terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 772, 773, 774 - continua - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 772, 773, 774 - continua 
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I
Disposições Gerais - (art. 757 a 777)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 772. A mora do segurador em pagar o sinistro obriga à atualização monetária da indenização devida segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, sem prejuízo dos juros moratórios.

No balanço de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a rigor, a regra vertente, que não estava explicitada no Código anterior, apenas especifica, para o contrato de seguro, o que, de forma genérica, constitui uma consequência da mora em que incide o devedor. com efeito, já no CC 395, dedicando-se à fixação de normas atinentes às obrigações em geral, dispõe responder o devedor em mora pela devida atualização monetária e juros, sem prejuízo da composição das perdas e danos daí advindos e do pagamento dos honorários advocatícios, caso havida a atuação de causídico, mesmo que na fase extrajudicial, ao que se entende.

Pois, no artigo em pauta, frise-se, de resto sem prejuízo das demais verbas, incluindo até lucros cessantes comprovadamente devidos em razão do retardo na cobertura, tão somente se patenteia incidirem, sobre o valor devido do seguro, atualização e juros moratórios. O prazo para pagamento do valor segurado deve vir previsto no contrato, com limite máximo de trinta dias, conforme se prevê em preceito regulamentar (Circular n. 90/99, da Susep), mas com prazos diversos conforme se trata de seguros especiais, como o marítimo (art. 730, do Código comercial, prazo de cinco dias) ou o obrigatório, de responsabilidade civil, para proprietários de autos (Resolução n. 56/012), da Susep, prazo de cinco dias).

Impende, porém, levando em conta o padrão de lealdade e transparência que deve permear as relações contratuais, que haja o devido esclarecimento não só do prazo para pagamento, mas também e especialmente de seu termo inicial de contagem. Não é de estranhar, portanto, que, para o pagamento da indenização, inclusive como corolário da exigência de manutenção do mutualismo que o seguro induz ou, antes, pressupõe (CC 757), deva o segurado apresentar documentos necessários conforme o tipo de cobertura e mesmo de sinistro, compreendendo a prova de sua ocorrência, coo se viu nos comentários ao artigo anterior.  Assim, é razoável admitir que o prazo para pagamento do valor segurado apenas se inicie com a apresentação dessa documentação, mediante a qual o segurador poderá avaliar o preenchimento dos requisitos contratuais cabíveis para honrar a cobertura contratada. Todavia, insta que se esclareça ao segurado, de forma induvidosa, quais as exigências pertinentes, desde a contratação. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 797 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a correção, ou melhor, a atualização monetária, nos casos de liquidação de sinistro cobertos por contratos de seguros, já é tratada pela Lei n. 5.488, de 27-8-1968. E nesse alcance, a jurisprudência do STJ, em exegese da norma do art. 1º, § 2º, da reportada lei, vem acolhendo o entendimento no sentido de que a atualização monetária, no caso específico do contrato de seguro, quando não efetuada a indenização no prazo legal, é devida e o recibo de quitação, passado de forma geral, por si só não a exclui.

Nesse sentido: REsp 43.768-PE. DJ de 15-8-1994. Por cedo, entenda-se que a atualização monetária do valor devido e impago no tempo cedo constitui simples ajuste da expressão econômica do quantum a ser pago, no efeito de sua plena de recomposição, mantendo-o, assim, incólume em seu significado de valor. Afirme-se, portanto: “Quem recebe com correção monetária não recebe um ‘plus’, mas apenas o que lhe é devido, de forma atualizada” (JTA, 109/372). O escólio jurisprudencial, sem franquear controvérsia, tem assentado que, “sendo a correção monetária mero mecanismo para evitar a corrosão do poder aquisitivo da moeda, sem qualquer acréscimo do valor original, impõe-se que o valor segurado seja atualizado desde a sua contratação, para que a indenização seja efetivada com base em seu valor real, na data do pagamento”. Bem por isso, “é entendimento consolidado do STJ que a evolução dos fatos econômicos tomou insustentável a não-incidência da correção monetária, sob pena de prestigiar-se o enriquecimento sem causa do devedor, constituindo ela imperativo econômico, jurídico e ético indispensável à plena indenização dos danos e ao fiel e completo adimplemento das obrigações”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 406 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No ritmo de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o direito de reclamar a indenização surge quando do sinistro, mas o dever de paga-la somente surge, para a seguradora, no momento em que o sinistro lhe é comunicado. A partir de então incidem correção monetária e juros legais moratórios. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 773. O segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado.

Como vê Claudio Luiz Bueno de Godoy, basicamente desde o preceito do CC 765, antes examinado, e em que se encerra a proposito uma regra geral, vem dispondo o Código Civil sobre normas atinentes à exigência de boa-fé com que devem se portar as partes na conclusão e execução do contrato de seguro, em primeiro lugar a boa-fé objetiva, i.é, o dever das partes, como imperativo de solidarismo nas relações contratuais, de agir segundo padrão de conduta leal esperável de pessoas corretas, honestas, verazes. Nada diverso, a rigor, do que está no CC 422, em que se erige verdadeiro princípio em matéria de contratos.

É evidente que a tanto não se compadece a conduta de contratação de seguro sem um risco a cobrir. Não se pode negar que o risco seja elemento essencial ao contrato de seguro, como inferido, de resto, da própria disposição do CC 757. Contrata-se,   mediante o pagamento de um prêmio, a garantia de um interesse legítimo do segurado, justamente diante da potencialidade de um sinistro, nada mais que o risco. É a cobertura contratada de um interesse segurável contra um risco predeterminado. Por isso não se pode manter um contrato de seguro já nascido sem risco a cobrir, a ponto de alguns autores terem aí entrevisto um caso mesmo de nulidade, por falta de objeto do ajuste (v.g., Beviláqua, Clóvis. Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 207; Carvalho Santos, J. M. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 306), muito embora hoje se o repute consubstanciado muito mais na garantia do interesse segurável. Ainda assim, não é menos certo que o risco continue a ser seu elemento essencial. Não há seguro sem risco. Daí porque, firmado o ajuste, sem o risco a cobrir, ele não se mantém, podendo o segurador, tendo agido na contratação em desacordo com o padrão de conduta solidaria que a boa-fé objetiva impõe, faltando ao cumprimento de dever anexo de informação, transparência ou lealdade, dimanados daquele princípio, ser obrigado a compor perdas e danos (ver, a respeito da falta de dever anexo ou lateral e suas consequências, comentário ao CC 769).

