segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 769, 770, 771 - continua - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 769, 770, 771 - continua 
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I
Disposições Gerais - (art. 757 a 777)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 769. O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé.

§ 1º. O segurador, desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado, poderá dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato.

§ 2º. A resolução só será eficaz trinta dias após a notificação, devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio.

Na balada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, em seu caput, o artigo reproduz regra já constante do Código anterior (art. 1455), cujo comando é uma típica revelação do padrão de lealdade que se exige nas relações contratuais, de resto tal qual salientado nos comentários ao CC 766. Trata-se da noção de boa-fé objetiva que permeia, obrigatoriamente, as relações contratuais (CC 422) e que, em sua função supletiva, cria deveres de conduta, chamados anexos ou laterais, aos contratantes, dentre eles os de colaboração e informação, como forma de mais escorreito desenvolvimento do processo obrigacional.

No caso, ocupa-se o Código de determinar dever, ao segurado, de comunicar ao segurador, tão logo disso venha a ter conhecimento, qualquer incidente que possa agravar consideravelmente o risco coberto. Veja-se que a exigência é, primeiro, de que a comunicação se dê de pronto, tão logo saiba o segurado da ocorrência agravadora do risco. É certo que, nessa avaliação, impende ater-se ao razoável ou ao que razoavelmente se pode considerar seja o tempo necessário para que o segurado tenha condições de, o mais rapidamente, contatar o segurador, o que, ainda, significa dizer serem necessárias considerações como a forma de comunicação das partes, seu domicílio, o fato de serem presentes ou ausentes e assim por diante. Em segundo lugar, o incidente que há de ser comunicado, e isso desde a vetusta lição de Clóvis Beviláqua (Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 215), deve ser evento independente da conduta do segurado, portanto derivado de caso fortuito ou ato de terceiro em que, para o agravamento resultante de comportamento do próprio segurado, a norma de incidência é a do artigo anterior. Em terceiro lugar, esse incidente de agravamento dever ser sério, de tal maneira a desequilibrar o contrato, daqueles que, se de início conhecidos, levariam o segurador a não contratar ou a contratar com prêmio maior.

Preenchidos esses requisitos, se o segurado omitir a devida informação que a lei lhe impõe, incidirá na perda da garantia contratada, aí sim, tal como previsto no artigo antecedente, destarte liberando-se o segurador do pagamento de sinistro que depois venha eventualmente a suceder. No entanto, ainda ressalva o atual Código que a resolução se opera somente se provada a má-fé com que se portou o segurado ao silenciar sobre o incidente de agravamento. Aqui deve-se entender a referencia legal como à consciente omissão, ou seja, o conhecimento de evento que sabia ou. Frise-se, também que deveria saber de agravamento do dano e, aí sim, a consciente omissão na respectiva comunicação. Ou seja, não se exige, própria e necessariamente, deliberado proposito de prejudicar o segurador, mas discernimento quanto à ocorrência de agravamento e silêncio em sua informação. Inova, porém, o Código de 2002, na disposição dos parágrafos do artigo, quando cuida da consequência, para o contrato, advinda do agravamento do risco sem culpa, sem ser por obra e comportamento do segurado. Isso porque, no Código anterior, dispunha-se que o agravamento de risco, por fato alheio ao segurado, não autorizava o segurador sequer a postular a revisão do prêmio, (CC 1.453), o que se pode admitir vigente para alterações que não sejam consideráveis, como no atual preceito se reclama. Pois agora, mais que isso, se havido o considerável agravamento do risco, por fato estranho ao segurado, sem sua culpa, como está na lei, abre-se a possibilidade de o segurador resolver o contrato, desde que o faça no prazo de quinze dias, contados do recebimento do aviso pelo segurado acerca do incidente de agravamento do risco, exigindo-se, ainda, que a deliberação de resolução seja pelo segurador comunicada, por escrito, ao segurado. Mesmo assim, ainda permanece o segurador, nos trinta dias seguintes à notificação do segurado, responsável pela garantia contratada, porquanto, na previsão da lei, sua resolução só opera efeito depois de transcorrido esse interregno. Isso quer dizer, portanto, que nos trinta dias, ocorrido algum sinistro, o pagamento do valor segurado será de rigor. Por fim, deliberada essa resolução, deve o segurador restituir ao segurado a diferença do prêmio pago em relação ao tempo de contrato que não mais se cumprirá. Assim, se o pagamento foi parcelado, mês a mês, cessa então o seu pagamento.

Veja-se, em conclusão, que a nova disposição contida nos parágrafos do artigo em pauta, serve a trazer, para o contrato de seguro, a hipótese genérica de resolução por excessiva onerosidade (CC 478), ao pressuposto de que também nessa espécie contratual, e mesmo abstraída a discussão sobre sua natureza comutativa ou aleatória, já antes travada (ver comentários ao CC 757 e 764), portanto mesmo admitida a aleatoriedade, há, de todo modo, um equilíbrio que limita a extensão da álea e que deve ser garantido mediante o mecanismo resolutório presente. É mesmo a exigência constitucional de relações jurídicas que sejam justas (art. 3º, I, da CF), base para admissão de que o equilíbrio há de ser preservado, agora, de forma expressa, ainda no contrato de seguro. Nada diverso do que, genericamente, já previa o art. 1.108 do Código Civil argentino, permitindo a revisão, por imprevisibilidade, mesmo de contratos aleatórios, quando a alteração das circunstâncias se dê fora do risco normal do negócio. Ou, na lição de Almeida Costa, podem os contratos aleatórios ser revisados ou resolvidos quando a alteração das circunstâncias exceder apreciavelmente todas as flutuações previsíveis na data do contrato (Direito das obrigações, 5. ed. Coimbra, Almedina, 1991, p. 273). Aliás, por tudo isso, ou seja, por essa inspiração constitucional da providência resolutória, sempre de manutenção do equilíbrio contratual, não se vê causa suficiente a que não se permita – tal qual deferido ao segurado, em igual hipótese, como se verá nos comentários ao artigo seguinte – a possibilidade de o segurador, em vez de postular a resolução, pleitear a revisão do prêmio, na hipótese configurada no preceito aqui comentado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 794 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a doutrina de Ricardo Fiuza, cumpre ao segurado comunicar à seguradora os fatos e circunstâncias suscetíveis de agravarem o risco assumido, permitindo-se a esta resolver o contrato, se não lhe convier assumir o agravamento em prazo quinzenal contado da recepção do aviso da agravação. Há de se considerar, no efeito da incidência da norma, o conceito juridicamente indeterminado no tocante ao denominado “risco consideravelmente agravado”. A inserção, dada a maior relevância do agravamento, difere do conteúdo do art. 1.455 do CC 1916, que se referiu ao risco agravado sem mensurar o grau de intensidade do agravamento potencial. Agora, é exigido que os fatos e circunstâncias exacerbem, notavelmente o risco, não se incluindo, portanto, o agravamento leve ou menos importante. Essa subjetividade pode prejudicar a ciência prevista ao segurador por parte do segurado, que não atuará de má-fé ao silenciar, caso não se lhe evidencie, de plano, o alcance maior do agravamento. Reserva-se a matéria ao estudo no caso concreto, estando, pois, sujeita à avaliação judicial.

