sábado, 2 de maio de 2015

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – DECRETO LEI N. 3.689, DE 3-10-1941 – MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E NEGÓCIOS INTERIORES – GABINETE DO MINISTRO – VARGAS DIGITADOR.



EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – DECRETO LEI N. 3.689, DE 3-10-1941 – MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E NEGÓCIOS INTERIORES – GABINETE DO MINISTRO – VARGAS DIGITADOR.

Senhor Presidente:
Tenho a honra de passar as mãos de Vossa Excelência o projeto do Código de Processo Penal do Brasil.

Como sabe Vossa Excelência, ficará inicialmente resolvido que a elaboração do projeto de Código único para o processo penal não aguardasse a reforma, talvez demorada do Código Penal de 90.

Havia um dispositivo constitucional a atender, e sua a execução não devia ser indefinidamente retardada. Entretanto, logo após a entrega do primitivo projeto, organizado pela Comissão oficial e afeiçoado à legislação penal substantiva ainda em vigor, foi apresentado pelo Senhor Alcântara Machado, em desempenho da missão que lhe confiara o Governo, o seu anteprojeto de novo Código Penal: A  presteza com que o insigne e pranteado professor da Faculdade de Direito de são Paulo deu conta de sua árdua tarefa fez com que se alterasse o plano traçado em relação ao futuro Código de Processo Penal. Desde a relativa remodelação da nossa antiquada lei penal material, deixava de ser aconselhado que se convertesse em lei o projeto acima aludido, pois estaria condenado a uma existência efêmera.

Decretado o novo Código Penal, foi então empreendida a elaboração do presente projeto, que resultou de um cuidadoso trabalho de revisão e adaptação do projeto anterior.

Se for convertido em lei, não estará apenas regulada a atuação da justiça penal em correspondência com o referido novo Código e com a Lei de Contravenções (cujo projeto, nesta data, apresento igualmente à  apreciação de Vossa Excelência): estará, no mesmo passo, finalmente realizada a homogeneidade do direito judiciário penal do Brasil, segundo reclamava, de há muito, o interesse da boa administração da justiça, aliado ao próprio interesse da unidade nacional.

A REFORMA DO PROCESSO PENAL VIGENTE

II – De par com a necessidade de coordenação sistemática das regras do processo penal num Código único para todo o Brasil, impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinquem. As nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus ainda que colhidos em flagrante ou confundidos pela evidência das provas, um tão extenso catálogo de garantias e fatores, que a repressão se torna necessariamente, defeituosa e retardatária, decorrendo daí um indireto estímulo à expansão da criminalidade. Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum. O indivíduo, principalmente quando vem de se mostrar rebelde à disciplina jurídico-penal da vida em sociedade,não pode invocar, em face do Estado, outras franquias ou imunidades além daquelas que o assegurem contra o exercício do poder público fora da medida reclamada pelo interesse social. Este o critério que presidiu à elaboração do presente projeto de Código. No seu texto, não são reproduzidas as fórmulas tradicionais de um mal-avisado favorecimento legal aos criminosos. O processo penal é aliviado dos excessos de formalismo e joeirado de certos critérios normativos com que, sob o influxo de um mal compreendido individualismo ou de um sentimentalismo mais ou menos equívoco, se transige com a necessidade de uma rigorosa e expedita aplicação da justiça penal.

As nulidades processuais, reduzidas ao mínimo, deixam de ser o que têm sido até agora, isto é, um meandro técnico por onde se escoa a substância do processo e se perdem o tempo e a gravidade da justiça. É coibido o êxito das fraudes, subterfúgios e alicantinas. É restringida a aplicação do in dubio pro reo. É ampliada a noção do flagrante. A decretação da prisão preventiva, que, em certos casos, deixa de ser uma faculdade, para ser um dever imposto ao juiz, adquire a suficiente elasticidade para tornar-se medida plenamente assecuratória da efetivação da justiça penal. Tratando-se de crime inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará à prisão, desde que o preso seja imediatamente apresentado ao juiz que fez expedir o mandado. É revogado o formalismo complexo da extradição interestadual de criminosos. O prazo da formação da culpa é ampliado, para evitar o atropelo dos processos ou a intercorrente e prejudicial solução de continuidade da detenção provisória dos réus. Não é consagrada a irrestrita proibição do julgamento ultra petitum. Todo um capítulo é dedicado às medidas preventivas assecuratórias da reparação do dano ex delicto.

Quando da última reforma do processo penal na Itália, o Ministro Rocco, referindo-se a algumas dessas medidas e outras análogas, introduzidas no projeto preliminar,  advertia que elas certamente iriam provocar o desagrado daqueles que estavam acostumados a aproveitar e mesmo abusar das inveteradas deficiências e fraquezas da processualística penal até então vigente. A mesma previsão é de ser feita em relação ao presente projeto, mas são também de repetirem-se as palavras de Rocco: “Já se foi o tempo em que a alvoroçada coligação de alguns poucos interessados podia frustrar as mais acertadas e urgentes reformas legislativas”.

E, se, por um lado, os dispositivos do projeto tendem a fortalecer e prestigiar a atividade do estado na sua função repressiva, é certo, por outro lado, que asseguram, com muito mais eficiência do que a legislação atual, a defesa dos acusados. Ao invés de uma simples faculdade outorgada a estes e sob a condição de sua presença em juízo, a defesa passa a ser, em qualquer caso, uma indeclinável injunção legal, antes, durante e depois da instrução criminal. Nenhum réu, ainda que ausente do distrito da culpa, foragido ou oculto, poderá ser processado sem a intervenção e assistência de um defensor. A pena de revelia não exclui a garantia constitucional da contrariedade do processo.  Ao contrário das leis processuais em vigor, o projeto não pactua, em caso algum, com a insídia de uma acusação sem o correlativo da defesa.

SUBSÍDIO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE E PROJETOS ANTERIORES

III – À parte as inovações necessárias à aplicação do novo Código Penal e as orientadas no sentido da melhor adaptação das normas processuais à sua própria finalidade, o projeto não altera o direito atual, senão para corrigir imperfeições apontadas pela experiência, dirimir incertezas da jurisprudência ou evitar ensejo à versatilidade dos exegetas. Tanto quanto o permitiu a orientação do projeto, foi aproveitado o material da legislação atual. Muito se respigou em vários códigos de processo penal estaduais, e teve-se também em conta não só o projeto elaborado pela Comissão Legislativa nomeada pelo Governo Provisório em 1931, como o projeto de 1936, este já norteado pelo objetivo de unificação, do direito processual penal.

A respeito de algumas das inovações produzidas e da fidelidade do projeto e certas práticas e critérios tradicionais, é feita, a  seguir, breve explanação.

A CONSERVAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL

IV – Foi mantido o inquérito policial como processo preliminar ou preparatório da ação penal, guardadas as suas características atuais. O ponderado exame da realidade brasileira, que não é apenas a dos centros urbanos, serão também a dos remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o repúdio do sistema vigente.

O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis. Para atuar proficuamente em comarcas extensas, e posto que deva ser excluída a hipótese de criação de juizados de instrução em cada sede do distrito, seria preciso que o juiz instrutor possuísse o dom da ubiquidade. De outro modo não se compreende como poderia presidir a todos os processos nos pontos diversos da sua zona de jurisdição, a grande distância uns dos outros e da sede da comarca, demandando, muitas vezes, com os morosos meios de condução ainda praticados na maior parte do nosso hinterland, vários dias de viagem. Seria imprescindível, na prática, a quebra do sistema: nas capitais e nas sedes de comarca em geral, a imediata intervenção do juiz instrutor, ou a instrução única;  nos distrititos longínquos, a continuação do sistema atual. Não cabe, aqui, discutir as proclamadas vantagens do juízo de instrução.

Preliminarmente,a sua adoção entre nós, na atualidade, seria incompatível com o critério de unidade da lei processual. Mesmo, porém, abstraída essa consideração, há em favor de inquérito policial, como instrução provisória antecedendo à propositura da ação penal, um argumento dificilmente contestável: é ele uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas SUS circunstâncias objetivas e subjetivas. Por mais perspicaz e circunspecta, a autoridade que dirige a investigação inicial, quando ainda perdura o alarma provocado pelo crime, está sujeita a equívocos ou falsos juízos a priori, ou a sugestões tendenciosas. Não raro, é preciso voltar atrás, refazer tudo, para que a investigação se oriente no rumo certo, até então despercebido. Por que, então, abolir-se o inquérito preliminar ou instrução provisória, expondo-se a justiça criminal aos azares do detetivismo, às marchas e contramarchas de uma instrução imediata e única? Pode ser mais expedito o sistema de unidade de instrução, mas so nosso sistema tradicional com o inquérito preparatório, assegura uma justiça menos aleatória, mas prudente e serena.

A AÇÃO PENAL

V – o projeto atende ao princípio ne procedat judex ex officio, que, ditado pela evolução do direito judiciário penal e já consagrado pelo novo Código Penal, reclama a completa separação entre o juiz e o órgão da acusação, devendo caber exclusivamente a este a iniciativa da ação penal. O procedimento ex officio só é mantido em relação às contravenções, que, dado o caráter essencialmente preventivo que assume, na espécie, a sanção penal, devem ser sujeitas a um processo particularmente célere, sob pena de frustrar-se a finalidade legal. A necessidade de se abolirem, nesse caso, as delongas processuais motivou mesmo a transferência, respeitada pelo projeto de se permitir à autoridade policial, para o efeito de tal processo, excepcional função judiciária.

É devidamente regulada a formalidade da representação, de que depende em certos casos, na conformidade do novo código Penal, a iniciativa do Ministério Público.

São igualmente disciplinados os institutos da renunciai e do perdão, como causas de extinção da punibilidade nos crimes de ação privada.

Para dirimir dúvidas que costumam surgir no caso de recusa do promotor da justiça em oferecer denúncia, adotou o projeto a seguinte norma: “Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao Procurador-Geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender”.