O preceito em questão, indo mais além, estabeleceu, como já o fazia o art. 1.446 do Código de 1916, uma pena específica ao segurador que, na contratação, tenha obrado, já aí, com falta de boa-fé subjetiva. Vale dizer, sempre que comprovada a ciência do segurador, quando da contratação, sobre a inexistência do risco, incumbe-lhe o dever de pagamento em dobro do prêmio estipulado. Aplica-se a mesma pena – ou o mesmo princípio – que, para o segurado de má-fé, se impôs no CC 766. Ressalte-se eu está no artigo em pauta, tal como naquele antes referido, a mesma distinção entre a possibilidade de desfazimento do contrato por falta de boa-fé objetiva, só que aqui do segurador, e o agravamento sancionatório quando lhe falte boa-fé subjetiva, ou seja, quando animado pelo deliberado proposito de contratar, aproveitando-se da ausência de risco a cobrir. É por isso que, no mais, remete-se aos comentários do CC 766. A ressalva final, porém, está em que, de qualquer maneira, não há como persistir contrato de seguro ajustado já sem risco a cobrir, diferenciando-se, como se observou, a consequência sancionatória, que é a devolução, em dobro, do prêmio cobrado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 798 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para Ricardo Fiuza, o risco é, de fato, a expectativa do sinistro. Elemento essencial a constituição do contrato de seguro, sem ele não se poderá formar o contrato para efeito de a seguradora assumi-lo e acobertar o segurado. É basilar que sabendo o segurador de sua inexistência, ou que este passou a desmerecer a cobertura securitária, está incorrendo em má-fé quando, apesar disso, expedir a apólice, locupletando-se à custa da credulidade do segurado. A lei sanciona essa improbidade penalizando o segurador com o pagamento em dobro do prêmio estipulado, tendo-se por nulo o contrato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 407 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo estabelece sansão para a seguradora que contrata seguro com o conhecimento da inexistência do risco, o que pode ocorrer em razão da inexistência da coisa segurada, do prévio falecimento da pessoa, no caso de seguro de vida ou de danos pessoais etc. A seguradora fica obrigada a indenizar ao estipulante o dobro do valor do prêmio ajustado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 774. A recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa cláusula contratual, não poderá operar mais de uma vez.

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se disse no comentário ao CC 760, dentre outras indicações, a apólice ou o bilhete de seguro devem prever o início e o término do prazo de validade do seguro, de regra ajustado por um ano, salvo casos especiais, com vigência específica, como o seguro de vida ou de transportes. Não menos certo que, no mesmo contrato, podem as partes prever o que o artigo vertente chama de recondução tácita. Ou seja, é a previsão contratual de prorrogação do ajuste, de maneira tácita, por igual prazo. A manifestação tácita é aquela que se infere de uma conduta do sujeito, indicativa de sua vontade, no caso de renovar o seguro. É o que se chama de comportamento concludente do indivíduo, muito típico, hoje, das contratações de massa. Na hipótese do seguro, dá-se, por exemplo, a recondução tácita quando, vencido o prazo contratual inicialmente ajustado, permanecem as partes cumprindo suas prestações contratuais, o segurado pagando e o segurador recebendo o prêmio. No entanto, o CC/2002 limita essa renovação tácita por igual prazo ao da entabulação original e, desde que nela estabelecida essa possibilidade, uma única vez. O pressuposto foi o de que, a bem do equilíbrio da equação econômica do contrato, que deve ser preservado, houvesse, ao cabo já de uma renovação, a reavaliação do risco coberto, da probabilidade, enfim, da ocorrência do sinistro, assim verificando-se a atualidade do prêmio devido. Mas não que, feita essa verificação, se possa simplesmente recusar nova contratação, inclusive mercê do comando do CDC, 39, II, lembrando-se que o fornecedor se encontra em estado de oferta pública e permanente, que lhe é vinculativa. E com a ressalva, ainda, da existência de regramento próprio que para a matéria há quando se trata de seguro saúde (Lei n. 9.656/98, v.g., arts. 13, 30 e 31).

A questão, porém, que a regra suscita está na consequência de seu descumprimento, ou seja, quando as partes, a despeito da proibição de renovação tácita por mais de uma vez, fazem-no, por exemplo, mantendo o cumprimento do ajuste mediante as mesmas condições da entabulação anterior. Consoante se prevê no CC 166, VII, parte final do atual Código, considerar-se-á nulo o negócio quando a lei proibir sua prática, sem, todavia, cominar sanção, como se dá na hipótese vertente. É de cogitar, contudo, se essa consequência não seria demasiada para um ajuste que costumeiramente envolve uma parte vulnerável, em quem se pode ter despertado a confiança na cobertura contratada, afinal cumprido, às vezes por muito tempo, o pagamento do prêmio. Na observação de Menezes Cordeiro (Da boa-fé no direito civil, Coimbra, Almedina, 1984, v. II, p. 795-6 e 823), a nulidade, mesmo traindo o conceito da boa-fé objetiva, da confiança gerada por situação prolongada de desenvolvimento de uma relação, mas eivada de vício formal, não pode autorizar a manutenção do contrato viciado, admitida apenas a via indenizatória ou da conversão substancial. No Direito pátrio, entretanto, Fernando Noronha (Direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo, Saraiva, 1994, p. 188) anotou ser, de seu ponto de vista, questionável a conclusão, preferindo assentar que o juiz deve deixar de pronunciar nulidades, mesmo constitutivas, quando o contrato houver sido cumprido, muito embora desde que a regra desrespeitada tenha sido estabelecida em proteção da própria parte que se quer valer da eficácia do ajuste, certo que, no seguro, a regra em pauta visa a preservar, em última análise, o equilíbrio não só daquele ajuste individual, como da mutualidade que a ele subjaz (veja comentário ao CC 757).

De toda forma, porém, haverá a dispor do segurado sempre a via indenizatória, tendo contratado com um profissional, por isso mais afeto às regras da contratação e à proibição de recondução tácita, por mais de uma vez. Deve-se levar em conta, também, se, nas circunstâncias do caso – mais que uma recondução tácita -, não houve nova contratação, atentando-se à regra da informalidade para tanto, apenas que sem ter a seguradora considerado de rigor a alteração do prêmio. Veja-se, nesse sentido, que toda a problemática só se coloca na renovação tácita, porquanto, se de forma expressa, as renovações podem ser tantas quantas queiram as partes. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 799 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Ricardo Fiuza, pela peculiaridade do seguro, o dispositivo limita a ocorrência de renovações sucessivas e automáticas, por recondução tácita dessa espécie de contrato, a saber que a cláusula que expressamente a permita não poderá estabelecer uma continuidade de longa permanência por reiterada sucessividade, assim não podendo operar mais de uma vez, a ideia de renovação automática, sem restrições, colide com o necessário equilíbrio do pacto, quando o restabelecimento contratual não prescinde de nova avaliação dos riscos, necessita adequar-se às mutações havidas no objeto do seguro e observar com segurança os interesses das partes. Essa recondução automática do contrato tem sido comum nas apólices de Acidentes Pessoais e de vida em Grupo e nas operações de resseguro.

