quarta-feira, 22 de abril de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 930, 931, 932 - continua Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 930, 931, 932 - continua
Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art. 927 a 954) Capítulo I – Da Obrigação de Indenizar
– vargasdigitador.blogspot.com

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.

Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I)

Como explica Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o caput do artigo trata da ação regressiva de que dispõe quem tenha agido em estado de necessidade e, com isso, haja provocado a terceiro não responsável pela situação de perigo que se tencionou remover. O regresso se exerce, então, contra quem tenha causado a mesma situação de perigo, pelo valor da indenização paga à vítima do dano. Trata-se da matéria já examinada no comentário ao dispositivo anterior, a que ora se remete o leitor. Acrescenta-se, apenas, que o preceito da cabeça do CC 930 veio alterado em relação ao do antigo art. 1.520, para, primeiro, aprimorar sua redação, agora vazada na ordem direta, e, segundo, para adequá-la à consideração, também logo acima referida, quanto examinada a regra do CC 929, de que o estado de necessidade pode envolver não só dano a coisa como, também, a pessoa.

Já o parágrafo único do preceito reproduz a mesma perplexidade interpretativa, o mesmo conflito que já suscitava o parágrafo do velho art. 1.520, particularmente quando confrontado eu texto com a remissão final nele contida, tendo-se assim perdido uma oportunidade para melhor explicitação. É que, depois de cuidar da ação regressiva do agente que, tendo causado prejuízo a terceiro, em estado de necessidade, a exerce contra quem provocou a situação de perigo. O parágrafo dispõe que a mesma medida caberá contra aquele em defesa de quem se causou o dano. Ou seja, e tal qual originariamente certa parte da doutrina compreendeu o dispositivo já do CC/1916 (ver, por todos, Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, 4 ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. XX, p. 211-2), seu significado estaria em possibilitar à pessoa, que agindo em estado de necessidade, lesando terceiro, não tivesse conseguido, por qualquer motivo, se ressarcir, em regresso, diante do causador da situação de perigo, voltar-se então contra aquele que acaso tivesse se aproveitado de sua conduta, i.é, aquele em defesa de quem porventura houvesse agido. Defesa, aqui, em sua acepção vulgar, e não técnica, a indicar a legítima defesa. Antes, para a doutrina citada, o parágrafo referir-se-ia ao estado de necessidade, em que se pode danificar coisa alheia.

Sucede porém que, a par de também na legítima defesa ser possível atingir terceiro, ou de qualquer modo causar-lhe prejuízo, como quando, para a mesma defesa, se utiliza de coisa alheia, já no Código de 1916, ao final do parágrafo único do art. 1.520, o que agora se repete, se fez remissão ao inciso I, e não ao inciso II, do então art. 160, hoje CC 188, em que foi prevista a legítima devesa, e não o estado de necessidade. Bem por isso e, é certo, porque a rigor não há diferença fundamental em relação ao que se dá no estado de necessidade e consequente dano a terceiro não causador da situação de perigo, o parágrafo passou a ser interpretado como concernente à conduta de quem, em legítima defesa, provocasse danos a terceiro não responsável pela agressão injusta, atual e iminente pelo agente repelida (art. 25 do CP). Vale dizer, verdadeira aberractio ictus que obriga o agente a, mesmo escudado na legítima defesa, mas atingindo terceiro, ressarci-lo, igualmente ao que sucede no estado de necessidade; ou, da mesma forma, a situação de quem age em legítima defesa, mas para tanto se utilizando de bem alheio lesado, cujo ressarcimento o agente fará, todavia, em ambas as hipóteses, com o regresso mencionado, direcionado contra quem foi o responsável pela agressão. Tanto mais porque, já no Código de 1916, particularmente em seu art. 1.540, dispunha-se sobre a indenização por morte ou lesão, porém, originárias de crime justificável, veja-se, quando não perpetrado pelo ofensor em repulsa a agressão partida do ofendido. Posto não repetida a regra, remanesce o mesmo princípio que inspirou a redação do dispositivo do próprio art. 929, haurida desde o CC/1916, quanto à outra excludente de ilicitude, o estado de necessidade, sem diferença fundamental entre este e a legítima defesa.

De qualquer forma, não se entende que deva ser excluída a possibilidade de o agente, quando agindo em defesa de outrem (estado de necessidade ou legítima defesa de terceiro) e causando prejuízo a terceiro, voltar-se também contra aquele em benefício de quem afinal agiu, para exercício de seu direito regressivo, ou seja, seu direito de se ressarcir por quanto de quem se aproveitou de comportamento alheio, beneficiando-se da defesa que em seu favor se fez, mas a dano de outrem, pelo qual responde, para Pontes de Miranda, por verdadeira gestão de negócios que em seu favor se operou (Tratado de direito privado, 2 ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1954, t. II, § 187, n. 3, p. 306), ou mesmo para se evitar indevido enriquecimento. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 930-31 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Quanto à Doutrina de Ricardo Fiuza, assim como o artigo anterior, este dispositivo versa sobre o estado de necessidade, em que o terceiro causador do perigo é responsabilizado pelo dano causado à coisa alheia. Também responde pelo dano aquele em defesa de quem o dano foi causado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 479, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Do direito de regresso contra o causador do perigo, apontam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, em última análise, haver fixado o legislador que a responsabilidade final pelos prejuízos suportados para afastar um perigo iminente ou por legítima defesa devem recair sobre o causador desse estado de perigo. Por isso, assegurou o legislador direito de regresso do agente causador do dano contra o terceiro que tenha dado causa a esse estado de perigo. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 22.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.

Seguindo a métrica de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o dispositivo presente encerra mais uma das regras de incidência da responsabilidade sem culpa no novo CC/2002, além da genérica previsão do CC 927, parágrafo único. E lá, no respectivo comentário, já se havia ressalvado a existência de casos de responsabilidade objetiva em normas especiais, quer fora do Código civil, quer mesmo em seu texto, como a de que ora se trata. Pois, independentemente de culpa, responde então o empresário individual ou a empresa pelos danos provocados pelos produtos que coloca em circulação. É a consagração, afinal, de uma das espécies de risco, o chamado risco de empresa, mercê do qual quem exerce, profissionalmente, atividade organizada tendente à colocação de bens e serviços no mercado, deve arcar com os danos que daí podem advir ao adquirente ou a terceiros (ver a respeito: Noronha, Fernando. Direito das obrigações. São Paulo, Saraiva, 2003, v. I, p. 486). Tem-se, portanto, uma responsabilidade pelo fato do produto, instituída na legislação civil, mas, como por ela mesmo assentado, sem prejuízo de outros casos previstos em lei especial.

Pois, como é sabido, está na Lei n. 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, a hipótese mais frequente de responsabilidade pelo fato do produto (art. 12), de resto, como fixado em enunciado da Jornada de Direito Civil, realizada no Superior Tribunal de Justiça em 11 de setembro de 2002, cujo conceito agora se amplia pelo CC 931, imputando-se responsabilidade civil às empresas e a empresários individuais vinculados à circulação dos produtos, mesmo fora de uma relação de consumo (Enunciado n. 42). Assim, aplicar-se-á o Código Civil naquelas hipóteses em que não se configure vínculo de consumo, como quando se fornece produto a outro profissional que não o utiliza como destinatário final.

Sucede que, no Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade pelo risco da atividade de disponibilização de produto ao mercado é do tipo mitigado, vale dizer, exigindo-se um elemento específico, além da causalidade entre a colocação do produto no mercado e o prejuízo por ele provocado ao consumidor, para a evidenciação do nexo de imputação. Com efeito, exige-se o defeito de segurança do produto ou serviço, conforme descrito no 1º do art. 12 (fato do produto) e no § 1º do art. 14 (fato do serviço), ambos da Lei n. 8.078/90.

Mas, pese embora sua omissão a propósito, o que pode gerar algum conflito, não se entende que o Código Civil, se afinal não adotou a teoria do risco integral, como já se explicitou no comentário ao CC 927, a que ora se remete o leitor, dispense a mesma verificação do defeito do produto, o que levaria, em indesejável contradição sistemática, como se o ordenamento não fosse uno, à admissão de uma responsabilidade mais rigorosa, e em lei incidente na relação entre iguais, que a da legislação do consumidor, a qual, não se pode olvidar, é subjetivamente especial porque, justamente, é protetiva de indivíduo presumidamente vulnerável, destarte envolvido numa relação entre desiguais. Cuida-se, então, do mesmo risco inerente à colocação no mercado de produto com periculosidade adquirida por causa de defeito de segurança que passa a apresentar, quer ocorrido no processo de sua criação ou de sua produção, quer na correspondente informação. A responsabilidade nesses casos, estará afeta, como na hipótese do art. 12 do CDC, aos empresários ou empresas aos quais estão incumbidos o fabrico, a produção, a construção ou a importação do produto, entendendo-se aplicável a mesma restrição do art. 13 Código de Defesa do Consumidor quanto à responsabilidade do comerciante.

Na aferição desse dado de qualidade-segurança, impende verificar a apresentação do produto, de seus elementos característicos, abrangendo publicidade. Instruções sobre o uso e embalagem, por exemplo. Da mesma forma, deve-se avaliar o uso razoavelmente esperado do produto, a fim de aquilatar sua qualidade/segurança. Ou seja, importa ter em conta não só a utilização normal do produto mas, ainda, seu uso previsível.

