relação jurídica e o Direito das Obrigações. Entretanto, integrou a sucessão legítima com a vigência do diploma legal supra mencionado.
Jurisprudência: Pelo princípio da saisine, a transmissão da herança
aos herdeiros se dá no momento do óbito. – Pela previsão do CC 1.787, a
sucessão é regulada pela legislação vigente à época de sua abertura. – A
sucessão é aberta no momento do falecimento do autor da herança. – O artigo
12-A, § 2º da Lei 12.587/12 só poderá ser aplicado naqueles casos em que o
óbito ocorrer durante a vigência da norma. (TJMG – Agravo de Instrumento Cível
– 1.0024.12.195156-0/001, relator: Des. Hilda Teixeira da Costa, 2ª Câmara
Cível, julgamento em 19/08/2014, publicação da súmula em 02/09/2014). (Luiz Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC
1.787, acessado em 01/07/2021, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).