Direito Civil
Comentado - Art. 927, 928, 929 - continua
Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art.
233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art.
927 a 954) Capítulo I – Da Obrigação de Indenizar
–
vargasdigitador.blogspot.com
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (CC 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quanto a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem.
Abrindo os trabalhos com Cláudio Luiz Bueno de Godoy, o CC 927, que inaugura o
título destinado ao tratamento da responsabilidade civil, fonte do direito
obrigacional, consagra, em seu texto, o que representa inovação do sistema: a
coexistência genérica e, segundo se entende, não hierarquizada de regras
buscadas na teoria da culpa e na teoria do risco. Ou seja, por ele se altera o
modelo subjetivo levado aos Códigos do século XIX, em que o centro da
responsabilidade civil sempre foi, quase que exclusivamente, a culpa, tudo a
fim de atender a reclamo de uma sociedade mais industrial e tecnológica,
pródiga na facilitação da ocorrência de acidentes (fala-se na era dos acidentes
ou na civilização dos acidentes) e, assim, na indução a uma desigualdade das
relações que dificulta a prova da culpa pela vítima. De outra parte, ocupa-se o
novo modelo de Estado Social muito especialmente da garantia de preservação da
pessoa humana, de sua dignidade.
Resultado desse panorama são a
constatação da insuficiência das normas da chamada responsabilidade aquiliana e
a imposição de regras de responsabilidade objetivada e coletivizada, portanto
não só mais de cunho eminentemente pessoal, como sempre foi (pense-se nos
exemplos do seguro obrigatório, indenização acidentária e assim por diante).
Passa a lei a procurar identificar um responsável pela indenização, e não
necessariamente um culpado, individualmente tomado.
Mas nem por isso a culpa deve ser
escoimada do sistema. Como observa João Calvão da Silva (Responsabilidade civil do produtor. Coimbra, Almedina, 1999, p.
107-12), quando procura traçar um perfil do novo modelo de responsabilidade
civil, uma teoria de dever reparatório que fosse exclusivamente socializado ou
coletivizado dependeria muito da força econômica do Estado; de outro lado, a
culpa seria sempre discutida no exercício do eventual direito regressivo do
responsável objetivo; por último, a culpa, que a rigor é um erro de conduta,
desempenha fundamental papal educativo-pedagógico, quando impõe a reflexão e a
preocupação de não errar. Daí o ideal do sistema, que é a coexistência dos dois
modelos de responsabilidade: o subjetivo e o objetivo. Pois foi o que fez o
Código Civil de 2002.
No seu caput, o CC 927 reproduz a cláusula geral da responsabilidade
aquiliana, que estava contida no art. 159 do CC/1916. E o fez de maneira
compartimentada ao estatuir que quem comete ato ilícito é obrigado a reparar,
remetendo, porém, aos CC 186 e 187 para a definição do que seja ato ilícito.
Mas isso de sorte que, afinal, com os acréscimos que no CC 186 se encontram,
comentados na parte geral, esse dispositivo mais o do CC 927, caput, acabam resultando na cláusula
geral da responsabilidade fundada na culpa, tal como estava no art. 159 do
CC/1916.
Grande inovação contém, todavia,
o parágrafo do CC 927. Não propriamente por concernir a uma responsabilidade
sem culpa, já constante de legislação especial ou, antes, da própria
constituição Federal (tomem-se os exemplos da responsabilidade civil do Estado,
da responsabilidade por danos ecológicos, danos atômicos ou danos causados aos
consumidores). A novidade está numa previsão genérica ou numa cláusula geral da
responsabilidade sem culpa, baseada na ideia do risco criado, e mitigado, ou
não integral, dada a exigência de circunstância específica, além da causalidade
entre a conduta e o dano, que está na particular potencialidade lesiva da
atividade desenvolvida, tal qual adiante se referirá.
Antes, porém, força convir ostentar-se
de todo equânime a disposição de que quem cria risco a outrem com sua
atividade, daí tirando qualquer proveito, não necessariamente econômico (ver
comentário ao CC 932 sobre a responsabilidade das pessoas jurídicas sem fins
lucrativos), seja por ele responsabilizado. É o que está na segunda parte do
parágrafo em comento, ressalvando-se, na primeira, casos especiais de
responsabilidade sem culpa, quer em lei especial, como se viu, quer no próprio
Código Civil, como se verá. A exigência da lei, porém, está em que a atividade
do agente deva normalmente induzir particular risco, i.é, por sua natureza deve
ser foco de risco a outras pessoas ou a seus bens. O risco deve ser inerente à
atividade e não resultar do específico comportamento do agente. Trata-se de uma
potencialidade danosa intrínseca do que seja uma atividade organizada, não
eventual ou esporádica, diferente, mais ainda, de um isolado e casual ato
praticado. Pense-se nos casos, costumeiramente citados, das atividades de
mineração, transporte, produção e fornecimento de energia (sobre a locação e o
arrendamento de veículos, ver comentário ao CC 932), embora nem só esses, dado
que, nas palavras precisas de Antônio Junqueira de Azevedo, não se exige que a
atividade seja de risco, mas sim risco da atividade, acrescenta-se, maior,
especial, particular. São hipóteses em que, mesmo lícita e exercitada regular e
normalmente, a atividade por si cria maior risco a terceiros, independentemente
de quem a exerça. Procurando estabelecer o que seja o conceito desse risco
intrínseco, foi fixado na Jornada de Direito Civil, realizada em setembro de
2002 no Superior Tribunal de Justiça, o enunciado segundo o qual a
responsabilidade sem culpa, de que se trata aqui, “configura-se quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa
determinada um ônus maior do que aos demais membros da comunidade” (Enunciado
n. 38).
E também não falta quem, na
tentativa de compatibilizar a responsabilidade agora erigida com aquela da Lei
n. 8.078/90, identifique a necessidade de que, para a incidência da cláusula
geral da responsabilidade sem culpa, se tenha em vista, mais que o risco
inerente à atividade, sua ligação a uma obrigação de resultado, ademais em que
falhe o dever de segurança que razoavelmente se poderia esperar do que, a
rigor, é um serviço prestado (v.g.,
Direito, Carlos Alberto Menezes & Cavallieri Filho, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, coord.
Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XIII, p.
150-5). Bem de ver, todavia, e ao que se entende, que a diferença está, no caso
do Código de Defesa do Consumidor, na inexigibilidade de uma atividade que seja
especial foco de risco para a configuração da responsabilidade do fornecedor,
mitigada porquanto a qualifica o defeito, ao contrário do Código Civil, em que
o dado qualificador é, justamente, o maior risco da atividade desenvolvida.
Por outra, e como tive
oportunidade de sustentar alhures (Responsabilidade
civil pelo risco da atividade. São Paulo, Saraiva, 2009), o fisco de que
trata o parágrafo em questão não se confunde com o defeito, mesmo de segurança,
pois, nesse caso, há uma periculosidade anormal do produto ou serviço.
Contenta-se com menos o atual Código. Exige um risco, muito embora
diferenciado, exacerbado, já que de causalidade pura também não se cuidou.
Afinal se toda atividade gera
maior ou menor risco, e se qualquer risco, na disposição em comento, induzisse
responsabilidade, mais não seria preciso dizer senão que quem exerce uma
atividade responde pelos danos dela advindos. Exige-se, enfim, não um perigo
anormal, e nem propriamente um perigo, posto intrínseco, mas, antes, um risco
especial naturalmente induzido pela atividade e identificado de acordo com
dados estatísticos existentes sobre resultados danosos que lhe sejam
resultantes, ou seja, conforme a verificação da regularidade estatística com
que o evento lesivo aparece como decorrência da atividade exercida. Ou, ainda,
de acordo com meios técnicos de demonstração científica do risco especial
naturalmente intrínseco à atividade. E sem contar, sempre, o recurso à
experiência comum. Tomem-se exemplos como o da atividade de cobrança de
títulos, com protesto e negativação, ou o da atividade dos bancos de dados e de
cadastro de consumidores. Foco, ambos os casos, de constante causação de danos,
mesmo não haja defeito da atividade, de um lado, e mesmo não se trate
propriamente de perigo, de outro. Trata-se é de um risco particular, especial,
diferenciado que a atividade induz e que determina, então, a objetiva responsabilidade
de quem a exerce, por evento que a ela se ligue, mercê de uma causalidade
recompreendida, porquanto no caso não necessariamente naturalística, mas
normativa, impondo também, por conseguinte, uma nova dimensão do âmbito da
estraneidade de fortuitos havidos.
Quanto aos profissionais
liberais, mesmo os que exercem atividade de especial risco, para quem o Código
de Defesa do Consumidor estatuiu uma responsabilidade subjetiva (art. 14, §
4º), sustenta Ruy Rosado Aguiar Júnior que superada a regra pelo dispositivo em
tela do Código Civil de 2002 (“Projeto do CC – Obrigações e contratos”, RT 775/18), malgrado não sem oposição,
fundada na especialidade da norma relativa ao consumo e na obrigação subjacente
que é de meio (v.g., Gagliano, Pablo
Stolze & Pamplona Filho, Rodolfo. Novo
curso de direito civil. São Paulo, saraiva, 2003, v. III, p. 232), sem
contar, ainda, a disposição do CC 951, a cujo comentário se remete o leitor,
acerca, especificamente, da responsabilidade dos profissionais da saúde. Ressalvam-se
apenas, mesmo admitida a prevalência da regra especial, e como já era da
interpretação do artigo citado, do CDC, as contratações de profissional liberal
de maneira não negociada, em que não avulte o fator confiança, base da previsão
normativa específica, tal qual nas hipóteses das lides coletivas, para a
situação exemplificativa do advogado, ou quando a prestação do serviço se dê de
maneira impessoal, por empresário que explora a atividade, como o hospital, por
exemplo (ver a respeito: Denari, Zelmo. Código
de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 7 ed. Rio
de Janeiro, forense Universitária, 2001, p. 175-7). Ressalvam-se, também os
casos de atividades médicas, que não integram tratamento, propriamente, e desde
que induzam especial risco.
Por fim, anote-se que preceito
semelhante àquele ora em comento se contém nos arts. 2.050 e 493.2,
respectivamente dos Códigos italiano e português, entretanto alusivos ao
perigo, não só ao risco, portanto sem a mesma potencialidade expansiva do
Código Civil brasileiro, dado que, conforme exemplificação que se vem de
colacionar, atividades há que podem não ser essencialmente perigosas, mas
indutivas de especial, diferenciado risco. Tudo ademais da virtualidade de
recompreensão de hipóteses anteriormente decididas sob diferente matiz e que,
agora, podem se reconduzir ao preceito em tela, como a da responsabilidade do
empregador por dano advindo ao empregado, ou a da responsabilidade do
arrendador no caso de leasing
operacional, a propósito do que se remete ao comentário do CC 932. Acrescentam,
ainda, aquelas legislações estrangeiras, ambas, que o perigo pode estar não na
atividade, mas nos meios adotados para o seu exercício, o que no sistema
brasileiro pode ser cogitável se esses meios forem os normais para desempenho
daquele mister. Mas, ao contrário dos dispositivos comparados, não admite o
atual Código Civil que o agente possa eximir-se de sua responsabilidade
objetiva provando ter tomado todas as medidas idôneas a evitar o risco. Essa previsão,
aliás, estava na redação original do anteprojeto do Código Civil, mas foi
suprimida em sua tramitação.
De toda sorte, a conclusão, enfim, é que o sistema hoje dota a
vítima, observados os respectivos requisitos, de mecanismos de
responsabilização do agente independentemente da demonstração de sua culpa,
cujo papel, como fonte irradiadora da obrigação reparatória, se substitui pela
causalidade, todavia não de maneira absoluta – não se adota, como se disse
acima, a teoria do risco integral, de causalidade pura -, inclusive porque
concorrentes excludentes, mesmo à míngua de uma regra geral que as
contemplasse, como há no Código de Defesa do consumidor (Lei n. 8.078/90, arts.