Jurisprudência: “I. Inobstante a omissão do segurado sobre padecer de ‘diabetes melittus’ quando da contratação, não se configura má-fé se o mesmo sobreviveu, por longos anos mais, demonstrando que possuía, ainda, razoável estado de saúde quando da realização da avença original, renovada sucessivas vezes. II. Verificado nos altos que o valor do seguro era irrisório, igualmente não pode ser afastada a boa-fé se o segurado, por ocasião da última renovação, o elevou a patamar absolutamente razoável, para que o mesmo tivesse a significação própria dessa espécie de proteção econômica contratual. III. Recurso especial conhecido e provido” (STJ. 4 ~T., REsp 300.215-MG rel. Mm Aldir Passarinho Júnior, DJ de 24-9-2001) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 407 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o seguro é contrato de trato contínuo ou de duração, pois sua natureza exige que a prestação da seguradora se prolongue no tempo: o tempo dentro do qual a garantia do risco será prestada. Embora não seja proibida a estipulação do seguro por prazo indeterminado, os próprios cálculos necessários à seguradora para obter lucro exigem a determinação do prazo.

O prazo interpela por si só e, atingido, extingue o contrato. A renovação pode ser expressa ou tácita. É expressa quando as partes manifestam por escrito a prorrogação do contrato; é tácita, se, embora não haja estipulação expressa das partes, as mesmas continuam a agir como se o contrato permanecesse em vigor, o que, no contrato de seguro, pode ocorrer mediante a continuidade do pagamento das parcelas relativas ao prêmio pelo segurado e a aceitação de tais pagamentos pela seguradora.

O dispositivo em questão, impede, no entanto, que o contrato seja prorrogado mais de uma vez nessa forma tácita. Por ser norma proibitiva, sua infringência implica a nulidade da avença que a infringir. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 769, 770, 771 - continua - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 769, 770, 771 - continua 
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I
Disposições Gerais - (art. 757 a 777)
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Art. 769. O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé.

§ 1º. O segurador, desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado, poderá dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato.

§ 2º. A resolução só será eficaz trinta dias após a notificação, devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio.

Na balada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, em seu caput, o artigo reproduz regra já constante do Código anterior (art. 1455), cujo comando é uma típica revelação do padrão de lealdade que se exige nas relações contratuais, de resto tal qual salientado nos comentários ao CC 766. Trata-se da noção de boa-fé objetiva que permeia, obrigatoriamente, as relações contratuais (CC 422) e que, em sua função supletiva, cria deveres de conduta, chamados anexos ou laterais, aos contratantes, dentre eles os de colaboração e informação, como forma de mais escorreito desenvolvimento do processo obrigacional.

No caso, ocupa-se o Código de determinar dever, ao segurado, de comunicar ao segurador, tão logo disso venha a ter conhecimento, qualquer incidente que possa agravar consideravelmente o risco coberto. Veja-se que a exigência é, primeiro, de que a comunicação se dê de pronto, tão logo saiba o segurado da ocorrência agravadora do risco. É certo que, nessa avaliação, impende ater-se ao razoável ou ao que razoavelmente se pode considerar seja o tempo necessário para que o segurado tenha condições de, o mais rapidamente, contatar o segurador, o que, ainda, significa dizer serem necessárias considerações como a forma de comunicação das partes, seu domicílio, o fato de serem presentes ou ausentes e assim por diante. Em segundo lugar, o incidente que há de ser comunicado, e isso desde a vetusta lição de Clóvis Beviláqua (Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 215), deve ser evento independente da conduta do segurado, portanto derivado de caso fortuito ou ato de terceiro em que, para o agravamento resultante de comportamento do próprio segurado, a norma de incidência é a do artigo anterior. Em terceiro lugar, esse incidente de agravamento dever ser sério, de tal maneira a desequilibrar o contrato, daqueles que, se de início conhecidos, levariam o segurador a não contratar ou a contratar com prêmio maior.

Preenchidos esses requisitos, se o segurado omitir a devida informação que a lei lhe impõe, incidirá na perda da garantia contratada, aí sim, tal como previsto no artigo antecedente, destarte liberando-se o segurador do pagamento de sinistro que depois venha eventualmente a suceder. No entanto, ainda ressalva o atual Código que a resolução se opera somente se provada a má-fé com que se portou o segurado ao silenciar sobre o incidente de agravamento. Aqui deve-se entender a referencia legal como à consciente omissão, ou seja, o conhecimento de evento que sabia ou. Frise-se, também que deveria saber de agravamento do dano e, aí sim, a consciente omissão na respectiva comunicação. Ou seja, não se exige, própria e necessariamente, deliberado proposito de prejudicar o segurador, mas discernimento quanto à ocorrência de agravamento e silêncio em sua informação. Inova, porém, o Código de 2002, na disposição dos parágrafos do artigo, quando cuida da consequência, para o contrato, advinda do agravamento do risco sem culpa, sem ser por obra e comportamento do segurado. Isso porque, no Código anterior, dispunha-se que o agravamento de risco, por fato alheio ao segurado, não autorizava o segurador sequer a postular a revisão do prêmio, (CC 1.453), o que se pode admitir vigente para alterações que não sejam consideráveis, como no atual preceito se reclama. Pois agora, mais que isso, se havido o considerável agravamento do risco, por fato estranho ao segurado, sem sua culpa, como está na lei, abre-se a possibilidade de o segurador resolver o contrato, desde que o faça no prazo de quinze dias, contados do recebimento do aviso pelo segurado acerca do incidente de agravamento do risco, exigindo-se, ainda, que a deliberação de resolução seja pelo segurador comunicada, por escrito, ao segurado. Mesmo assim, ainda permanece o segurador, nos trinta dias seguintes à notificação do segurado, responsável pela garantia contratada, porquanto, na previsão da lei, sua resolução só opera efeito depois de transcorrido esse interregno. Isso quer dizer, portanto, que nos trinta dias, ocorrido algum sinistro, o pagamento do valor segurado será de rigor. Por fim, deliberada essa resolução, deve o segurador restituir ao segurado a diferença do prêmio pago em relação ao tempo de contrato que não mais se cumprirá. Assim, se o pagamento foi parcelado, mês a mês, cessa então o seu pagamento.