A doutrina, de antanho, assim expressava: “É obrigação do segurado comunicar ao segurador, assim que saiba, todo incidente, i.é, qualquer fato imprevisto, estranho à vontade do segurado, que, de qualquer modo, possa agravar o risco existente, sob pena de perder o seguro” (José Lopes de Oliveira. Contratos, Recife, Livrotécnica, 1978, p. 252).

Por outro lado, resultou estabelecido, diante da pretendida resolução, o prazo de trinta dias para o mantimento da eficácia do contrato, de modo a conferir ao segurado o direito à garantia, nesse lapso temporal, onde, inclusive, poderá ocorrer revisitação de cláusula contratual no tocante ao valor do prêmio, se preferir a segurador, que, em vez de resolver o contrato, ajustá-lo-á a essa situação superveniente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 404-405 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo resulta da concretização do princípio da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual. A seguradora obriga-se a indenizar em razão de determinado risco. Se o risco é maior, maior deverá ser o prêmio. A superveniência de fato que agrave consideravelmente o risco, permite às seguradoras a resolução do contrato com a restituição do prêmio proporcional ao prazo de contrato faltante.

Exemplo de situação que representa agravamento considerável é a instalação de uma fábrica de fogos de artifícios no imóvel vizinho ao que é protegido por seguro contra incêndio.

A situação que agrava o risco e permite a resolução do contrato pela seguradora não pode ser o início do fato que configura o sinistro. Assim, p. ex., o diagnóstico de uma doença fatal não configura “incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco”, mas o início do próprio fato de que se procura proteger mediante a contratação de seguro de vida.

É de se ressaltar que a ausência de comunicação de incidente que agrava consideravelmente o risco não é, por si, causa de exoneração da obrigação de indenizar: para que o segurado perca o direito à indenização é necessária a prova de ter agido com má-fé ao não comunicar, elemento subjetivo de difícil prova. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 770. Salvo disposição em contrário, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato.

No ritmo de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o preceito vertente, que não constava do Código de 1916, é o exato reverso da previsão do artigo anterior. Se lá se possibilita, por alteração das circunstâncias que determine considerável agravamento do risco coberto, sem culpa do segurado, a resolução do contrato pelo segurador, aqui se estabelece igual prerrogativa ao segurado, desde que, identicamente, se reduzam os riscos do contrato de forma relevante, séria. Ou seja, é o mesmo princípio de manutenção do equilíbrio contratual que anima o preceito do dispositivo antecedente e que, agora, induz a possibilidade de resolução, só que pelo segurado.

Assim, pode o segurado, se houver considerável diminuição do risco coberto, por qualquer causa superveniente, posto que dele próprio dimanada, resolver o contrato de seguro. Veja-se que, da mesma forma que na regra do artigo precedente, impõe-se se tenha havido ocorrência de considerável diminuição do risco, portanto forma da normal incerteza e flutuação das circunstâncias potenciais de sinistro cobertas pelo contrato. Isso porque, se assim não for, nem mesmo a redução do valor do prêmio é dado ao segurado postular, salvo disposição em contrário que se tenha ajustado no contrato. Contudo, havida considerável redução do risco, e como corolário do princípio do equilíbrio ou justiça contratual, pode o segurado não só resolver o contrato, como, se preferir, pleitear a revisão do valor do prêmio. Trata-se de prerrogativa explícita que, como se viu nos comentários ao artigo anterior, embora nele inexistente igual explicitude, também deve ser deferida, na situação inversa, ao segurador. Por fim, e agora a omissão é do artigo em pauta, havida a resolução, por alteração das circunstâncias, por iniciativa do segurado, ocorrida considerável redução do risco, caberá a mesma proporcionalização do prêmio prevista e comentada no artigo anterior. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 795 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na balada de Ricardo Fiuza, sabido constituir a aleatoriedade uma das principais características do contrato de seguro, “porque o ganho ou a perda das partes está na dependência de circunstâncias futuras e incertas, previstas no contrato e que constituem o risco” (Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito das obrigações. 4. ed. São Paulo. Saraiva, 1965, v. p. 351), há de se reconhecer saudável a inovação. Ela se ajusta, perfeitamente, à ideia do equilíbrio econômico contratual, onde as partes assumem direitos e deveres em posições harmônicas, nenhuma delas auferindo maior vantagem que a outra, sob pena de enriquecimento sem causa.

Assim, uma vez relevante a redução do risco assumido pela seguradora, resulta desproporcional o valor do prêmio pago ou em curso de pagamento que considerou, em sua fixação, um risco de maiores proporções, caso em que se justifica seja esse valor revisto. E contraponto ao artigo anterior, em que se toma possível, pelo agravamento, a revisão contratual, quando não interessar à seguradora resolver o contrato. E tem seu escopo no tratamento isonômico das partes do composto obrigacional em face das condições em que se formou a relação jurídica do contrato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 405 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Ensinam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira que o princípio do equilíbrio contratual atua não apenas para permitir a resolução do contrato pela seguradora em razão de agravamento considerável do risco, mas também para permitir a redução do prêmio pago pelo segurado, uma vez que a diminuição do risco no curso do contrato seja considerável. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências.

Parágrafo único. Correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato, as despesas de salvamento consequente ao sinistro.

Entendendo Claudio Luiz Bueno de Godoy, já o Código Civil anterior, em seu art. 1.457, impunha ao segurado, como imperativo de boa-fé, de lealdade na relação contratual, o dever de comunicar, tão logo dele tomasse conhecimento, a ocorrência do sinistro ao segurador. Entretanto, tão somente sancionava a omissão, com a perda do direito ao recebimento do valor segurado, se provasse o segurador que, avisado, poderia ter evitado ou atenuado as consequências do evento. Confrontada essa disposição com a do artigo em discussão, do atual Código, parece agora ter-se estabelecido, a par do mesmo dever de imediata comunicação do sinistro, logo que o saiba o segurado, mas uma automática perda do valor do seguro em caso de omissão.

Todavia, entende-se que a falta de aviso, por si só, sem que daí dimane qualquer prejuízo, não pode levar à consequência extrema, de perda do valor segurado. Veja-se que o espirito que anima a disposição vertente não é diverso daquele subjacente à norma do antigo Código. A ideia do legislador foi sancionar a conduta de falta de boa-fé objetiva do segurado, porém porque assim se impediu o segurador de minorar os efeitos do sinistro, ou seja, a rigor, uma hipótese em que o comportamento do segurado interfere no valor do pagamento a ser feito pelo segurador – a bem dizer, idêntico princípio ao que está subjacente à regra atinente ao agravamento do risco (CC 768) ou mesmo à omissão ou incompletude das informações prestadas quando da contratação (CC 766). Tem-se, então, que, omitido o aviso do sinistro, não haverá automática perda do direito ao recebimento do valor segurado, senão quando demonstrado pelo segurador que, por isso, foi-lhe retirada factível oportunidade de evitar ou atenuar os efeitos do evento e, assim, minorar o importe do seguro a ser pago. Essa, de resto, a opinião, também, de José Augusto Delgado (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, forense, 2004, v. XI, t. I, p. 293) e de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, 11. ed., atualizada por Regis Fichtner. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 459). O aviso pode se dar sem exigência de forma especial, desde que comprovadamente efetivado e recebido.