A REPARAÇÃO DO DANO “EX DELICTO”

VI – O projeto,ajustando-se ao Código Civil e ao novo Código Penal, mantém a separação entre a ação penal e a ação civil ex delicto,  revelando o instituto ambíguo da constituição de “parte civil” no processo penal. A obrigação de reparar o dano resultante do crime não é uma consequência de caráter penal, embora se torne certa quando haja sentença condenatória no juízo criminal. A invocada conveniência prática da economia de juízo não compensa o desfavor que acarretaria ao interesse da repressão a interferência de questões de caráter patrimonial no curso do processo penal. É indissimulável o mérito da argumentação de Sá Ferreira na “Exposição de Motivos” do seu “Projeto de Código Penal”, refutando as razões com que se defende o deslocamento da reparação do dano ex delicto para o campo do direito público:

“A meu ver, o que há de verdade nessas alegações não atinge os dois pontos seguintes: 1) que a reparação do dano é matéria de direito civil, e 2) que a repressão sofreria, se,,no crime, a pleiteássemos. Se há lesão patrimonial, a reparação há de ser pedida a um outro patrimônio, e se me afigura impossível deslocar esta relação entre dois patrimônios no capo do direito privado para o do direito público, como querem os positivistas. Abrir no processo-crime a necessária margem à ação reparadora seria ou fazer marcharem simultaneamente as duas ações no mesmo processo, o que se tornaria tumultuário, ou paralisar o processo-crime para que o cível o alcançasse no momento final de pronunciamento da sentença que aplicasse a pena e ficasse a indenização. Não creio que a repressão ganhasse com isto alguma coisa; ao contrário, perderia muito de sua prontidão e rapidez”.

Limita-se o projeto a outorgar ao juiz da actio civilis ex delicto a faculdade de sobrestar no curso desta até o pronunciamento do juízo penal. Desde que exista julgamento definitivo no processo-crime, prevalece o disposto no art. 1.525 do Código Civil, isto é, a prejudicialidade daquele sobre o julgamento no cível, relativamente à existência do fato, ou quem seja o seu autor. É expressamente  declarado que faz coisa julgada no cível a sentença peal que reconhecer,no caso concreto, qualquer das hipóteses do art. 19 do Código Penal.não será prejudicial da ação cível a decisão que,no juízo penal: 1) absolver o acusado, sem reconhecer,categoricamente, a inexistência material do fato; 2) ordenar o arquivamento do inquérito ou das peças de informação, por insuficiência de prova quanto á existência do crime ou sua autoria; 3) declarar extinta a punibilidade; ou 40 declarar que o fato imputado não é definido como crime.

O projeto não descurou de evitar que se torne ilusório o direito à reparação do dano, instituindo ou regulando eficientemente medidas assecuratórias (sequestro e hipoteca legal dos bens do indicado ou do responsável civil), antes mesmo do início da ação, ou do julgamento definitivo, e determinando a intervenção do Ministério Público, quando o titular do direito à indenização não disponha de recursos pecuniários pra exercê-lo, ficará, assim, sem fundamento a crítica, segundo a qual, pelo sistema do direito pátrio, a reparação do dano ex delicto não passa de uma promessa vã ou platônica da lei.

AS PROVAS

VII – O projeto abandonou radicalmente o sistema  chamado da certeza legal. Atribui ao juiz a faculdade de iniciativa de provas complementares ou supletivas, quer  no curso da instrução criminal, quer a final,, antes de proferir a sentença. Nãoa serão atendíveis as restrições à prova estabelecidas pela lei civil, salvo quanto ao estado das pessoas; nem é prefixada uma hierarquia de provas:  na livre apreciação destas, o juiz formará, honesta e lealmente, a sua convicção. A própria confissão do acusado  não constitui, fatalmente, a prova plena de sua culpabilidade. Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis valor decisivo, ou  necessariamente maior prestígio que outra. Se é  certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material. O juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência. Nunca é demais, porém, advertir  que livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou mero arbítrio na apreciação das provas. O juiz está livre de preconceitos legais na aferição das provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se ao seu conteúdo. Não estará ele dispensado de motivar a sua sentença. E precisamente nisto reside a suficiente  garantia do direito das partes e do interesse social.

Por outro lado, o juiz deixará de ser um espectador inerte da produção de provas. Sua intervenção natividade processual é permitida,, não somente para dirigir a marcha da ação penal e julgar a final, mas também para ordenar, de ofício, as provas que lhe parecerem úteis ao esclarecimento da verdade. Para a indagação desta, nãoestará sujeito a preclusões. Enquanto não estiver averiguada a matéria da acusação ou da defesa, e houver uma fonte de prova ainda não explorada, o juiz não deverá pronunciar o in dubio pro reo ou o non liquet.

Como corolário do sistema de livre convicção do juiz, é rejeitado o velho brocardo testis unus testis  nullus. Não se compreende a prevenção legal contra  a voix d’un, quando, tal seja o seu mérito, pode bastar á elucidação da verdade e a certeza moral do juiz. Há atualidade,aliás, a exigência da lei, como se sabe, é contornada por uma simulação prejudicial ao próprio decoro ou gravidade da justiça, qual à consistente em suprir-se o mínimo legal de testemunhas com pessoas cuja insciência acerca do objeto do processo é previamente conhecida, e que somente vão a juízo para declarar que nada sabem.

Outra inovação, em matéria de prova, diz respeito ao interrogatório do acusado. Embora mantido o princípio de que nemo tenetur se detegere não estando o acusado na estrita obrigação de responder o que se lhe perguntar, já não será esse termo do processo, como atualmente, uma série de perguntas predeterminadas, sacramentais, a que o acusado dá as respostas de antemão estudadas, para não comprometer-se, mas uma franca oportunidade de obtenção de prova. É facultado ao juiz formular ao acusado quaisquer perguntas que julgue necessárias à pesquisa da verdade, e se é certo que o silêncio do réu não importará confissão, poderá, entretanto, servir, em face de outros indícios, à formação do convencimento do juiz.

O projeto ainda inova quando regula especialmente como meio de prova o “reconhecimento de pessoas e coisas’, quando estabelece a forma de explicação de divergência entre testemunhas presentes e ausentes do distrito de culpa, e, finalmente, quando, ao regular a busca, como expediente de consecução pessoal, para disciplinar diversamente, como é justo, as duas espécies.

A PRISÃO EM FLAGRANTE E A PRISÃO PREVENTIVA

VIII – A prisão em flagrante e a prisão preventiva são definidas com mais latitude do que na legislação em vigor. O clamor público deixa de ser condição necessária para que se equipare ao estado de flagrância o caso em que o criminoso, após a prática do crime, está a fugir. Basta que, vindo se cometer o crime, o fugitivo seja  perseguido “pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração”; preso em tais condições, entende-se preso em flagrante delito. Considera-se, igualmente, em estado de flagrância o indivíduo que, logo em seguida à perpetração do crime, é encontrado “com o instrumento, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser autor da infração”. O interesse da administração pode continuar a ser sacrificado por obsoletos escrúpulos formalísticos, que redundam, em assegurar, com prejuízo da futura ação penal, a afrontosa intangibilidade de criminosos surpreendidos na atualidade ainda palpitante do crime e em circunstâncias  que  evidenciam sua relação com este.

A prisão preventiva, por sua vez, desprende-se dos limites estreitos até agora traçados à sua admissibilidade. Pressuposta a existência de suficientes indícios para a imputação da autoria do crime, a prisão preventiva poderá ser decretada toda vez que o reclame o interesse da ordem pública, ou da instrução criminal, ou da efetiva aplicação da lei penal. Tratando-se de crime a que seja cominada pena de reclusão por tempo, no máximo, igual ou superior  a  10 (dez) anos, a decretação da preventiva será obrigatória, dispensando outro requisito além da prova indiciária contra o acusado. A duração da prisão provisória continua a  ser condicionada, até o encerramento da instrução criminal, à efetividade dos atos processuais dentro dos respectivos prazos; mas estes são razoavelmente dilatados.

Vários são os dispositivos do projeto que cuidam de prover a maior à maior praticabilidade da captura de criminosos que já se acham sob decreto de prisão. Assim, a falta de exibição do mandado, como já  foi, de início acentuado, não obstará a prisão, ressalvada a condição de ser o preso conduzido imediatamente à presença da autoridade que decretou a prisão.

A prisão do réu ausente do distrito da culpa, seja qual for o ponto do território  nacional em que se encontre, será feita mediante entendimento entre estas por  via telegráfica ou telefônicas, tomadas as necessárias precauções para evitar ludíbrios ou ensejo a maliciosas vinditas. Não  se compreende ou não se justifica que os Estados, gravitando dentro da unidade nacional, se oponham mutuamente obstáculos  na pronta  repressão da delinquência.

A autoridade policial que recebe um mandado de prisão para dar-lhe cumprimento poderá, de sua própria iniciativa, fazer tirar tantas cópias quantas forem necessárias às diligências.

A LIBERDADEE PROVISÓRIA

IX – abolida a pluralidade do direito formal, já não subsiste razão para que a liberdade provisória mediante fiança, que é matéria tipicamente de caráter  processual, continue a ser regulada pela lei substantiva. O novo Código Penal não cogitou do instituto da fiança, precisamente para  que o  futuro Código de Processo Penal reivindicasse a regulamentação de assunto que lhe é pertinente. Inovando na legislação atual, o presente projeto cuidou de imprimir à fiança um cunho menos rígido. O quantum da fiança continuará subordinado a uma tabela graduada, mas as regras para a sua fixação tornam possível sua justa correspondência aos casos concretos. É declarado que, “para determinar o valor da fiança, a autoridade terá em conta a natureza  da infração, as condições pessoais, de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstancias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento.” Ainda mais: o juiz não estará inexoravelmente adstrito à tarifa legal, podendo aumentar até o triplo a fiança, quando “reconhecer que, em virtude da situação econômica do réu,nãoassegurará a ação da justiça, embora fixada no máximo”

Não é admitida a fiança fidejussória, mas o projeto contém o seguinte dispositivo, que virá conjurar uma iniquidade frequente no regime legal atual, relativamente aos réus desprovidos de recursos pecuniários: “Nos casos em que couber fiança, o juiz,verificando ser impossível ao réu  prestá-la, por motivo de pobreza, poderá conceder-lhe a liberdade provisória...”.