Na verdade, problema há na questão da consideração sobre a época em que o produto foi colocado em circulação. Isso porque a segurança pode ser aferida em função do conhecimento científico contemporâneo à colocação do produto no mercado, porém eventualmente superado pela evolução técnica e de modo a revelar potencial risco ao adquirente ou terceiros. É o chamado risco de desenvolvimento, pelo qual, malgrado a discussão que a propósito já se levantava à luz do CDC, se entendeu, naquela mesma Jornada de Direito Civil (Enunciado n. 43), antes citada, responder o empresário ou a empresa, porquanto como alhures já se defendeu, injusto carrear ao consumidor, aqui no sentido amplo, o ônus do progresso, o risco de desenvolvimento a ser, então, socializado (ver, por todos: Menezes Direito, Carlos Alberto; Cavallieri filho, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XIII, p. 193-4).

O preceito omitiu referência ao risco inerente aos serviços, restringindo-se aos produtos – os quais se considera devam ser defeituosos – colocados no mercado. O Projeto de Lei n. 6.960, de reforma do atual Código Civil, sucedido pelo Projeto de Lei n. 276/2007, já pretendera acrescentar menção aos serviços no dispositivo presente. Acedi mesmo a essa tese em edição anterior. Todavia, refletida a questão com maior profundidade em trabalho posterior (Responsabilidade civil pelo risco da atividade: uma cláusula geral no Código civil de 2002. No prelo), tem-se que o risco na prestação de serviços esteja coberto pela previsão do CC 927, parágrafo único, que dispensa, como nexo de imputação, a periculosidade adquirida, anormal, contentando-se com o risco especial induzido, assim de modo mais rigoroso porquanto se trata de dano potencialmente provocado ainda nos limites da esfera de controle de quem exerce a atividade, ao contrário do fato do produto, em que o dano se produz já longe dessa mesma organização do manejo da coisa, da máquina, do produto. Cuida-se, destarte, de distinguir, a exemplo do que se encontra nos arts. 2.050 e 1.051 do Código Civil italiano, o dano havido no exercício de uma atividade e o dano havido pelo fato da coisa. Daí porque se limita o elastério do preceito em comento a essa segunda hipótese, com o acréscimo da periculosidade adquirida que deve ser inerente ao produto colocado no mercado.

Aqui, igualmente se crê, e de novo a despeito da omissão do Código Civil, concorrerão as mesmas causas excludentes de responsabilidade do art. 12 § 3º, do CDC, e, como lá, devendo-se incluir, porquanto motivo de quebra da causalidade, também o fortuito, desde que externo, ou seja, alheio, não ligado ao risco próprio da atividade desenvolvida (fortuito interno).

Por fim, vale anotar que não se limitou a responsabilidade da pessoa jurídica, como fazia o CC/1916, apenas aos casos de atos praticados pelos prepostos e desde que no desempenho de atividade industrial da empregadora (cf. antigo art. 1.522, não reproduzido, a respeito remetendo-se, ainda, ao comentário ao CC 932). (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 931-2 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No Histórico apresentado por Ricardo Fiuza, o presente dispositivo foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto. A redação original era a seguinte: “Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os farmacêuticos e as empresas farmacêuticas respondem solidariamente pelos danos causados pelos produtos postos em circulação, ainda que os prejuízos resultem de erros e enganos de prepostos”. A justificativa da emenda apresentada pelo Deputado Emanoel Waisman no início da tramitação do projeto e anteriormente ao Código do consumidor refere a necessidade de proteção ao consumidor, tendo como criada a responsabilidade objetiva das empresas, abrindo terreno fértil para a “...elaboração de um ‘código ou estatuto de responsabilidade do fabricante’ quanto aos produtos de sua fabricação”. No entanto, o dispositivo, conforme esta primeira emenda, estabelecia que, “Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem pelos danos causados pelos produtos postos em circulação”, sem referir expressamente que essa responsabilidade civil deve existir independentemente de culpa, razão pela qual sofrer emenda de redação, na Câmara dos Deputados, na fase final de tramitação do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

À Doutrina, consoante a justificativa da primeira emenda realizada no artigo, acima mencionada, o dispositivo trata da responsabilidade objetiva das empresas pelos produtos nas relações de consumo, mas este dispositivo foi elaborado muito tempo antes da aprovação do Código do Consumidor Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 – razão – qual o texto, para evitar dúvida na sua interpretação, devia ser alterado, como foi por nós proposto e acolhido em emenda de redação. Por fundamentar-se na responsabilidade sem culpa, baseada no risco da atividade, foi relevante a inserção da frase pela qual a responsabilidade da empresa existe independentemente de culpa. Como antes foi salientá-lo, enquanto na responsabilidade subjetiva, ou baseada na culpa, examina-se o conteúdo da vontade presente na ação, se dolosa ou culposa, tal exame não é feito na responsabilidade objetiva, ou fundamentada no risco, na qual basta a existência no nexo causal entre a ação e o dano, porque, de antemão, aquela ação ou atividade, por si só, é considerada potencialmente perigosa responsabilizada por outrem. Tal argumentação não vingou, de modo que a teoria da realidade superou a teoria da ficção da pessoa jurídica, que, dotada de personalidade e de vontade, pode ser responsabilizada por culpa, de modo a suportar os danos por ela acarretados. Embora o art. 1.522 do Código Civil anterior referisse somente as pessoas jurídicas que exercessem atividade ou exploração industrial, a boa hermenêutica passou a considerar toda e qualquer pessoa jurídica como responsável, tivesse ou não fins lucrativos (religiosas, literárias, científicas, de beneficência etc.) o Código do Consumidor, ampliou-se a renda civil das pessoas jurídicas, que, diante de relações de consumo, tem responsabilidade objetiva, independentemente da culpa.

Por versar este dispositivo sobre as empresas e os empresários individuais quanto aos produtos postos em circulação, trata de relações de consumo, e bem por isso também se fundamenta na responsabilidade objetiva. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 479, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Da responsabilidade pelo risco da atividade, dizem Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, ser a dispensa de prova de culpa nos casos de responsabilidade objetiva e a aplicação da teoria do risco da atividade surgiram para que, em casos específicos, o simples exercício de determinada atividade gerasse, automaticamente, a assunção do risco de que certo dano pudesse ser causado. Em outras palavras: diante da natureza de certa atividade, é intuitivo que ela poderá gerar danos. Por esse motivo, ao escolher exercê-la a parte automaticamente assume o risco do eventual dano que ela possa causar. Como se observa, apenas haverá responsabilidade objetiva fundada no CC 931, se o dano tiver origem na atividade desenvolvida pelo agente causador do ano. Não haverá responsabilidade objetiva, portanto, se o dano causado não guardar relação com a atividade desempenhada, hipótese que remete à responsabilidade subjetiva. Neste sentido: Sérgio Cavallieri Filho diz que: “A palavra chave nesse texto é ‘atividade’, posto que indica o núcleo da norma. Se formos ao dicionário, entretanto, veremos que ‘atividade’, tem mais de uma dezena de sentidos (..) Em que sentido o código teria empregado, aqui, a palavra ‘atividade’? Essa é a questão nodal. (...) Não nos parece que tenha sido no sentido de ação ou omissão, porque essas palavras foram utilizadas no CC 186 na definição do ato ilícito. Vale dizer: para configurar a responsabilidade subjetiva (que normalmente decorre da conduta pessoal, individual) o código se valeu das palavras ‘ação’ ou ‘omissão’. Agora, quando quis confirmar a responsabilidade objetiva em cláusula geral, valeu-se da palavra ‘atividade’. Isso, a toda evidência, faz sentido. Aqui não se tem em conta a conduta individual isolada, mas sim a atividade, como conduta reiterada, habitualmente exercida, organizada de forma profissional ou empresarial para realizar fins econômicos. Reforça essa conclusão o fato de a doutrina e a própria lei utilizarem a palavra atividade para designar serviços” (Sérgio Cavallieri Filho, Programa de responsabilidade civil, 9ª ed., São Paulo, Atlas, 2010, p. 173).

Do âmbito de incidência da norma, dizem Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira que apesar da evidente aproximação conceitual com a responsabilidade civil objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor (art. 12), as relações de consumo continuam todas reguladas pelas lei consumerista, mas específica e protetiva ao consumidor. Nesse sentido: “A regra do CC 931 não afasta as normas acerca da responsabilidade pelo fato do produto previstas no art. 12 do CDC, que continuam mais favoráveis ao consumidor lesado” (Enunciado 190 da III Jornada de Direito Civil) (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 22.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

Para Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o preceito em tela consagra os casos clássicos da responsabilidade, hoje objetiva, como se verá no comentário ao artigo seguinte, por fato de terceiro, também denominada responsabilidade indireta, tal como já dispunha o art. 1.521 do Código Civil de 1916. Ou seja, hipóteses em que alguém reponde – e, ressalvada a previsão do CC 928, de forma solidária, conforme CC 942, parágrafo único, a cujo comentário se remete o leitor – por conduta de outrem causadora de um dano.

Assim, em primeiro lugar, respondem os pais pelos atos dos filhos menores que, pese embora sua inimputabilidade, sejam reprováveis, portanto que os levaria a responder, se maiores ou, mesmo menores, na forma do CC 928. Porém, exige a lei que os infantes estejam sob a autoridade e a companhia dos pais, enquanto se aludia, no CC/1916, ao menor sob o poder e a companhia dos genitores.

A alteração redacional não chega a espantar a dúvida, o conflito que a respeito já havia, particularmente concernente à situação de menores que não estivessem sob a guarda de pai ou mãe, posto mantido o poder familiar, por exemplo, no caso de separação ou divórcio. E mais se dificultava o debate quando se constatava, como ainda se constata, que a regra toma em consideração o dever de educação que incumbe aos pais, assim decorrente do poder familiar, mas ao mesmo tempo o dever de vigilância e direção, aí mais propriamente ligado ao pai ou mãe que tem o menor consigo, ou seja, em sua companhia, como quer a lei.