De resto, explicita o atual Código, ainda no caput do preceito em pauta, ser dever do segurado, uma vez ocorrido o sinistro, tomar todas as medidas, que razoavelmente lhe estejam ao alcance, para minorar as consequências do evento. Veja-se outra revelação de dever anexo, aqui de colaboração, imposto pelo princípio da boa-fé objetiva, em sua função supletiva (cf., a respeito, comentários aos CC 766, CC 768 e CC 769). Quer-se, na verdade, impor ao segurado, dentro do que seja razoável exigir, providencias que impeçam a propagação de dano já produzido em razão do sinistro havido. Nessa mesma esteira, impõe-se ao segurado velar pelos salvados, i.é, pelo que reste da coisa segurada ou do que se salvou do sinistro. Isso por se ter aí igual forma de minoração dos efeitos do evento, sem contar que, em regra geral, havida indenização pela completa perda da coisa, ao segurador pertencem os salvados. Todas as despesas, porém, que enfrente o segurado para cuidar desse salvamento, como diz a lei, correm por conta do segurador, que deverá ressarci-las nos limites do contrato, até por comporem o risco segurado (CC 779).

Por fim, não se há de olvidar que, além de avisar o segurador, deve o segurado provar a ocorrência do sinistro, conforme disposto no ajuste, mas entendendo-se deva ser interpretada a regra in rebus, sempre quando de outra forma se demonstre, de forma eficiente e, sobretudo, induvidosa, a ocorrência do sinistro. É preciso compreender que o intuito é o de possibilitar ao segurador verificar, com segurança, o sinistro e suas circunstâncias, para aferição da cobertura, sempre a bem da preservação dos recursos do seguro, dado o mutualismo que lhe é subjacente. E, enquanto, uma vez comunicado o sinistro, avalia o segurador se é o caso de cobertura, o prazo prescricional para a ação de cobrança se suspende, como tem entendido a jurisprudência (ver Súmula n. 229 do STJ). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 796 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No ritmo de Ricardo Fiuza, a par da obrigação cometida ao segurado de fazer ciente o segurador da ocorrência do sinistro, cumpre-lhe agora, também, empreender providências imediatas para atenuar as consequências deste, diligências e iniciativas que, por regras de experiência máxima, são mais factíveis ao emprego do segurado do que da seguradora, comunicada ao depois e que, por razões lógicas, pouco ou nada dispõe de condições para a atenuação, como antes cogitava o parágrafo único do art. 1.457 do CC de 1916. Cuida-se de deveres jurídicos do segurado, que inadimplidos o sujeitam à perda do direito de garantia.

Por outro lado, as despesas de salvamento consequente ao sinistro estão implícitas no contrato, até o valor ali fixado, não se podendo cogitar da sua exclusão, a desobrigar a seguradora, porquanto objetivam minorar as consequências do sinistro em relação ao(s) bem(ns) segurado(s). Veja-se o CC 779. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 406 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o segurado deve comunicar a ocorrência do sinistro tão logo tome conhecimento dela. Esse dever tem como objetivo permitir que a seguradora possa atuar no sentido de reduzir as consequências do sinistro, podendo mesmo, em certas circunstâncias, salvar bem que se tinha por perdido, tudo no sentido de redução dos prejuízos e da consequente indenização.

A violação desse dever acarreta a perda do direito à indenização.

A referida sanção somente é aplicável diante da prova de que a não comunicação imediata tenha sido inescusável e tenha agravado os danos e a responsabilidade da seguradora, pois não é conforme à boa-fé que a demora escusável possa acarretar a perda do direito à indenização.

Assim, por exemplo, o STJ rejeitou o recurso de uma seguradora contra decisão que determinou o pagamento de indenização por roubo de automóvel que só foi comunicado três dias depois. O caso aconteceu em São Paulo, após o anúncio da venda do carro pela internet. Um assaltante, apresentando-se como interessado no veículo, rendeu o proprietário, anunciou o roubo e fez ameaças de que voltaria para matar a família do vendedor caso ele acionasse a polícia. De acordo com o processo o proprietário do veículo, temendo represálias, retirou a família de casa, para só então fazer o boletim de ocorrência do assalto, o que levou três dias. Ao acionar o seguro, entretanto, foi surpreendido com a negativa da indenização. Para a seguradora, houve perda do direito à indenização por descumprimento da norma do CC 771. O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, reconheceu que cabe ao segurado comunicar prontamente à seguradora a ocorrência do sinistro, já que isso possibilita à companhia adotar medidas que possam amenizar os prejuízos da realização do risco, bem como a sua propagação, mas destacou que não é em qualquer hipótese que a falta de notificação imediata acarreta a perda do direito à indenização. “Deve ser imputada ao segurado uma omissão dolosa, que beire a má-fé, ou culpa grave que prejudique de forma desproporcional a atuação da seguradora, que não poderá se beneficiar, concretamente, da redução dos prejuízos indenizáveis com possíveis medidas de salvamento, de preservação e de minimização das consequências”, disse o ministro. (REsp 1546178.STJ, 20.9.16) (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 766, 767, 768 - continua - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 766, 767, 768 - continua 
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I
Disposições Gerais - (art. 757 a 777)
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Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.

Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.

Lecionando com Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se acentuou nos comentários aos artigos anteriores, especialmente ao antecedente, o contrato de seguro é daqueles estreitamente baseados na boa-fé, na lealdade da conduta dos contratantes. Explicitando-o, tal qual já fazia o Código de 1916 nos arts. 1.444 e 1445, mas agora com melhor redação, em particular quanto à questão do seguro entabulado por representante do segurado, o CC/2002 assenta a especial precisão e veracidade de que devem se revestir as declarações e informações prestadas pelo segurado ou por quem o represente e com lastro nas quais se calculam, para consumação do ajuste securitário, o risco e o prêmio por sua cobertura. Como é sabido, desde a proposta, ou mesmo independentemente dela, incumbe ao segurado, como imperativo de boa-fé, informar ao segurador tudo quanto possa influir na verificação da probabilidade do sinistro, inclusive de forma a se permitir a justa fixação do prêmio devido pela garantia contratada.

São comuns os questionários entregues ao segurado, ou já integrantes da proposta, indagando sobre fatos relevantes à contratação daquela espécie de seguro. Nas respectivas respostas, o segurado deve guardar a mais estreita veracidade e transparência, informando tudo que possa interessar à mais escorreita análise de probabilidade do sinistro contra o qual se faz o seguro, dessa forma estabelecendo-se, de acordo com o grau desse risco, o prêmio devido. Assim, por exemplo, e aliás costumeiramente repetido, deve o segurado declarar, no seguro de coisas imóveis contra incêndio, sua localização próxima a focos inflamáveis ou uso que implique armazenamento ou manuseio de produtos com essa característica. No seguro de vida ou no seguro-saúde, têm de ser precisas as informações sobre doenças preexistentes ou intercorrências já sofridas. No seguro de acidentes de automóveis, deve-se informar com clareza a quem caberá, rotineiramente, a condução do auto, da mesma forma impondo-se, no seguro de roubo ou furto, indicação clara sobre onde o veículo ficará estacionado, de maneira habitual.