Os casos de inafiançabilidade são taxativamente previstos, corrigindo-se certas anomalias da lei vigente.

A INSTRUÇÃO CRIMINAL

X – O prazo da instrução criminal ou formação da culpa é ampliado (em cotejo com os estabelecidos atualmente) estando o réu preso, será de 20 (vinte) dias, estando o réu solto ou afiançado, de 40 (quarenta) dias.

Nesses prazos, que começarão a correr da data do interrogatório, ou da em que deverá ter-se realizado, terminando com a inquirição da última testemunha de acusação, não será computado o tempo de qualquer impedimento.

O sistema de inquirição das testemunhas é o chamado presidencial, isto é,ao juiz que preside à formação da culpa cabe privativamente fazer perguntas diretas á testemunha. As perguntas das partes serão feitas por intermédio do  juiz, a cuja censura ficarão sujeitas.

O ACUSADO

XI – Suprindo uma injustificável omissão da atual legislação processual, o projeto autoriza que o acusado, no caso em que não caiba a prisão preventiva, seja forçadamente conduzido à  presença da autoridade, quando, regularmente intimidado pra ato que, sem ele, não possa realizar—se, deixa de comparecer sem motivo justo. Presentemente, essa medida compulsória é aplicável somente à testemunha faltosa, enquanto ao réu é concedido o privilégio de desobedecer à autoridade processante, ainda que a sua presença seja necessária para esclarecer ponto relevante da acusação ou da defesa. Nenhum acusado,ainda que revel,será processado ou julgado sem defensor, mas a sua ausência (salvo tratando-se de crime da competência do Tribunal do Júri) nãosuspenderá o julgamento, nem o prazo para o recurso, pois, de outro modo, estaria a lei criando uma prerrogativa em favor de réus foragidos, que, garantidos contra o julgamento  à revelia, poderiam escapar, indefinidamente, à categoria de reincidentes. Se algum erro  judiciário daí provier, poderá  ser  corrigido pela  revisão ou por um decreto de graça.

A SENTENÇA

XII – O projeto, generalizando um princípio já consagrado pela atual Lei do Júri,, repudia a proibição de sentença condenatória ultra petitum ou a a de classificação in pejus do crime imputado. Constituía um dos exageros do liberalismo o transplante dessa proibição, que é  própria do direito  privado, para a esfera de direito processual penal, que é um ramo do direito público. O interesse da defesa social não pode ser superado pelo unilateralíssimo interesse pessoal dos criminosos. Não se pode reconhecer ao réu, em prejuízo do bem social, estranho direito adquirido a um quantum de pena  injustificadamente diminuta, só porque o Ministério Público, ainda que por equívoco, não tenha pleiteado maior pena. Em razão do antigo sistema, ocorria, frequentemente, a seguinte inconveniência: não podendo retificar a classificação feita na denúncia, para impor ao réu sanção mais grave, o juiz era obrigado a julgar nulo o processo ou improcedente a ação penal, conforme o caso, devendo o Ministério Público apresentar nova denúncia,  se é que já não estivesse extinta a punibilidade pela prescrição. Se o réu estava preso, era posto em liberdade, e o êxito do segundo processo tornava-se, as mais das vezes, impossível, dado o intercorrente desaparecimento dos elementos de prova. Inteiramente diversa é a solução dada pelo projeto, que distingue duas hipóteses: o fato apurado ao sumário é idêntico ao descrito na denúncia ou queixa, mas esta o classificou erradamente, ou o fato apurado ocorreu em circunstâncias diversas não contidas explícita ou implicitamente na peça inicial do processo, e estas deslocam a classificação. E os dois casos são assim resolvidos: no primeiro, é conferida ao juiz a faculdade de alterar a classificação,ainda que para aplicar pena mais grave; no segundo, se a circunstância apurada não estava contida,explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa, mas nãoa carreta a nova classificação penal mais grave, deverá o juiz conceder ao acusado o prazo de 8 9oito) dias para alegação e provas, e se importa classificação que acarrete pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério Público adite a denúncia ou a queixa e, em seguida, marcará novos prazos sucessivos á defesa, para alegações e prova.

Vê-se que o projeto,ao dirimir a questão,atendeu á necessidade de assegurar a defesa e, ao mesmo tempo, impedir que se repudie um processo realizado com todas as formalidades legais.

É declarado, de modo expresso, que, nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada.

Quando o juiz da sentença nãofor o mesmo que presidiu à instrução criminal, é-lhe facultado ordenar que esta se realize novamente, em sua presença.

A sentença deve ser motivada. Com o sistema do relativo arbítrio judicial na aplicação da pena, consagrado pelo novo Código Penal, e o do livre convencimento do juiz, adotado pelo presente projeto, é a motivação da sentença que oferece garantia contra os excessos, os erros de apreciação, as falhas de raciocínio ou de lógica ou os demais vícios de julgamento. No caso de absolvição, a parte dispositiva da sentença deve conter, de modo preciso, a razão específica pela qual é o réu absolvido. É minudente o projeto, ao regular a motivação e o dispositivo da sentença.

AS FORMAS DO PROCESSO

XIII – São estabelecidas e devidamente reguladas as várias formas do processo.

O processo sumário é limitado às contravenções penais e aos crimes a que sejam cominadas penas de detenção. Para o efeito da aplicação de medida de segurança nos casos do parágrafo único do art. 76 do Código Penal, é instituído processo especial.

Ao cuidar do processo por crimes contra a honra (ressalvada a legislação especial sobre os “crimes de imprensa”) o projeto contém uma inovação, o juízo preliminar de reconciliação entre as partes. Antes de receber a queixa, o juiz deverá ouvir, separadamente, o querelante e o querelado e, se julgar possível a reconciliação, promoverá um entendimento entre eles, na sua presença. Se efetivamente se reconciliarem, será lavrado termo de desistência e arquivada a queixa. Os processos por calúnia, difamação ou injúria redundam, por vezes, em agravação de uma recíproca hostilidade. É de boa política, portanto, tentar-se, in limine litis, o apaziguamento dos ânimos, sem quebra da dignidade ou amor próprio de qualquer das partes.

O processo por crime de falência é atribuído integralmente ao juízo criminal, ficando suprimido, por sua consequente inutilidade, o termo de pronúncia. Nãosão convenientes os argumentos em favor da atual dualidade de juízos, um para o processo até pronúncia e outro para o julgamento. Ao invés das singularidades de um processo anfíbio, com instrução no juízo cível e julgamento no juízo criminal, é estabelecida a competência deste ab initio, restituindo-se-lhe uma função específica e ensejando-se-lhe mais segura visão de conjunto, necessária ao acerto da decisão final.

O JÚRI

XIV – Com algumas alterações, impostas pela lição da experiência e pelo sistema de aplicação da pena adotado pelo novo Código Penal, foi incluído no corpo do projeto o Decreto-lei n. 167, de 5 de janeiro de 1938. Como atestam os aplausos recebidos, de vários pontos do país, pelo Governo da República, e é notório, têm sido excelentes os resultados desse Decreto-lei que veio afeiçoar o tribunal popular á finalidade precípua da defesa social. A aplicação da justiça penal pelo júri deixou de ser uma abdicação, para ser uma delegação do Estado, controlada e orientada no sentido do superior interesse da sociedade. Privado de sua antiga soberania, que redundava, na prática, numa sistemática indulgência para com os criminosos, o júri está, agora, integrado na consciência de suas graves responsabilidades e reabilitado na confiança geral.

A relativa individualização da pena, segundo as normas do estatuto penal que entrará em vigor a 1º de janeiro do ano vindouro, (leia-se 1942). Não pode ser confiada ao conselho de sentença, pois exige, além da apreciação do fato criminoso em si mesmo, uma indagação em tono de condições e circunstâncias complexas, que não poderiam ser objeto de quesitos, para respostas de plano. Assim, ao conselho de sentença, na conformidade do que dispõe o projeto, apenas incumbirá afirmar ou negar o fato imputado, as circunstâncias elementares ou qualificativas, a desclassificação do crime acaso pedida pela defesa, as causas de aumento ou diminuição especial de pena e as causas de isenção de pena ou de crime. No caso em que as respostas sejam no sentido da condenação, a medida da pena caberá  exclusivamente ao presidente do tribunal, pois, com o meditado estudo que já tem do processo, estará aparelhado para o ajustamento in concreto da pena aplicável ao réu. Também ao presidente do tribunal incumbe, privativamente, pronunciar-se sobre a aplicação de medidas de segurança e penas acessórias.

A decisão do conselho  de sentença, prejudicial da sentença proferida pelo juiz-presidente, é reformável, de meritis, em grau de apelação,, nos estritos casos  em que  o  autoriza a legislação atual; mas do pronunciamento do juiz-presidente cabe apelação segundo a regra geral.

O RECURSO “EX  OFFICIO” DA CONCESSÃO DE “HABEAS CORPUS” NA PRIMEIRA INSTÂNCIA

XV – O projeto determina o recurso ex officio da sentença proferida pelos juízes inferiores concedendo habeas corpus. Não é exato que a Constituição vigente tenha suprimido, implicitamente, essa providência de elementar cautela de administração da justiça penal. A opinião contrária levaria a admitir que tais sentenças são atualmente irrecorríveis, pois delas, pela  mesma lógica, não caberia recurso do Ministério Público, ainda que se tornasse obrigatória a intervenção deste nos processos de habeas corpus.

