quinta-feira, 23 de abril de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 933, 934, 935 - continua Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 933, 934, 935 - continua
Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art. 927 a 954) Capítulo I – Da Obrigação de Indenizar
– vargasdigitador.blogspot.com

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

No entender de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o preceito em tela atende a um nítido processo evolutivo que já marcava a jurisprudência, de forma especial, revelando inclusive que muito das inovações do Código em comento, na matéria, absorve a tendência dos tribunais no enfrentamento dos casos de dever ressarcitório. É o que se dá com a responsabilidade indireta ou por fato de terceiro, que se pretendia, no projeto do CC/1916, fosse subjetiva, todavia com presunção de culpa, a exemplo do CC francês (art. 1.384) e afinal como se ostentou também no BGB (art. 831), mas que, na tramitação, mercê de emenda no Senado (Emenda n. 1.483), acabou vindo a lume de maneira pura, sem nenhuma presunção e consequente inversão do ônus probatório, exigindo o antigo art. 1.523 que a vítima, numa empreitada de difícil êxito, o que a legava irressarcida no mais das vezes, demonstrasse a culpa, via de regra in vigilando ou in elegendo, de quem pudesse vir a responder por ato de terceiro.

Coube à jurisprudência, justamente, ir aos poucos mitigando a norma do antigo art. 1.523, até entrever em seu texto uma presunção de culpa do responsável indireto, posto que relativa, assim de toda sorte ainda permitindo-lhe provar que agira de modo diligente, escolhendo ou vigiando o terceiro e, destarte, logrando não raro furtar-se ao pleito ressarcitório que lhe fosse dirigido, porquanto examinado, ainda, à luz da teoria da culpa. Apenas com a edição da Súmula n. 341 do Supremo Tribunal Federal, passou-se a compreender existente, ao menos no caso do empregador em relação ao ato do empregado, de que ela tratava, uma presunção absoluta de culpa, portanto retirando a questão do âmbito da responsabilidade subjetiva.

Pois agora, com a edição do novo CC, e conforme o artigo ora em comento, finalmente estabeleceu-se uma responsabilidade sem culpa por ato de terceiro, o que afasta a possibilidade de qualquer dos responsáveis, uma vez demandado, procurar se eximir de seu dever ressarcitório alegando que escolheu bem, ou que vigiou bem. Cuida-se sempre, conforme a tendência já referida no comentário ao CC 927, de a lei elencar um responsável pela reparação, no caso alguém que, de alguma forma, possui autoridade ou direção sobre a conduta alheia, diretamente causadora do dano. Por isso, vislumbram alguns, no caso, verdadeiro dever de garantia afeto ao responsável por terceiro com quem mantém relação especial, muito embora prefiram outros ver na hipótese um risco pela atividade ou pela conduta de terceiro. De toda sorte, sempre uma responsabilidade independente de culpa. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 939-40 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, com este dispositivo foi adotada a responsabilidade objetiva, independente de culpa, em todas as hipóteses retratadas no CC 932, em razão de emenda de redação, por nós proposta e acolhida na Câmara dos Deputados, na fase final de tramitação do projeto. Não fazia sentido estabelecer que as pessoas referidas nos incisos I a III do artigo anterior deveriam responder, mesmo que sem culpa, e deixar de referir as demais pessoas, constantes dos incisos IV e V, ainda mais que as mencionadas no inciso v já recebiam tal tratamento no Código Civil de 1916.

Sob a égide do Código Civil de 1916, por força de interpretação jurisprudencial, em todas essas hipóteses de responsabilidade indireta a culpa atribuída ao imputado era presumida, inobstante o disposto no art. 1.523, que impunha o ônus da prova ao lesado, não só quanto ao ato praticado pelo terceiro quanto à culpa ira vigilando ou in eligendo do imputado. Esse dispositivo excetuava somente à hipótese de participação gratuita em produto de crime da necessidade de prova, pelo lesado, da respectiva culpa.