Diferencia, porém, o artigo em discussão, as hipóteses em que a falta da devida informação, pelo segurado, dimana de deliberado propósito em fazê-lo ou de conduta despida de qualquer má-fé, aqui, veja-se, sob sua vertente subjetiva. No primeiro caso, havendo má-fé subjetiva, qualquer relevante inexatidão ou omissão nas informações que influencie o cálculo do risco e, portanto, a aceitação do seguro, pelo segurador, tanto quanto móvel de potencial afetação do cálculo do prêmio respectivo, induz, por quebra do dever de boa-fé, o que, segundo a letra da lei, é a perda do direito à garantia contratada. Para alguns autores, isso significa a nulidade do contrato, porque rompido seu pressuposto de boa-fé, elevado mesmo a requisito de validade. Já para outros, o caso seria de anulação do contrato, por vício de vontade a que induzido o segurador, portanto por dolo do segurado, como é a solução, por exemplo, do Código italiano, em seu art. 1.892. Sustenta-se, por fim, que a hipótese seria, nas palavras de Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.923, p. 324), de “deseficacização” do ajuste, como que uma resolução por quebra de dever de informação, pressuposta aqui, como de fato se entende, sua natureza contratual.

De toda maneira, no entanto, qualquer que seja a qualificação jurídica da consequência, sempre de desfazimento do contrato e, assim, de liberação da obrigação, afeta ao segurador, de pagamento do valor segurado por qualquer sinistro que então já tenha ocorrido, impõe a lei uma sanção ao segurado propositadamente faltoso em seu dever de boa-fé, que é a perda do prêmio vencido. Isso significa a obrigação, mesmo perdida a garantia contratada, de pagamento do prêmio ajustado, coo assenta Jones Figueiredo Alves (Novo Código Civil comentado, coord. Ricardo Fiuza. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 692) e como consta do art. 1.892 do Código italiano, apenas que lá com fixação de importe mínimo, correspondente a um ano de prêmio convencionado – de resto o prazo normal do seguro no Brasil -, mais os prêmios vencidos depois desse interregno, até a anulação, assim presumidamente sucedida após o primeiro ano, consequência, como visto, disposta naquela legislação. Tem-se, como haurido desde a lição de Clóvis Bevilaqua (Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 206), sempre repetida, real punição ao segurado, em importe preestabelecido pela lei.

Finalmente, e de novo à semelhança do que faz o Direito peninsular (art. 1.893), o CC/202, no artigo presente, agora em seu parágrafo único, cuida da declaração inexata ou incompleta que preste o segurado, mas sem má-fé, sob sua vertente subjetiva, ou seja, sem deliberado proposito de enganar. Mostra-se a disposição sensível ao fato de que hoje, no sistema, a boa-fé não é só a subjetiva, mas também aquele padrão objetivo de lealdade nas contratações que constitui mesmo um novo princípio contratual, o da boa-fé objetiva (ver comentário ao artigo anterior). Pois, se tiver faltado essa boa-fé objetiva, pela inexatidão ou incompletude das informações, ainda que sem deliberado propósito do segurado, autoriza a lei que o segurador possa resolver o contrato ou readequá-lo com revisão do prêmio, agora em face de risco convenientemente calculado. Isso, porém, sem a mesma sanção do caput do artigo, como se cogita se a fata de informação é proposital. Na verdade, a solução resolutória aqui atende à tese de que a falta de cumprimento de dever chamado anexo, que a boa-fé objetiva cria e impõe aos vínculos obrigacionais, em sua função supletiva, dente os quais o de informação, como também, exemplificativamente, os de sigilo, cuidado, colaboração, implica real inadimplemento, que a doutrina vem denominando, com base em expressão cunhada no Direito alemão e com diverso significado, de violação positiva do contrato. Assim, e sem maior dúvida sobre o fenômeno, que é resolutório, violado o contrato pela falta de adequada informação, portanto antes que ele tome qualquer das providências a seu dispor, de resolução ou revisão do contrato, diferentemente do que ocorre se a indevida informação era dolosa (caput do artigo), a cobertura deve ser honrada, pagando-se o valor segurado. Entretanto, nesse caso, terá direito o segurador à diferença do prêmio, por quanto ele seria devido se a informação tivesse sido precisa. É a interpretação que se deve dar ao parágrafo e o que mais claramente prevê o art. 1.893 do Código Civil italiano, estabelecendo, até, uma compensação, de tal modo que o pagamento do seguro se fará com abatimento da diferença entre o prêmio convencionado e o que seria devido se fossem conhecidas as reais circunstâncias não informadas pelo segurado, claro, desde que atendidos os pressupostos próprios dessa espécie extintiva das obrigações. Por último, saliente-se que, na mesma esteira do Código anterior, o atual apenas tratou, de forma específica, da falta de devida informação do segurado, porque mais fácil de acontecer, em face das indagações que normalmente lhe são feitas – não que o defeito de informação, ao segurado imputável, não dê ao segurado igual direito à resolução, com composição de perdas e danos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 789-790 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo estabelece preceito sancionatório em face do inadimplemento ao dever de veracidade referido pelo artigo anterior. Na análise de sua teleologia Washington de Barros Monteiro (Curso de direito civil: direito das obrigações, 4. ed. São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, p. 357) considera que, na hipótese, “o legislador só comina pena para o segurado, porque este é que tem maior possibilidade de burlar o dever de veracidade e boa-fé, inerentes ao contrato. Se a dobrez e a má-fé do segurador, poderá o segurado pleitear a anulação do seguro; se do segurado, como é mais frequente, a consequência é também a nulidade, respondendo pelo prêmio vencido”. A norma dimana do princípio da boa-fé. O caráter doloso das assertivas infundadas feitas pelo segurado na formação do contrato é punido pela perda do direito à garantia, obrigando-se, ainda, ele a pagar o prêmio ajustado. Desse modo, a má-fé somente ocorre, para os efeitos previstos neste artigo, operando a resolução do contrato e a sanctio juris, quando o segurado, ao fazer as declarações, omite-se de caso pensado, viciando, por conseguinte, o contrato.

Entretanto, se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito de resolver o contrato, caso o risco ainda não se tenha verificado, ou de cobrar, mesmo após a ocorrência do sinistro, a diferença do prêmio.

Jurisprudência: 1. “Para que incida o disposto no CC 1.444, necessário que o segurado tenha feito declarações inverídicas quando poderia fazê-las, verdadeiras e completas. E isso não se verifica se não tiver ciência de seu real estado de saúde” (STJ, 3’ T., AGA 3.737-SP, rel. Mm Eduardo Ribeiro, DJ de 20-8-1990), 2. “A má-fé não se pressupõe. Deve resultar plenamente demonstrada pela prova dos autos, na dúvida o segurador responde pela obrigação” (RI’, 585/127). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 402 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo demostra a importância especial do princípio da boa-fé objetiva no contrato de seguro. A seguradora trabalha com estatísticas que servem à fixação do prêmio a ser pago pelo segurado. Se as informações prestadas por ele não forem corretas, da incorreção pode advir o agravamento do risco assumido pela seguradora, vindo a consubstanciar verdadeiro erro substancial. O dispositivo, no entanto, modifica a solução aplicável em relação à anulabilidade por erro, pois, nesta as partes são restituídas ao status quo ante, enquanto, o CC 766 permite à seguradora reter os valores que houver recebido e cobrar parcelas vencidas.