A Constituição, em matéria de processo de habeas Corpus, limita-se a dispor que das decisões denegatórias desse remedium juris, proferidas “em última ou única  instância’, há recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal.

A última instância, a que se refere o dispositivo constitucional e o tribunal de apelação, sendo existente que, salvo os caos de competência originária deste, a decisão denegatória de habeas corpus, de que há recurso para o Supremo Tribunal, pressupõe um anterior recurso, doo juiz inferior para o Tribunal de Apelação. Ora, se admitiu recurso para o Tribunal de Apelação, da sentença do juiz inferior no caso de denegação do habeas corpus, não seria compreensível que a Constituição, visceralmente informada no sentido da incontrastável supremacia do interesse social, se propusesse á abolição do recurso ex officio, para o mesmo Tribunal de Apelação, da decisão  concessiva do  habeas corpus, também emanada do juiz inferior, que passaria a ser, em tal caso, instância única. É facilmente imaginável o desconchavo que daí poderia resultar. Sabe-se que um dos casos taxativos de concessão de habeas corpus é o de não constituir infração penal o fato que motiva o constrangimento à liberdade de ir e vir. E não se poderia conjurar,na prática, a seguinte situação aberrante: o juiz inferior,errada ou injustamente, reconhece penalmente lícito o fato imputado ao paciente, e, em consequência, não somente ser este posto em liberdade, como também impedido o prosseguimento da ação penal, sem o pronunciamento da segunda instância.

Não se pode emprestar à Constituição a intenção de expor a semelhante desgarantia o interesse da defesa social. O que ela fez foi apenas deixar bem claro que ela fez foi  apenas deixar bem claro que das decisões sobre habeas corpus, proferidas pelos Tribunais de apelação, como última ou única instância, somente caberá recurso para o supremo Tribunal quando denegatórias. No caso de decisão denegatória, não se tratando de habeas corpus originário de tribunal de apelação, haverá, excepcionalmente, três instâncias, se a decisão, porém, E concessiva da medida, duas apenas, segundo a  regra  geral, serão as instâncias.

OS NOVOS INSTITUTOS DA LEI PENAL MATERIAL

XVI – O projeto configura capítulos especiais à detalhada regulamentação dos institutos que, estranhos à lei penal ainda vigente, figuram no novo Código Penal, como sejam as medidas de segurança  e a reabilitação do mesmo modo que prevê à disciplina da execução das penas principais e acessórias, dentro da sistemática do referido código.

AS NULIDADES

XVII – Como já foi dito de início, o projeto é infenso ao excessivo rigorismo formal, que dá ensejo,atualmente, à infindável série das nulidades processuais. Segundo a justa advertência de ilustre processualista italiano, “um bom direito processual penal deve limitar de sanções de nulidade àquele estrito mínimo que não pode ser abstraído sem lesar legítimos e graves interesses do Estado e dos cidadãos.”

O projeto não deixa respiradouro para o frívolo curialismo, que se compraz em espiolhar nulidades. É consagrado no princípio geral de que nenhuma nulidade ocorre se não há prejuízo para a acusação ou a defesa.

Não será declarada a nulidade de nenhum ato processual, quando este não haja influído concretamente na decisão da causa ou na apuração da verdade substancial. Somente em casos excepcionais é declarada insanável a nulidade.

Fora desses casos, ninguém pode invocar direito à irredutível subsistência da nulidade.

Sempre que o juiz deparar com uma causa de nulidade, deve prover imediatamente á sua eliminação, renovando ou retificando o aato irregular, se possível, mas, ainda que o não faço, a nulidade considera-se sanada:

a)    Pelo silêncio das partes;
b)    Pela efetiva consecução do escopo visado pelo ato não obstante sua irregularidade;
c)    Pela aceitação, ainda que tácita, dos efeitos do ato irregular.
Se a parte interessada não argui a irregularidade ou com esta implicitamente se conforma, aceitando-lhe os efeitos, nada mais natural que se entenda haver renunciado ao direito de argui-la. Se toda formalidade processual visa um determinado fim, e este fim é alcançado, apesar de sua irregularidade, evidentemente carece esta de importância. Decidir de outro modo será incidir no despropósito de considerar-se a formalidade um fim em si mesma.

É igualmente firmado o princípio de que não pode arguir a nulidade quem lhe tenha dado causa ou não tenha interesse na sua declaração. Não se compreende que alguém provoque a irregularidade e seja admitido em seguida, a especular com ela, nem tampouco que, no silêncio da parte prejudicada, se permita à outra parte investir-se no direito de pleitear a nulidade.

O ESPÍRITO DO CÓDIGO

XVIII – Do que vem de ter ressaltado, e de vários outros critérios adotados pelo projeto, se evidencia que este se norteou no sentido de obter equilíbrio entre o interesse social e o da defesa individual, entre o direito do estado à punição dos criminosos e o direito do indivíduo às garantias e seguranças de sua liberdade. Se ele nãoi transige com as sistemáticas restrições ao poder público, não o inspira, entretanto, o espírito de um incondicional autoritarismo do Estado ou de uma sistemática prevenção contra os direitos e garantias individuais.

É justo, ao finalizar esta Exposição de Motivos, deixe aqui consignada a minha homenagem aos autores do projeto, Drs.Vieira Braga, Nelson Hungria, Narcélio de Queiróz, Roberto Lyra, Desembargador Florêncio de Abreu e o saudoso Professor Cândido Mendes de Almeida, que revelaram rara competência dos problemas de ordem técnica e de ordem prática que o Código se propõe resolver.

Na redação final do projeto contei com a valiosa colaboração do Dr. Abgail Renault.

Aproveito a oportunidade para enviar a Vossa Excelência os protestos de meu mais profundo respeito.


Francisco Campos

sexta-feira, 1 de maio de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL - DECRETO-LEI N. 3931, DE 11 DE DEZEMBRO DE 1941 (¹) - LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – (DECRETO LEI Nº 3.689, DE 3-10-1941) - VARGAS DIGITADOR



MANUAL DE PROCESSO PENAL  - DECRETO-LEI N. 3931, DE 11 DE DEZEMBRO DE 1941 (¹) - LEI  DE  INTRODUÇÃO AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – (DECRETO LEI Nº  3.689,  DE  3-10-1941) - VARGAS DIGITADOR.

LEI DE INTRODUÇÃO
O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição Federal, decreta:

Art.1º. O Código de Processo Penal aplicar-se-á aos processos em curso a 1º de janeiro de 1942, observado o disposto nos artigos seguintes, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da legislação anterior.

Art.2º. À prisão preventiva e à fiança aplicar-se-ão os dispositivos que forem mais favoráveis.
·       Vide arts. 282 a 350 do CPP.

Art.3º. O prazo já iniciado, inclusive o estabelecido para a interposição de recurso, será regulado pela lei anterior, se esta não prescrever prazo menor do que o fixado no Código de Processo Penal.

Art.4º. A falta de arguição em prazo já decorrido, ou dentro no prazo indicado antes da vigência do Código Penal e terminado depois de sua entrada em vigor, sanará a nulidade, se a legislação anterior lhe atribui este efeito.
** o CP aprovado pelo Decreto-Lei n. 2.848, de 7-12-1940, entrou em vigor no dia 1º de 1.942.

Art.5º. Se tiver sido intentada ação pública por crime que, segundo o Código Penal, só admite ação privada, esta, salvo decadência intercorrente, poderá  prosseguir nos autos daquela, desde que a parte legítima para intentá-la ratifique os atos, realizados e promova o andamento do processo.

Art.6º. As ações penais, em que já se tenha iniciado a produção de prova testemunhal, prosseguirão, até a sentença de primeira instância, com o rito estabelecido na lei anterior.

§1º.  Nos procedimentos cujo julgamento, segundo a lei anterior, competia ao  e, pelo Código de Processo Penal, cabe a juiz singular.

a -  concluída a inquirição das testemunhas de acusação, proceder-se-á a interrogatório do réu, observado o disposto nos arts. 395 e 396, parágrafo único do mesmo Código, prosseguindo-se depois de produzida a prova de defesa, de acordo com o que dispõem os arts. 499 e ss.;

b -  se, embora concluída a inquirição das testemunhas de acusação, ainda não houver sentença de pronúncia ou impronúncia, prosseguir-se-á na forma da letra anterior;

c - se a sentença de pronúncia houver passado em julgado, ou dela não tiver ainda sido interposto recurso, prosseguir-se-á na forma da letra a;

d – se, havendo sentença de impronúncia, esta passar em julgado, só poderá ser instaurado o processo no caso do art. 409, parágrafo único, do Código de Processo Penal;

 e – se tiver sido interposto recurso da sentença de  pronúncia, aguardar-se-á o julgamento do mesmo, observando-se, afinal, o disposto na letra b ou na letra d.

§2º. Aplicar-se-á o disposto no §1º aos processos da competência do juiz singular nos quais exista a pronúncia, segundo a lei anterior.

§3º. Subsistem os efeitos da pronúncia, inclusive a prisão.

§4º. O julgamento caberá ao júri se, na sentença de pronúncia, houver sido ou for o crime classificado no §1º ou §2º do art.295 da Consolidação das Leis Penais.

·       A Consolidação das Leis Penais (Decreto n. 22.213, de 14-12-1932) foi substituída pelo CP de 1940.

Art. 7º. O juiz da pronúncia, ao classificar o crime, consumado ou tentado, não poderá reconhecer a existência de causa especial de diminuição da pena.

Art. 8º. As perícias iniciadas antes de 1º de janeiro de 1942 prosseguirão de acordo com a legislação anterior.

Art. 9º. Os processos de contravenções, em qualquer caso, prosseguirão na forma da legislação anterior.

·       Vide arts. 531 e s., sobre processo das contravenções, no CPP.

Art. 10. No julgamento, pelo júri,de crime praticado antes da vigência do Código Penal, observar-se-á o disposto no art. 78 do Decreto-Lei n. 167, de 5 de janeiro de 1938, devendo os quesitos ser formulados de acordo com a Consolidação das Leis Penais.