A presunção da culpa por vezes era juris tantum, a admitir a prova em contrário, e por outras era absoluta, sem permitir contraprova. Assim, quanto ao pai, no que se refere aos atos praticados pelos filhos, há culpa in vigilando. O mesmo quanto a tutores e curadores, com vistas aos tutelados e curatelados. E também quanto aos donos de hotéis e estabelecimentos de ensino. Quanto ao empregador, a culpa é ira digerido. No entanto, já que se tratava de presunção da culpa, a depender da hipóteses, uma vez provado que não havia descuido quanto à vigilância ou eleição, deixava de ser atribuída responsabilidade às pessoas antes indicadas. No caso ocorria tipicamente uma inversão do ônus da prova: em vez de o lesado ter de provar a culpa, esta se presumir, cabendo ao réu da ação demonstrar que não havia agido culposamente. A possibilidade de comprovação de ausência de culpa pelo imputado, segundo nossa jurisprudência, existia nas hipóteses dos incisos I e II do CC 932. Nos demais casos, a teoria aplicada aproximava-se muito mais do risco. Já quando se tratava de responsabilidade do empregador por atos de seus empregados, a interpretação jurisprudencial orientava-se no sentido de não aceitar a prova da ausência de culpa in elegendo do patrão (v. Súmula 341 do STF e Caio Mário da Silva Pereira. Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 122)

Com o atual Código Civil, os pais, com relação aos atos praticados pelos filhos, o tutor e o curador, referentemente aos tutelados e curatelado, o empregador, no que respeita aos atos praticados pelo empregado, os hotéis e similares, com referência aos hóspedes, e os estabelecimentos de ensino, quanto aos atos praticados pelos educandos, bem como aqueles que, mesmo gratuitamente, tenham participado de produtos de crime, passaram a responder objetivamente pelos danos causados, ou seja, independentemente de culpa ira vigilando ou ira elegendo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 481, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira falam da natureza da responsabilidade, referindo a expressão “ainda que não haja culpa de sua parte” utilizada no CC 933, consagrando a responsabilidade das pessoas mencionadas nos incisos de I a V. Com isso, o legislador corrigiu uma imprecisão conceitual do Código Civil de 1916 que justificava a responsabilização dessas pessoas mencionadas nos incisos de I a V do CC 932 na existência de uma presumida culpa in vigilando ou in elegendo. O equívoco dessa justificação levava à conclusão de que essas pessoas poderiam evitar a responsabilização provando que não agiram com culpa. Assim, o empregador cuidadoso na contratação, treinamento, instrução de seus funcionários e que fornecia subsídios e equipamentos necessários a evitar danos e acidentes não poderia ser responsabilizado pelos atos de seus propostos. O dono de hospedaria que provasse ter tomado todas as cautelas para que seus hóspedes não causassem qualquer dano igualmente não seriam responsabilizados pelos danos por eles causados.

Igualmente, o pai ou o curador zeloso e atencioso não seria responsabilizado se provasse não ter agido com culpa. Daí a inclusão do CC 933 em 2002, inexistente no diploma anterior, que retirou o pressuposto da “culpa de sua parte” para que as pessoas mencionadas nos incisos de I a V do CC 932 possam ser responsabilizadas.

Isso significa, porém, que a prova da culpa do filho, empregado, hóspede ou tutelado tenha sido dispensada. Em momento algum o legislador suprimiu a necessária caracterização da culpa do agente causados do evento danoso parta que possa surgir o dever de indenizar.

É exatamente isso que ensina José de Aguiar Dias: “O critério é puramente objetivo, e a jurisprudência à época do Código de 1916, quando conseguia libertar-se dos preconceitos que a sujeitavam a critérios anacrônicos, dizia sem rodeios: a responsabilidade do principal pelos atos de deus dependentes é de natureza objetiva, é pura obrigação legal, que se funda não em culpa in elegendo ou in vigilando, e sim no fato (culposo ou doloso) do empregado que, na órbita do seu encarregado e no exercício das respectivas funções, é considerado fato da função, atividade delegada, cuja plena garantia a lei impõe ao principal, por motivo de segurança pública e de proteção eficaz da vítima. Tanto é assim que de nada valeria a uma empresa provar, por exemplo, que gozava de bom conceito, que tem organização modelar e que fazia observar no serviço ordem e disciplina irrepreensíveis” (José de Aguiar Dias, Da responsabilidade Civil, XI ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2006, pp. 763-4).

No mesmíssimo sentido é o entendimento do Col. Superior Tribunal de Justiça: “No sistema civilista a responsabilidade da empresa por atos de seus empregados é indireta” (STJ, 3ª T., REsp n. 1.569.767-RS, j. 01.03.2016, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 9.3.16, deram parcial provimento, v. u.) (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.