12, § 3º, ou 14, § 3º), mas, de qualquer maneira, sempre ressalvadas em
hipóteses específicas, como as dos CC936 e seguintes, por exemplo, e a seguir
examinadas. (Cláudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 926-28 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/04/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Quanto à atuação de Ricardo
Fiuza, não se entrará aqui, no mérito do histórico, baseando os comentários na
Doutrina, onde os novos inventos, a intensidade da vida e a densidade das
populações aproximam cada vez mais os homens, intensificando suas relações, o
que acarreta um aumento vertiginoso de motivos para a colisão de direitos e os
atritos de interesses, do que surge a reação social contra a ação lesiva, de
modo que a responsabilidade civil tornou-se uma concepção social, quando antes
tinha caráter individual (cf. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6 ed., Rio de Janeiro, forense, 1979, v.
I, p. 13).
Embora a doutrina não seja
uniforme na conceituação da responsabilidade civil, é unânime na afirmação de
que este instituto jurídico firma-se no dever de “reparar o dano”, explicando-o
por meio de seu resultado, já que a ideia de reparação tem maior amplitude do
que a de ato ilícito, por conter hipóteses de ressarcimento de prejuízo sem que
se cogite da ilicitude da ação (v.
Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade
civil, 9 ed., Rio de Janeiro, forense, 1998, p. 7-1 1).
Foi assim que a teoria da
responsabilidade civil evoluiu de um conceito em que se exigia a existência de
culpa para a noção de responsabilidade civil sem culpa, fundamentada no nexo.
Os perigos advindos da vida moderna, a multiplicidade de acidentes e a
crescente impossibilidade de provar a causa dos sinistros e a culpa do autor do
ato ilícito acarretaram o surgimento da teoria do risco ou da responsabilidade
objetiva, a demonstrar que o direito é “uma ciência nascida da vida e feita
para disciplinar a própria vida” (Di Alvino Lima, Culpa e risco, São Paulo, revista dos Tribunais, 1960, p. 15-7).
Na atualidade, a teoria da
responsabilidade civil, mesmo que conserve seu nomen juris, transcendeu os limites da culpa e “trata-se, com
efeito, de reparação do dano” (cf.
José de Aguiar Dias, Da responsabilidade
civil, cit., p. 16).
A teoria subjetiva ou teoria da
culpa continua a fundamentar, como regra geral, a responsabilidade civil, mas,
em face das dificuldades inerentes à sua prova, o CC/2002 adota, diante de
previsão legal expressa ou de risco na atividade do agente, a teoria objetiva
ou teoria do risco no dispositivo em tela.
Na teoria do risco não se cogita
da intenção ou do modo de atuação do agente, mas apenas da relação de
causalidade entre a ação lesiva e o dano (v.
Carlos Alberto Biliar, Responsabilidade
civil nas atividades nucleares, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1985).
Assim, enquanto na responsabilidade subjetiva, embasada na culpa, eXMmOa-SC o
conteúdo da vontade presente na ação, se dolosa ou culposa, tal exame não é
feita na responsabilidade objetiva, fundamentada no risco, na qual basta a
existência do nexo causal entre a ação e o dano, porque, de antemão, aquela
ação ou atividade, por si só, é considerada potencialmente perigosa.
Existem várias teorias sobre o
risco: o risco integral, em que
qualquer fato deve obrigar o agente a reparar o dano, bastando a existência do
dano ligado a um fato para que surja o direito à indenização; a teoria do risco proveito, baseada na ideia de que
quem tira proveito ou vantagem de uma atividade e causa dano a outrem tem o
dever de repará-lo – ubi enzolwnentun,
ibi onus; a teoria dos atos normais e
anormais, medidos pelo padrão médio da sociedade. No entanto, a teoria que
melhor explica a responsabilidade objetiva é a do risco criado, adotada pelo
Código Civil de 2002, pela qual o dever de reparar o dano surge da atividade
normalmente exercida pelo agente, que cria risco a direitos ou interesses
alheios. Nesta teoria não se cogita de proveito ou vantagem para aquele que
exerce a atividade, mas da atividade em si mesma que é potencialmente geradora
de risco a terceiros (v. Caio Mário
da Silva Pereira, Responsabilidade civil,
cit., p. 284 e 285). Como se verifica na teoria do risco criado, a
responsabilidade civil é realmente objetiva, por prescindir de qualquer
elemento subjetivo, de qualquer fator anímico; basta a ocorrência de dano
ligado casualmente a uma atividade geradora de risco, normalmente exercida pelo
agente. Embora a teoria do risco tenha galgado espaço em face da introdução de
atividades perigosas na sociedade, sendo ditada por leis especiais, a teoria
subjetiva ou da culpa ainda é o grande fundo animador da responsabilidade civil
em nosso ordenamento jurídico (v. Maria
Helena Diniz, Curso de direito civil
brasileiro, 7 ed., São Paulo, Saraiva, 1993, v. 7, p. 32-33).
No direito positivo, a
subsistência da teoria da culpa é uma realidade, com a qual deve coexistir a
teoria do risco, aplicada esta última nas hipóteses em que a desigualdade
econômica ou social entre o agente e a vítima traz a necessidade de abolir
qualquer indagação sobre a subjetividade do lesante.
Ressalta-se que não há razão para que um conceito exclua o outro:
a culpa e o risco se completam, na busca de seu objetivo comum: a reparação do
dano. O Novo Código Civil, ao regular a responsabilidade civil, alarga a
aplicação da responsabilidade objetiva, com a adoção da teoria do risco criado,
mas mantém o sistema vigente de que a regra geral é a responsabilidade
subjetiva. Remissão deve ser feita aos CC 185 e 186 do CC/2002. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 475-476,
apud Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 21/04/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Dos sistemas da responsabilidade
civil, segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira.