·       Citado Decreto-lei regulava a instituição do júri,matéria hoje regida pelos arts, 74, 78, 81, 106, e 406 a 497 d0 CPP, e art. 5º, XXXVIII, da CF.

1º. Os quesitos sobre causas de exclusão de crime, ou de isenção de pena, serão sempre formulados de acordo com a lei mais favorável.

2º. Quando as respostas do júri importarem condenação, o presidente do tribunal fará o confronto da pena resultante dessas respostas e da que seria imposta segundo o Código Penal,e aplicará amais benigna.

3º. Se o confronto das penas concretizadas, segundo uma e outra lei, depender do reconhecimento de algum fato previsto no Código Penal, e que, pelo Código de Processo Penal, deva constituir objeto de quesito, o juiz o formulará.

Art. 11. Já tendo sido interposto recurso de despacho ou de sentença, as condições de admissibilidade, a forma e o julgamento serão regulados pela lei anterior.

Art. 12. No caso do art. 673 do Código de Processo Penal, se tiver sido imposta medida de segurança detentiva ao condenado, este será removido para estabelecimento adequado.

Art. 13. A aplicação da lei nova a fato julgado por sentença condenatória irrecorrível, nos casos previstos no art 2º e seu parágrafo, do Código Penal, far-se-á mediante despacho do juiz de ofício, ou a requerimento do condenado ou do Ministério Público.

·       Vide Súmula 611 do STF.

§1º. Do despacho caberá recurso em sentido estrito..

§2º. O recurso interposto pelo Ministério Público terá efeito suspensivo,no caso de condenação por crime a que a lei anterior comine,no máximo, pena privativa de liberdade,por tempo igual ou superior a 8 (oito) anos.

Art. 14. No caso de infração deferida na legislação sobre a caça, verificado que o agente foi, anteriormente punido, administrativamente, por qualquer infração prevista na mesma legislação, deverão ser os autos remetidos à autoridade judiciária que, mediante portaria, instaurará o processo, na forma do art. 531 do Código de Processo Penal.

·       Código de Caça: Lei n. 5.197, de 3-1-1967.
·       Crimes Ambientais: vide Lei n. 9.605, de 12-2-1998.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não exclui a forma de processo estabelecido no Código de Processo Penal., para o caso de prisão em flagrante de contraventor.

Art.15. no caso do art. 145, IV, do Código de Processo Penal, o documento reconhecido como falso será, antes de desentranhado dos autos, rubricado pelo juiz e pelo escrivão em cada uma de suas folhas.

Art. 16. Esta lei entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 1942, revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 1941; 120º da Independência e  53º da República.

Getúlio Vargas

quinta-feira, 30 de abril de 2015

DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR – CAPÍTULO 3. QUEM É O ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO – 3ª AULA – PROFESSORA NEUZA – DIREITO FAMESC 8º PERÍODO - VARGAS DIGITADOR



DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR – ANTÔNIO CARLOS GIL – ATLAS S.A. 2015 – CAPÍTULO  3. QUEM É O ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO – 3ª AULA – PROFESSORA NEUZA – DIREITO FAMESC 8º PERÍODO - VARGAS DIGITADOR

3  Quem é o estudante universitário

O Capítulo 2 tratou do professor universitário, dos papéis que desempenha e das competências requeridas para que possa contribuir para a eficácia do processo de ensino-aprendizagem. Mas o professor constitui um dos polos desse processo. O outro é constituído pelos estudantes. Logo, não há como deixar de considerar o papel desempenhado pelo corpo discente nesse processo.

Qualquer livro elementar de Didática ou de Metodologia do Ensino ressalta hoje a importância do corpo discente. Mas essa preocupação do com estudante é relativamente recente há História da Educação. A razão desta mudança pode ser facilmente explicada. Durante muito tempo, no Brasil, e em tantos outros países, o corpo discente das escolas foi constituído por alunos provenientes de estratos de gênero, pois os alunos eram do sexo masculino. Por isso mesmo, o modelo sempre pareceu justo, pois esse modelo preconizava atender a todos os alunos de forma igual e equitativa. No entanto, com o processo de democratização, (ou de massificação) do ensino, passaram a ter acesso à escola, pessoas provenientes de outros estratos sociais, com interesses, motivações e heranças culturais diferentes e com competências e conhecimentos em diferentes graus de desenvolvimento. Esta situação tornou inviável a postura secular do professor de desenvolver sua atividade para um alunado típico.

Este capítulo é, pois, dedicado ao estudo das características do estudante do Ensino Superior. Após estudá-lo cuidadosamente, você será capaz de:

·       Reconhecer a importância das diferenças individuais nas características dos estudantes;
·       Classificar os estudantes segundo suas características psicossocial;
·       Reconhecer a importância da diversidade na condução do processo ensino-aprendizagem;
·       Reconhecer estudantes “problemáticos”; diagnosticar características dos estudantes.

3.1 Como as pessoas se diferenciam

Como integrantes de uma população, os estudantes universitários podem se distribuir segundo determinadas variáveis, como: sexo, idade, estatura, peso, estado civil, nível de rendimentos, religião, nível intelectual, expectativas profissionais, satisfação com o ensino etc. Muitas destas variáveis são relevantes para o ensino. Saber, por exemplo, o que os estudantes pensam acerca do curso que estão fazendo ou quais as suas aspirações profissionais pode auxiliar os professores tanto na redefinição dos conteúdos programáticos e das técnicas d ensino quanto no estabelecimento de estratégias e táticas para lidar com os estudantes. Por essa razão, muitos professores têm grande interesse em conhecer o perfil dos estudantes com quem irão trabalhar.

Algumas informações sobre os estudantes estão disponíveis nos prontuários que são mantidos pelas escolas e de modo geral estão acessíveis para os professores interessados. Mas de modo geral são informações coletadas com finalidades administrativas, o que as torna insuficientes para os propósitos didáticos. Algumas escolas realizam sistematicamente diagnósticos de sua população estudantil com vistas a facilitar o trabalho dos professores. Mas infelizmente são poucas. Assim, se o professor quiser obter informações significativas sobre os estudantes, precisará ele mesmo realizar esse diagnóstico, valendo-se de instrumentos como questionários, entrevistas, registro de observação e testes.

A principal contribuição desses diagnósticos é mostrar quanto os estudantes são diferentes entre si. O professor, ao definir os objetos de ensino, selecionar os conteúdos e determinar as estratégias de ensino, leva em consideração uma certa homogeneidade da classe. Mas naturalmente os estudantes apresentam muitas diferenças entre si. Assim, sabendo como se distribuem os estudantes segundo certas variáveis relevantes, o professor passa a dispor de um conjunto importante de informações capazes de auxiliá-lo no trabalho docente.

Faz parte de nossas tradições cristãs e democráticas admitir que todos são iguais perante Deus e perante a Lei. Mas também é aceito que as pessoas não são iguais entre si, que existem diferenças individuais entre os seres humanos. Qualquer profissional que tenha certo número de subordinados pode facilmente verificar que, mesmo todos trabalhando bem, seus desempenhos são muito diferentes quando se consideram tarefas específicas.

A Psicologia, desde que se constituiu como ciência, preocupou-se com o estabelecimento de leis suficientemente gerais para explicar o comportamento humano. Mas os pesquisadores logo perceberam, ao estudar o comportamento de diferentes sujeitos em laboratórios, que as leis gerais de um fenômeno apresentam importantes variações, a ponto de as diferenças individuais tornarem-se o próprio objeto de investigação de muitos psicólogos. Tanto é que um dos pioneiros da Psicologia, Francis Galton (1822-1911), definiu como um de seus campos a Psicologia Diferencial, que tem como objetivo o estudo das diferenças físicas, intelectuais e de personalidade entre as pessoas.

Embora haja muito questionamento acerta das diferenças entre as pessoas pode-se dizer que as pessoas apresentam diferenças individuais por dois motivos principais: porque já nasceram diferentes umas das outras ou porque passaram por experiências diferentes ao longo de suas vidas. O primeiro motivo refere-se às chamadas variáveis inatas. O segundo refere-se às variáveis adquiridas que se desenvolvem em decorrência da exposição das pessoas ao ambiente.

Embora cada indivíduo seja único, pode-se de certa forma prever o comportamento dos alunos, bem como de qualquer grupamento humano, com auxílio dos métodos e técnicas desenvolvidos pela Psicologia Diferencial. O principal fundamento desta disciplina científica é a “curva de Gauss” ou da ‘”distribuição normal”. Essa curva foi desenvolvida em meados do século XIX, depois  que alguns matemáticos notaram algo muito interessante sobre o modo como o mundo se organiza. À medida que procediam à mensuração de diferentes fenômenos, tais como a altura das pessoas ou a evolução do preço das mercadorias ao longo do tempo, verificaram que os resultados tendiam a se manter próximos da média aritmética. Com base nessas observações construíram a “curva da distribuição normal”, a mais familiar das distribuições de probabilidade e uma das mais importantes em Estatística, que tem a forma de um sino (figura 3.1).

Nas “distribuições normais”, poucos elementos são encontrados nas áreas correspondentes aos extremos da curva. A maioria tende a concentrar-se em torno da média. Muitas das características dos seres humanos, tais como a estatura, o peso e o nível intelectual, apresentam “distribuição normal”, podendo ser representadas de maneira semelhante a essa curva. Muitos traços dos estudantes que são importantes do oonto de vista pedagógico também se distribuem dessa forma.

Um professor poderá constatar, por exemplo, que o gráfico obtido com os resultados de uma prova tecnicamente bem elaborada será muito semelhante a uma “curva normal”. O mesmo tende a ocorrer com outras características dos estudantes, como a prontidão para o aprendizado, a capacidade de memorização, o raciocínio numérico, a extroversão etc.