Veja-se, em conclusão, que a nova disposição contida nos parágrafos do artigo em pauta, serve a trazer, para o contrato de seguro, a hipótese genérica de resolução por excessiva onerosidade (CC 478), ao pressuposto de que também nessa espécie contratual, e mesmo abstraída a discussão sobre sua natureza comutativa ou aleatória, já antes travada (ver comentários ao CC 757 e 764), portanto mesmo admitida a aleatoriedade, há, de todo modo, um equilíbrio que limita a extensão da álea e que deve ser garantido mediante o mecanismo resolutório presente. É mesmo a exigência constitucional de relações jurídicas que sejam justas (art. 3º, I, da CF), base para admissão de que o equilíbrio há de ser preservado, agora, de forma expressa, ainda no contrato de seguro. Nada diverso do que, genericamente, já previa o art. 1.108 do Código Civil argentino, permitindo a revisão, por imprevisibilidade, mesmo de contratos aleatórios, quando a alteração das circunstâncias se dê fora do risco normal do negócio. Ou, na lição de Almeida Costa, podem os contratos aleatórios ser revisados ou resolvidos quando a alteração das circunstâncias exceder apreciavelmente todas as flutuações previsíveis na data do contrato (Direito das obrigações, 5. ed. Coimbra, Almedina, 1991, p. 273). Aliás, por tudo isso, ou seja, por essa inspiração constitucional da providência resolutória, sempre de manutenção do equilíbrio contratual, não se vê causa suficiente a que não se permita – tal qual deferido ao segurado, em igual hipótese, como se verá nos comentários ao artigo seguinte – a possibilidade de o segurador, em vez de postular a resolução, pleitear a revisão do prêmio, na hipótese configurada no preceito aqui comentado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 794 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a doutrina de Ricardo Fiuza, cumpre ao segurado comunicar à seguradora os fatos e circunstâncias suscetíveis de agravarem o risco assumido, permitindo-se a esta resolver o contrato, se não lhe convier assumir o agravamento em prazo quinzenal contado da recepção do aviso da agravação. Há de se considerar, no efeito da incidência da norma, o conceito juridicamente indeterminado no tocante ao denominado “risco consideravelmente agravado”. A inserção, dada a maior relevância do agravamento, difere do conteúdo do art. 1.455 do CC 1916, que se referiu ao risco agravado sem mensurar o grau de intensidade do agravamento potencial. Agora, é exigido que os fatos e circunstâncias exacerbem, notavelmente o risco, não se incluindo, portanto, o agravamento leve ou menos importante. Essa subjetividade pode prejudicar a ciência prevista ao segurador por parte do segurado, que não atuará de má-fé ao silenciar, caso não se lhe evidencie, de plano, o alcance maior do agravamento. Reserva-se a matéria ao estudo no caso concreto, estando, pois, sujeita à avaliação judicial.

A doutrina, de antanho, assim expressava: “É obrigação do segurado comunicar ao segurador, assim que saiba, todo incidente, i.é, qualquer fato imprevisto, estranho à vontade do segurado, que, de qualquer modo, possa agravar o risco existente, sob pena de perder o seguro” (José Lopes de Oliveira. Contratos, Recife, Livrotécnica, 1978, p. 252).

Por outro lado, resultou estabelecido, diante da pretendida resolução, o prazo de trinta dias para o mantimento da eficácia do contrato, de modo a conferir ao segurado o direito à garantia, nesse lapso temporal, onde, inclusive, poderá ocorrer revisitação de cláusula contratual no tocante ao valor do prêmio, se preferir a segurador, que, em vez de resolver o contrato, ajustá-lo-á a essa situação superveniente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 404-405 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo resulta da concretização do princípio da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual. A seguradora obriga-se a indenizar em razão de determinado risco. Se o risco é maior, maior deverá ser o prêmio. A superveniência de fato que agrave consideravelmente o risco, permite às seguradoras a resolução do contrato com a restituição do prêmio proporcional ao prazo de contrato faltante.

Exemplo de situação que representa agravamento considerável é a instalação de uma fábrica de fogos de artifícios no imóvel vizinho ao que é protegido por seguro contra incêndio.

A situação que agrava o risco e permite a resolução do contrato pela seguradora não pode ser o início do fato que configura o sinistro. Assim, p. ex., o diagnóstico de uma doença fatal não configura “incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco”, mas o início do próprio fato de que se procura proteger mediante a contratação de seguro de vida.

É de se ressaltar que a ausência de comunicação de incidente que agrava consideravelmente o risco não é, por si, causa de exoneração da obrigação de indenizar: para que o segurado perca o direito à indenização é necessária a prova de ter agido com má-fé ao não comunicar, elemento subjetivo de difícil prova. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 770. Salvo disposição em contrário, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato.

No ritmo de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o preceito vertente, que não constava do Código de 1916, é o exato reverso da previsão do artigo anterior. Se lá se possibilita, por alteração das circunstâncias que determine considerável agravamento do risco coberto, sem culpa do segurado, a resolução do contrato pelo segurador, aqui se estabelece igual prerrogativa ao segurado, desde que, identicamente, se reduzam os riscos do contrato de forma relevante, séria. Ou seja, é o mesmo princípio de manutenção do equilíbrio contratual que anima o preceito do dispositivo antecedente e que, agora, induz a possibilidade de resolução, só que pelo segurado.

Assim, pode o segurado, se houver considerável diminuição do risco coberto, por qualquer causa superveniente, posto que dele próprio dimanada, resolver o contrato de seguro. Veja-se que, da mesma forma que na regra do artigo precedente, impõe-se se tenha havido ocorrência de considerável diminuição do risco, portanto forma da normal incerteza e flutuação das circunstâncias potenciais de sinistro cobertas pelo contrato. Isso porque, se assim não for, nem mesmo a redução do valor do prêmio é dado ao segurado postular, salvo disposição em contrário que se tenha ajustado no contrato. Contudo, havida considerável redução do risco, e como corolário do princípio do equilíbrio ou justiça contratual, pode o segurado não só resolver o contrato, como, se preferir, pleitear a revisão do valor do prêmio. Trata-se de prerrogativa explícita que, como se viu nos comentários ao artigo anterior, embora nele inexistente igual explicitude, também deve ser deferida, na situação inversa, ao segurador. Por fim, e agora a omissão é do artigo em pauta, havida a resolução, por alteração das circunstâncias, por iniciativa do segurado, ocorrida considerável redução do risco, caberá a mesma proporcionalização do prêmio prevista e comentada no artigo anterior. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 795 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na balada de Ricardo Fiuza, sabido constituir a aleatoriedade uma das principais características do contrato de seguro, “porque o ganho ou a perda das partes está na dependência de circunstâncias futuras e incertas, previstas no contrato e que constituem o risco” (Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito das obrigações. 4. ed. São Paulo. Saraiva, 1965, v. p. 351), há de se reconhecer saudável a inovação. Ela se ajusta, perfeitamente, à ideia do equilíbrio econômico contratual, onde as partes assumem direitos e deveres em posições harmônicas, nenhuma delas auferindo maior vantagem que a outra, sob pena de enriquecimento sem causa.

Assim, uma vez relevante a redução do risco assumido pela seguradora, resulta desproporcional o valor do prêmio pago ou em curso de pagamento que considerou, em sua fixação, um risco de maiores proporções, caso em que se justifica seja esse valor revisto. E contraponto ao artigo anterior, em que se toma possível, pelo agravamento, a revisão contratual, quando não interessar à seguradora resolver o contrato. E tem seu escopo no tratamento isonômico das partes do composto obrigacional em face das condições em que se formou a relação jurídica do contrato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 405 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Ensinam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira que o princípio do equilíbrio contratual atua não apenas para permitir a resolução do contrato pela seguradora em razão de agravamento considerável do risco, mas também para permitir a redução do prêmio pago pelo segurado, uma vez que a diminuição do risco no curso do contrato seja considerável. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências.

Parágrafo único. Correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato, as despesas de salvamento consequente ao sinistro.