Historicamente o dever de reparar os danos sempre esteve atrelado à existência
de culpa do agente causador do dano. Tal sistema de responsabilidade civil
fundado na culpa estava estampado no próprio art. 159 do Código Civil de 1916,
que fazia expressa referência ao ato negligente ou imprudente como aquele que
gerava o dever de indenizar. Apenas pontualmente e de modo muito tímido algumas
leis esparsas traziam a possibilidade de responsabilidade civil sem culpa.
Atendendo à realidade de uma sociedade moderna, industrial
e mais complexa, o CC/2002 expressamente consagrou a responsabilidade civil sem
culpa fundada no risco especial que atividades lícitas podem causar aos
direitos alheios. Coexistem, assim, no atual sistema da responsabilidade civil
dois sistemas. O sistema da responsabilidade
civil subjetiva (teoria da culpa), em que a culpa ainda é elemento
indispensável para a caracterização do dever de indenizar e o sistema da responsabilidade civil objetiva (teoria
do risco, em que o agente causador de um dano deve reparar a lesão causada
independentemente de culpa. Apesar do entusiasmo de alguns autores com a
inovação legislativa trazida pelo parágrafo único do CC 927, a responsabilidade
subjetiva, fundada na culpa, continua sendo a regra geral. Apenas haverá
responsabilidade objetiva nos casos expressamente previstos em lei e quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem. Fora dos casos previsto em lei,
portanto, a caracterização da responsabilidade objetiva exige o desempenho de
uma atividade, assim entendido com a prática reiterada (e não eventual) de atos
potencialmente lesivos, portadora de um risco especial.
Baseando-se em pressupostos da responsabilidade civil,
jamais haverá responsabilidade civil sem um dano. Apesar de consagrar a
possibilidade de caracterização da responsabilidade civil independentemente de
culpa, o Código Civil jamais abandonou a imprescindível necessidade de
comprovação da existência de um dano indenizável e do nexo de causalidade entre
a conduta do agente (ação ou omissão) e o dano.
Dos diversos tipos de dano. A doutrina costuma classificar
os danos de acordo com a natureza dos direitos lesados. Surgindo assim a
classificação que separa os diversos tipos de danos em: a) danos materiais; b)
danos morais e c) danos estéticos. Por terem todos natureza distinta, já não se
discute mais a possibilidade de sua cumulação. Nesse sentido: “São cumuláveis
as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato” (STJ,
súmula 37) e “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano
moral” (STJ, súmula 387).
Dentro dessa classificação, os danos materiais costumam
ainda ser divididos em danos emergentes,
assim entendidos como patrimônio que foi efetivamente desfalcado, destacado ou
destruído do lesado e lucros cessantes.
A caracterização dos lucros cessantes, porém, exige cautela. Para Pontes de
Miranda: “frustrado é o ganho ou lucro
que seria de esperar-se, tomando-se por base o curso normal das coisas e as
circunstâncias especiais, determináveis, do caso concreto, inclusive a
organização, as medidas e previsões que se observam” (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, vol. 26, 3º
ed., Rio de Janeiro, Forense, 1984, pp. 46-47.
Segundo Plácido e Silva, lucros cessantes são “os ganhos que eram certos ou próprios ao
nosso direito, que foram frustrados por ato alheio ou fato de outrem”. (Plácido
e Silva, Vocabulário Jurídico, 4ª
ed., Tio de Janeiro, forense, 1991, p. 968.).
A jurisprudência segue o mesmo cuidado ao conceituar os
lucros cessantes “A indenização de lucros
cessantes não se funda em mera ilação, simples perspectiva de ganho ou vantagem
que se imagina fosse auferida. Para legitimar a indenização a tal título há que
existir prova concreta de que o prejudicado, em decorrência do ato ilícito,
deixou de integrar ao seu patrimônio vantagens e/ou rendimentos que já eram
certos. O critério mais acertado para se computar os lucros cessantes, nessa
linha, estaria em condicioná-lo a uma probabilidade objetiva, em decorrência do
desenvolvimento normal dos acontecimentos, observando-se, sempre, as
circunstâncias peculiares do caso concreto. Isso, de forma alguma enseja a
interpretação de que possam eles resultar de simples presunção. Ao contrário,
correta e mais razoável é a conclusão de que os lucros cessantes devem restar
objetivamente demonstrados e excluídos quando aleatórios ou não provados (RE
85.146-RJ, Min. Xavier de Albuquerque, RTJ 78/322)” (TJ-SC, apelação n.
2005.032555-0, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 27.3.07).
Das teorias, a caracterização do nexo de causalidade em
situações concretas é tarefa complexa, especialmente diante dos casos de causalidade múltipla, em que a
ocorrência de um dano depende da coexistência de diversas causas. Deparando-se
com tal questão, a doutrina se organizou em torno de três teorias.
A
Teoria das Equivalências de Condições, que consiste em
responsabilizar todo agente causador de qualquer um dos fatos que, de alguma
forma tenha contribuído para o resultado danoso. Apesar de sua aplicação na
seara penal, tal teoria não é capaz de distinguir causas mais ou menos
relevantes, conduzindo todos aqueles que de alguma forma tenham praticado
qualquer ato à obrigação de indenizar. Em última análise, tal teoria acabaria
levando a situações absurdas, como a de responsabilização do fabricante de uma arma
utilizada em um assalto.
A
Teoria da Causalidade Adequada, cuja proposta é justamente afastar os absurdos
advindos da teoria da equivalência das condições, propõe que apenas se
considere como causa de um evento danoso a conduta que efetivamente tenha
aptidão de levar ao evento danoso.
Para Nelson Nery Junior, “a teoria da causalidade adequada, na apuração da responsabilidade lida
com ideia cultural de probabilidade, ou seja, não é qualquer condição do
processo causal que é causa. Causa é a condição que se mostra apropriada para produzir
o resultado a respeito de cuja lesividade se indaga”. (Nelson Nery Júnior e
Rosa Maria de Andrade Júnior, Código
Civil Comentado, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 4ª ed., São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 290.)
Por fim, a Teoria
dos Danos Diretos e Imediatos, que busca relativizar o radicalismo das
teorias anteriores, ponderando acertadamente que cada agente deve responder
apenas e na estrita medida dos danos que sua conduta tenha diretamente causado.