Nem todas as características dos alunos distribuem-se como a curva de Gauss. Mas ela constitui valioso auxílio tanto para o estabelecimento de previsões acerca do comportamento dos alunos quanto para avaliar a adequação de seus procedimentos pedagógicos. Assim, o professor que procura antecipar os traços e o comportamento de seus alunos com base nessa curva terá certamente menos surpresas do que aquele que não o faz.


 F (x)
        
Acontece em forma de sino

 
                                       x
Figura 3.1 Curva da distribuição normal.

3.2 Como classificar os estudantes

Como os estudantes não constituem uma massa homogênea,uma das maiores preocupações dos professores passa a ser certamente a de obter algum tipo de classificação mediante a qual se torne possível lidar com mais facilidades com determinados grupos de estudantes. Considerando, porém, a complexidade do problema, é de se admitir a precariedade de qualquer tentativa nesse sentido. Com efeito, a separação de estudantes em determinados grupos depende de muitos fatores, tanto de natureza psicológica quando social, econômica, política cultural etc. Mas alguns trabalhos elaborados com essa finalidade podem ser de alguma utilidade para os professores.

A partir da década de 1960, foram desenvolvidas nos EUA e na Europa pesquisas empíricas, que culminaram com o estabelecimento de tipologias de estudantes universitários. Naturalmente cada tipologia foi elaborada com base num contexto cultural, específico, e circunscrito temporalmente. Assim, sua utilização em diferentes contextos só pode ser feita com muitas reservas. Mas a identificação de diferentes tipos de estudantes que frequentam as classes de aulas dos cursos universitários torna-se muito útil para os professores universitários.

3.2.1 A classificação de Mann

Mann e seus colaboradores (1970) estudaram alunos de faculdades americanas sob o ponto de vista emocional, e com base nesses estudos classificaram-nos em oito tipos diferentes: complacentes, ansioso-dependentes, trabalhadores desanimados, estudantes independentes, heróis, franco-atiradores, estudantes que procuram atenção e silenciosos.

Complacentes. Estes estudantes são convencionais, muito dependentes do professor e altamente orientados para as tarefas. De modo geral, sentem-se bem em sala de aula e contentam-se em aprender unicamente o que o professor quer que aprendam. Costumam falar em classe, mas geralmente para concordar com o professor ou para pedir algum esclarecimento. Raramente questionam o controle do professor. Eles estão em classe simplesmente para aprender o que é dado. De modo geral, preferem a leitura à discussão. Como geralmente fazem o que é solicitado, tendem a se sair relativamente bem nas provas, mas não costumam ser muito independentes ou criativos.

Os estudantes complacentes, que correspondem a cerca de 10% da amostra observada por Mann, pode ser auxiliados pelo professor a partir da própria aceitação da dependência. Como acreditam que o professor os aceita, este ode solicitar que se mostrem mais independentes. Assim, o professor pode ajudá-los, encorajando-os a fazer comentários críticos por escrito e a contribuir nas discussões.

Ansiososdependentes.  Frequentemente avaliam negativamente suas próprias habilidades, o que não é de todo infundado, pois nos testes aplicados por Mann apresentaram mais baixos resultados em relação à aptidão verbal que os outros grupos estudados. Durante as provas, estes estudantes costumam apresentar um ar de cansaço e a permanecer em classe o maior tempo possível, revisando suas respostas ou acrescentando “apenas mais uma frase”. Em virtude de sua excessiva ansiedade e habilidades relativamente limitadas, seus resultados com frequência acabam sendo pouco imaginativos, medíocres ou erráticos. Estes estudantes preferem a leitura à discussão e, embora sejam capazes de memorizar detalhes e definições, demonstram dificuldade na compreensão de conceitos complexos.

Trabalhadores desanimados. Estes são estudantes cujos comentários em sala de aula expressam uma atitude depressiva e fatalista em relação a si mesmos e à sua educação. Sentem-0se como pessoas que têm pouco controle sobre o seu aprendizado. Alguns poder ter se esforçado muito no passado para conseguir passar nas provas e hoje não conseguem mais achar prazer na aprendizagem.

Muitos deles são estudantes mais velhos que voltaram à escola depois de certo período de afastamento e acham que é muito difícil voltar a ter o entusiasmo juvenil. Alguns já são casados, e é muito provável que se sintam mais cansados, e preocupados, que a maioria dos estudantes. Embora as aulas não constituam experiência das mais agradáveis para esses alunos, que correspondem a 405 da amostra,. Eles podem ser transformados em participantes ativos por professores inspiradores.

Estudantes independentes.  Esses estudantes, que correspondem a 12% da amostra, são orientados para a aprendizagem, estão atentos ao que o professor pode lhes oferecer, mas perseguem suas próprias metas. Sentem-se bem fazendo o que lhes é pedido e não se esquivam quando solicitados a formular seu próprio pensamento sobre determinado tópico. A maior partes desses estudantes é muito participativa e faz amizade com os professores e se identifica com eles de alguma forma.

Os estudantes independentes geralmente são maduros e aparecem mais frequentemente nas últimas séries dos cursos universitários. Raramente apresentam problemas para os professores, mas, se a qualidade do ensino for ruim, serão provavelmente escolhidos para atuar como prta-vozes das reclamações da classe.

Heróis. Os heróis, que correspondem a 10% do total, tal como os independentes, também dão preferência ao trabalho independente e criativo. Mas, diferentemente daqueles, parecem ansiosos em fazer com que o professor perceba imediatamente que são bons estudantes, embora tendam a decepcioná-lo mais tarde em decorrência de seu mau desempenho nas aulas.

Esses estudantes frequentemente param o professor, após a primeira aula para comunicar o quanto estão interessados na matéria e quanto de conhecimento prévio acerca da matéria já possuem, por meio de leituras anteriores ou de experiência no trabalho. Geralmente, gostam de discussão e não costumam admitir que perderam um debate. Costumam faltar mais do que os outros alunos, tanto em decorrência do desvanecimento da novidade da matéria quanto das primeiras avaliações negativas de seu desempenho.

Franco-atiradores. Estes estudantes são hostis aos professores, difíceis de ser abordados e cheios de cinismo. Correspondem a 9% do grupo pesquisado e têm grande expectativa e uma imagem positiva de si mesmos, mas têm pouca esperança de que o mundo seja capaz de reconhecer seu valor ou de lhes dar uma oportunidade para demonstrá-lo. São rebeldes costumeiros que se sentam longe do professor sempre que possível e costumam fazer comentários pesados a seu respeito. Como geralmente se sentem culpados ou receosos de sua hostilidade, costumam se retirar quando questionados pelo professor acerca de suas iniciativas.

Estudantes que procuram atenção. Esses estudantes, que correspondem a 11% da amostra, gostam de vir às aulas,mas principalmente para ter contatos sociais com outros estudantes ou com o professor. Gostam muito de falar e são afeiçoados à discussão. Para eles, as necessidades sociais predominam sobre as intelectuais. Como gostam de ficar em classe, muitos deles tendem a desenvolver relações pessoais bastante intensas com os professores.

Esses estudantes são capazes de realizar um bom trabalho, desde que se deixe claro para eles que devem se esforçar para que tanto o professor quanto os colegas pensem bem a seu respeito. Também gostam de organizar sessões em grupo para rever a matéria ou para promover festas. Embora não sejam menos inteligentes que os outros estudantes, são menos intelectualizados. Como, porém, são facilmente influenciados pelos outros, o professor habilidoso é capaz de fazê-los se interessar pelos estudos.

Silenciosos. Estes estudantes, que correspondem a 20% da amostra, estão ente os que mais desejam um relacionamento próximo com o professor, mas temem o que ele possa pensar deles ou de seu trabalho. De modo geral, preferem reagir a esse medo com o silêncio e não com a hostilidade.

Esses estudantes muitas vezes ao receptivos às sugestões dos professores para que possam se conhecer melhor. No entanto, com não atraem a atenção e não colocam problemas em sala de aula, muitos desses estudantes permanecem ignorados pelo professor. Por isso, convém que o professor mantenha um registro de seus alunos em que anote como têm se comportado nas aulas  anteriores.

3.2.2 A classificação de Astin

Outra interessante tipologia de estudantes é a elaborada por Astin (1993). Também foi constituída com dados obtidos empiricamente, e apresenta sete tipos de estudantes: o sábio, o ativista social, o artista, o hedonista, o líder, o direcionado para o status e o aluno descomprometido. Assim como a tipologia de Mann, a de Astin foi construída com dados referentes a estudantes norte-americanos. Não pode, portanto, ser utilizada para representar com precisão a população constituída pelos universitários brasileiros, mas serve para esclarecer os professores acerca dos diferente tipos de alunos de cursos superiores.

Os sábios podem ser definidos por três características: habilidade acadêmica, autoconfiança intelectual e habilidade matemática. De acordo com o estudo elaborado por Astin, eles provêm de famílias com altos níveis educacionais, cujos pais desempenham atividades que requerem altos níveis de especialização, como a de professores universitários e pesquisadores científicos.

Os ativistas sociais caracterizam-se pela participação em programas de ação comunitária, pelo auxílio a pessoas com dificuldades, pela pregação de valores sociais e pelo interesse em influenciar as estruturas políticas. Muitos desses estudantes pertencem a grupos raciais e étnicos com menor presença numérica em cursos superiores e são mais frequentes em cursos como Ciências Sociais, Educação, Serviço Social, Psicologia e Teologia.

Os artistas conferem muita importância à criação artística, pretendem destacar-se numa carreira artística e escrever obras originais. Provêm geralmente de famílias detentoras de níveis educacionais relativamente altos e são encontrados não apenas em cursos de Artes, mas também em cursos de Jornalismo, Publicidade e de Letras.

Os hedonistas podem ser definidos em termos de três características comportamentais: beber, fumar e “aproveitar a note”. Muitos desses estudantes admitem que o uso da maconha e de outras drogas deve ser liberado. Originam-se geralmente de estratos sociais mais baixos e interessam-se mais por ocupações que não requerem formação acadêmica.