Reputa-se, a propósito, que deva responder o pai ou mãe no exercício do poder familiar, portanto dele não destituído, que, no instante dos fatos, tenha o menor sob seu poder de direção. Ou seja, não poderá responder o pai ou mãe de quem, a título jurídico, portanto não quando haja afastamento fático, e com frequência indevido, sobretudo porque é mal exercido o poder familiar, se tenha retirado o poder de direção, por exemplo quando o menor esteja sob a responsabilidade do educador, ou quando, separados os pais, esteja em companhia do detentor da guarda.

Mas, na mesma esteira, responderá o genitor que, mesmo sem a guarda, mas não destituído do poder familiar, estiver com o menor sob sua autoridade no momento dos fatos, tal como quando esteja no período de visita do genitor separado ou divorciado. Quer dizer, parece haver a lei, agora, ao aludir à autoridade dos pais, e não a seu poder familiar, tencionado evidenciar que a responsabilidade do genitor se funda em seu direito poder de direção e, pois, de vigilância do filho menor, portanto quando esteja sob seu controle.

Isso vale para o pai adotivo ou ainda quando o menor tenha sido emancipado por ato voluntário dos pais, que, assim, por vontade própria, não se podem furtar a uma responsabilidade legal, destarte só excluída quando a emancipação seja legal, malgrado a divergência que a respeito ainda grassa. Valem as mesmas ressalvas para tutor e curador, mas sem se descurar lembrança de que exercem um múnus, assim apreciando-se com maior limitação seu poder de direção do pupilo ou curatelado causador do dano.

No que toca ao empregador ou preponente, sempre alguém com poder de direção sobre a atividade de outrem, que lhe é subordinado e lhe tem relação de dependência, vale a observação, primeiro, de que sua responsabilidade se dá não só quando o empregado ou preposto age no desempenho de suas funções como, mais amplamente, também quando age em razão dela, por causa de sua atribuição, i.é, quando sua função de alguma forma facilite a prática do ilícito; segundo, cabe ainda a observação de que a não reprodução do art. 1.522 do CC/1916 suscita a discussão, o conflito, sobre se a regra se aplica às pessoas jurídicas empregadoras que não exercem atividade lucrativa, industrial. Pese embora entendimento contrário, acede-se à obtemperação de Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade civil, 9 ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 122) e Carlos Roberto Gonçalves (Comentários ao Código Civil, coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo, saraiva, 2003, v. XI, p. 95) de que, hoje, não repetida a norma do art. 1.522, a responsabilidade das pessoas jurídicas mesmo de finalidade não lucrativa obedece à regra geral, inclusive quanto à ausência de culpa, e não raro de forma direta, quer por incidência da Lei n. 8.078/90, quer do CC 927, parágrafo único, tanto mais porque, como já visto no comentário ao mesmo preceito, adotou-se, no Código Civil de 2002, para a responsabilidade objetiva, a teoria do risco criado, e não do risco proveito, ao menos o proveito forçosamente econômico. Aliás, ainda acerca da incidência desse mesmo dispositivo à situação do empregador, deve-se aludir à sua responsabilidade, que agora se entende pode ser fundada no risco, pelos danos sofridos, no exercício do trabalho, por seus empregados, a despeito do preceito do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal de 1988, tal como já sustentei alhures (Responsabilidade civil pelo risco da atividade: uma cláusula geral no Código Civil de 2002. No prelo), porquanto se entrevê, na norma constitucional, mais um passo no processo evolutivo que a respeito da matéria se consolidou, desde a exigência, à obrigação de indenizar do patrão, de dolo ou culpa grave, e até de modo a evitar se admita, em evidente contradição sistemática, que um mesmo evento lesivo possa ensejar, à vítima não empregada, o acesso à responsabilização sem culpa do empregador, mas não ao selado empregado.

É certo, vale ainda o acréscimo, que o conceito de preposição vem sendo por vezes alargado pela jurisprudência, sem dúvida, e acertadamente, para excluir a necessidade de vínculo empregatício, mas sempre à consideração de que exista uma relação de subordinação, de direção como sucede, por exemplo, com o médico cirurgião e sua equipe. Todavia, vão mais longe alguns arestos para sustentar a ocorrência de preposição, e assim de responsabilidade – e não pelo fato da coisa, como seria a hipótese, em verdade faltando é uma regra genérica a respeito (ver comentários aos CC 936 e ss) -, até mesmo quando alguém empresta carro a outrem, afinal acidentado. Para muitos, inclusive, a própria Súmula n. 492 do STF, que fixa a responsabilidade da locadora de veículos por ato do locatário, estaria fundada na ideia de preposição. Mas, a bem dizer, os acórdãos que deram origem à súmula tiveram sempre em mira a presunção de culpa do locador que não teria reservado fundos, em sua atividade, para cobrir a insolvência do condutor. Atualmente a hipótese bem se subsumiria à previsão do CC 927, parágrafo único, já que está envolvido risco da atividade, o que determinaria até uma revisão da orientação pretoriana a respeito da responsabilidade das empresas de leasing, que vem sendo negada, mas que seria fundada nos mesmos motivos. Ao menos, conforme tive a oportunidade de sustentar (A responsabilidade civil pelo risco da atividade: uma cláusula geral no Código Civil de 2002. No prelo), os casos de leasing operacional, mais assemelhados à locação e à referida origem da Súmula n. 492 do STF, em que o risco está na própria atividade do arrendador, ao contrário do leasing financeiro, passam a ser regidos, no tocante aos danos provocados no manejo da coisa arrendada, havendo especial risco induzido, pela norma do parágrafo único do CC 927.

Quanto à responsabilidade do hoteleiro, importa a exata fixação da norma de regência, dado que apenas nos casos de danos provocados por hóspedes a terceiros ou a outros hóspedes, aí sim, incide a regra do CC 932, contemplativa de espécie de responsabilidade extracontratual. Mais, sem prejuízo, ainda, da verificação sobre se se trata de relação de consumo e, assim, com incidência da legislação especial (Lei n. 8.078/90). Com idêntica ressalva à lei especial, a responsabilidade do hoteleiro pela bagagem do hóspede é, diferentemente, de índole contratual, havido depósito necessário de tais pertences (CC 649). Hoteleiro, para o preceito, deve ser quem exerça de forma predominante, embora não única (lembrar dos apart-hotéis, por exemplo), a atividade de hotelaria, o que deve ser apreciado no caso concreto. E a situação do hóspede gratuito deve suscitar aplicação das regras de responsabilidade comum subjetiva, se afinal não se o hospeda por dinheiro, como quer a lei.

Já no que concerne aos educadores, e também aqui ressalvada a incidência da legislação do consumidor, há que ver que a respectiva responsabilidade deve restringir-se ao período em que o educando está sob o poder de direção do estabelecimento, ainda que em atividade de recreação. Se o estabelecimento é público, a matéria se rege pelas regras da responsabilidade da pessoa jurídica de direito público. Se o educando é maior, assim particularmente nos casos de instituição universitária, tem-se entendido inexistir dever de vigilância e, portanto, responsabilidade sem culpa, o que, entende-se, deve ser recompreendida à luz da Lei n. 8.078/90, que estabelece, sem essa distinção, a responsabilidade sem culpa do fornecedor de serviço. Quanto ao regresso eventual a que faça jus o estabelecimento de ensino, remete-se o leitor ao comentário do CC 934, logo adiante.

Por fim, a hipótese do inciso V do CC 932 continua mal alocada, como já estava no CC/1916, pois não se trata de responsabilidade indireta, mas, verdadeiramente, de um dever de reembolso que evita o enriquecimento sem causa. Ou seja, se alguém se aproveita – e gratuitamente, vale dizer, sem participação no ilícito em si, porque nessa hipótese a responsabilidade solidária é integral – do produto de crime, deve responder, até a correspondente quantia, i.é, até quanto foi o proveito. De resto, nas anteriores hipóteses, o dado fundamental que justifica o nexo de imputação aos responsáveis indiretos, como se viu, é o poder de direção incidente sobre a conduta alheia, que lhe é afeto. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 935-7 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Posta na Doutrina de Ricardo Fiuza, o ato ilícito pode ser praticado pelo próprio imputado ou ação ofensiva pode ser praticada por terceiro que esteja sob a sua esfera jurídica. Se o ato e praticado pelo próprio imputado, a responsabilidade civil classifica-se como direta. Se o ato é praticado por terceiro, ligado ao imputado, sendo que essa ligação deve constar da lei, a responsabilidade é indireta.

Tal responsabilidade existe porque a antijuridicidade da conduta, por si só, ou seja, a responsabilidade direta, não satisfaz o anseio de justiça – dar a cada um o que é seu. Há vezes em que para haver justiça faz-se necessário ir além da pessoa causadora do dano e alcançar outra pessoa, a quem o próprio agente esteja vinculado por uma relação jurídica. Assim, há responsabilidade indireta quando alguém é chamado pela lei para responder pelas consequências de fato de terceiro, expressão que também se utiliza na responsabilidade pelo fato provocado por animal ou coisa, com o qual o responsável está ligado juridicamente.

A interpretação da lei na responsabilidade civil indireta é sempre restritiva, não podendo ir além dos casos explicitamente previstos em lei.

A origem da responsabilidade indireta tem raízes nos agrupamentos sociais primitivos, que absorviam a individualidade de seus membros e consideram-se responsáveis pelos delitos praticados por eles. Observe-se que o direito romano não desenvolveu essa ideia, atendo-se ao conceito da responsabilidade direta.

É relevante mencionar que o artigo em análise estabelece que são também responsáveis as pessoas antes referidas, de modo que os agentes propriamente ditos, especialmente se tiverem patrimônio, responderão igualmente pelos danos causados por seus atos, como forma de responsabilidade solidária, nos termos do CC 942, parágrafo único.