Explicando Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o dispositivo presente não altera o princípio que já continha o art. 1.524 do CC/1916, quando estabeleceu o direito regressivo do responsável indireto (ação in rem verso), a ser exercido contra o terceiro causador imediato do dano, pelo quanto por isso pagou. Já se ressalva, mais, que tal prerrogativa só não se poderia exercer diante do terceiro que fosse descendente do responsável, ou seja, daquele que houvesse arcado com a reparação do dano provocado. Isso por motivo moral, de preservação da família. Esclarece o atual Código Civil, porém, que esse regresso só não se exerce se o descendente for incapaz, seja de forma absoluta, seja relativa, o que é compatível com aquele fundamento de preservação do núcleo familiar, de organização da família. De mais a mais, o descendente incapaz somente responde, pelo termos do CC 928, se seus responsáveis não tiverem obrigação ou condição de arcar coma indenização.

Quanto ao tutor e curador, malgrado ausente qualquer expressa alusão, é de repetir a mesma ressalva, de que seu direito regressivo estaria condicionado ao preenchimento dos requisitos pela lei elencados para que se ostentasse a responsabilidade do incapaz. Mas, de novo, isso só ocorre justamente nos casos em que os responsáveis não tiverem condição ou obrigação de arcar como ressarcimento. Apenas se aprovada fosse ou vier a ser a proposta de alteração do CC 928, estatuindo uma responsabilidade solidária dos incapazes, é que se poderá cogitar de sua eventual responsabilidade regressiva, perante tutor ou curador, mas sempre na forma equitativa, do parágrafo único do mesmo preceito. Até porque, não terá cabimento responsabilizar os incapazes de maneira mais grave, quando se trate de responsabilidade regressiva, do que se dá na responsabilidade direta.

Os empregadores têm também regresso contra os empregados, pelos atos danosos ressarcidos, mediante comprovação de simples culpa, que não precisa ser grave, por eventual incidência do art. 462, § 1º, da CLT, o qual deve ser compreendido apenas como concernente à possibilidade de desconto da indenização do salário do empregado.

No caso do educador, pode-se cogitar de seu direito regressivo contra o próprio aluno nas mesmas condições do citado CC 928. Porém, desde o Código de 1916, conflito já havia sobre a possibilidade de regresso do educador contra os pais do aluno, alguns se posicionando pela tese positiva (por todos: Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro, 16 ed. São Paulo, saraiva, 2002, v. VII, p. 462), outros pela negativa (Pereira, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, forense, 1999, p. 98), posição a que se acede à consideração de que afinal prestado serviço oneroso pela assunção de uma função de educação e vigilância, pelo que não pode, ela própria, servir a benefício de quem por isso recebeu e alicerçar a cobrança contra os pais. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 940-41 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conceituado o artigo na doutrina de Ricardo Fiuza, em todos os casos de responsabilidade indireta vigora o princípio do direito de regresso daquele que suporta seus efeitos contra aquele que tiver praticado o ilícito, a não ser na hipótese da responsabilidade paterna, por razões de ordem moral e de organização da família. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 482, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na pauta de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, tem-se o Direito de regresso contra o causador do dano. Apesar de estipular a responsabilidade indireta das pessoas mencionadas nos incisos de I a V do CC 932, o legislador consagrou o direito de regresso desse terceiro responsável pelo verdadeiro causador dos danos. Não existe, porém, esse direito de regresso se o causador do dano for descendente ou incapaz daquele que suportou o pagamento da indenização. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Segundo parecer de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o dispositivo, de idêntica previsão ao que o antecedeu, na legislação revogada, havida apenas pequena alteração redacional, repete a consagração da independência da jurisdição civil e criminal, quando movimentadas para a apuração de um mesmo fato penal mente típico, com repercussão indenizatória. Tal independência, porém, é relativa ou mitigada, dado que, se no juízo criminal, em que a exigência probatória é mais rígida, se delibera, de forma peremptória, sobre a existência material do fato ou sobre sua autoria, bem como sobre excludentes de ilicitude (art. 65 do CPP), nada mais, a respeito, pode ser discutido no cível. Essa regra, em sua primeira parte, está também no art. 66 do Código de Processo Penal, que, porém, contempla casuística mais restrita, apenas impedindo a rediscussão, no cível, de sentença absolutória penal que tenha reconhecido a inexistência do fato. Ou seja, pelo Código de Processo Penal não se impede a discussão, no juízo cível, sobre a autoria, embora deliberada no crime.