O parágrafo único autoriza a seguradora a resolver o contrato em decorrência de informações inexatas prestadas de boa-fé, pelo segurado. Alternativamente, pode a segurador optar pela continuidade do contrato com a cobrança da diferença devida. A resolução obriga a seguradora a devolver ao segurado o prêmio pago? O dispositivo é omisso. A melhor solução é a de restituição proporcional ao prazo de contrato não cumprido, solução que melhor combina com a possibilidade de convalidação prevista no próprio dispositivo. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 767. No seguro à conta de outrem, o segurador pode opor ao segurado quaisquer defesas que tenha contra o estipulante, por descumprimento das normas de conclusão do contrato, ou de pagamento do prêmio.

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, de maneira mais ampla que o Código anterior, o artigo em pauta trata de hipótese de seguro firmado em favor de quem não o contrata pessoalmente. Abrange, portanto, não apenas nos casos, referidos no CC 1.464, de sucessão ou de representação, este, a rigor, hoje diretamente subsumido aos artigos precedentes, mas de verdadeira estipulação em favor de terceiro, que no seguro, aliás, é por vezes obrigatória. Em outros termos, em algumas hipóteses a contratação do seguro favorecendo terceiro é impositiva, como, por exemplo, no seguro de responsabilidade civil de proprietários de veículos, no seguro de dano a passageiros de aeronaves, no seguro feito pelo incorporador, tudo, a rigor, de que já tratava o art. 20 do Decreto-lei n. 73/66, assim como no art. 21, equiparando-se o estipulante à condição de segurado, para os efeitos de contratação e manutenção do seguro.

Antes, todavia, impende não olvidar que o seguro pode facultativamente ser contratado em favor de terceiro beneficiário, típico caso de estipulação em favor de terceiro. e, se ao beneficiário se reconhece a possibilidade de exigir o cumprimento das obrigações do segurador, na esteira do que, para a estipulação em geral, dispõe o CC 436, parágrafo único, em face dele podem ser opostas as exceções havidas contra o estipulante ou por conta da conduta de quem estipulou o contrato. Em outras palavras, pode o segurador opor ao beneficiário descumprimento, pelo estipulante, de obrigações e deveres atinentes ao seguro contratado, tais como o pagamento do prêmio e, justamente, em razão da exigida lealdade na contratação, a informação precisa e completa que então se deve dar, consoante comentários aos dois artigos precedentes. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 791 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conforme a doutrina de Ricardo Fiuza, o estipulante, como sabido, é aquele que contrata o seguro por conta de terceiros. Assume, eventualmente, a qualidade de beneficiário e equipara-se ao segurado nos contratos obrigatórios ou de mandatário do segurado nos seguros facultativos. Segundo a dicção do Decreto-lei n. 73, de 21-11-1006, “nos casos de seguros legalmente obrigatórios, o estipulante equipara-se ao segurado para todos os efeitos de contratação e manutenção do seguro” (art. 21), e, “nos seguros facultativos o estipulante é mandatário dos segurados.” (§ 2º do art. 21). Evidente que, agindo o estipulante em atenção de terceiro, nessa espécie de seguro à conta de outrem, o segurador poderá opor ao segurado beneficiário os meios de defesa contra o próprio estipulante do segurado tenha a produzir.

Com idênticos caracteres, recolhe-se a ensinança do permanente João Luiz Alves: “Como o devedor, na cessão de crédito, em relação ao cessionário, o segurador pode opor ao sucessor ou representante do segurado todos os meios de defesa que contra aquele lhe competiam, porque afetam a própria validade do contrato de seguro. Assim, pode opor o dolo do segurado, o excessivo valor dado à coisa, o não-pagamento dos prêmios no prazo estipulado, ou no de graça, a existência de outro seguro pelo valor total da coisa, a agravação dos riscos, a falta de comunicação imposta pelo Art. 1455 do CC de 1916 etc.” (Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil anotado. Rio de Janeiro. E Briguiet, 1917, p. 1010). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 403 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o segurado é, mais comumente, o estipulante e o beneficiário do contrato. É à conta de outrem o seguro em que estipulante e beneficiário são pessoas distintas. O dispositivo permite que a seguradora oponha ao beneficiário o descumprimento do contrato cometido pelo estipulante. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o artigo presente trata da hipótese de agravamento do risco coberto, já prevista no art. 1.454 do CC/1916, embora com diversa redação, a rigor complementando a regra contida no CC 766, caput, do CC/2002. Isso porque, naquele dispositivo, tem-se o caso de proposital inexatidão ou incompletude de informação que presta o segurado, no momento da contratação, ao segurador, o que importa à avaliação do risco e consequente cálculo do prêmio do seguro. Já no artigo presente, versa a lei sobre caso de, no curso do ajuste, portar-se o segurado, também intencionalmente, de modo a aumentar a probabilidade de sinistro, portanto agravando o risco coberto, fora de quanto originariamente era dado ao segurador avaliar, desequilibrando a equação econômica do contrato, uma vez que outro seria o prêmio então devido se, desde o início, fosse sabida a circunstância que, agora, é de agravamento. Assim, trata-se de uma circunstância que influi diretamente na probabilidade do acontecimento contra cuja ocorrência se contrata o seguro, o que, em outras palavras, significa dizer ser necessária a superveniência de uma conduta do segurado, de aumento do risco, que, além de intencional, se desde a contatação ostentada, levaria o segurados a não contratar ou a contratar mediante outro valor, maior, de prêmio.

Nessa apreciação, já assentava o antigo Código, em dispositivo não repetido (art. 1.456), mas cujo princípio sobrevive, deve o juiz atentar a circunstâncias reais de agravamento, e não a probabilidades infundadas, portanto interpretando de maneira restritiva o preceito em discussão. É o caso de agravamento, por exemplo, a contratação de seguro contra incêndio de imóvel que depois, no curso do ajuste, tem sua destinação alterada, passando a ser usado como local de manuseio de material inflamável; ou, no segura contra acidentes de automóvel, legar sua direção, costumeiramente, a pessoa inabilitada. Exige a lei que a alteração, para pior, do estado de fato subjacente ao seguro derive de conduta intencional do segurado. Isso significa, primeiro, que, no caso de agravamento por caso fortuito ou fato de terceiros, aplicável a regra do artigo seguinte e sem perda da garantia, por sinistra havido, eis que justamente diante dessa contingência é que se contrata o seguro. Assim, em exemplo bastante repetido, não há qualquer possibilidade do direito ao ressarcimento de seguro de vida se o segurado acaba vitimado porque vivia em local colhido por uma epidemia, o que, decerto, agravou o risco de morte. É, de resto, o que textualmente previa o art. 1.453 do Código de 1916, agora modificado pelo CC 769, a seguir comentado.

Na verdade, então, quer a lei que não se dê agravamento considerável do risco por conduta voluntária, consciente do segurado, não se exigindo, propriamente, que seja seu intuito burlar a equivalência das prestações do contrato. É, conforme acentua José Augusto Delgado (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. I, p. 247), a ação designada, querida, determinada do segurado, consciente e livre de qualquer pressão ou coerção. A propósito, a advertência sempre citada é a de Clóvis Bevilaqua (Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 216), de que essa avaliação deve fazer-se da perspectiva da equidade, ainda uma vez tal qual explicitava o Código de 1916 (art. 1.456), de tal modo, em seu dizer, a não se exigir do segurado que esteja, angustiosamente, atento a todo o perigo para evitá-lo, já que ele contrato o seguro para mais tranquilamente enfrentar o perigo. Exemplifica o autor com o caso de quem contrata seguro de vida e adoece sem de pronto chamar um médico, ao primeiro sinal de incômodo (idem, ibidem), aí não se entrevendo, a seu juízo, a deslealdade do segurado. Tem-se entendido que o ato de agravamento de risco, nas condições já examinadas, deve provir do próprio segurado, e não de um seu preposto, de resto já na esteira do que se comentou quando analisado o CC 766.