Entendendo Claudio Luiz Bueno de Godoy, já o Código Civil anterior, em seu art. 1.457, impunha ao segurado, como imperativo de boa-fé, de lealdade na relação contratual, o dever de comunicar, tão logo dele tomasse conhecimento, a ocorrência do sinistro ao segurador. Entretanto, tão somente sancionava a omissão, com a perda do direito ao recebimento do valor segurado, se provasse o segurador que, avisado, poderia ter evitado ou atenuado as consequências do evento. Confrontada essa disposição com a do artigo em discussão, do atual Código, parece agora ter-se estabelecido, a par do mesmo dever de imediata comunicação do sinistro, logo que o saiba o segurado, mas uma automática perda do valor do seguro em caso de omissão.

Todavia, entende-se que a falta de aviso, por si só, sem que daí dimane qualquer prejuízo, não pode levar à consequência extrema, de perda do valor segurado. Veja-se que o espirito que anima a disposição vertente não é diverso daquele subjacente à norma do antigo Código. A ideia do legislador foi sancionar a conduta de falta de boa-fé objetiva do segurado, porém porque assim se impediu o segurador de minorar os efeitos do sinistro, ou seja, a rigor, uma hipótese em que o comportamento do segurado interfere no valor do pagamento a ser feito pelo segurador – a bem dizer, idêntico princípio ao que está subjacente à regra atinente ao agravamento do risco (CC 768) ou mesmo à omissão ou incompletude das informações prestadas quando da contratação (CC 766). Tem-se, então, que, omitido o aviso do sinistro, não haverá automática perda do direito ao recebimento do valor segurado, senão quando demonstrado pelo segurador que, por isso, foi-lhe retirada factível oportunidade de evitar ou atenuar os efeitos do evento e, assim, minorar o importe do seguro a ser pago. Essa, de resto, a opinião, também, de José Augusto Delgado (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, forense, 2004, v. XI, t. I, p. 293) e de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, 11. ed., atualizada por Regis Fichtner. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 459). O aviso pode se dar sem exigência de forma especial, desde que comprovadamente efetivado e recebido.

De resto, explicita o atual Código, ainda no caput do preceito em pauta, ser dever do segurado, uma vez ocorrido o sinistro, tomar todas as medidas, que razoavelmente lhe estejam ao alcance, para minorar as consequências do evento. Veja-se outra revelação de dever anexo, aqui de colaboração, imposto pelo princípio da boa-fé objetiva, em sua função supletiva (cf., a respeito, comentários aos CC 766, CC 768 e CC 769). Quer-se, na verdade, impor ao segurado, dentro do que seja razoável exigir, providencias que impeçam a propagação de dano já produzido em razão do sinistro havido. Nessa mesma esteira, impõe-se ao segurado velar pelos salvados, i.é, pelo que reste da coisa segurada ou do que se salvou do sinistro. Isso por se ter aí igual forma de minoração dos efeitos do evento, sem contar que, em regra geral, havida indenização pela completa perda da coisa, ao segurador pertencem os salvados. Todas as despesas, porém, que enfrente o segurado para cuidar desse salvamento, como diz a lei, correm por conta do segurador, que deverá ressarci-las nos limites do contrato, até por comporem o risco segurado (CC 779).

Por fim, não se há de olvidar que, além de avisar o segurador, deve o segurado provar a ocorrência do sinistro, conforme disposto no ajuste, mas entendendo-se deva ser interpretada a regra in rebus, sempre quando de outra forma se demonstre, de forma eficiente e, sobretudo, induvidosa, a ocorrência do sinistro. É preciso compreender que o intuito é o de possibilitar ao segurador verificar, com segurança, o sinistro e suas circunstâncias, para aferição da cobertura, sempre a bem da preservação dos recursos do seguro, dado o mutualismo que lhe é subjacente. E, enquanto, uma vez comunicado o sinistro, avalia o segurador se é o caso de cobertura, o prazo prescricional para a ação de cobrança se suspende, como tem entendido a jurisprudência (ver Súmula n. 229 do STJ). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 796 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No ritmo de Ricardo Fiuza, a par da obrigação cometida ao segurado de fazer ciente o segurador da ocorrência do sinistro, cumpre-lhe agora, também, empreender providências imediatas para atenuar as consequências deste, diligências e iniciativas que, por regras de experiência máxima, são mais factíveis ao emprego do segurado do que da seguradora, comunicada ao depois e que, por razões lógicas, pouco ou nada dispõe de condições para a atenuação, como antes cogitava o parágrafo único do art. 1.457 do CC de 1916. Cuida-se de deveres jurídicos do segurado, que inadimplidos o sujeitam à perda do direito de garantia.

Por outro lado, as despesas de salvamento consequente ao sinistro estão implícitas no contrato, até o valor ali fixado, não se podendo cogitar da sua exclusão, a desobrigar a seguradora, porquanto objetivam minorar as consequências do sinistro em relação ao(s) bem(ns) segurado(s). Veja-se o CC 779. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 406 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o segurado deve comunicar a ocorrência do sinistro tão logo tome conhecimento dela. Esse dever tem como objetivo permitir que a seguradora possa atuar no sentido de reduzir as consequências do sinistro, podendo mesmo, em certas circunstâncias, salvar bem que se tinha por perdido, tudo no sentido de redução dos prejuízos e da consequente indenização.

A violação desse dever acarreta a perda do direito à indenização.

A referida sanção somente é aplicável diante da prova de que a não comunicação imediata tenha sido inescusável e tenha agravado os danos e a responsabilidade da seguradora, pois não é conforme à boa-fé que a demora escusável possa acarretar a perda do direito à indenização.

Assim, por exemplo, o STJ rejeitou o recurso de uma seguradora contra decisão que determinou o pagamento de indenização por roubo de automóvel que só foi comunicado três dias depois. O caso aconteceu em São Paulo, após o anúncio da venda do carro pela internet. Um assaltante, apresentando-se como interessado no veículo, rendeu o proprietário, anunciou o roubo e fez ameaças de que voltaria para matar a família do vendedor caso ele acionasse a polícia. De acordo com o processo o proprietário do veículo, temendo represálias, retirou a família de casa, para só então fazer o boletim de ocorrência do assalto, o que levou três dias. Ao acionar o seguro, entretanto, foi surpreendido com a negativa da indenização. Para a seguradora, houve perda do direito à indenização por descumprimento da norma do CC 771. O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, reconheceu que cabe ao segurado comunicar prontamente à seguradora a ocorrência do sinistro, já que isso possibilita à companhia adotar medidas que possam amenizar os prejuízos da realização do risco, bem como a sua propagação, mas destacou que não é em qualquer hipótese que a falta de notificação imediata acarreta a perda do direito à indenização. “Deve ser imputada ao segurado uma omissão dolosa, que beire a má-fé, ou culpa grave que prejudique de forma desproporcional a atuação da seguradora, que não poderá se beneficiar, concretamente, da redução dos prejuízos indenizáveis com possíveis medidas de salvamento, de preservação e de minimização das consequências”, disse o ministro. (REsp 1546178.STJ, 20.9.16) (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 766, 767, 768 - continua - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 766, 767, 768 - continua 
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I
Disposições Gerais - (art. 757 a 777)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.

Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.

Lecionando com Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se acentuou nos comentários aos artigos anteriores, especialmente ao antecedente, o contrato de seguro é daqueles estreitamente baseados na boa-fé, na lealdade da conduta dos contratantes. Explicitando-o, tal qual já fazia o Código de 1916 nos arts. 1.444 e 1445, mas agora com melhor redação, em particular quanto à questão do seguro entabulado por representante do segurado, o CC/2002 assenta a especial precisão e veracidade de que devem se revestir as declarações e informações prestadas pelo segurado ou por quem o represente e com lastro nas quais se calculam, para consumação do ajuste securitário, o risco e o prêmio por sua cobertura. Como é sabido, desde a proposta, ou mesmo independentemente dela, incumbe ao segurado, como imperativo de boa-fé, informar ao segurador tudo quanto possa influir na verificação da probabilidade do sinistro, inclusive de forma a se permitir a justa fixação do prêmio devido pela garantia contratada.

São comuns os questionários entregues ao segurado, ou já integrantes da proposta, indagando sobre fatos relevantes à contratação daquela espécie de seguro. Nas respectivas respostas, o segurado deve guardar a mais estreita veracidade e transparência, informando tudo que possa interessar à mais escorreita análise de probabilidade do sinistro contra o qual se faz o seguro, dessa forma estabelecendo-se, de acordo com o grau desse risco, o prêmio devido. Assim, por exemplo, e aliás costumeiramente repetido, deve o segurado declarar, no seguro de coisas imóveis contra incêndio, sua localização próxima a focos inflamáveis ou uso que implique armazenamento ou manuseio de produtos com essa característica. No seguro de vida ou no seguro-saúde, têm de ser precisas as informações sobre doenças preexistentes ou intercorrências já sofridas. No seguro de acidentes de automóveis, deve-se informar com clareza a quem caberá, rotineiramente, a condução do auto, da mesma forma impondo-se, no seguro de roubo ou furto, indicação clara sobre onde o veículo ficará estacionado, de maneira habitual.

Diferencia, porém, o artigo em discussão, as hipóteses em que a falta da devida informação, pelo segurado, dimana de deliberado propósito em fazê-lo ou de conduta despida de qualquer má-fé, aqui, veja-se, sob sua vertente subjetiva. No primeiro caso, havendo má-fé subjetiva, qualquer relevante inexatidão ou omissão nas informações que influencie o cálculo do risco e, portanto, a aceitação do seguro, pelo segurador, tanto quanto móvel de potencial afetação do cálculo do prêmio respectivo, induz, por quebra do dever de boa-fé, o que, segundo a letra da lei, é a perda do direito à garantia contratada. Para alguns autores, isso significa a nulidade do contrato, porque rompido seu pressuposto de boa-fé, elevado mesmo a requisito de validade. Já para outros, o caso seria de anulação do contrato, por vício de vontade a que induzido o segurador, portanto por dolo do segurado, como é a solução, por exemplo, do Código italiano, em seu art. 1.892. Sustenta-se, por fim, que a hipótese seria, nas palavras de Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.923, p. 324), de “deseficacização” do ajuste, como que uma resolução por quebra de dever de informação, pressuposta aqui, como de fato se entende, sua natureza contratual.

De toda maneira, no entanto, qualquer que seja a qualificação jurídica da consequência, sempre de desfazimento do contrato e, assim, de liberação da obrigação, afeta ao segurador, de pagamento do valor segurado por qualquer sinistro que então já tenha ocorrido, impõe a lei uma sanção ao segurado propositadamente faltoso em seu dever de boa-fé, que é a perda do prêmio vencido. Isso significa a obrigação, mesmo perdida a garantia contratada, de pagamento do prêmio ajustado, coo assenta Jones Figueiredo Alves (Novo Código Civil comentado, coord. Ricardo Fiuza. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 692) e como consta do art. 1.892 do Código italiano, apenas que lá com fixação de importe mínimo, correspondente a um ano de prêmio convencionado – de resto o prazo normal do seguro no Brasil -, mais os prêmios vencidos depois desse interregno, até a anulação, assim presumidamente sucedida após o primeiro ano, consequência, como visto, disposta naquela legislação. Tem-se, como haurido desde a lição de Clóvis Bevilaqua (Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 206), sempre repetida, real punição ao segurado, em importe preestabelecido pela lei.

Finalmente, e de novo à semelhança do que faz o Direito peninsular (art. 1.893), o CC/202, no artigo presente, agora em seu parágrafo único, cuida da declaração inexata ou incompleta que preste o segurado, mas sem má-fé, sob sua vertente subjetiva, ou seja, sem deliberado proposito de enganar. Mostra-se a disposição sensível ao fato de que hoje, no sistema, a boa-fé não é só a subjetiva, mas também aquele padrão objetivo de lealdade nas contratações que constitui mesmo um novo princípio contratual, o da boa-fé objetiva (ver comentário ao artigo anterior). Pois, se tiver faltado essa boa-fé objetiva, pela inexatidão ou incompletude das informações, ainda que sem deliberado propósito do segurado, autoriza a lei que o segurador possa resolver o contrato ou readequá-lo com revisão do prêmio, agora em face de risco convenientemente calculado. Isso, porém, sem a mesma sanção do caput do artigo, como se cogita se a fata de informação é proposital. Na verdade, a solução resolutória aqui atende à tese de que a falta de cumprimento de dever chamado anexo, que a boa-fé objetiva cria e impõe aos vínculos obrigacionais, em sua função supletiva, dente os quais o de informação, como também, exemplificativamente, os de sigilo, cuidado, colaboração, implica real inadimplemento, que a doutrina vem denominando, com base em expressão cunhada no Direito alemão e com diverso significado, de violação positiva do contrato. Assim, e sem maior dúvida sobre o fenômeno, que é resolutório, violado o contrato pela falta de adequada informação, portanto antes que ele tome qualquer das providências a seu dispor, de resolução ou revisão do contrato, diferentemente do que ocorre se a indevida informação era dolosa (caput do artigo), a cobertura deve ser honrada, pagando-se o valor segurado. Entretanto, nesse caso, terá direito o segurador à diferença do prêmio, por quanto ele seria devido se a informação tivesse sido precisa. É a interpretação que se deve dar ao parágrafo e o que mais claramente prevê o art. 1.893 do Código Civil italiano, estabelecendo, até, uma compensação, de tal modo que o pagamento do seguro se fará com abatimento da diferença entre o prêmio convencionado e o que seria devido se fossem conhecidas as reais circunstâncias não informadas pelo segurado, claro, desde que atendidos os pressupostos próprios dessa espécie extintiva das obrigações. Por último, saliente-se que, na mesma esteira do Código anterior, o atual apenas tratou, de forma específica, da falta de devida informação do segurado, porque mais fácil de acontecer, em face das indagações que normalmente lhe são feitas – não que o defeito de informação, ao segurado imputável, não dê ao segurado igual direito à resolução, com composição de perdas e danos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 789-790 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo estabelece preceito sancionatório em face do inadimplemento ao dever de veracidade referido pelo artigo anterior. Na análise de sua teleologia Washington de Barros Monteiro (Curso de direito civil: direito das obrigações, 4. ed. São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, p. 357) considera que, na hipótese, “o legislador só comina pena para o segurado, porque este é que tem maior possibilidade de burlar o dever de veracidade e boa-fé, inerentes ao contrato. Se a dobrez e a má-fé do segurador, poderá o segurado pleitear a anulação do seguro; se do segurado, como é mais frequente, a consequência é também a nulidade, respondendo pelo prêmio vencido”. A norma dimana do princípio da boa-fé. O caráter doloso das assertivas infundadas feitas pelo segurado na formação do contrato é punido pela perda do direito à garantia, obrigando-se, ainda, ele a pagar o prêmio ajustado. Desse modo, a má-fé somente ocorre, para os efeitos previstos neste artigo, operando a resolução do contrato e a sanctio juris, quando o segurado, ao fazer as declarações, omite-se de caso pensado, viciando, por conseguinte, o contrato.