Não foi essa, contudo, a opção do Código Civil que, repetindo o anterior, estendeu a imutabilidade à esfera cível também da sentença criminal que tenha decidido sobre a autoria do crime. Bem de ver, porém, que a sentença absolutória fundada na ausência de provas, na atipicidade do fato, ou ainda a sentença de extinção de punibilidade não inibem a ação indenizatória cível (Art. 67 do CPP).

Já a sentença condenatória constitui, de seu turno, título executivo na jurisdição civil (art. 515 do CPC/2015), todavia autorizando endereçamento da demanda executiva somente contra o autor do ilícito, não contra eventual terceiro responsável (pai ou patrão, por exemplo) que não foi parte ou partícipe da ação penal em que se formou o título, assim para muitos e portanto não em orientação unânime, inclusive não impedido de, no âmbito civil, em necessário feito de conhecimento, rediscutir matéria relativa à materialidade ou autoria, além, é certo, da possibilidade de discussão do elo e requisito específico que o faça indiretamente responsável. Aliás, por isso mesmo é que se deve interpretar in rebus a previsão do art. 64 do CPP e a possibilidade, lá estatuída, de mover execução civil da sentença penal condenatória, se for o caso, como expresso, também contra os responsáveis. Além de esses responsáveis não terem participado e, assim, podendo defender-se na ação penal, sua responsabilidade civil, malgrado hoje objetiva, não o é de forma absoluta (risco mitigado, como se viu nos comentários aos CC 927 e 932), havendo de demonstrar, o que no crime não se debate, a causa específica de sua responsabilização civil, seja a autoridade e companhia dos pais, em relação aos atos dos filhos, seja a relação de preposição e prática de ato danoso em razão dela, quanto à responsabilidade do preponente ou patrão.

Muito embora livre a propositura da demanda cível, faculta o art. 64, parágrafo único do CPP, que o juiz suspenda-lhe o andamento se for intentada ação penal, e até seu julgamento. Da mesma maneira, pode a vítima, em vez de desde logo ajuizar a ação civil, aguardar o deslinde da ação penal e o título executivo que lá se poderá formar, antes disso não se findando prazo prescricional que em seu desfavor pudesse estar correndo, conforme nova previsão do CC 200, a cujo comentário ora se remete o leitor.

Lembre-se, ainda, que também é título executivo, no cível a transação homologada nos termos do art. 74 da Lei n. 9.099/95, atinente aos crimes de menor potencial ofensivo. Não é assim, porém, no tocante à aceitação de pena restritiva ou multa, na forma do art. 76 e conforme ressalva de seu § 6º, da mesma Lei n. 9.099/95.