Segundo a Teoria dos Danos Diretos e Imediatos, entre
o ato ilícito e o dano deve existir uma relação de causa e efeito direta,
respondendo cada agente tão-somente por aquilo que resultou imediatamente de
seu ato. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 21.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as
pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem
de meios suficientes.
Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser
equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que
dele dependem.
Afirma Cláudio Luiz Bueno de
Godoy, sempre ter sido pressuposto da responsabilidade aquiliana a imputabilidade
do agente se, afinal, a ele se atribuía, como ainda se atribui, dever
ressarcitório desde que tenha ostentado conduta negligente ou imprudente, mas,
frise-se, voluntária (art. 159 do CC/1916 e CC 186, c/c o CC 927, caput/2002). Ou seja, Ou seja, a orientação foi sempre e é ainda que a
obrigação de reparar dependa da capacidade que tenha o indivíduo de entender e
de se determinar de modo a não provocar danos a outrem. Como se disse, o
anterior Código civil apenas ressalvava, em seu art. 156, que o menos relativamente
incapaz era equiparado aos maiores, mas aí em qualquer hipótese, sem quaisquer
limites, para efeitos de responsabilidade subjetiva.
Tal dispositivo não se repetiu
porque ficou superado pela regra genérica do CC 928, agora, o que é relevante inovação,
impondo uma responsabilidade indistinta para qualquer incapaz (seja por
menoridade, e não só a relativa, seja por deficiência mental, total ou
parcial), contudo subsidiária – pesem embora a aparente contradição com o CC
942, parágrafo único, e, por causa disso, a proposta de alteração legislativa,
abaixo mencionada – e mediante requisitos específicos dispostos na lei.
Trata-se, como aponta Milton Paulo de Carvalho Filho (Indenização por equidade no novo Código Civil. São Paulo, Atlas,
2003, p. 61), de imperativo de equidade, pauta valorativa muito cara ao
princípio da eticidade, um dos três que iluminam a nova codificação, ao lado da
operabilidade e da socialidade.
Em diversos termos, ocupa-se o CC
de erigir a responsabilidade, subsidiária e mitigada, mercê de conduta que,
mesmo sem poder ser considerada culpável, deve ser reprovável tal como se daria
com a responsabilização do maior, para qualquer incapaz que causa prejuízo a
outrem e pode, sem risco a seu patrimônio ou, antes, às suas necessidades,
recompor a situação de desequilíbrio determinada pelo seu ato danoso. Veja-se,
puro ditame de equidade.
Mas, para que se opere sua
responsabilização, em primeiro lugar é preciso que os responsáveis pelo incapaz
não tenham a obrigação de ressarcir ou que não disponham de meios para tanto,
requisitos alternativos, segundo a redação do dispositivo, e malgrado críticas
que a propósito lhe sejam endereçáveis. De qualquer sorte, não é difícil
compreender que se possa responsabilizar o incapaz se seus responsáveis não
tiverem meios para tanto, o que deve significar não só a falta total de
recursos como, também, a existência de recursos todavia reduzidos, mediante o
pagamento da indenização, de modo a comprometer a manutenção da dignidade dos
pais, do tutor ou curador (cf. conclusão firmada no Enunciado n 39 da Jornada
de Direito Civil realizada no Superior Tribunal de Justiça em 11.09.2002). E
mesmo aí haveria que indagar, já que o dispositivo estabeleceu uma
responsabilidade subsidiária, se não seria devida antes a propositura de ação
contra os responsáveis, e contra o incapaz só pela sobra, ou seja, pelo quanto
os responsáveis não pudessem pagar. Parece, porém, que a orientação afrontaria
o espírito de equidade e de reparação da vítima que anima o preceito, por isso
devendo-se admitir a ação contra o incapaz desde que provada a impossibilidade
de os responsáveis arcarem com a indenização, sem prejuízo à sua própria
existência digna.
De toda maneira, em segundo
lugar, e a condicionar também a responsabilização de que se agita no
dispositivo, há ainda, pela sua atual redação, a possibilidade de os
responsáveis pelo incapaz não terem a obrigação de ressarcir, a despeito de,
eventualmente, disporem de meios para tanto. A essa previsão, de difícil
elastério, só se pode reservar hipótese em que a lei exija um requisito
específico para a imposição ressarcitória por ato do incapaz aos seus
responsáveis, como no caso dos pais que respondem por atos dos filhos, mas que
estejam sob sua autoridade e em sua companhia. Se assim não for, se não
estiverem sob autoridade e em companhia dos pais, então, conforme o caso, não
havendo outros responsáveis indiretos, ou, mesmo se existirem, também quando a
eles faltando nexo de imputação, poder-se-á cogitar da responsabilidade do
incapaz.
Também se vem defendendo, vale o
acréscimo, como se assentou na Jornada de Direito civil, logo antes citada, que
a essa mesma hipótese de responsabilização do incapaz se ajuste à previsão do
art. 116 da Lei n. 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Enunciado
n. 40).
Todavia, posto que tenha sido
cumprido um dos dois requisitos para a responsabilização do incapaz, ela só se
poderá concretizar se a indenização a ser por ele paga, segundo o texto da lei,
não o privar do necessário a si ou a quem dele dependa. Tem-se aqui o quanto
necessário não só à subsistência do incapaz ou de seus dependentes, mas sim à
sua existência digna ou, tal como está no Código Civil português (art. 489), os
alimentos necessários de acordo com o estado e a condição do incapaz.
Por fim, ultrapassadas todas
essas etapas, ainda determina o CC que a indenização devida pelo incapaz seja
fixada equitativamente. Mas, de pronto, por quais critérios? Por exemplo, o CC
italiano determina ao juiz que considere a situação econômica das partes (art.