Entretanto, se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito de resolver o contrato, caso o risco ainda não se tenha verificado, ou de cobrar, mesmo após a ocorrência do sinistro, a diferença do prêmio.

Jurisprudência: 1. “Para que incida o disposto no CC 1.444, necessário que o segurado tenha feito declarações inverídicas quando poderia fazê-las, verdadeiras e completas. E isso não se verifica se não tiver ciência de seu real estado de saúde” (STJ, 3’ T., AGA 3.737-SP, rel. Mm Eduardo Ribeiro, DJ de 20-8-1990), 2. “A má-fé não se pressupõe. Deve resultar plenamente demonstrada pela prova dos autos, na dúvida o segurador responde pela obrigação” (RI’, 585/127). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 402 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo demostra a importância especial do princípio da boa-fé objetiva no contrato de seguro. A seguradora trabalha com estatísticas que servem à fixação do prêmio a ser pago pelo segurado. Se as informações prestadas por ele não forem corretas, da incorreção pode advir o agravamento do risco assumido pela seguradora, vindo a consubstanciar verdadeiro erro substancial. O dispositivo, no entanto, modifica a solução aplicável em relação à anulabilidade por erro, pois, nesta as partes são restituídas ao status quo ante, enquanto, o CC 766 permite à seguradora reter os valores que houver recebido e cobrar parcelas vencidas.

O parágrafo único autoriza a seguradora a resolver o contrato em decorrência de informações inexatas prestadas de boa-fé, pelo segurado. Alternativamente, pode a segurador optar pela continuidade do contrato com a cobrança da diferença devida. A resolução obriga a seguradora a devolver ao segurado o prêmio pago? O dispositivo é omisso. A melhor solução é a de restituição proporcional ao prazo de contrato não cumprido, solução que melhor combina com a possibilidade de convalidação prevista no próprio dispositivo. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 767. No seguro à conta de outrem, o segurador pode opor ao segurado quaisquer defesas que tenha contra o estipulante, por descumprimento das normas de conclusão do contrato, ou de pagamento do prêmio.

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, de maneira mais ampla que o Código anterior, o artigo em pauta trata de hipótese de seguro firmado em favor de quem não o contrata pessoalmente. Abrange, portanto, não apenas nos casos, referidos no CC 1.464, de sucessão ou de representação, este, a rigor, hoje diretamente subsumido aos artigos precedentes, mas de verdadeira estipulação em favor de terceiro, que no seguro, aliás, é por vezes obrigatória. Em outros termos, em algumas hipóteses a contratação do seguro favorecendo terceiro é impositiva, como, por exemplo, no seguro de responsabilidade civil de proprietários de veículos, no seguro de dano a passageiros de aeronaves, no seguro feito pelo incorporador, tudo, a rigor, de que já tratava o art. 20 do Decreto-lei n. 73/66, assim como no art. 21, equiparando-se o estipulante à condição de segurado, para os efeitos de contratação e manutenção do seguro.

Antes, todavia, impende não olvidar que o seguro pode facultativamente ser contratado em favor de terceiro beneficiário, típico caso de estipulação em favor de terceiro. e, se ao beneficiário se reconhece a possibilidade de exigir o cumprimento das obrigações do segurador, na esteira do que, para a estipulação em geral, dispõe o CC 436, parágrafo único, em face dele podem ser opostas as exceções havidas contra o estipulante ou por conta da conduta de quem estipulou o contrato. Em outras palavras, pode o segurador opor ao beneficiário descumprimento, pelo estipulante, de obrigações e deveres atinentes ao seguro contratado, tais como o pagamento do prêmio e, justamente, em razão da exigida lealdade na contratação, a informação precisa e completa que então se deve dar, consoante comentários aos dois artigos precedentes. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 791 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conforme a doutrina de Ricardo Fiuza, o estipulante, como sabido, é aquele que contrata o seguro por conta de terceiros. Assume, eventualmente, a qualidade de beneficiário e equipara-se ao segurado nos contratos obrigatórios ou de mandatário do segurado nos seguros facultativos. Segundo a dicção do Decreto-lei n. 73, de 21-11-1006, “nos casos de seguros legalmente obrigatórios, o estipulante equipara-se ao segurado para todos os efeitos de contratação e manutenção do seguro” (art. 21), e, “nos seguros facultativos o estipulante é mandatário dos segurados.” (§ 2º do art. 21). Evidente que, agindo o estipulante em atenção de terceiro, nessa espécie de seguro à conta de outrem, o segurador poderá opor ao segurado beneficiário os meios de defesa contra o próprio estipulante do segurado tenha a produzir.

Com idênticos caracteres, recolhe-se a ensinança do permanente João Luiz Alves: “Como o devedor, na cessão de crédito, em relação ao cessionário, o segurador pode opor ao sucessor ou representante do segurado todos os meios de defesa que contra aquele lhe competiam, porque afetam a própria validade do contrato de seguro. Assim, pode opor o dolo do segurado, o excessivo valor dado à coisa, o não-pagamento dos prêmios no prazo estipulado, ou no de graça, a existência de outro seguro pelo valor total da coisa, a agravação dos riscos, a falta de comunicação imposta pelo Art. 1455 do CC de 1916 etc.” (Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil anotado. Rio de Janeiro. E Briguiet, 1917, p. 1010). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 403 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o segurado é, mais comumente, o estipulante e o beneficiário do contrato. É à conta de outrem o seguro em que estipulante e beneficiário são pessoas distintas. O dispositivo permite que a seguradora oponha ao beneficiário o descumprimento do contrato cometido pelo estipulante. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o artigo presente trata da hipótese de agravamento do risco coberto, já prevista no art. 1.454 do CC/1916, embora com diversa redação, a rigor complementando a regra contida no CC 766, caput, do CC/2002. Isso porque, naquele dispositivo, tem-se o caso de proposital inexatidão ou incompletude de informação que presta o segurado, no momento da contratação, ao segurador, o que importa à avaliação do risco e consequente cálculo do prêmio do seguro. Já no artigo presente, versa a lei sobre caso de, no curso do ajuste, portar-se o segurado, também intencionalmente, de modo a aumentar a probabilidade de sinistro, portanto agravando o risco coberto, fora de quanto originariamente era dado ao segurador avaliar, desequilibrando a equação econômica do contrato, uma vez que outro seria o prêmio então devido se, desde o início, fosse sabida a circunstância que, agora, é de agravamento. Assim, trata-se de uma circunstância que influi diretamente na probabilidade do acontecimento contra cuja ocorrência se contrata o seguro, o que, em outras palavras, significa dizer ser necessária a superveniência de uma conduta do segurado, de aumento do risco, que, além de intencional, se desde a contatação ostentada, levaria o segurados a não contratar ou a contratar mediante outro valor, maior, de prêmio.