Por fim, vale a referência à eventualidade de, julgada definitivamente improcedente a ação civil, sobrevir sentença penal condenatória do réu. Também aqui alguma divergência se coloca em doutrina, ora pendendo para a admissão da válida formação de título independente, como é a sentença penal condenatória, a despeito de posterior à improcedência de ação civil (v.g., Theodoro Jr., Humberto. Processo de execução, 15 ed. São Paulo, Leud, 1991, p. 100), ora, porém, entendendo que prevaleça a coisa julgada civil, portanto a improcedência lá decretada, a persistir se nem mais cabe ação rescisória, tudo como corolário da regra que, malgrado relativa, é da independência das instâncias (por todos: Gonçalves, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, 6 ed. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 375). E assim se considera, tanto mais quando, como lembra Sérgio Shimura (Título executivo. São Paulo, Saraiva, 1997, p. 218), a coisa julgada formada no cível é específica para a reparação e também não autorizaria, inversamente, que, havido o ressarcimento civil, pudesse, sobrevindo sentença penal absolutória, assentando a inexistência do fato ou da autoria, haver a repetição. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 941-42 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A respeito Ricardo Fiuza, em sua doutrina, vigora em nosso direito o princípio da independência da responsabilidade civil em relação à penal. Também dispõe o art. 64 do Código de Processo Penal que a ação civil de reparação de dano pode ser proposta independentemente do correspondente procedimento criminal. Mas, se a sentença criminal reconhecer o fato e o respectivo agente ou negar a existência do fato e sua autoria, na justiça civil não poderão mais ser questionadas essas matérias (v. art. 66 do CPP). Acentue-se que, caso o agente seja absolvido em procedimento criminal por falta de provas, ou por não constituir crime o fato de que resultou o dano, ou por estar prescrita a condenação, i.é, “por qualquer motivo peculiar à instância criminal quanto a condições de imposição de suas sanções”, nada impede que em procedimento civil seja condenado a reparar o dano (v. art. 67 do CPP); assim, “a sentença condenatória criminal tem influência na ação cível”, e “a sentença cível nenhuma influência tem na instância criminal, porque esta funciona em órbita consideravelmente mais estreita” (cf. José Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6 ed. Rio de Janeiro, forense, 1979, v. 1, p. 521-3). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 482, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como pensam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, da independência relativa da responsabilidade civil e criminal. Não é novidade a constatação de que um mesmo fato pode se inserir no suporte normativo de duas ou mais normal jurídicas, sendo apto a produzir efeitos tanto na esfera civil como na penal (e ainda na administrativa, na trabalhista etc.). No sistema judiciário brasileiro, pautado pela existência de justiças especializadas, isso faz com que muitas vezes dois ou mais juízes sejam chamados a decidir, paralela e simultaneamente, sobre o mesmo fato e sobre os distintos efeitos jurídicos dele decorrentes. E como cada um desses juízes deve-se guiar por sua livre convicção, em tese é plenamente possível que o mesmo fato seja considerado existente para um e inexistente para outro, conduzindo a julgados totalmente contraditórios. Diante desse quadro, é necessário equacionar a relação entre essas decisões autônomas, disciplinado os efeitos que uma produza sobre outra como forma de garantir a harmonia entre os julgados e a segurança nas relações. Atento a essa necessidade, o legislador estabeleceu o sistema da independência relativa entre os juízos penal e civil, determinando que sempre que os fatos discutidos perante o juízo penal tenham relevância para o julgador civil, a declaração do juízo penal sobre sua ocorrência ou inocorrência seja tomada como uma premissa imutável e inafastável para o julgador civil. Dispõe o CC 935 que, embora a responsabilidade civil seja independente da penal, não se pode mais questionar “sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”. Na mesma linha, o Código de Processo Penal diz, em seu art. 65, que faz “coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever ou no exercício regular de direito”. De acordo com Liebman, “realmente, trata-se de uma eficácia, vinculante para o juiz civil, da decisão proferida pelo juiz penal sobre algumas questões de fato e de direito que são comuns ao processo penal e ao conexo processo civil de reparação” (Enrico Tullio Liebman, Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada, 4 ed., Rio de Janeiro, forense, 2006, p. 259).

Da eficácia vinculante da decisão criminal que reconhece culpa exclusiva da vítima, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apontam, dentre os diversos fatos relevantes para a esfera civil e penal encontrar-se o relativo à culpa exclusiva da vítima: no âmbito criminal ele funciona como excludente de culpabilidade, ensejando a absolvição, e no civil ele exerce a função de excludente da responsabilidade, afastando o dever de indenizar. Apesar de referida hipótese não estar expressamente mencionada dentre aquelas previstas nos CC 935 e no art. 65 do Código de Processo Penal, a melhor doutrina não tem dúvidas em afirmar que, “afastada a culpa no juízo criminal, não há possibilidade de condenar no cível quem no crime fora declarado irresponsável” (Vicente de Azevedo, Crime-dano-reparação, p. 231, citado por José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 5ª ed., t. II, São Paulo, Forense, 1973, p. 467). É exatamente esse o pensamento de Aguiar Dias: “a sentença penal, fundada em dirimente ou justificativa, não influi no juízo civil senão quando estabeleça a culpa do ofendido, que neste caso sofre as consequências de seu procedimento. Não é, portanto, o ato do autor em si, que coberto por dirimente ou justificativa, desautoriza a obrigação de reparar: é a culpa do ofendido que, conjugada àquele, determina a irresponsabilidade” (José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 5ª ed., t. II, São Paulo, Forense, 1973, p. 473).