2.047). Particularmente se entende, porém, que deva ser aferida a situação
econômica do incapaz. Lembre-se que o fundamento do dispositivo está na
injustiça da falta de reparação da vítima diante de um incapaz com condição de
fazê-lo, sem risco a si ou a quem dele dependa. Bem por isso, e ainda que a
posição se possa tornar minoritária, não se considera que essa indenização
equitativa deva ser necessariamente menor que a extensão do dano; nem que sua
fixação em importe integral sirva a equiparar o tratamento do incapaz ao do
capaz, tal qual se vem sustentando. Cuida-se apenas de dar cabo à exigência de
equidade e não olvidar a situação específica de um incapaz que, preenchidos os
requisitos legais, possa reparar completamente a vítima, que é a finalidade do
sistema, sem nenhum dano maior à sua existência digna. De resto, quando quis
uma indenização equitativa reduzida, o Código Civil o mencionou como no CC 944,
parágrafo único, a seguir comentado.
Não se crê, ainda impende
acrescentar, que a falta de discernimento que condiciona a aplicação da
sistemática em exame, ao menos no caso do amental, deva ser permanente ou
reconhecida em interdição, muito embora não sirva como escusa o estado de
inconsciência voluntariamente provocado pelo agente (alcoolismo, uso de drogas
etc.).
Por fim, e tal como acima se
adiantou, a regra do artigo presente foi já objeto de proposta de alteração
legislativa. Isso por se vir entendendo que a subsidiariedade da
responsabilidade do incapaz, aqui prevista, parece conflitar com a regra do CC
942, parágrafo único, do CC/2002, que estatui a solidariedade dos autores
diretos da conduta danosa com os responsáveis indiretos do CC 932. Nesse
sentido, então, o Projeto de Lei n. 276/2007, de alteração da nova normatização,
pretende estabelecer, diferentemente de quanto agora no preceito se contém, uma
responsabilidade não mais subsidiária, mas sim solidária do incapaz, nos termos
do referido CC 942, particularmente de seu parágrafo único, só que, veja-se,
preservando, ainda, a disposição do parágrafo do CC 928, portanto ressalvando
que a responsabilização do incapaz, malgrado solidária, se daria, sempre, de
forma equitativa e assim sem privá-lo, a si e a seus dependentes, dos alimentos
necessários.
É bem de ver, contudo, que, sistematicamente interpretada, tal
como hoje posta e regrada a matéria no Código Civil, a solidariedade do CC 942,
parágrafo único, apenas se aplica àqueles casos em que a responsabilidade
indireta não seja exclusiva e substitutiva da responsabilidade do causador
direto do dano, conforme comentários próprios, a que ora se remete o leitor. (Cláudio
Luiz Bueno de Godoy, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 930-31 -
Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/04/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Como mostra a Doutrina de Ricardo
Fiuza, o caput deste dispositivo com
o CC 942, que estabelece a responsabilidade solidária dos incapazes e das
pessoas designadas no CC 932, ou seja, dos pais e dos filhos, do tutor e do
tutelado, do curador e do curatelado. Deve-se ter em vista o princípio da
reparação plena, antes analisado, de modo que os incapazes devem ser
solidariamente responsáveis, como estabelece o CC 942, sem que a
responsabilidade patrimonial seja hierarquizada nestes casos. No entanto, a
preservação dos meios indispensáveis à subsistência do incapaz deve ocorrer,
regra esta ser inserida no CC 942, para melhor sistematizar a matéria, conforme
será sugerido nas anotações a esse dispositivo.
Já que a responsabilidade civil
avança conforme progride a civilização, há necessidade de constante adaptação
desse instituto às novas necessidades sociais. Bem por isto, as lei sobre essa
matéria devem ter caráter genérico, como a regra a seguir sugerida, e aos
tribunais cabe delas extrair os preceitos para aplicá-los ao caso concreto. Em
suma, não se pode negar a importância da responsabilidade civil, que invade
todos os domínios da ciência jurídica, sendo o centro do direito civil e de
todos os demais ramos do direito, tanto de natureza pública quanto privada, por
constituir-se em proteção à pessoa em suas mais variadas relações. Dentre as
relações de caráter privado destacam-se as familiares, em que também devem ser
aplicados os princípios da responsabilidade civil, como já reconhecem a
doutrina brasileira (Mário Moacyr Porto, Responsabilidade civil entre marido e
mulher, in Responsabilidade civil:
doutrina e jurisprudência, coord. Yussef Said Cahali, São Paulo, Saraiva,
1984, p. 203; Carlos Alberto Bittar, Reparação
civil por danos morais, 3 ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p.
189; Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade
civil, 6 ed., São Paulo, Saraiva, 1995, p. 71; José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6 ed. Rio de
Janeiro, Forense, 1979, v. 2, p. 14-6) e a jurisprudência pátria (STJ, 3’ T.,
Recurso Especial n. 37.051, rel. Min. Nilson Naves, j. 17-4-2001; TJSP, 4’
Câmara Civil, apelação n. 220.943-1/1. Rel. Des. Olavo Silveira, j. 9-3-1995;
TJSP, 6’ Câmara de Direito Privado, Apelação n. 272.221.1/2, rel. Des. Testa
Machi, j. 10-10-1996; TJSP, 10’ Câmara de Direito Privado, rel. Des. Quaglia
Barbosa, j. 23-4-1996, Boletim AASP,
2007/04-m, de 23-6-1997, e RJ 232/71;
TJSP, 2’ Câmara de Direito Privado, rel. Des. Ênio Santareli Zuliani, j.
23-2-1999, RT, 765/191; TJSP, 2’
Câmara de Direito Privado, Apelação n. 101.160-4/0, rel. Des. Osvaldo Caron, j.
19-9-2000; TJSP, 6’ Câmara de Direito Privado, rel. Des. Octavio Fielene, j.
31-8-2000, JTJ/SP, 235/47).