Na responsabilidade civil indireta, em razão do disposto no CC 933, foi adotada a responsabilidade objetiva, que independe de culpa.

E o ato lesivo é praticado por pessoa jurídica, deve-se distinguir se o foi por meio de representante (legal ou estatuário) ou de empregado (pessoa a seu serviço). No primeiro caso, a empresa responde, sem que se tenha de fazer qualquer outra indagação. No segundo caso, a empresa responde, se que se tenha de fazer qualquer outra indagação. No segundo caso, para que a pessoa jurídica seja responsabilizada é preciso que o agente tenha praticado o ato ilícito no exercício de suas funções, na conformidade do inciso III deste dispositivo, cabendo sempre o direito de regresso contra o efetivo causador do dano (v. Carlos Alberto Hittar, Responsabilidade civil: teoria e prática, Rio de Janeiro. Forense Universitária, 1989, p. 10). Desse modo, tratando-se de pessoa jurídica, deve-se primeiramente verificar, concretamente, a espécie de empresa e a condição do agente, i.é, se age em nome da entidade ou a seu serviço.

Ainda, sobre a espécie de pessoa jurídica, das disposições legais respectivas costumam, como aquelas sobre sociedades anônimas e sociedades comerciais limitadas, estabelecer regra própria acerca da responsabilidade civil, seja da empresa, seja do sócio, seja do administrador. Essas normas devem sempre ser respeitadas, aplicando-se quando necessário, as normas comuns. No entanto, o princípio que impera é o da responsabilização da pessoa jurídica, quanto aos atos praticados em sua atividade, em face da sua natureza jurídica de ente de direito.

Já era discutível, na legislação anterior, a responsabilidade dos hotéis diante do aviso de que não se responsabilizam por objetos dos hóspedes não depositados em seu poder, como cláusula de não indenizar, porque revestida da forma de imposição (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 305 e 306); como disposto no CC 933, tais debates deverão ser retomados, com maior ênfase à invalidade desse tipo de cláusula. Quanto aos cofres existentes em hotéis, firmou-se no direito anterior, a opinião de que não se trata de contrato de depósito, por analogia aos cofres bancários, tratando-se de contrato de aluguel ou comodato, em quem o hotel deveria responder pelos danos causados somente se provado que não agiu com a vigilância necessária quanto ao ingresso de terceiros em suas dependências (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, cit., p. 97 e 98), mas também essa matéria merecerá a devida revisão em face do disposto no CC 933.

Quanto aos estabelecimentos de ensino, no que se refere aos educandos, essa responsabilidade ampla existe se o regime for de internato. Se o regime escolar for de externato, a responsabilidade de ensino restringe-se ao período em que o educando estiver matriculado (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, cit., p. 98 e 99). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 479-81, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Da responsabilidade pelo ato de terceiro, esclarecem Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o CC 932 consagra uma situação de responsabilidade pelo ato de terceiro. Ou seja, consagrou o legislador a responsabilidade das pessoas enumeradas nos incisos de I a V mesmo não sendo elas quem deram causa ao dano a ser reparado.

Da solidariedade, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, explicitam que ao responsabilizar as pessoas enumeradas nos incisos I a V do CC 932 pelos atos dos terceiros ali elencados, em momento algum o legislador excluiu a responsabilidade do causador do dano de reparar a lesão causada. Muito ao contrário. O claro intuito do legislador foi o de facilitar a reparação do dano causado. Haverá, portanto, solidariedade entre o causador do dano e o terceiro responsável pelos seus atos (CC, 942, parágrafo único). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 22.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 21 de abril de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 927, 928, 929 - continua Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 927, 928, 929 - continua
Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art. 927 a 954) Capítulo I – Da Obrigação de Indenizar
– vargasdigitador.blogspot.com

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (CC 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quanto a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Abrindo os trabalhos com Cláudio Luiz Bueno de Godoy, o CC 927, que inaugura o título destinado ao tratamento da responsabilidade civil, fonte do direito obrigacional, consagra, em seu texto, o que representa inovação do sistema: a coexistência genérica e, segundo se entende, não hierarquizada de regras buscadas na teoria da culpa e na teoria do risco. Ou seja, por ele se altera o modelo subjetivo levado aos Códigos do século XIX, em que o centro da responsabilidade civil sempre foi, quase que exclusivamente, a culpa, tudo a fim de atender a reclamo de uma sociedade mais industrial e tecnológica, pródiga na facilitação da ocorrência de acidentes (fala-se na era dos acidentes ou na civilização dos acidentes) e, assim, na indução a uma desigualdade das relações que dificulta a prova da culpa pela vítima. De outra parte, ocupa-se o novo modelo de Estado Social muito especialmente da garantia de preservação da pessoa humana, de sua dignidade.

Resultado desse panorama são a constatação da insuficiência das normas da chamada responsabilidade aquiliana e a imposição de regras de responsabilidade objetivada e coletivizada, portanto não só mais de cunho eminentemente pessoal, como sempre foi (pense-se nos exemplos do seguro obrigatório, indenização acidentária e assim por diante). Passa a lei a procurar identificar um responsável pela indenização, e não necessariamente um culpado, individualmente tomado.

Mas nem por isso a culpa deve ser escoimada do sistema. Como observa João Calvão da Silva (Responsabilidade civil do produtor. Coimbra, Almedina, 1999, p. 107-12), quando procura traçar um perfil do novo modelo de responsabilidade civil, uma teoria de dever reparatório que fosse exclusivamente socializado ou coletivizado dependeria muito da força econômica do Estado; de outro lado, a culpa seria sempre discutida no exercício do eventual direito regressivo do responsável objetivo; por último, a culpa, que a rigor é um erro de conduta, desempenha fundamental papal educativo-pedagógico, quando impõe a reflexão e a preocupação de não errar. Daí o ideal do sistema, que é a coexistência dos dois modelos de responsabilidade: o subjetivo e o objetivo. Pois foi o que fez o Código Civil de 2002.

No seu caput, o CC 927 reproduz a cláusula geral da responsabilidade aquiliana, que estava contida no art. 159 do CC/1916. E o fez de maneira compartimentada ao estatuir que quem comete ato ilícito é obrigado a reparar, remetendo, porém, aos CC 186 e 187 para a definição do que seja ato ilícito. Mas isso de sorte que, afinal, com os acréscimos que no CC 186 se encontram, comentados na parte geral, esse dispositivo mais o do CC 927, caput, acabam resultando na cláusula geral da responsabilidade fundada na culpa, tal como estava no art. 159 do CC/1916.

Grande inovação contém, todavia, o parágrafo do CC 927. Não propriamente por concernir a uma responsabilidade sem culpa, já constante de legislação especial ou, antes, da própria constituição Federal (tomem-se os exemplos da responsabilidade civil do Estado, da responsabilidade por danos ecológicos, danos atômicos ou danos causados aos consumidores). A novidade está numa previsão genérica ou numa cláusula geral da responsabilidade sem culpa, baseada na ideia do risco criado, e mitigado, ou não integral, dada a exigência de circunstância específica, além da causalidade entre a conduta e o dano, que está na particular potencialidade lesiva da atividade desenvolvida, tal qual adiante se referirá.

Antes, porém, força convir ostentar-se de todo equânime a disposição de que quem cria risco a outrem com sua atividade, daí tirando qualquer proveito, não necessariamente econômico (ver comentário ao CC 932 sobre a responsabilidade das pessoas jurídicas sem fins lucrativos), seja por ele responsabilizado. É o que está na segunda parte do parágrafo em comento, ressalvando-se, na primeira, casos especiais de responsabilidade sem culpa, quer em lei especial, como se viu, quer no próprio Código Civil, como se verá. A exigência da lei, porém, está em que a atividade do agente deva normalmente induzir particular risco, i.é, por sua natureza deve ser foco de risco a outras pessoas ou a seus bens. O risco deve ser inerente à atividade e não resultar do específico comportamento do agente. Trata-se de uma potencialidade danosa intrínseca do que seja uma atividade organizada, não eventual ou esporádica, diferente, mais ainda, de um isolado e casual ato praticado. Pense-se nos casos, costumeiramente citados, das atividades de mineração, transporte, produção e fornecimento de energia (sobre a locação e o arrendamento de veículos, ver comentário ao CC 932), embora nem só esses, dado que, nas palavras precisas de Antônio Junqueira de Azevedo, não se exige que a atividade seja de risco, mas sim risco da atividade, acrescenta-se, maior, especial, particular. São hipóteses em que, mesmo lícita e exercitada regular e normalmente, a atividade por si cria maior risco a terceiros, independentemente de quem a exerça. Procurando estabelecer o que seja o conceito desse risco intrínseco, foi fixado na Jornada de Direito Civil, realizada em setembro de 2002 no Superior Tribunal de Justiça, o enunciado segundo o qual a responsabilidade sem culpa, de que se trata aqui, “configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da comunidade” (Enunciado n. 38).

E também não falta quem, na tentativa de compatibilizar a responsabilidade agora erigida com aquela da Lei n. 8.078/90, identifique a necessidade de que, para a incidência da cláusula geral da responsabilidade sem culpa, se tenha em vista, mais que o risco inerente à atividade, sua ligação a uma obrigação de resultado, ademais em que falhe o dever de segurança que razoavelmente se poderia esperar do que, a rigor, é um serviço prestado (v.g., Direito, Carlos Alberto Menezes & Cavallieri Filho, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XIII, p. 150-5). Bem de ver, todavia, e ao que se entende, que a diferença está, no caso do Código de Defesa do Consumidor, na inexigibilidade de uma atividade que seja especial foco de risco para a configuração da responsabilidade do fornecedor, mitigada porquanto a qualifica o defeito, ao contrário do Código Civil, em que o dado qualificador é, justamente, o maior risco da atividade desenvolvida.