Por fim, a consequência para o caso de agravamento, de que ora se cuida, é, segundo está no texto legal, a perda, pelo segurado, da garantia contratada, decorrente, a rigor, da resolução culposa do ajuste, livrando-se o segurador da obrigação de pagar o valor do seguro por sinistro que se tenha dado após a alteração do estado de coisas, depois do agravamento do risco. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 791 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina exposta por Ricardo Fiuza, a norma empreende hipótese legal de exclusão da cobertura securitária, quando o contratante do seguro venha direta e intencionalmente agir de forma a agravar o risco, o que ocorre, por óbvio, após a conclusão do contrato. Deve o segurado, portanto, atuar com diligência e cautela, de modo a não exacerbar as especificações do risco pactuado. Não é o caso, por exemplo, quando a própria seguradora admite assumir risco maior do que o normal, atribuindo-lhe menor alcance do que razoavelmente ocorreria. Só se podem compreender, pois, por agravamento do risco os fatos ou circunstâncias que ocorram durante a eficácia do contrato, e, ainda assim, quando aja o segurado com intencionalidade àquele agravamento.

A douta ensinança de Pontes de Miranda, ao tratar do tema, em termos da punição da lei à infração do dever do segurado, expõe com clareza, o seguinte: “para que haja a pena, é preciso que a mudança haja sido tal que o segurador, se ao tempo da aceitação existisse o risco agravado, não teria aceito a oferta ou teria exigido prêmio maior” (Tratado de direito privado, 2. ed., Rio de Janeiro, Borsoi, 1964, t. 45, § 4.924, n. 2, p. 329).

Como observado, para a configuração da hipótese é imperativo que o segurado tenha, intencional ou dolosamente, agido de forma a aumentar o risco. Caso contrário, não poderá ele se responsabilizar pelo eventual agravamento. Assim, “não terá consequência o gravame oriundo do fortuito, pois que, em princípio, é contra a ação deste que se estipula o seguro, e o segurado viveria em clima de instabilidade permanente se o seu direito fosse suscetível de sofrer as consequências de alteração pelas circunstâncias involuntárias” (Caio Mário da silva Pereira, Instituições de direito civil, 10. ed., Rio de Janeiro, forense, 1996, v. 3, p. 306).

Vale observar, afinal, que “não se estende ao segurado a culpa ou dolo que se possa atribuir ao preposto. Diferentemente do ilícito civil, o contrato de seguro se além entre a linha seguradora-segurado, não se podendo transferir para este último um comportamento alheio, conquanto de preposto, se circunstância nenhuma aflora para jungir o preponente ao procedimento fora da lei” (RI’, 589/118). Desse modo, tem sido reiterada a posição do 511 ao reconhecer que a culpa ou dolo do preposto não é causa da perda do direito ao seguro, porquanto o agravamento “deve ser imputado à conduta direta do próprio segurado” (STJ, ØI., REsp 223.119-MG, rel. Mm. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 25-10-1999), i.é, “Exige-se que o contratante do seguro tenha diretamente agido de forma a aumentar o risco” (511, 4~ I., REsp 79.533-MG, rel. Mm Aldir Passarinho Júnior, DJ de 6-12-1999). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 404 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na contemplação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o escopo do contrato de seguro é o de garantir o segurado contra os prejuízos advindos do sinistro. O sinistro é, pois, fato indesejável, a ser evitado. Não se admite o contrário. Assim, nem mesmo se admite a cobertura de ato doloso do segurado (CC 762), como não se admite a indenização se o segurado houver agravado intencionalmente o risco do objeto do contrato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 763, 764, 765 - continua - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 763, 764, 765 - continua 
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I
Disposições Gerais - (art. 757 a 777)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 763. Não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação.

Saindo da tabula rasa com Claudio Luiz Bueno de Godoy, o pagamento do prêmio do seguro é a prestação principal e básica, embora não a única, a que se obriga o segurado. É a nota de onerosidade do contrato de seguro, em que, justamente mediante o pagamento do prêmio, se contrata a garantia a um interesse legítimo contra risco potencial de lesão. Ou, se se pensar no universo maior de mutualismo em que o seguro se insere, o prêmio é, a rigor, a contribuição do segurado ao fundo que a seguradora gere e de que se retira o quanto necessário a se honrar a garantia, em caso de sinistro (ver comentário a CC 757). O prêmio, conforme a convenção das partes, pode ser pago de uma só vez, ou de forma fracionada, em data também ajustada.

A exigência de pagamento de prêmio do seguro sempre levou alguns autores à sustentação de se tratar de contrato real, somente aperfeiçoado com aquela quitação. Contudo, de acordo com o CC 758, o contrato de seguro se forma com o consenso e se prova com a apólice ou bilhete, de maneira normal, independentemente, assim, do pagamento do prêmio, que se faz por causa de uma obrigação já assumida. A propósito do debate, vale conferir a lição de Orlando Gomes (Contratos, 9. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 474-5), para quem, afinal, o pagamento do prêmio significa condição de eficácia do contrato. E, de tal arte que, uma vez impago, inexigível a cobertura, em caso de sinistro. Essa é a regra, a rigor, disposta no artigo em discussão, mais ampla, destarte, da contida no art. 1.436 do Código revogado, adstrita ao retardo provocado por falência ou incapacidade do segurado. De resto, já a legislação especial previa que o não pagamento do prêmio inviabilizava a exigência do valor segurado, ocorrido o sinistro, permitindo mesmo o cancelamento da apólice (veja Decreto n. 60.459/67, que, nessa parte, alterou o Decreto-lei n. 73/66 e comentário ao artigo seguinte, sobre os prêmios já pagos).