Embora as relações familiares
sejam repletas de aspectos, especialmente pessoais, afetivos, sentimentais e
religiosos, envolvendo as pessoas num projeto grandioso, preordenado a durar
para sempre, por vezes o sonho acaba, o amor termina, o rompimento é
inevitável. Nestas rupturas, são inúmeras as situações em que os deveres de
família são violados, com desrespeito especialmente aos direitos da
personalidade dos envolvidos nessas relações, a acarretar graves danos aos
membros de uma família. As sevícias, ofensivas à integridade física, e injúrias
graves, violadoras da honra, praticadas por um dos cônjuges contra o outro (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa
dos Santos, Reparação civil na separação
e no divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 76-9, 153 e 163-5) ~, vida do
convivente, configurado em contaminação de doença pan e letal ou em abandono
moral e material da companheira (v. Regina
Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Responsabilidade civil dos subviventes,( palavra original “emiviventes”
– palavra não encontrada na Web, Google, Wikipédia, ou em 6 idiomas
pesquisados, em inglês encontrou-se emivous,
contudo sem significado, utilizada acima, nota de VD). Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre,
Síntese/IBDFAM, v. 1. N. 3, out/dez. 1999, p. 36-9); o abandono moral e
material pelo filho do pai idoso e enfermo; a recusa quanto ao reconhecimento
da paternidade, com consequente negação à prestação de alimentos, embora haja a
certeza desse vínculo de parentesco (v. Regina
Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reflexões sobre o reconhecimento da
filiação extramatrimonial, Revista de
Direito Privado, coord. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery,
São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 1, jan./mar. 2000, p. 83 e 84); estes são
alguns exemplos de desrespeito aos direitos da personalidade no seio familiar.
Os lesados nessas circunstâncias,
dentre tantas outras, em obediência ao princípio da proteção à dignidade da
pessoa humana, merecem a devida reparação pelos danos sofridos.
Recorde-se que o princípio da
reparação de danos encontra respaldo na defesa da personalidade, “repugnando à
consciência humana o dano injusto e sendo necessária a proteção da
individualidade para a própria coexistência pacífica da sociedade”, de modo que
“a teoria da reparação de danos ou da responsabilidade civil encontra na
natureza do homem a sua própria explicação” (v. Carlos Alberto Bittar, Reparação
civil por danos morais, cit., p. 13-28). Por fim, salienta-se que a
aplicabilidade dos princípios da responsabilidade civil ao direito de família
tem amplo suporte constitucional, precisamente na cláusula geral de proteção à
dignidade humanas, constante do art. 42, inciso III, da Lei Maior. E outro
relevante dispositivo da Constituição Federal que fundamenta a tese reparatória
no direito de família é o CC 226, § 8 ~, ao estabelecer que “O Estado
assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram,
criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.
Remissão deve ser feita ao CC
185, que estabelece: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito”, sendo, evidentemente, ato ilícito aquele praticado
em violação a um dever de família, a aplicabilidade dos princípios da
responsabilidade civil às relações de família com base nessa regra geral, deve
ser explicitamente estabelecida a regra a segura proposta, como ocorre no
direito francês.
Em suma, a responsabilidade civil é verdadeira tutela privada à
dignidade da pessoa humana e a seus direitos da personalidade, inclusive na
família, que é centro de preservação do ser humano, antes mesmo de ser havida
como núcleo essencial da nação. Conclui-se que a teoria da responsabilidade
civil visa ao restabelecimento da ordem ou equilíbrio pessoal e social,
inclusive em relações familiares, por meio da reparação dos danos morais e
materiais oriundos da ação lesiva a interesse alheio, único meio de cumprir-se
a própria finalidade do direito, que é viabilizar a vida em sociedade, dentro
do conhecido ditame de neminem laedare. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 476-477,
apud Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 21/04/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
E relação à Responsabilidade civil do incapaz – explicam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira que, apesar
das limitações e restrições à prática dos atos civis, o legislador considerou o
incapaz civilmente responsável pela reparação dos danos causados por seus
próprios atos, nos casos em que as pessoas por ele responsáveis não tiverem
obrigação de suportar tal dever de reparação (CC 932, I e II) ou não dispuserem
de meios suficientes. Assim, regra geral é a de que é o patrimônio do próprio
incapaz deve responder pelos seus atos lesivos. Apenas nas hipóteses em que o
civilmente responsável pelos atos do incapaz tem a obrigação de reparar os
danos por ele causados ou quando o patrimônio dessa pessoa civilmente
responsável não seja suficiente para fazer frente ao montante da indenização é
que a lei permite que se atinja o patrimônio do incapaz. “O incapaz responde
pelos prejuízos que causar de maneira subsidiária ou excepcionalmente como
devedor principal, na hipótese do ressarcimento devido pelos adolescentes que
praticarem atos infracionais nos termos do art. 116 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, no âmbito das medidas socioeducativas previstas” (Enunciado 40 da
I Jornada de Direito Civil).
Da fixação equitativa da
indenização, como regra geral a indenização se mede pela extensão do dano. Ou
seja, todos os danos causados devem ser integralmente indenização. O parágrafo
único do CC 928 traz uma exceção a essa regra ao dizer que a indenização deverá
ser equitativa o que significa que encontra limite na capacidade do responsável
de pagar tal indenização sem comprometer o sustento das necessidades do incapaz
ou das pessoas que dele dependam. “A impossibilidade de privação do necessário
à pessoa, prevista no CC 928, traduz um dever de indenização equitativa,
informado pelo princípio constitucional da proteção à dignidade da pessoa
humana.
Como consequência,
também os pais, tutores e curadores serão beneficiados pelo limite humanitário do
dever de indenizar, de modo que a passagem ao patrimônio do incapaz se dará não
quando esgotados todos os recursos do responsável, mas se reduzidos estes ao
montante necessário à manutenção de sua dignidade” (Enunciado 39 da I Jornada
de Direito Civil). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 21.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do
inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à
indenização do prejuízo que sofreram.
Na pauta de Cláudio Luiz Bueno de
Godoy, o dispositivo presente cuida da indenização resultante de ato danoso
praticado em estado de necessidade, conceito emprestado do direito penal, mas
foco de prejuízo a quem não seja o responsável pelo perigo cuja superação move
o agente. A alteração de redação em relação ao preceito do art. 1519 do CC/1916
está apenas no acréscimo da referência à pessoa lesada, todavia porque,
igualmente na parte geral, o CC/2002 acrescentou ao conceito de estado de
necessidade a contingência de se danificar não só coisa alheia como também a
pessoa, a fim de remover perigo iminente (CC 188, II).