Por outra, e como tive oportunidade de sustentar alhures (Responsabilidade civil pelo risco da atividade. São Paulo, Saraiva, 2009), o fisco de que trata o parágrafo em questão não se confunde com o defeito, mesmo de segurança, pois, nesse caso, há uma periculosidade anormal do produto ou serviço. Contenta-se com menos o atual Código. Exige um risco, muito embora diferenciado, exacerbado, já que de causalidade pura também não se cuidou.

Afinal se toda atividade gera maior ou menor risco, e se qualquer risco, na disposição em comento, induzisse responsabilidade, mais não seria preciso dizer senão que quem exerce uma atividade responde pelos danos dela advindos. Exige-se, enfim, não um perigo anormal, e nem propriamente um perigo, posto intrínseco, mas, antes, um risco especial naturalmente induzido pela atividade e identificado de acordo com dados estatísticos existentes sobre resultados danosos que lhe sejam resultantes, ou seja, conforme a verificação da regularidade estatística com que o evento lesivo aparece como decorrência da atividade exercida. Ou, ainda, de acordo com meios técnicos de demonstração científica do risco especial naturalmente intrínseco à atividade. E sem contar, sempre, o recurso à experiência comum. Tomem-se exemplos como o da atividade de cobrança de títulos, com protesto e negativação, ou o da atividade dos bancos de dados e de cadastro de consumidores. Foco, ambos os casos, de constante causação de danos, mesmo não haja defeito da atividade, de um lado, e mesmo não se trate propriamente de perigo, de outro. Trata-se é de um risco particular, especial, diferenciado que a atividade induz e que determina, então, a objetiva responsabilidade de quem a exerce, por evento que a ela se ligue, mercê de uma causalidade recompreendida, porquanto no caso não necessariamente naturalística, mas normativa, impondo também, por conseguinte, uma nova dimensão do âmbito da estraneidade de fortuitos havidos.

Quanto aos profissionais liberais, mesmo os que exercem atividade de especial risco, para quem o Código de Defesa do Consumidor estatuiu uma responsabilidade subjetiva (art. 14, § 4º), sustenta Ruy Rosado Aguiar Júnior que superada a regra pelo dispositivo em tela do Código Civil de 2002 (“Projeto do CC – Obrigações e contratos”, RT 775/18), malgrado não sem oposição, fundada na especialidade da norma relativa ao consumo e na obrigação subjacente que é de meio (v.g., Gagliano, Pablo Stolze & Pamplona Filho, Rodolfo. Novo curso de direito civil. São Paulo, saraiva, 2003, v. III, p. 232), sem contar, ainda, a disposição do CC 951, a cujo comentário se remete o leitor, acerca, especificamente, da responsabilidade dos profissionais da saúde. Ressalvam-se apenas, mesmo admitida a prevalência da regra especial, e como já era da interpretação do artigo citado, do CDC, as contratações de profissional liberal de maneira não negociada, em que não avulte o fator confiança, base da previsão normativa específica, tal qual nas hipóteses das lides coletivas, para a situação exemplificativa do advogado, ou quando a prestação do serviço se dê de maneira impessoal, por empresário que explora a atividade, como o hospital, por exemplo (ver a respeito: Denari, Zelmo. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 7 ed. Rio de Janeiro, forense Universitária, 2001, p. 175-7). Ressalvam-se, também os casos de atividades médicas, que não integram tratamento, propriamente, e desde que induzam especial risco.

Por fim, anote-se que preceito semelhante àquele ora em comento se contém nos arts. 2.050 e 493.2, respectivamente dos Códigos italiano e português, entretanto alusivos ao perigo, não só ao risco, portanto sem a mesma potencialidade expansiva do Código Civil brasileiro, dado que, conforme exemplificação que se vem de colacionar, atividades há que podem não ser essencialmente perigosas, mas indutivas de especial, diferenciado risco. Tudo ademais da virtualidade de recompreensão de hipóteses anteriormente decididas sob diferente matiz e que, agora, podem se reconduzir ao preceito em tela, como a da responsabilidade do empregador por dano advindo ao empregado, ou a da responsabilidade do arrendador no caso de leasing operacional, a propósito do que se remete ao comentário do CC 932. Acrescentam, ainda, aquelas legislações estrangeiras, ambas, que o perigo pode estar não na atividade, mas nos meios adotados para o seu exercício, o que no sistema brasileiro pode ser cogitável se esses meios forem os normais para desempenho daquele mister. Mas, ao contrário dos dispositivos comparados, não admite o atual Código Civil que o agente possa eximir-se de sua responsabilidade objetiva provando ter tomado todas as medidas idôneas a evitar o risco. Essa previsão, aliás, estava na redação original do anteprojeto do Código Civil, mas foi suprimida em sua tramitação.

De toda sorte, a conclusão, enfim, é que o sistema hoje dota a vítima, observados os respectivos requisitos, de mecanismos de responsabilização do agente independentemente da demonstração de sua culpa, cujo papel, como fonte irradiadora da obrigação reparatória, se substitui pela causalidade, todavia não de maneira absoluta – não se adota, como se disse acima, a teoria do risco integral, de causalidade pura -, inclusive porque concorrentes excludentes, mesmo à míngua de uma regra geral que as contemplasse, como há no Código de Defesa do consumidor (Lei n. 8.078/90, arts. 12, § 3º, ou 14, § 3º), mas, de qualquer maneira, sempre ressalvadas em hipóteses específicas, como as dos CC936 e seguintes, por exemplo, e a seguir examinadas. (Cláudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 926-28 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Quanto à atuação de Ricardo Fiuza, não se entrará aqui, no mérito do histórico, baseando os comentários na Doutrina, onde os novos inventos, a intensidade da vida e a densidade das populações aproximam cada vez mais os homens, intensificando suas relações, o que acarreta um aumento vertiginoso de motivos para a colisão de direitos e os atritos de interesses, do que surge a reação social contra a ação lesiva, de modo que a responsabilidade civil tornou-se uma concepção social, quando antes tinha caráter individual (cf. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6 ed., Rio de Janeiro, forense, 1979, v. I, p. 13).

Embora a doutrina não seja uniforme na conceituação da responsabilidade civil, é unânime na afirmação de que este instituto jurídico firma-se no dever de “reparar o dano”, explicando-o por meio de seu resultado, já que a ideia de reparação tem maior amplitude do que a de ato ilícito, por conter hipóteses de ressarcimento de prejuízo sem que se cogite da ilicitude da ação (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9 ed., Rio de Janeiro, forense, 1998, p. 7-1 1).

Foi assim que a teoria da responsabilidade civil evoluiu de um conceito em que se exigia a existência de culpa para a noção de responsabilidade civil sem culpa, fundamentada no nexo. Os perigos advindos da vida moderna, a multiplicidade de acidentes e a crescente impossibilidade de provar a causa dos sinistros e a culpa do autor do ato ilícito acarretaram o surgimento da teoria do risco ou da responsabilidade objetiva, a demonstrar que o direito é “uma ciência nascida da vida e feita para disciplinar a própria vida” (Di Alvino Lima, Culpa e risco, São Paulo, revista dos Tribunais, 1960, p. 15-7).

Na atualidade, a teoria da responsabilidade civil, mesmo que conserve seu nomen juris, transcendeu os limites da culpa e “trata-se, com efeito, de reparação do dano” (cf. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, cit., p. 16).

A teoria subjetiva ou teoria da culpa continua a fundamentar, como regra geral, a responsabilidade civil, mas, em face das dificuldades inerentes à sua prova, o CC/2002 adota, diante de previsão legal expressa ou de risco na atividade do agente, a teoria objetiva ou teoria do risco no dispositivo em tela.

Na teoria do risco não se cogita da intenção ou do modo de atuação do agente, mas apenas da relação de causalidade entre a ação lesiva e o dano (v. Carlos Alberto Biliar, Responsabilidade civil nas atividades nucleares, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1985). Assim, enquanto na responsabilidade subjetiva, embasada na culpa, eXMmOa-SC o conteúdo da vontade presente na ação, se dolosa ou culposa, tal exame não é feita na responsabilidade objetiva, fundamentada no risco, na qual basta a existência do nexo causal entre a ação e o dano, porque, de antemão, aquela ação ou atividade, por si só, é considerada potencialmente perigosa.

Existem várias teorias sobre o risco: o risco integral, em que qualquer fato deve obrigar o agente a reparar o dano, bastando a existência do dano ligado a um fato para que surja o direito à indenização; a teoria do risco proveito, baseada na ideia de que quem tira proveito ou vantagem de uma atividade e causa dano a outrem tem o dever de repará-lo – ubi enzolwnentun, ibi onus; a teoria dos atos normais e anormais, medidos pelo padrão médio da sociedade. No entanto, a teoria que melhor explica a responsabilidade objetiva é a do risco criado, adotada pelo Código Civil de 2002, pela qual o dever de reparar o dano surge da atividade normalmente exercida pelo agente, que cria risco a direitos ou interesses alheios. Nesta teoria não se cogita de proveito ou vantagem para aquele que exerce a atividade, mas da atividade em si mesma que é potencialmente geradora de risco a terceiros (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, cit., p. 284 e 285). Como se verifica na teoria do risco criado, a responsabilidade civil é realmente objetiva, por prescindir de qualquer elemento subjetivo, de qualquer fator anímico; basta a ocorrência de dano ligado casualmente a uma atividade geradora de risco, normalmente exercida pelo agente. Embora a teoria do risco tenha galgado espaço em face da introdução de atividades perigosas na sociedade, sendo ditada por leis especiais, a teoria subjetiva ou da culpa ainda é o grande fundo animador da responsabilidade civil em nosso ordenamento jurídico (v. Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 7 ed., São Paulo, Saraiva, 1993, v. 7, p. 32-33).