Da mesma forma já se manifestou o Col. Supremo Tribunal Federal: “proclamada, na justiça criminal, em decisão definitiva, que o acidente resultou de culpa exclusiva da vítima, e não do motorista da firma ré, não deve esta qualquer indenização, acobertada que está pela res judicata criminal, que, em tal circunstância, projeta os seus efeitos no juízo cível”. (STF, 2ª T. RE n. 48.604, j. 24.10.61, rel. Min. Victor Nunes, DJU 17.09.62, p. 241). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 930, 931, 932 - continua Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 930, 931, 932 - continua
Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art. 927 a 954) Capítulo I – Da Obrigação de Indenizar
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Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.

Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I)

Como explica Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o caput do artigo trata da ação regressiva de que dispõe quem tenha agido em estado de necessidade e, com isso, haja provocado a terceiro não responsável pela situação de perigo que se tencionou remover. O regresso se exerce, então, contra quem tenha causado a mesma situação de perigo, pelo valor da indenização paga à vítima do dano. Trata-se da matéria já examinada no comentário ao dispositivo anterior, a que ora se remete o leitor. Acrescenta-se, apenas, que o preceito da cabeça do CC 930 veio alterado em relação ao do antigo art. 1.520, para, primeiro, aprimorar sua redação, agora vazada na ordem direta, e, segundo, para adequá-la à consideração, também logo acima referida, quanto examinada a regra do CC 929, de que o estado de necessidade pode envolver não só dano a coisa como, também, a pessoa.

Já o parágrafo único do preceito reproduz a mesma perplexidade interpretativa, o mesmo conflito que já suscitava o parágrafo do velho art. 1.520, particularmente quando confrontado eu texto com a remissão final nele contida, tendo-se assim perdido uma oportunidade para melhor explicitação. É que, depois de cuidar da ação regressiva do agente que, tendo causado prejuízo a terceiro, em estado de necessidade, a exerce contra quem provocou a situação de perigo. O parágrafo dispõe que a mesma medida caberá contra aquele em defesa de quem se causou o dano. Ou seja, e tal qual originariamente certa parte da doutrina compreendeu o dispositivo já do CC/1916 (ver, por todos, Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, 4 ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. XX, p. 211-2), seu significado estaria em possibilitar à pessoa, que agindo em estado de necessidade, lesando terceiro, não tivesse conseguido, por qualquer motivo, se ressarcir, em regresso, diante do causador da situação de perigo, voltar-se então contra aquele que acaso tivesse se aproveitado de sua conduta, i.é, aquele em defesa de quem porventura houvesse agido. Defesa, aqui, em sua acepção vulgar, e não técnica, a indicar a legítima defesa. Antes, para a doutrina citada, o parágrafo referir-se-ia ao estado de necessidade, em que se pode danificar coisa alheia.

Sucede porém que, a par de também na legítima defesa ser possível atingir terceiro, ou de qualquer modo causar-lhe prejuízo, como quando, para a mesma defesa, se utiliza de coisa alheia, já no Código de 1916, ao final do parágrafo único do art. 1.520, o que agora se repete, se fez remissão ao inciso I, e não ao inciso II, do então art. 160, hoje CC 188, em que foi prevista a legítima devesa, e não o estado de necessidade. Bem por isso e, é certo, porque a rigor não há diferença fundamental em relação ao que se dá no estado de necessidade e consequente dano a terceiro não causador da situação de perigo, o parágrafo passou a ser interpretado como concernente à conduta de quem, em legítima defesa, provocasse danos a terceiro não responsável pela agressão injusta, atual e iminente pelo agente repelida (art. 25 do CP). Vale dizer, verdadeira aberractio ictus que obriga o agente a, mesmo escudado na legítima defesa, mas atingindo terceiro, ressarci-lo, igualmente ao que sucede no estado de necessidade; ou, da mesma forma, a situação de quem age em legítima defesa, mas para tanto se utilizando de bem alheio lesado, cujo ressarcimento o agente fará, todavia, em ambas as hipóteses, com o regresso mencionado, direcionado contra quem foi o responsável pela agressão. Tanto mais porque, já no Código de 1916, particularmente em seu art. 1.540, dispunha-se sobre a indenização por morte ou lesão, porém, originárias de crime justificável, veja-se, quando não perpetrado pelo ofensor em repulsa a agressão partida do ofendido. Posto não repetida a regra, remanesce o mesmo princípio que inspirou a redação do dispositivo do próprio art. 929, haurida desde o CC/1916, quanto à outra excludente de ilicitude, o estado de necessidade, sem diferença fundamental entre este e a legítima defesa.