Os líderes caracterizam-se pela popularidade, autoconfiança social e habilidade de liderança. Seus pais apresentam níveis socioeconômicos relativamente altos. Destacam-se nos debates e apresentam maiores chances de serem eleitos para os órgãos de representação acadêmica. São muito frequentes nos cursos de Direito e de Comunicação.

Os direcionados para o status almejam boa situação financeira, reconhecimento de sua atuação pelos colegas por sua atuação, obtenção de sucesso em negócio próprio e responsabilidade administrativa pelo trabalho de outros. Nos EUA, Astin identificou participação significativa de afro-americanos e descendentes de mexicanos nesta categoria. Estes estudantes aparecem com maior frequência em cursos como os de Administração, Economia e Ciências Contábeis.

Os estudantes descomprometidos manifestam alguma das seguintes expectativas: antecipação da escolha da carreira, mudar para uma área mais promissora, deixar o curso temporária ou permanentemente ou transferir-se para uma faculdade menos exigente.

3.2.1 A classificação de Kuh, Hu e Vesper

Na virada do século, Kuh, Hu e Vesper (2000), também com base em pesquisa empírica, identificaram dez tipos de estudantes. Diferentemente das outras tipologias, esta levou em consideração essencialmente os padrões de engajamento nas atividades universitárias:

Desengajados. Estes estudantes apresentam baixo nível de participação em todas as atividades universitárias, estudam poucas horas por semana e de modo geram tiram notas baixas.

Recreadores. Estes estudantes decidam tempo considerável às atividades esportivas, mas participam pouco de outras atividades, inclusive das atividades artísticas  e culturais,e apresentam baixo nível de interação social.

Socializadores. Apresentam notável nível de interação social com seus pares, mas baixo nível de participação nas atividades acadêmicas, esportivas, culturais e artísticas.

Acadêmicos. Distinguem-se pelo ativo envolvimento nas atividades acadêmicas. Apresentam razoável grau de interação com os pares, mas limitada participação nas atividades artísticas e esportivas. São os que obtêm as melhores avaliações quanto ao desenvolvimento pessoal e a preparação profissional.

Cientistas.  São fortemente marcados pelo envolvimento com atividades de cunho quantitativo, mas não apresentam bons resultados nas atividades de educação geral.

Individualistas. Estes estudantes se distinguem por elevada interação com os pares, participação em atividades artísticas e musicais, muito esforço e relativamente pouco contato com a faculdade. De modo geral, não procuram a opinião de seus professores, embora se envolvam intensamente com os pares e com atividades artísticas.

Artistas. Apresentam elevado nível de participação em atividades artísticas e interação com os colegas e outros membros da faculdade.

Esforçados. Distinguem-se dos demais pelo alto nível de esforço despendido para levar a cabo o curso, embora não dediquem um grande número de horas para os estudos.

Intelectuais. Formam o grupo menos numeroso. Caracterizam-se pelo envolvimento com todas as atividades acadêmicas.

Convencionais. Este grupo é caracterizado por uma mistura de padrões de envolvimento. Mantêm o que é esperado dos estudantes de primeiro ano: alto envolvimento com esportes e exercícios acadêmicos e interação social com os pares; mas baixo nível de interação substantiva com os pares, bem como pouca participação nas atividades culturais e artísticas.

3.3  Como lidar com a diversidade no Ensino Superior

Um importante aspecto a ser considerado na análise do mundo contemporâneo é o da diversidade. Embora ainda vivamos num mundo em que são frequentes as manifestações de opressão de minorias, radicalismo religioso, intolerância política,etnocentrismo e conservadorismo sexual, os governos nacionais, assim como as igrejas,as empresas e tantas outras organizações sociais poucoa pouco vêm descobrindo as vantagens da promoção da diversidade. A homogeneidade é menos criativa, pois conduz à síndrome do pensamento único e toda unanimidade é burra, como dizia Nelson Rodrigues.

As empresas, de modo especial, veem descobrindo que incluir e promover o desenvolvimento de profissionais diferenciados em relação a gênero, etnia, credo e orientação sexual não constitui apenas questão de responsabilidade social e de cidadania, mas também de agregação de valor ao negócio. A diversidade pode representar melhoria na qualidade de trabalho, melhoria na imagem da marca, incremento de competitividade, atendimento mais personalizado, aumento da capacidade de resistência às mudanças de mercado e maior capacidade para reconhecer e valorizar talentos e empregar as ideias de seus empregados (EUROPEAN COMISSION, 2003; MILEM, 2001).

Apesar de o valor da diversidade vir sendo mais reconhecido no âmbito empresarial, onde ala passou a ser entendida até mesmo como vantagem competitiva, seu valor não é menor em outras instituições sociais, já que contribui para diminuir o preconceito, para aprimorar os relacionamentos interpessoais para a prática mais efetiva da cidadania. Diferentes estudos, por sua vez, têm mostrado como as escolas e os estudantes também se beneficiam com a diversidade, ampliando as perspectivas dos estudantes, incrementando seu pensamento crítico e fomentando o seu engajamento intelectual.

Lamentavelmente, uma das características da sociedade brasileira é a acentuada desigualdade socioeconômica, o que se reflete principalmente na relativamente baixa presença de representantes de determinados grupos sociais na universidade.mas graças à efetiva luta de integrantes desses grupos, sua presença vêm se intensificando nos últimos anos. Um exemplo significativo dessa luta é o sistema de cotas para índios e negros, que vem sendo adotado por diversas universidades públicas.

Embora ainda haja muito para ser feito, a presença de negros e de pessoas de outras etnias vem se ampliando nas universidades. Nota-se também a presença cada mais significativa de estudantes com idades superiores à média tradicional. O número de pessoas portadoras de deficiências físicas também vem se ampliando. Verifica-se ainda um número crescente de estudantes com assumida orientação homossexual.

Muitos professores provavelmente não estão preparados para esta diversidade, o que significa que necessitam rever seus quadros de valores e modificar suas atitudes perante os grupos sociais. É importante que todos os estudantes se sintam bem-vindos e que sejam tratados respeitosamente. Daí tornar-se necessário ao professor tratar os estudantes como pessoas e não como integrantes de determinado grupo social, assegurando que os alunos de diferentes grupos tenham a mais ampla possibilidade de participar das atividades discentes.

3.4 /como identificar estudantes “problemáticos”

Em quase todas as classes, os professores identificam um ou mais estudantes cujo comportamento é visto como prejudicial para o desenvolvimento das aulas e que acabam sendo reconhecidos como “problemáticos”.

É natural que os professores tendam a admitir que o problema está nos estudantes e que por essa razão sejam considerados e problemáticos. A atuação desses estudantes costuma ser desgastante para o professor e contribui para que ele não se sinta à vontade em classe, trazendo sérios prejuízos para a aprendizagem dos alunos.

Convém, porém, que os professores, ao procurarem soluções para os problemas decorrentes do comportamento desses alunos, considerem também o que eles próprios vêm fazendo em classe e em que medida isto pode ser de alguma forma contribuir para a ocorrência daqueles comportamentos. Convém, ainda, considerar que os problemas interpessoais envolvem pelo menos duas pessoas e que por isso mesmo, muitos dos problemas, identificados pelos professores, não podem ser debitados unicamente aos estudantes. Designá-los como problemáticos pode ser uma simplificação capaz de prejudicá-los. Se um professor admite que determinado estudante é problemático, é provável que seu relacionamento com ele seja afetado por essa percepção inicial.assim, ainda que seja custoso para o professor, cabe-lhe analisar com cuidado o comportamento desses estudantes para que suas decisões sejam adequadas.

Existem muitas tipologias de alunos problemáticos.apesar de a maioria ter sido elaborada sem fundamentos científicos, algumas delas mostram-se muito atraentes,não apenas porque são simples, mas também porque elaboradas com certa dose de humor. Há, por exemplo, tipologias que classificam esses alunos como: retardatários, apressadinhos, repetitivos,desligados, tagarelas, dominadores, agressivos, intérpretes, críticos, impacientes, “queridinhos do professor” etc. Também há tipologias que identificam o comportamento dos alunos com determinados animais, como, por exemplo: leões (dominadores), macacos (piadistas), papagaios (tagarelas), corujas (mudos), esquilos (tímidos) e pavões (vaidosos).

Essas tipologias até podem ser utilizadas em alguns jogos para favorecer o desenvolvimento de habilidades grupais. Mas não podem ser utilizadas indiscriminadamente para classificar os estudantes de maneira simplista e até mesmo preconceituosa. Há, no entanto, trabalhos desenvolvidos com maior rigor que se propõem não apenas a identificar alunos cujo comportamento é capaz de prejudicar o bom andamento das aulas, mas também a sugerir procedimentos corretivos. McKeachie (2002) dedica várias seções de sua  principal obra a estudantes cujo comportamento contribui para quee sejam considerados problemáticos pelos professores:

Estudantes irritados, agressivos e desafiadores. Estudantes que tanto de forma verbal quanto não verbal manifestam hostilidade ao professor e a outros estudantes.

Estudantes que procuram chamar a atenção e a dominar as discussões, são estudantes que sempre têm alguma coisa a dizer. Brincam, exibem-se, cumprimentam o professor e os colegas e procuram permanentemente colocar-se em evidência.

Estudantes desatentos. São estudantes que geralmente se sentam nas últimas fileiras de carteiras e não se envolvem com as aulas que são ministradas.

Estudantes que não se preparam para as aulas.  São estudantes que não leem o que é solicitado e, consequentemente, não conseguem acompanhar o ritmo da classe.

Estudantes desanimados. São estudantes que demonstram pouco interesse pelas aulas ministradas. Costumam chegar atrasados, fazem poucas anotações e ficam contando os dias que faltam para terminar o período letivo. Muitos desses alunos não têm maior afinidade com o curso e alguns deles dispõem-se a abandoná-lo desde que surja uma oportunidade.