Nessa apreciação, já assentava o antigo Código, em dispositivo não repetido (art. 1.456), mas cujo princípio sobrevive, deve o juiz atentar a circunstâncias reais de agravamento, e não a probabilidades infundadas, portanto interpretando de maneira restritiva o preceito em discussão. É o caso de agravamento, por exemplo, a contratação de seguro contra incêndio de imóvel que depois, no curso do ajuste, tem sua destinação alterada, passando a ser usado como local de manuseio de material inflamável; ou, no segura contra acidentes de automóvel, legar sua direção, costumeiramente, a pessoa inabilitada. Exige a lei que a alteração, para pior, do estado de fato subjacente ao seguro derive de conduta intencional do segurado. Isso significa, primeiro, que, no caso de agravamento por caso fortuito ou fato de terceiros, aplicável a regra do artigo seguinte e sem perda da garantia, por sinistra havido, eis que justamente diante dessa contingência é que se contrata o seguro. Assim, em exemplo bastante repetido, não há qualquer possibilidade do direito ao ressarcimento de seguro de vida se o segurado acaba vitimado porque vivia em local colhido por uma epidemia, o que, decerto, agravou o risco de morte. É, de resto, o que textualmente previa o art. 1.453 do Código de 1916, agora modificado pelo CC 769, a seguir comentado.

Na verdade, então, quer a lei que não se dê agravamento considerável do risco por conduta voluntária, consciente do segurado, não se exigindo, propriamente, que seja seu intuito burlar a equivalência das prestações do contrato. É, conforme acentua José Augusto Delgado (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. I, p. 247), a ação designada, querida, determinada do segurado, consciente e livre de qualquer pressão ou coerção. A propósito, a advertência sempre citada é a de Clóvis Bevilaqua (Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 216), de que essa avaliação deve fazer-se da perspectiva da equidade, ainda uma vez tal qual explicitava o Código de 1916 (art. 1.456), de tal modo, em seu dizer, a não se exigir do segurado que esteja, angustiosamente, atento a todo o perigo para evitá-lo, já que ele contrato o seguro para mais tranquilamente enfrentar o perigo. Exemplifica o autor com o caso de quem contrata seguro de vida e adoece sem de pronto chamar um médico, ao primeiro sinal de incômodo (idem, ibidem), aí não se entrevendo, a seu juízo, a deslealdade do segurado. Tem-se entendido que o ato de agravamento de risco, nas condições já examinadas, deve provir do próprio segurado, e não de um seu preposto, de resto já na esteira do que se comentou quando analisado o CC 766.

Por fim, a consequência para o caso de agravamento, de que ora se cuida, é, segundo está no texto legal, a perda, pelo segurado, da garantia contratada, decorrente, a rigor, da resolução culposa do ajuste, livrando-se o segurador da obrigação de pagar o valor do seguro por sinistro que se tenha dado após a alteração do estado de coisas, depois do agravamento do risco. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 791 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina exposta por Ricardo Fiuza, a norma empreende hipótese legal de exclusão da cobertura securitária, quando o contratante do seguro venha direta e intencionalmente agir de forma a agravar o risco, o que ocorre, por óbvio, após a conclusão do contrato. Deve o segurado, portanto, atuar com diligência e cautela, de modo a não exacerbar as especificações do risco pactuado. Não é o caso, por exemplo, quando a própria seguradora admite assumir risco maior do que o normal, atribuindo-lhe menor alcance do que razoavelmente ocorreria. Só se podem compreender, pois, por agravamento do risco os fatos ou circunstâncias que ocorram durante a eficácia do contrato, e, ainda assim, quando aja o segurado com intencionalidade àquele agravamento.

A douta ensinança de Pontes de Miranda, ao tratar do tema, em termos da punição da lei à infração do dever do segurado, expõe com clareza, o seguinte: “para que haja a pena, é preciso que a mudança haja sido tal que o segurador, se ao tempo da aceitação existisse o risco agravado, não teria aceito a oferta ou teria exigido prêmio maior” (Tratado de direito privado, 2. ed., Rio de Janeiro, Borsoi, 1964, t. 45, § 4.924, n. 2, p. 329).

Como observado, para a configuração da hipótese é imperativo que o segurado tenha, intencional ou dolosamente, agido de forma a aumentar o risco. Caso contrário, não poderá ele se responsabilizar pelo eventual agravamento. Assim, “não terá consequência o gravame oriundo do fortuito, pois que, em princípio, é contra a ação deste que se estipula o seguro, e o segurado viveria em clima de instabilidade permanente se o seu direito fosse suscetível de sofrer as consequências de alteração pelas circunstâncias involuntárias” (Caio Mário da silva Pereira, Instituições de direito civil, 10. ed., Rio de Janeiro, forense, 1996, v. 3, p. 306).

Vale observar, afinal, que “não se estende ao segurado a culpa ou dolo que se possa atribuir ao preposto. Diferentemente do ilícito civil, o contrato de seguro se além entre a linha seguradora-segurado, não se podendo transferir para este último um comportamento alheio, conquanto de preposto, se circunstância nenhuma aflora para jungir o preponente ao procedimento fora da lei” (RI’, 589/118). Desse modo, tem sido reiterada a posição do 511 ao reconhecer que a culpa ou dolo do preposto não é causa da perda do direito ao seguro, porquanto o agravamento “deve ser imputado à conduta direta do próprio segurado” (STJ, ØI., REsp 223.119-MG, rel. Mm. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 25-10-1999), i.é, “Exige-se que o contratante do seguro tenha diretamente agido de forma a aumentar o risco” (511, 4~ I., REsp 79.533-MG, rel. Mm Aldir Passarinho Júnior, DJ de 6-12-1999). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 404 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na contemplação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o escopo do contrato de seguro é o de garantir o segurado contra os prejuízos advindos do sinistro. O sinistro é, pois, fato indesejável, a ser evitado. Não se admite o contrário. Assim, nem mesmo se admite a cobertura de ato doloso do segurado (CC 762), como não se admite a indenização se o segurado houver agravado intencionalmente o risco do objeto do contrato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).