No direito positivo, a subsistência da teoria da culpa é uma realidade, com a qual deve coexistir a teoria do risco, aplicada esta última nas hipóteses em que a desigualdade econômica ou social entre o agente e a vítima traz a necessidade de abolir qualquer indagação sobre a subjetividade do lesante.

Ressalta-se que não há razão para que um conceito exclua o outro: a culpa e o risco se completam, na busca de seu objetivo comum: a reparação do dano. O Novo Código Civil, ao regular a responsabilidade civil, alarga a aplicação da responsabilidade objetiva, com a adoção da teoria do risco criado, mas mantém o sistema vigente de que a regra geral é a responsabilidade subjetiva. Remissão deve ser feita aos CC 185 e 186 do CC/2002. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 475-476, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Dos sistemas da responsabilidade civil, segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira. Historicamente o dever de reparar os danos sempre esteve atrelado à existência de culpa do agente causador do dano. Tal sistema de responsabilidade civil fundado na culpa estava estampado no próprio art. 159 do Código Civil de 1916, que fazia expressa referência ao ato negligente ou imprudente como aquele que gerava o dever de indenizar. Apenas pontualmente e de modo muito tímido algumas leis esparsas traziam a possibilidade de responsabilidade civil sem culpa.

Atendendo à realidade de uma sociedade moderna, industrial e mais complexa, o CC/2002 expressamente consagrou a responsabilidade civil sem culpa fundada no risco especial que atividades lícitas podem causar aos direitos alheios. Coexistem, assim, no atual sistema da responsabilidade civil dois sistemas. O sistema da responsabilidade civil subjetiva (teoria da culpa), em que a culpa ainda é elemento indispensável para a caracterização do dever de indenizar e o sistema da responsabilidade civil objetiva (teoria do risco, em que o agente causador de um dano deve reparar a lesão causada independentemente de culpa. Apesar do entusiasmo de alguns autores com a inovação legislativa trazida pelo parágrafo único do CC 927, a responsabilidade subjetiva, fundada na culpa, continua sendo a regra geral. Apenas haverá responsabilidade objetiva nos casos expressamente previstos em lei e quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Fora dos casos previsto em lei, portanto, a caracterização da responsabilidade objetiva exige o desempenho de uma atividade, assim entendido com a prática reiterada (e não eventual) de atos potencialmente lesivos, portadora de um risco especial.

Baseando-se em pressupostos da responsabilidade civil, jamais haverá responsabilidade civil sem um dano. Apesar de consagrar a possibilidade de caracterização da responsabilidade civil independentemente de culpa, o Código Civil jamais abandonou a imprescindível necessidade de comprovação da existência de um dano indenizável e do nexo de causalidade entre a conduta do agente (ação ou omissão) e o dano.

Dos diversos tipos de dano. A doutrina costuma classificar os danos de acordo com a natureza dos direitos lesados. Surgindo assim a classificação que separa os diversos tipos de danos em: a) danos materiais; b) danos morais e c) danos estéticos. Por terem todos natureza distinta, já não se discute mais a possibilidade de sua cumulação. Nesse sentido: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato” (STJ, súmula 37) e “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral” (STJ, súmula 387).

Dentro dessa classificação, os danos materiais costumam ainda ser divididos em danos emergentes, assim entendidos como patrimônio que foi efetivamente desfalcado, destacado ou destruído do lesado e lucros cessantes. A caracterização dos lucros cessantes, porém, exige cautela. Para Pontes de Miranda: “frustrado é o ganho ou lucro que seria de esperar-se, tomando-se por base o curso normal das coisas e as circunstâncias especiais, determináveis, do caso concreto, inclusive a organização, as medidas e previsões que se observam” (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, vol. 26, 3º ed., Rio de Janeiro, Forense, 1984, pp. 46-47.

Segundo Plácido e Silva, lucros cessantes são “os ganhos que eram certos ou próprios ao nosso direito, que foram frustrados por ato alheio ou fato de outrem”. (Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 4ª ed., Tio de Janeiro, forense, 1991, p. 968.).

A jurisprudência segue o mesmo cuidado ao conceituar os lucros cessantes “A indenização de lucros cessantes não se funda em mera ilação, simples perspectiva de ganho ou vantagem que se imagina fosse auferida. Para legitimar a indenização a tal título há que existir prova concreta de que o prejudicado, em decorrência do ato ilícito, deixou de integrar ao seu patrimônio vantagens e/ou rendimentos que já eram certos. O critério mais acertado para se computar os lucros cessantes, nessa linha, estaria em condicioná-lo a uma probabilidade objetiva, em decorrência do desenvolvimento normal dos acontecimentos, observando-se, sempre, as circunstâncias peculiares do caso concreto. Isso, de forma alguma enseja a interpretação de que possam eles resultar de simples presunção. Ao contrário, correta e mais razoável é a conclusão de que os lucros cessantes devem restar objetivamente demonstrados e excluídos quando aleatórios ou não provados (RE 85.146-RJ, Min. Xavier de Albuquerque, RTJ 78/322)” (TJ-SC, apelação n. 2005.032555-0, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 27.3.07).

Das teorias, a caracterização do nexo de causalidade em situações concretas é tarefa complexa, especialmente diante dos casos de causalidade múltipla, em que a ocorrência de um dano depende da coexistência de diversas causas. Deparando-se com tal questão, a doutrina se organizou em torno de três teorias.

A Teoria das Equivalências de Condições, que consiste em responsabilizar todo agente causador de qualquer um dos fatos que, de alguma forma tenha contribuído para o resultado danoso. Apesar de sua aplicação na seara penal, tal teoria não é capaz de distinguir causas mais ou menos relevantes, conduzindo todos aqueles que de alguma forma tenham praticado qualquer ato à obrigação de indenizar. Em última análise, tal teoria acabaria levando a situações absurdas, como a de responsabilização do fabricante de uma arma utilizada em um assalto.

A Teoria da Causalidade Adequada, cuja proposta é justamente afastar os absurdos advindos da teoria da equivalência das condições, propõe que apenas se considere como causa de um evento danoso a conduta que efetivamente tenha aptidão de levar ao evento danoso.

Para Nelson Nery Junior, “a teoria da causalidade adequada, na apuração da responsabilidade lida com ideia cultural de probabilidade, ou seja, não é qualquer condição do processo causal que é causa. Causa é a condição que se mostra apropriada para produzir o resultado a respeito de cuja lesividade se indaga”. (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Júnior, Código Civil Comentado, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p. 290.)

Por fim, a Teoria dos Danos Diretos e Imediatos, que busca relativizar o radicalismo das teorias anteriores, ponderando acertadamente que cada agente deve responder apenas e na estrita medida dos danos que sua conduta tenha diretamente causado.

Segundo a Teoria dos Danos Diretos e Imediatos, entre o ato ilícito e o dano deve existir uma relação de causa e efeito direta, respondendo cada agente tão-somente por aquilo que resultou imediatamente de seu ato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.

Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.

Afirma Cláudio Luiz Bueno de Godoy, sempre ter sido pressuposto da responsabilidade aquiliana a imputabilidade do agente se, afinal, a ele se atribuía, como ainda se atribui, dever ressarcitório desde que tenha ostentado conduta negligente ou imprudente, mas, frise-se, voluntária (art. 159 do CC/1916 e CC 186, c/c o CC 927, caput/2002). Ou seja, Ou seja, a orientação foi sempre e é ainda que a obrigação de reparar dependa da capacidade que tenha o indivíduo de entender e de se determinar de modo a não provocar danos a outrem. Como se disse, o anterior Código civil apenas ressalvava, em seu art. 156, que o menos relativamente incapaz era equiparado aos maiores, mas aí em qualquer hipótese, sem quaisquer limites, para efeitos de responsabilidade subjetiva.

Tal dispositivo não se repetiu porque ficou superado pela regra genérica do CC 928, agora, o que é relevante inovação, impondo uma responsabilidade indistinta para qualquer incapaz (seja por menoridade, e não só a relativa, seja por deficiência mental, total ou parcial), contudo subsidiária – pesem embora a aparente contradição com o CC 942, parágrafo único, e, por causa disso, a proposta de alteração legislativa, abaixo mencionada – e mediante requisitos específicos dispostos na lei. Trata-se, como aponta Milton Paulo de Carvalho Filho (Indenização por equidade no novo Código Civil. São Paulo, Atlas, 2003, p. 61), de imperativo de equidade, pauta valorativa muito cara ao princípio da eticidade, um dos três que iluminam a nova codificação, ao lado da operabilidade e da socialidade.

Em diversos termos, ocupa-se o CC de erigir a responsabilidade, subsidiária e mitigada, mercê de conduta que, mesmo sem poder ser considerada culpável, deve ser reprovável tal como se daria com a responsabilização do maior, para qualquer incapaz que causa prejuízo a outrem e pode, sem risco a seu patrimônio ou, antes, às suas necessidades, recompor a situação de desequilíbrio determinada pelo seu ato danoso. Veja-se, puro ditame de equidade.