Entretanto, algumas ressalvas se impõem. Em primeiro lugar, mesmo antes da edição do Código de Defesa do Consumidor, defendia-se eu o Decreto n. 60.459/67 tivesse ido além de sua função reguladora, ao possibilitar o cancelamento da apólice no caso de não pagamento do prêmio, no prazo devido (ver, por todos: Silvio de Salvo Venosa. Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 391), tanto mais quando o art. 12 do Decreto-lei n. 73/66 estabelecia, originariamente, a suspensão da cobertura, todavia com possibilidade de purgação pelo segurado, ao mesmo tempo que o Código Civil de 1916 estipulava incidência de juros sobre o prêmio não pago (art. 1.450), chocando-se com a aceitação de uma resolução automática (ver, a respeito, Francisco Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.919, n. 4, p. 314). Não é só. Entendia-se, ainda, que o cancelamento tout court conflitava com a própria previsão legal de cobrança executiva. Contudo, decerto que, após a vigência da Lei n. 8.078/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, é inviável cogitar a imediata resolução do ajuste securitário, de forma automática, pelo simples fato do não pagamento (art. 51, IV e XI, e § 1º, I e III, do CDC). Em segundo lugar, evidente que, efetuada a cobrança do prêmio pela rede bancária (art. 6º, § 2º, do Decreto n. 60.459/67), eventual retardo não pode prejudicar o segurado e seu direito ao recebimento do valor segurado, em caso de sinistro. Em terceiro lugar, corriqueiramente prevista nas apólices a suspensão da cobertura na hipótese de retardo, o pagamento do prêmio, recebido sem qualquer ressalva, não pode ensejar negativa de cobertura de sinistro já ocorrido. Por fim, vale menção à tese do adimplemento substancial, típica revelação do solidarismo na relação contratual, e mercê da qual se evita a resolução quando o contrato se tiver cumprido na relação contratual, e mercê da qual se evita a resolução quando o contrato se tiver cumprido quase por inteiro, ou seja, quando suas prestações se tiverem adimplido quase de maneira perfeita, como, por exemplo, nas hipóteses em que apenas a última parcela do prêmio tenha sido inadimplida, preferindo-se, então, a cobrança coativa, mas mantendo-se o ajuste (a matéria é examinada com mais detalhe, à luz da função social do contrato e de sua operatividade (Claudio Luiz Bueno de Godoy. A função social do contrato, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 2007), o que vale também para o contrato de seguro cumprido em parcela significativa pelo segurado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 785-786 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Aplicando a doutrina de Ricardo Fiuza, o levantamento da mora pelo segurado inadimplente ao pagamento de parcela do prêmio, antes do sinistro, constitui, pela dicção legal, pressuposto necessário para que venha a seguradora a responder pela cobertura secuntária. Acaso ocorra o sinistro, estando em mora o segurado, este não terá direito, em princípio, a qualquer indenização, porque no aludido período resultou sobrestado o contrato em seus efeitos ante a superveniência da mora, liberando, temporariamente, a seguradora da responsabilidade pelos riscos assumidos. E o que agora dita claramente a norma, quando antes tratou o CC de 1916 apenas da hipótese de falência ou interdição do segurado, estando em atraso nos prêmios (art. 1.451).

A jurisprudência tem oferecido solução divergentes. Vejamos: 1. “Se não for paga a última parcela do prêmio o seguro caduca. O pagamento da indenização depende do pagamento do prêmio devido, antes do sinistro” (RI’. 488/119); 2. “Nos contratos de seguro, a cláusula contratual prevendo a perda do direito à indenização pelo atraso ou falta de pagamento do prêmio, mormente se inadimplidas apenas as duas últimas prestações, é abusiva e iníqua. Pois coloca o segurado em admissível desvantagem, uma vez que lhe acarreta a perda total da cobertura securitária, embora a seguradora tenha recebido a quase-totalidade do valor do prêmio” (RI’ 773/254), a saber, ademais, reconhecido, o efeito retro operante de reabilitação da apólice, quando satisfeitos os juros moratórios no prazo de tolerância usualmente concedido pela seguradora, não implicando, daí, a sua caducidade.

Em julgado paradigma, o STJ assim se posicionou: “Seguro. Inadimplemento da segurada. Falta de pagamento da última prestação. Adimplemento substancial. Resolução. A companhia seguradora não pode dar por extinto o contrato de seguro, por falta de pagamento da última prestação do prêmio por três razões: a) sempre recebeu as prestações com atraso, o que estava, aliás, previsto no contrato, sendo inadmissível que apenas rejeite a prestação quando ocorra o sinistro; b) a segurada cumpriu substancialmente com a sua obrigação, não sendo a sua falta suficiente para extinguir o contrato; c) a resolução do contrato deve ser requerida em juízo, quando possível será avaliar a importância do inadimplemento, suficiente para a extinção do negócio” (STJ. 4’T., REsp 76.362-M’E rel. Mm. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 1-4-1996). Nesse julgado foi sustentada a aplicação do adimplemento substancial, definido pelo Prof. Clóvis do Couto e Silva como “um adimplemento tão próximo do resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo tão-somente o pedido de indenização e/ou de adimplemento, de vez que aquela primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa fé” (apud Aneise Becker. A doutrina do adimplemento substancial no direito brasileiro e em perspectiva comparativista, Revista da FDUFRS, 9-1/60, 1993). Em consequência, admitiu-se procedente o direito da segurada à indenização, deduzido o valor do prêmio em atraso, com juros e correção monetária.

Pois bem: na esteira desse julgado, é de entender cabível, mesmo com o advento do dispositivo em comento, a impossibilidade da resolução do contrato, quando reiterado o exercício da seguradora em receber as prestações com atraso e/ou reconhecida a insignificância do inadimplemento em cotejo da parte substancialmente atendia pelo segurado. De tal sorte, o direito de o segurado ser credor da prestação da cobertura securitária, preponderando, em seu favor, o princípio do adimplemento substancial e descabendo a resolução. Com a palavra os doutos e os pretórios. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 401 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o seguro é contrato aleatório, porque as partes não têm como prever se o sinistro ocorrerá e, portanto, se haverá a obrigação de a seguradora pagar a indenização ao segurado. A incerteza quanto ao sinistro é da essência do contrato, pois o lucro da seguradora resulta da não ocorrência de sinistro em grande número dos contratos que fizer. Para que haja a incerteza, o prêmio deve ser pago antes do sinistro, pois, do contrário, se se permitir à parte o pagamento após a ocorrência do sinistro haverá sempre o risco de que o pagamento do prêmio somente será concretizado após o evento. Há, pois, razão para o rigor da regra.

Apesar disso, a jurisprudência admite algumas exceções com base no adimplemento substancial do contrato. Se o atraso é mínimo e resta claro a inexistência de má-fé do segurado, admite-se que a obrigação da seguradora pagar a indenização persiste:

É devida a cobertura do sinistro, mesmo que o segurado não pague a última parcela do prêmio, já que ocorreu adimplemento substancial (substancial performance), não admitindo o ordenamento pátrio a dissolução do vínculo fundada em inadimplemento relativo. Além do mais, a segurador recebeu outras prestações após o vencimento. Precedentes do STJ (TJRS, AC 595069923, j. 01.08.1996, Des. Araken de Assis). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 764. Salvo disposição especial, o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio.

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, este artigo repete o que já dispunha, na primeira parte, o art. 1.452 do Código de 1916, ou seja, o cálculo do prêmio se faz pela probabilidade de ocorrência do sinistro durante o período de vigência do ajuste. Por isso se paga o prêmio no interregno contratual, obrigando-se a seguradora a manter hígida a garantia contratada, i.é, a manter solvável o verdadeiro fundo que o seguro induz, com a contribuição do universo dos segurados, ao sabor do mutualismo que o caracteriza.

De todo modo, porém, e com a ressalva que a proposito já se efetivou no comentário ao CC 757, versando sobre a tese comutativa do seguro, tradicionalmente se vê no preceito em pauta a evidenciação da natureza aleatória do contrato. Isso porque o prêmio será devido pelo tempo do ajuste, independentemente de se verificar ou não o sinistro, ou seja, da conversão em fato do risco coberto, garantido pela contratação, o que significa dizer que o prêmio não se liga ao acontecimento futuro que é incerto, ou de data incerta, dependente da álea, e nunc da vontade exclusiva de qualquer das partes. Na verdade, como já se disse, isso se dá porque o prêmio, a rigor, destina-se à constituição de um fundo da massa de segurados, gerido pelo segurador, servindo como contrapartida da garantia contratada, pelo tempo do ajuste. Tal hipótese, todavia, não deve ser confundida, ao que se entende, com aquelas de resilição bilateral (distrato) ou mesmo de resolução do ajuste – por exemplo, por inadimplemento -, levando em conta as observações a respeito efetivadas nos comentários ao artigo antecedente, que implicam, sem prejuízo de eventual composição de perdas e danos ou de incidência de cláusula penal, a proporcionalização do prêmio pelo período de vigência, mesmo à luz da legislação consumerista. Pense-se no prêmio pago de uma só vez ou em poucas parcelas, não coincidente com o total de meses de vigência de ajuste antecipadamente resolvido. A devolução proporcional, então, deverá ser feita como imperativo de equidade no ajuste, já que não verificada a cobertura pelo tempo integral originalmente previsto, ainda que com a consideração dos danos comprovadamente provocados pela inexecução ou da cláusula penal que se tenha estabelecido, embora sem excluir a previsão de redução, se excessiva (CC 413 e CDC 53).