Pois o ato praticado em estado de
necessidade, quando absolutamente indispensável e nos limites do quanto seja
preciso para remover a situação de perigo (CC 188, parágrafo único), desde o
direito penal foi sempre considerado lícito, excludente de antijuridicidade,
tal como, identicamente, o preceitua o CC 188, logo antes citado, do atual
Código Civil. Porém, discutiu-se muito, desde o CC/1916, se conduta afinal
lícita, posto que provocando dano a terceiro, estranho à situação de perigo que
se quis remover, poderia ensejar algum dever ressarcitório. Até porque,
prever-se indenização a ser paga por quem, animado pelo nobre espírito de
salvaguarda, remove perigo de dano a pessoa ou coisa poderia significar um
desestímulo a semelhantes comportamentos. Mas, de outra parte, também não seria
justo desamparar quem não tivesse nenhuma relação com a situação de perigo de
dano superada pela conduta ostentada em estado de necessidade, nem legar-lhe um
prejuízo. Pois foi essa, justamente, a ideia do legislador de 1916 e, agora, do
novo legislador.
O Código determinou que o
indivíduo, mesmo agindo em estado de necessidade, indenize terceiro prejudicado
que não seja o responsável pela situação de perigo, garantindo-lhe, em
contrapartida, regresso contra quem, aí sim, tenha provocado aquela mesma
situação. Ou seja, é preciso diferenciar se o dano que o agente provocou, em
estado de necessidade, atingiu ou não a pessoa causadora do estado de perigo.
Se sim, não há indenização a ser paga; se não, se prejudicado terceiro
estranho, então deve o agente repará-lo, ainda que possa, depois, exercer
direito regressivo contra quem foi o responsável pela situação de perigo. Vale
dizer, estabeleceu-se, verdadeiramente, uma indenização por ato lícito,
superada a ideia, porquanto mais ampla a acepção de dano indenizável, de que
fundada no ato antijurídico que, afinal, será inexistente se se evita, do único
modo possível, a situação de perigo de dano a pessoa ou coisa.
Evidencia-se, antes, mais um caso de responsabilidade objetiva, de
seu turno inspirada menos pela teoria do risco, criado ou proveito, porquanto
difícil imaginar qual a atividade ou o proveito dela resultante que o
justificasse, tal como já se defendeu, porém talvez mais pela equidade, muito
especial, como visto, à nova legislação. Todavia, se é assim, talvez melhor
fosse prever uma indenização equitativa, que ponderasse, de um lado, o móvel da
atuação de quem procurou remover situação de perigo iminente que não provocou
e, de outro, o interesse de quem sofreu um dano mas, igualmente, para superar
situação de perigo que lhe era estranha. Trata-se da mesma indenização
equitativa que em outros dispositivos se estatuiu (CC 928 e CC 944). (Cláudio
Luiz Bueno de Godoy, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 932 - Barueri,
SP: Manole, 2010. Acesso 21/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na doutrina de Ricardo Fiuza, este artigo assegura ao prejudicado o
direito à indenização mesmo que o ato praticado seja havido como lícito, porque
praticado em estado de necessidade, que é uma das excludentes da
responsabilidade, conforme o CC 188, II. Verifica-se no estado de necessidade um
conflito de interesses, em que uma pessoa, para evitar lesão a direito seu,
atinge direito alheio. Embora haja certa semelhança com a legítima defesa, dela
o estado de necessidade se distingue, já que naquela há uma ameaça de agressão
à pessoa ou a seus bens, enquanto não há agressão, mas uma situação de fato, em
que a pessoa tem um bem seu na iminência de sofrer um dano. É para evitar o
dano que a pessoa deteriora ou destrói coisa alheia. Esse ato seria ilícito,
mas é justificado pela lei desde que sua prática seja absolutamente necessária
para a remoção do perigo (v. Caio Mário da Silva Pereira. Responsabilidade
civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 297). Por outras palavras,
se o único meio de evitar um mal é causar um mal menor, há estado de necessidade.
Vê-se, assim, que cessa a justificativa do ato quando o direito sacrificado é
hierarquicamente superior àquele que se pretende proteger. Típico exemplo de
estado de necessidade é o seguinte: motorista de um veículo, dirigindo com o
cuidado necessário, para não atropelar um pedestre que atravessa inopinadamente
a rua, projeta seu carro sobre outro veículo. O ato do motorista justifica-se
plenamente, mas, já que o proprietário do veículo abalroado não foi o causador
do perigo, terá direito a indenização, a ser paga pelo autor do dano, sendo que
este último terá direito regressivo contra o terceiro – pedestre – que causou o
acidente, conforme o CC 930, a seguir. Ainda se deve acentuar que o artigo que
regulamenta o estado de necessidade refere somente a deterioração ou destruição
de coisa alheia, de modo que, se houver conflito entre o direito à vida de uma
pessoa e de outra, não pode ser sacrificada a vida de uma delas. Assim, se são
mantidos vários reféns num sequestro, descabe a escolha de um deles para ser
morto, de modo a preservar a vida dos demais.
Lembre-se que, consoante
dispõe o ato 65 do CPP, “Faz coisa julgada no cível a sentença penal que
reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, sendo esta uma
das exceções ao princípio da independência das esferas civil e penal. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 478,
apud Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 21/04/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Confrontando-se Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, da
indenização pelos atos lesivos lícitos, nos termos do que dispõe o CC 188, não
constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício
regular de um direito reconhecido e a deterioração ou destruição da coisa
alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Não basta,
porém, a licitude da conduta afastar o dever de indenizar. Complementando o
disposto no CC 188, diz o CC 929 que se a pessoa lesada ou o dono da coisa que
tiverem sofrido algum dano necessário ao afastamento de um perigo iminente não
forem culpados do perigo, terão eles direito à indenização. Em outras palavras,
o legislador apenas retirou da pessoa que tenha causado o perigo o direito à
reparação. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 21.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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