Mas, para que se opere sua responsabilização, em primeiro lugar é preciso que os responsáveis pelo incapaz não tenham a obrigação de ressarcir ou que não disponham de meios para tanto, requisitos alternativos, segundo a redação do dispositivo, e malgrado críticas que a propósito lhe sejam endereçáveis. De qualquer sorte, não é difícil compreender que se possa responsabilizar o incapaz se seus responsáveis não tiverem meios para tanto, o que deve significar não só a falta total de recursos como, também, a existência de recursos todavia reduzidos, mediante o pagamento da indenização, de modo a comprometer a manutenção da dignidade dos pais, do tutor ou curador (cf. conclusão firmada no Enunciado n 39 da Jornada de Direito Civil realizada no Superior Tribunal de Justiça em 11.09.2002). E mesmo aí haveria que indagar, já que o dispositivo estabeleceu uma responsabilidade subsidiária, se não seria devida antes a propositura de ação contra os responsáveis, e contra o incapaz só pela sobra, ou seja, pelo quanto os responsáveis não pudessem pagar. Parece, porém, que a orientação afrontaria o espírito de equidade e de reparação da vítima que anima o preceito, por isso devendo-se admitir a ação contra o incapaz desde que provada a impossibilidade de os responsáveis arcarem com a indenização, sem prejuízo à sua própria existência digna.

De toda maneira, em segundo lugar, e a condicionar também a responsabilização de que se agita no dispositivo, há ainda, pela sua atual redação, a possibilidade de os responsáveis pelo incapaz não terem a obrigação de ressarcir, a despeito de, eventualmente, disporem de meios para tanto. A essa previsão, de difícil elastério, só se pode reservar hipótese em que a lei exija um requisito específico para a imposição ressarcitória por ato do incapaz aos seus responsáveis, como no caso dos pais que respondem por atos dos filhos, mas que estejam sob sua autoridade e em sua companhia. Se assim não for, se não estiverem sob autoridade e em companhia dos pais, então, conforme o caso, não havendo outros responsáveis indiretos, ou, mesmo se existirem, também quando a eles faltando nexo de imputação, poder-se-á cogitar da responsabilidade do incapaz.

Também se vem defendendo, vale o acréscimo, como se assentou na Jornada de Direito civil, logo antes citada, que a essa mesma hipótese de responsabilização do incapaz se ajuste à previsão do art. 116 da Lei n. 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Enunciado n. 40).

Todavia, posto que tenha sido cumprido um dos dois requisitos para a responsabilização do incapaz, ela só se poderá concretizar se a indenização a ser por ele paga, segundo o texto da lei, não o privar do necessário a si ou a quem dele dependa. Tem-se aqui o quanto necessário não só à subsistência do incapaz ou de seus dependentes, mas sim à sua existência digna ou, tal como está no Código Civil português (art. 489), os alimentos necessários de acordo com o estado e a condição do incapaz.

Por fim, ultrapassadas todas essas etapas, ainda determina o CC que a indenização devida pelo incapaz seja fixada equitativamente. Mas, de pronto, por quais critérios? Por exemplo, o CC italiano determina ao juiz que considere a situação econômica das partes (art. 2.047). Particularmente se entende, porém, que deva ser aferida a situação econômica do incapaz. Lembre-se que o fundamento do dispositivo está na injustiça da falta de reparação da vítima diante de um incapaz com condição de fazê-lo, sem risco a si ou a quem dele dependa. Bem por isso, e ainda que a posição se possa tornar minoritária, não se considera que essa indenização equitativa deva ser necessariamente menor que a extensão do dano; nem que sua fixação em importe integral sirva a equiparar o tratamento do incapaz ao do capaz, tal qual se vem sustentando. Cuida-se apenas de dar cabo à exigência de equidade e não olvidar a situação específica de um incapaz que, preenchidos os requisitos legais, possa reparar completamente a vítima, que é a finalidade do sistema, sem nenhum dano maior à sua existência digna. De resto, quando quis uma indenização equitativa reduzida, o Código Civil o mencionou como no CC 944, parágrafo único, a seguir comentado.

Não se crê, ainda impende acrescentar, que a falta de discernimento que condiciona a aplicação da sistemática em exame, ao menos no caso do amental, deva ser permanente ou reconhecida em interdição, muito embora não sirva como escusa o estado de inconsciência voluntariamente provocado pelo agente (alcoolismo, uso de drogas etc.).

Por fim, e tal como acima se adiantou, a regra do artigo presente foi já objeto de proposta de alteração legislativa. Isso por se vir entendendo que a subsidiariedade da responsabilidade do incapaz, aqui prevista, parece conflitar com a regra do CC 942, parágrafo único, do CC/2002, que estatui a solidariedade dos autores diretos da conduta danosa com os responsáveis indiretos do CC 932. Nesse sentido, então, o Projeto de Lei n. 276/2007, de alteração da nova normatização, pretende estabelecer, diferentemente de quanto agora no preceito se contém, uma responsabilidade não mais subsidiária, mas sim solidária do incapaz, nos termos do referido CC 942, particularmente de seu parágrafo único, só que, veja-se, preservando, ainda, a disposição do parágrafo do CC 928, portanto ressalvando que a responsabilização do incapaz, malgrado solidária, se daria, sempre, de forma equitativa e assim sem privá-lo, a si e a seus dependentes, dos alimentos necessários.

É bem de ver, contudo, que, sistematicamente interpretada, tal como hoje posta e regrada a matéria no Código Civil, a solidariedade do CC 942, parágrafo único, apenas se aplica àqueles casos em que a responsabilidade indireta não seja exclusiva e substitutiva da responsabilidade do causador direto do dano, conforme comentários próprios, a que ora se remete o leitor. (Cláudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 930-31 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como mostra a Doutrina de Ricardo Fiuza, o caput deste dispositivo com o CC 942, que estabelece a responsabilidade solidária dos incapazes e das pessoas designadas no CC 932, ou seja, dos pais e dos filhos, do tutor e do tutelado, do curador e do curatelado. Deve-se ter em vista o princípio da reparação plena, antes analisado, de modo que os incapazes devem ser solidariamente responsáveis, como estabelece o CC 942, sem que a responsabilidade patrimonial seja hierarquizada nestes casos. No entanto, a preservação dos meios indispensáveis à subsistência do incapaz deve ocorrer, regra esta ser inserida no CC 942, para melhor sistematizar a matéria, conforme será sugerido nas anotações a esse dispositivo.

Já que a responsabilidade civil avança conforme progride a civilização, há necessidade de constante adaptação desse instituto às novas necessidades sociais. Bem por isto, as lei sobre essa matéria devem ter caráter genérico, como a regra a seguir sugerida, e aos tribunais cabe delas extrair os preceitos para aplicá-los ao caso concreto. Em suma, não se pode negar a importância da responsabilidade civil, que invade todos os domínios da ciência jurídica, sendo o centro do direito civil e de todos os demais ramos do direito, tanto de natureza pública quanto privada, por constituir-se em proteção à pessoa em suas mais variadas relações. Dentre as relações de caráter privado destacam-se as familiares, em que também devem ser aplicados os princípios da responsabilidade civil, como já reconhecem a doutrina brasileira (Mário Moacyr Porto, Responsabilidade civil entre marido e mulher, in Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, coord. Yussef Said Cahali, São Paulo, Saraiva, 1984, p. 203; Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, 3 ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 189; Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade civil, 6 ed., São Paulo, Saraiva, 1995, p. 71; José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 2, p. 14-6) e a jurisprudência pátria (STJ, 3’ T., Recurso Especial n. 37.051, rel. Min. Nilson Naves, j. 17-4-2001; TJSP, 4’ Câmara Civil, apelação n. 220.943-1/1. Rel. Des. Olavo Silveira, j. 9-3-1995; TJSP, 6’ Câmara de Direito Privado, Apelação n. 272.221.1/2, rel. Des. Testa Machi, j. 10-10-1996; TJSP, 10’ Câmara de Direito Privado, rel. Des. Quaglia Barbosa, j. 23-4-1996, Boletim AASP, 2007/04-m, de 23-6-1997, e RJ 232/71; TJSP, 2’ Câmara de Direito Privado, rel. Des. Ênio Santareli Zuliani, j. 23-2-1999, RT, 765/191; TJSP, 2’ Câmara de Direito Privado, Apelação n. 101.160-4/0, rel. Des. Osvaldo Caron, j. 19-9-2000; TJSP, 6’ Câmara de Direito Privado, rel. Des. Octavio Fielene, j. 31-8-2000, JTJ/SP, 235/47).

Embora as relações familiares sejam repletas de aspectos, especialmente pessoais, afetivos, sentimentais e religiosos, envolvendo as pessoas num projeto grandioso, preordenado a durar para sempre, por vezes o sonho acaba, o amor termina, o rompimento é inevitável. Nestas rupturas, são inúmeras as situações em que os deveres de família são violados, com desrespeito especialmente aos direitos da personalidade dos envolvidos nessas relações, a acarretar graves danos aos membros de uma família. As sevícias, ofensivas à integridade física, e injúrias graves, violadoras da honra, praticadas por um dos cônjuges contra o outro (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 76-9, 153 e 163-5) ~, vida do convivente, configurado em contaminação de doença pan e letal ou em abandono moral e material da companheira (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Responsabilidade civil dos subviventes,( palavra original “emiviventes” – palavra não encontrada na Web, Google, Wikipédia, ou em 6 idiomas pesquisados, em inglês encontrou-se emivous, contudo sem significado, utilizada acima, nota de VD). Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, Síntese/IBDFAM, v. 1. N. 3, out/dez. 1999, p. 36-9); o abandono moral e material pelo filho do pai idoso e enfermo; a recusa quanto ao reconhecimento da paternidade, com consequente negação à prestação de alimentos, embora haja a certeza desse vínculo de parentesco (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reflexões sobre o reconhecimento da filiação extramatrimonial, Revista de Direito Privado, coord. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 1, jan./mar. 2000, p. 83 e 84); estes são alguns exemplos de desrespeito aos direitos da personalidade no seio familiar.

Os lesados nessas circunstâncias, dentre tantas outras, em obediência ao princípio da proteção à dignidade da pessoa humana, merecem a devida reparação pelos danos sofridos.