De qualquer forma, não se entende que deva ser excluída a possibilidade de o agente, quando agindo em defesa de outrem (estado de necessidade ou legítima defesa de terceiro) e causando prejuízo a terceiro, voltar-se também contra aquele em benefício de quem afinal agiu, para exercício de seu direito regressivo, ou seja, seu direito de se ressarcir por quanto de quem se aproveitou de comportamento alheio, beneficiando-se da defesa que em seu favor se fez, mas a dano de outrem, pelo qual responde, para Pontes de Miranda, por verdadeira gestão de negócios que em seu favor se operou (Tratado de direito privado, 2 ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1954, t. II, § 187, n. 3, p. 306), ou mesmo para se evitar indevido enriquecimento. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 930-31 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Quanto à Doutrina de Ricardo Fiuza, assim como o artigo anterior, este dispositivo versa sobre o estado de necessidade, em que o terceiro causador do perigo é responsabilizado pelo dano causado à coisa alheia. Também responde pelo dano aquele em defesa de quem o dano foi causado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 479, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Do direito de regresso contra o causador do perigo, apontam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, em última análise, haver fixado o legislador que a responsabilidade final pelos prejuízos suportados para afastar um perigo iminente ou por legítima defesa devem recair sobre o causador desse estado de perigo. Por isso, assegurou o legislador direito de regresso do agente causador do dano contra o terceiro que tenha dado causa a esse estado de perigo. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 22.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.

Seguindo a métrica de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o dispositivo presente encerra mais uma das regras de incidência da responsabilidade sem culpa no novo CC/2002, além da genérica previsão do CC 927, parágrafo único. E lá, no respectivo comentário, já se havia ressalvado a existência de casos de responsabilidade objetiva em normas especiais, quer fora do Código civil, quer mesmo em seu texto, como a de que ora se trata. Pois, independentemente de culpa, responde então o empresário individual ou a empresa pelos danos provocados pelos produtos que coloca em circulação. É a consagração, afinal, de uma das espécies de risco, o chamado risco de empresa, mercê do qual quem exerce, profissionalmente, atividade organizada tendente à colocação de bens e serviços no mercado, deve arcar com os danos que daí podem advir ao adquirente ou a terceiros (ver a respeito: Noronha, Fernando. Direito das obrigações. São Paulo, Saraiva, 2003, v. I, p. 486). Tem-se, portanto, uma responsabilidade pelo fato do produto, instituída na legislação civil, mas, como por ela mesmo assentado, sem prejuízo de outros casos previstos em lei especial.

Pois, como é sabido, está na Lei n. 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, a hipótese mais frequente de responsabilidade pelo fato do produto (art. 12), de resto, como fixado em enunciado da Jornada de Direito Civil, realizada no Superior Tribunal de Justiça em 11 de setembro de 2002, cujo conceito agora se amplia pelo CC 931, imputando-se responsabilidade civil às empresas e a empresários individuais vinculados à circulação dos produtos, mesmo fora de uma relação de consumo (Enunciado n. 42). Assim, aplicar-se-á o Código Civil naquelas hipóteses em que não se configure vínculo de consumo, como quando se fornece produto a outro profissional que não o utiliza como destinatário final.

Sucede que, no Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade pelo risco da atividade de disponibilização de produto ao mercado é do tipo mitigado, vale dizer, exigindo-se um elemento específico, além da causalidade entre a colocação do produto no mercado e o prejuízo por ele provocado ao consumidor, para a evidenciação do nexo de imputação. Com efeito, exige-se o defeito de segurança do produto ou serviço, conforme descrito no 1º do art. 12 (fato do produto) e no § 1º do art. 14 (fato do serviço), ambos da Lei n. 8.078/90.