Estudantes lisonjeadores e trapaceadores. São alunos que procuram o professor e dizem que estão impressionados com sua cultura, que têm especial interesse na disciplina que lecionam e até mesmo que o reconhecem como o melhor professor que já tiveram em toda a vida. Embora haja alunos que agem dessa forma com sinceridade, muitos o fazem de forma estratégica, procurando obter vantagens, como, por exemplo, um prazo maior para concluir os trabalhos.

Estudantes que lutam com muitas dificuldades. São estudantes que se deparam com muitas dificuldades para acompanhar o curso. Muitas dessas dificuldades não são temporárias, requerendo, portanto,atenção especial dos professores.

Estudantes com desculpas. São estudantes que estão constantemente pedindo desculpas pela nãorealização de determinada tarefa. Sua atuação provoca muitos constrangimentos aos professores, já que os argumentos apresentados pelos alunos podem ser fraudulentos.

Estudantes que querem a verdade e estudantes que admitem que tudo é relativo.  Há estudantes que se caracterizam por uma visão dualística do conhecimento. Para estes,as coisas têm que ser verdadeiras ou falsas.certas ou erradas. Acham, portanto, que o professor conhece a verdade e que o estudante deve procurá-la por seu intermédio. Por outro lado, há estudantes para os quais os conceitos de verdade e de justiça são relativos. Esses estudantes geralmente são participativos em sala de aula, contribuindo muitas vezes para a geração de conflitos ideológicos.

Estudantes com problemas psicológicos. A detecção de problemas psicológicos constitui atividade complexa que requer o concurso de profissionais habilitados. Mas há estudantes cujo comportamento conduz facilmente à suspeição de que necessitam de atendimento psicológico. Alguns desses sinais são: agressividade, mau humor, preocupação excessiva, temores infundados, irritabilidade, dificuldade de concentração e apatia. Muitos desses estudantes costumam apresentar também sinais evidentes de abuso de drogas ou de álcool. Há instituições de Ensino Superior que mantêm serviços para atendimento desses estudantes. Mas, infelizmente, são em número reduzido, o que faz com que os professores, na maioria dos casos, pouco tenham a fazer.

3.5 Como diagnosticar características dos estudantes

Reconhecer que os estudantes são diferentes entre si e que estas diferenças podem de certa forma ser previstas representa um pount6o muito importante em favor do professor. Mas o que mais lhe interessa é conhecer cada estudante, suas características sociais, traços de personalidade, interesses, expectativas, aspirações, temores, conhecimentos, habilidades e competências.

Nenhum professor imagina ser possível conhecer tudo o que deseja sobre os estudantes. A identificação de algumas dessas características, como os traços de personalidade envolve a aplicação de técnicas de análise psicológica, que são complexas, demoradas e requerem o concurso de especialistas, o que a torna inviável na prática. Mas, mediante a utilização de alguns instrumentos, torna-se possível identificar algumas de suas características mais relevantes em relação ao ensino. Ele pode verificar, por exemplo: o nível de conhecimentos prévios dos estudantes sobre a disciplina, o nível de interesse, a importância que lhe e atribuída, as dificuldades percebidas, a imagem que os estudantes têm do curso e do professor, o nível de satisfação com as aulas etc.

O conhecimento de algumas dessas características é muito importante para promover a chamada avaliação diagnóstica, que tem por finalidade determinar, descrever, classificar e valorar aspectos do comportamento do estudante que são relevantes para a aprendizagem. Essa avaliação diagnóstica visa primeiramente determinar em que medida os estudantes dominam os objetivos do curso. Visa também classificar os estudantes, de acordo com seus interesses, expectativas, histórico instrucional e outras características, como antecedentes familiares, classe social e experiências que contribuíram para sua formação, moldaram sua personalidade ou influenciaram suas decisões educacionais e profissionais (BLOOM, HASTINGS,MADAUS, 1993).

A determinação do nível de domínio prévio dos objetivos é feita mediante a aplicação de um pré-teste dos estudantes. Trata-se de uma avaliação para antecipar possíveis dificuldades dos estudantes em relação ao alcance dos objetivos. Pode servir, portanto, para orientar os estudantes na obtenção dos conhecimentos necessários no alcance dos objetivos pretendidos. Ou, então, para orientar o curso de forma mais realista, programando estratégias alternativas de ensino capazes de engajar mais facilmente os estudantes nas atividades propostas.

Para alguns professores, a realização deste diagnóstico é desnecessária, pois admitem que os objetivos devem ser alcançados a qualquer custo, cabendo aos estudantes que nãof orem capazes de alcançar este nível simplesmente a desistência ou a reprovação. Concepções desta natureza, no entanto, não se ajustam ao ensino contemporâneo, sendo facilmente contestadas tanto com base em argumentos relacionados ao caráter humanista da educação quanto ao próprio desenvolvimentos socioeconômico do país.

A verificação das expectativas pode ser feita mediante solicitação aos estudantes para que comentem os objetivos, os conteúdos e as estratégias de ensino propostas. Esses comentários podem elaborados livremente como respostas a questões como:

Quão útil você acha que esta disciplina será para você?
Quão agradável você acha que será cursar  esta disciplina?

Questões como estas dão ampla liberdade para a formulação de respostas. Mas alguns estudantes podem encontrar dificuldade para respondê-las. Por essa razão, há professores que preferem elaborar questões mais objetivas que possam ser respondidas mediante completamento, como, por exemplo:

Espero que esta disciplina me ajude a: ­­­­­­­­­­­­­­­­_______________________
Uma coisa que gostaria que não ocorresse nesta disciplina é: ­­_____________
Uma coisa que me agrada nesta disciplina é: _____________________

Outra forma prática de verificação das expectativas é a construção de questionários com itens escalonados, como, por exemplo:

Quão útil você acredita que esta disciplina será para sua carreira?

Muito útil        (   )
Útil                  (   )
Pouco útil      (   )
Inútil                (   )

Quão agradável você acha que será cursar esta disciplina?

          Muito agradável      (   )
          Agradável                (   )
          Pouco agradável     (   )
          Nada agradável       (   )

Quão difícil você acha que será esta disciplina?

          Muito difícil             (   )
          Difícil                       (   )
          Fácil                        (   )
          Muito fácil               (   )

Há outras características dos estudantes que são importantes para orientar o seu aprendizado, principalmente aquelas que constituem causas não educacionais da capacidade de aprender, que podem ser físicas, psicológicas ou ambientais.sua identificação,no entanto, envolve procedimentos bem  mais complexos. Constituem muito  e assistente sociais que de professores, mas podem ser incluídas no levantamento de expectativas mais atribuições de médicos, psicólogos e assistentes sociais que de professores. Mas podem ser incluídas no levantamento de expectativas  questões relativas a experiências acadêmicas e profissionais, hábitos de estudo e interesses. Convém, no entanto considerar que não devem ser incluídas questões que possam provocar algum constrangimento aos estudantes.

Os procedimentos aqui indicados para identificar as características dos estudantes são de natureza  interrogativa. Mas não se pode desprezar a importância da observação direta das pessoas para conhecê-las melhor. Por isso, recomenda-se que os professores utilizem também a observação para melhor conhecer as características dos estudantes.

Um problema verificado não apenas nas instituições de ensino, mas também nos mais diversos domínios da vida social é a diminuição dos contatos mais íntimos com as pessoas. Hoje, estamos em contato com  muito mais pessoas do que no passado; do outro lado da cidade, do outro lado do país, ou até mesmo do outro lado do mundo. Mas o nosso contato normalmente não é pessoal. Muitas das atividades que exigiam o contato direto com os estudantes, como a orientação de trabalhos, hoje são feitas principalmente por e-mails. Consequentemente, estamos tendo maior dificuldade para observar e, consequentemente, para entender as pessoas.

Os professores não podem descartar a habilidade de decifrar pessoas pela observação. Elas são necessárias não apenas para caracterizar bem os estudantes, mas também para o desenvolvimento das mais diversas atividades que têm lugar ao longo de todo o processo pedagógico. Mas convém que a observação se faça de maneira metódica e sistemática, com fundamento em teorias e práticas consolidadas.
Leituras recomendadas

ASTIN, Alexander W, Na empirical typology of college students . Journal of College Student Development, v. 34, nº 1, p. 36-46,Jan. 1993.

EUROPEAN COMMISSION, Directonarate-General for Employment, Industrial Relations and Social Affairs. The costos and benefitis of diversity: a study oon methods and indicators to mesure the cost-effectiveness of diversity policies in enterprises., Kent (GB): Centre for Strategy and Evaluation Services, 1º nov. 2003. Disponível em:
http:Europa.eu.int/comm/employment_social/fundamental_Rights/prog/studies_fr.htm>. Acesso em: 20 de out. 2004.
DIMITRIUS, Jô-ELlan; MAZZARELLA, Mark, Decifrar pessoas: como entender e prever o comportamento humano. São Paulo, Allegro, 2000.
Este livro mostra com decifrar as pessoas que não estão ao nosso redor por meio de sua linguagem pessoa e aparência. Sua leitura pode favorecer o conhecimento dos alunos em sala de aula. Mas é necessário que o professor esteja consciente da complexidade do comportamento humano e que decifrá-lo não constitui tarefa fácil. Assim, esse livro pode fornecer pistas para compreender melhor o comportamento dos estudantes,mas não pode ser visto como um receituário infalível.

WEIL, Pierre; TOMPAKOW, Roland. O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação não verbal, 57, ed. Petrópolis: Vozes, 2004.

O livro tenta desvendar a comunicação não verbal do corpo humano. Analisa primeiramente os princípios subterrâneos que regem e conduzem o corpo. A partir desses princípios, concepções ou posicionamentos internos. Sua leitura é muito agradável, pois o conteúdo é transmitido não apenas por palavras, mas também por interessantes ilustrações.