Recorde-se que o princípio da reparação de danos encontra respaldo na defesa da personalidade, “repugnando à consciência humana o dano injusto e sendo necessária a proteção da individualidade para a própria coexistência pacífica da sociedade”, de modo que “a teoria da reparação de danos ou da responsabilidade civil encontra na natureza do homem a sua própria explicação” (v. Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 13-28). Por fim, salienta-se que a aplicabilidade dos princípios da responsabilidade civil ao direito de família tem amplo suporte constitucional, precisamente na cláusula geral de proteção à dignidade humanas, constante do art. 42, inciso III, da Lei Maior. E outro relevante dispositivo da Constituição Federal que fundamenta a tese reparatória no direito de família é o CC 226, § 8 ~, ao estabelecer que “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

Remissão deve ser feita ao CC 185, que estabelece: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, sendo, evidentemente, ato ilícito aquele praticado em violação a um dever de família, a aplicabilidade dos princípios da responsabilidade civil às relações de família com base nessa regra geral, deve ser explicitamente estabelecida a regra a segura proposta, como ocorre no direito francês.

Em suma, a responsabilidade civil é verdadeira tutela privada à dignidade da pessoa humana e a seus direitos da personalidade, inclusive na família, que é centro de preservação do ser humano, antes mesmo de ser havida como núcleo essencial da nação. Conclui-se que a teoria da responsabilidade civil visa ao restabelecimento da ordem ou equilíbrio pessoal e social, inclusive em relações familiares, por meio da reparação dos danos morais e materiais oriundos da ação lesiva a interesse alheio, único meio de cumprir-se a própria finalidade do direito, que é viabilizar a vida em sociedade, dentro do conhecido ditame de neminem laedare. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 476-477, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

E relação à Responsabilidade civil do incapaz – explicam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira que, apesar das limitações e restrições à prática dos atos civis, o legislador considerou o incapaz civilmente responsável pela reparação dos danos causados por seus próprios atos, nos casos em que as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de suportar tal dever de reparação (CC 932, I e II) ou não dispuserem de meios suficientes. Assim, regra geral é a de que é o patrimônio do próprio incapaz deve responder pelos seus atos lesivos. Apenas nas hipóteses em que o civilmente responsável pelos atos do incapaz tem a obrigação de reparar os danos por ele causados ou quando o patrimônio dessa pessoa civilmente responsável não seja suficiente para fazer frente ao montante da indenização é que a lei permite que se atinja o patrimônio do incapaz. “O incapaz responde pelos prejuízos que causar de maneira subsidiária ou excepcionalmente como devedor principal, na hipótese do ressarcimento devido pelos adolescentes que praticarem atos infracionais nos termos do art. 116 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no âmbito das medidas socioeducativas previstas” (Enunciado 40 da I Jornada de Direito Civil).

Da fixação equitativa da indenização, como regra geral a indenização se mede pela extensão do dano. Ou seja, todos os danos causados devem ser integralmente indenização. O parágrafo único do CC 928 traz uma exceção a essa regra ao dizer que a indenização deverá ser equitativa o que significa que encontra limite na capacidade do responsável de pagar tal indenização sem comprometer o sustento das necessidades do incapaz ou das pessoas que dele dependam. “A impossibilidade de privação do necessário à pessoa, prevista no CC 928, traduz um dever de indenização equitativa, informado pelo princípio constitucional da proteção à dignidade da pessoa humana.

Como consequência, também os pais, tutores e curadores serão beneficiados pelo limite humanitário do dever de indenizar, de modo que a passagem ao patrimônio do incapaz se dará não quando esgotados todos os recursos do responsável, mas se reduzidos estes ao montante necessário à manutenção de sua dignidade” (Enunciado 39 da I Jornada de Direito Civil). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.

Na pauta de Cláudio Luiz Bueno de Godoy, o dispositivo presente cuida da indenização resultante de ato danoso praticado em estado de necessidade, conceito emprestado do direito penal, mas foco de prejuízo a quem não seja o responsável pelo perigo cuja superação move o agente. A alteração de redação em relação ao preceito do art. 1519 do CC/1916 está apenas no acréscimo da referência à pessoa lesada, todavia porque, igualmente na parte geral, o CC/2002 acrescentou ao conceito de estado de necessidade a contingência de se danificar não só coisa alheia como também a pessoa, a fim de remover perigo iminente (CC 188, II).

Pois o ato praticado em estado de necessidade, quando absolutamente indispensável e nos limites do quanto seja preciso para remover a situação de perigo (CC 188, parágrafo único), desde o direito penal foi sempre considerado lícito, excludente de antijuridicidade, tal como, identicamente, o preceitua o CC 188, logo antes citado, do atual Código Civil. Porém, discutiu-se muito, desde o CC/1916, se conduta afinal lícita, posto que provocando dano a terceiro, estranho à situação de perigo que se quis remover, poderia ensejar algum dever ressarcitório. Até porque, prever-se indenização a ser paga por quem, animado pelo nobre espírito de salvaguarda, remove perigo de dano a pessoa ou coisa poderia significar um desestímulo a semelhantes comportamentos. Mas, de outra parte, também não seria justo desamparar quem não tivesse nenhuma relação com a situação de perigo de dano superada pela conduta ostentada em estado de necessidade, nem legar-lhe um prejuízo. Pois foi essa, justamente, a ideia do legislador de 1916 e, agora, do novo legislador.

O Código determinou que o indivíduo, mesmo agindo em estado de necessidade, indenize terceiro prejudicado que não seja o responsável pela situação de perigo, garantindo-lhe, em contrapartida, regresso contra quem, aí sim, tenha provocado aquela mesma situação. Ou seja, é preciso diferenciar se o dano que o agente provocou, em estado de necessidade, atingiu ou não a pessoa causadora do estado de perigo. Se sim, não há indenização a ser paga; se não, se prejudicado terceiro estranho, então deve o agente repará-lo, ainda que possa, depois, exercer direito regressivo contra quem foi o responsável pela situação de perigo. Vale dizer, estabeleceu-se, verdadeiramente, uma indenização por ato lícito, superada a ideia, porquanto mais ampla a acepção de dano indenizável, de que fundada no ato antijurídico que, afinal, será inexistente se se evita, do único modo possível, a situação de perigo de dano a pessoa ou coisa.

Evidencia-se, antes, mais um caso de responsabilidade objetiva, de seu turno inspirada menos pela teoria do risco, criado ou proveito, porquanto difícil imaginar qual a atividade ou o proveito dela resultante que o justificasse, tal como já se defendeu, porém talvez mais pela equidade, muito especial, como visto, à nova legislação. Todavia, se é assim, talvez melhor fosse prever uma indenização equitativa, que ponderasse, de um lado, o móvel da atuação de quem procurou remover situação de perigo iminente que não provocou e, de outro, o interesse de quem sofreu um dano mas, igualmente, para superar situação de perigo que lhe era estranha. Trata-se da mesma indenização equitativa que em outros dispositivos se estatuiu (CC 928 e CC 944). (Cláudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 932 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza, este artigo assegura ao prejudicado o direito à indenização mesmo que o ato praticado seja havido como lícito, porque praticado em estado de necessidade, que é uma das excludentes da responsabilidade, conforme o CC 188, II. Verifica-se no estado de necessidade um conflito de interesses, em que uma pessoa, para evitar lesão a direito seu, atinge direito alheio. Embora haja certa semelhança com a legítima defesa, dela o estado de necessidade se distingue, já que naquela há uma ameaça de agressão à pessoa ou a seus bens, enquanto não há agressão, mas uma situação de fato, em que a pessoa tem um bem seu na iminência de sofrer um dano. É para evitar o dano que a pessoa deteriora ou destrói coisa alheia. Esse ato seria ilícito, mas é justificado pela lei desde que sua prática seja absolutamente necessária para a remoção do perigo (v. Caio Mário da Silva Pereira. Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 297). Por outras palavras, se o único meio de evitar um mal é causar um mal menor, há estado de necessidade. Vê-se, assim, que cessa a justificativa do ato quando o direito sacrificado é hierarquicamente superior àquele que se pretende proteger. Típico exemplo de estado de necessidade é o seguinte: motorista de um veículo, dirigindo com o cuidado necessário, para não atropelar um pedestre que atravessa inopinadamente a rua, projeta seu carro sobre outro veículo. O ato do motorista justifica-se plenamente, mas, já que o proprietário do veículo abalroado não foi o causador do perigo, terá direito a indenização, a ser paga pelo autor do dano, sendo que este último terá direito regressivo contra o terceiro – pedestre – que causou o acidente, conforme o CC 930, a seguir. Ainda se deve acentuar que o artigo que regulamenta o estado de necessidade refere somente a deterioração ou destruição de coisa alheia, de modo que, se houver conflito entre o direito à vida de uma pessoa e de outra, não pode ser sacrificada a vida de uma delas. Assim, se são mantidos vários reféns num sequestro, descabe a escolha de um deles para ser morto, de modo a preservar a vida dos demais.

Lembre-se que, consoante dispõe o ato 65 do CPP, “Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, sendo esta uma das exceções ao princípio da independência das esferas civil e penal. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 478, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Confrontando-se Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, da indenização pelos atos lesivos lícitos, nos termos do que dispõe o CC 188, não constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido e a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Não basta, porém, a licitude da conduta afastar o dever de indenizar. Complementando o disposto no CC 188, diz o CC 929 que se a pessoa lesada ou o dono da coisa que tiverem sofrido algum dano necessário ao afastamento de um perigo iminente não forem culpados do perigo, terão eles direito à indenização. Em outras palavras, o legislador apenas retirou da pessoa que tenha causado o perigo o direito à reparação. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).