Em relação ao art. 1.452 do Código Civil de 1916, o CC/2002 tão somente suprimiu a parte final que referia o seguro marítimo, tratado pelo Código Comercial, mediante ressalva que hoje está na parte inicial do dispositivo em discussão. Aliás, pela lei comercial, já se previa a devolução do prêmio por seguro atinente a risco que não se efetivou, porque não iniciada a viagem (art. 692 do Código Comercial), assim como a devolução parcial (art. 684 do Código comercial), ou seja, exatamente o mesmo princípio de equidade, anteriormente aludido, que vale para o seguro civil, nos termos expostos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 786-787 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Apontado pela doutrina, Judith Martins-Costa, com percuciente estudo da responsabilidade pré-negocial, em obra clássica sobre a boa-fé (A boa-fé do direito privado – sistema e tópica no processo obrigacional, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999), aponta que os fatos indutores dessa responsabilidade situam-se em fase antecedente à celebração contratual, e, pela sua relevância no iter contractus, tais relações de trato haverão de exigir uma conduta pré-contratual pontificada pela boa-fé. Realça, com fado escólio doutrinário, citando E Benatti, que “a relação dirigida à conclusão de um negócio torna-se fonte da obrigação de comportar-se com boa-fé no momento em que surge para uma ou para cada uma das partes confiança objetiva na outra”. Assim, diante do elemento da “confiança legítima” e de sua vulneração, verificamos, com a notável mestra, incluídos “os casos de dano decorrentes de informações falsas ou insuficientes acerca do objeto do contrato”, o que representa a quebra de um dever jurídico, o de informação, “em razão do contrato a celebrar”. Ora, o princípio da boa-fé permeia toda a construção dinâmica do contrato, importando, por isso, também considera-lo nos âmbitos produtivos da responsabilidade pré-negocial e da pós-execução contratual, nada justificando que a norma em comento limite-se à conclusão e execução do contrato.

Em atenção ao comentado no CC 422 e por identidade substancial com aquela norma, impõe-se o aperfeiçoamento do presente dispositivo, a considerar a probidade e a boa-fé em todo o sistema contratual, nele incluídas as fases: preparatória e pós executória. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 402 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como depreende Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo não tem boa redação. No contrato de seguro, o risco, i.é, o perigo de prejuízo ao bem assegurado sempre existe, a menos que o próprio bem não exista e, então, será nulo o contrato. O que pode ou não acontecer é o sinistro, o evento danoso que atinge o bem assegurado. O segurado paga o prêmio para obter garantia contra a ocorrência do sinistro. Portanto, ainda que findo o prazo contratual sem que o sinistro ocorra, fica o segurado obrigado a pagar o prêmio, uma vez que o dever de assegurar o risco terá sido mantido pela seguradora durante todo o contrato. Há, pois, causa para o pagamento. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

Sugere Claudio Luiz Bueno de Godoy, este artigo, em redação mais ampla que a do art. 1.443 do Código anterior. Mas tal já lá se pretendia, exigir de maneira muito especial que, no contrato de seguro, ajam as partes com probidade e lealdade. Isso porque, como se disse nos comentários ao CC 757, o seguro encerra contrato essencialmente baseado na boa-fé. Lembre-se que, no seguro, contrata-se uma garantia contra um risco, qual seja, o de acontecimentos lesivos a interesse legítimo do segurado, mediante o pagamento de um prêmio, tudo fundamentalmente calculado com base nas informações e declarações das partes, cuja veracidade permite uma contratação que atenda a suas justas expectativas. É uma equação que leva em conta a probabilidade de ocorrência do evento que será garantido, assim impondo-se estrita observância à boa-fé dos contratantes, especialmente em suas informações e declarações (veja comentário ao artigo seguinte), pra que ambos tenham sua confiança preservada na entabulação.

A rigor, o presente dispositivo repete, para o contrato de seguro, a mesma exigência que, em geral, o Código estabeleceu, no CC 422, para todos os contratos, ocupando-se, porém, de especificá-lo no seguro dada sua características intrínseca de especial dependência da veracidade das partes para que a contratação se ostente equânime e solidária. E mais: se se concretiza, como dito, princípio já insculpido na parte geral dos contratos, em seu CC 422 está o preceito, tal como lá se pretendeu, a impor não só a boa-fé subjetiva, aquela cuja aferição passa, necessariamente, pela verificação do estado anímico do sujeito – por exemplo, a boa-fé da posse ou do casamento, envolvendo sempre a crença ou ignorância do indivíduo em óbice a sua posse ou a seu casamento -, mas, antes, e também, a chamada boa-fé objetiva, uma regra de conduta, um padrão de comportamento veraz, reto, honesto, que se espera de pessoas leais, solidárias. Tem-se, a rigor, verdadeiro imperativo de origem constitucional (art. 3º, I, da CF), a par de sua positivação, no Código Civil de 2002, em diversas passagens, dentre as quais as dos CC 422 e 765, aqui em discussão. É um agir independente do ânimo do sujeito, de sua proposital deliberação, de acordo com aquele imaginado padrão de conduta leal. Aliás, já no Código de 1916 entendia-se a norma do art. 1.443 como caso único de revelação positiva da boa-fé objetiva – talvez com menção explícita, uma vez que o mesmo princípio animava, só para citar um exemplo, a disposição do CC 875.

Vale notar, por fim, que nem só na contratação e execução do contrato as partes devem se portar conforme a boa-fé. Já antes da contratação e depois dela (post pactum finitum) devem fazê-lo, como se tenciona venha a ser redigido o CC 422 e, em sua esteira, o artigo em pauta, por meio da aprovação do Projeto de Lei n. 276/2007, já de modificação do Código Civil. O artigo seguinte trata da mesma preocupação com a boa-fé. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 788 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, só nos aparece a Sugestão legislativa: Em face do acima exposto, apresentamos ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão para alterar este texto, que passará a contar com a seguinte redação:

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar assim nas negociações preliminares e conclusão do contrato como em sua execução e fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé, a mais estrita veracidade e tudo o mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos e das exigências da razão e da equidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 402 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, no contrato de seguro exige-se das partes especial observância ao princípio da boa-fé. A inexatidão das informações sujeita o segurado á perda do direito à indenização (CC 766; Dec.-lei n. 73/66, art. 11, § 2º), assim como o comportamento do segurado que agrava o risco (CC 768). De outro lado, a seguradora sujeita-se ao pagamento em dobro do prêmio ao segurado se, no momento da contratação, sabia não mais haver o risco. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).