Mas, pese embora sua omissão a propósito, o que pode gerar algum conflito, não se entende que o Código Civil, se afinal não adotou a teoria do risco integral, como já se explicitou no comentário ao CC 927, a que ora se remete o leitor, dispense a mesma verificação do defeito do produto, o que levaria, em indesejável contradição sistemática, como se o ordenamento não fosse uno, à admissão de uma responsabilidade mais rigorosa, e em lei incidente na relação entre iguais, que a da legislação do consumidor, a qual, não se pode olvidar, é subjetivamente especial porque, justamente, é protetiva de indivíduo presumidamente vulnerável, destarte envolvido numa relação entre desiguais. Cuida-se, então, do mesmo risco inerente à colocação no mercado de produto com periculosidade adquirida por causa de defeito de segurança que passa a apresentar, quer ocorrido no processo de sua criação ou de sua produção, quer na correspondente informação. A responsabilidade nesses casos, estará afeta, como na hipótese do art. 12 do CDC, aos empresários ou empresas aos quais estão incumbidos o fabrico, a produção, a construção ou a importação do produto, entendendo-se aplicável a mesma restrição do art. 13 Código de Defesa do Consumidor quanto à responsabilidade do comerciante.

Na aferição desse dado de qualidade-segurança, impende verificar a apresentação do produto, de seus elementos característicos, abrangendo publicidade. Instruções sobre o uso e embalagem, por exemplo. Da mesma forma, deve-se avaliar o uso razoavelmente esperado do produto, a fim de aquilatar sua qualidade/segurança. Ou seja, importa ter em conta não só a utilização normal do produto mas, ainda, seu uso previsível.

Na verdade, problema há na questão da consideração sobre a época em que o produto foi colocado em circulação. Isso porque a segurança pode ser aferida em função do conhecimento científico contemporâneo à colocação do produto no mercado, porém eventualmente superado pela evolução técnica e de modo a revelar potencial risco ao adquirente ou terceiros. É o chamado risco de desenvolvimento, pelo qual, malgrado a discussão que a propósito já se levantava à luz do CDC, se entendeu, naquela mesma Jornada de Direito Civil (Enunciado n. 43), antes citada, responder o empresário ou a empresa, porquanto como alhures já se defendeu, injusto carrear ao consumidor, aqui no sentido amplo, o ônus do progresso, o risco de desenvolvimento a ser, então, socializado (ver, por todos: Menezes Direito, Carlos Alberto; Cavallieri filho, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XIII, p. 193-4).

O preceito omitiu referência ao risco inerente aos serviços, restringindo-se aos produtos – os quais se considera devam ser defeituosos – colocados no mercado. O Projeto de Lei n. 6.960, de reforma do atual Código Civil, sucedido pelo Projeto de Lei n. 276/2007, já pretendera acrescentar menção aos serviços no dispositivo presente. Acedi mesmo a essa tese em edição anterior. Todavia, refletida a questão com maior profundidade em trabalho posterior (Responsabilidade civil pelo risco da atividade: uma cláusula geral no Código civil de 2002. No prelo), tem-se que o risco na prestação de serviços esteja coberto pela previsão do CC 927, parágrafo único, que dispensa, como nexo de imputação, a periculosidade adquirida, anormal, contentando-se com o risco especial induzido, assim de modo mais rigoroso porquanto se trata de dano potencialmente provocado ainda nos limites da esfera de controle de quem exerce a atividade, ao contrário do fato do produto, em que o dano se produz já longe dessa mesma organização do manejo da coisa, da máquina, do produto. Cuida-se, destarte, de distinguir, a exemplo do que se encontra nos arts. 2.050 e 1.051 do Código Civil italiano, o dano havido no exercício de uma atividade e o dano havido pelo fato da coisa. Daí porque se limita o elastério do preceito em comento a essa segunda hipótese, com o acréscimo da periculosidade adquirida que deve ser inerente ao produto colocado no mercado.

Aqui, igualmente se crê, e de novo a despeito da omissão do Código Civil, concorrerão as mesmas causas excludentes de responsabilidade do art. 12 § 3º, do CDC, e, como lá, devendo-se incluir, porquanto motivo de quebra da causalidade, também o fortuito, desde que externo, ou seja, alheio, não ligado ao risco próprio da atividade desenvolvida (fortuito interno).

Por fim, vale anotar que não se limitou a responsabilidade da pessoa jurídica, como fazia o CC/1916, apenas aos casos de atos praticados pelos prepostos e desde que no desempenho de atividade industrial da empregadora (cf. antigo art. 1.522, não reproduzido, a respeito remetendo-se, ainda, ao comentário ao CC 932). (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 931-2 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No Histórico apresentado por Ricardo Fiuza, o presente dispositivo foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto. A redação original era a seguinte: “Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os farmacêuticos e as empresas farmacêuticas respondem solidariamente pelos danos causados pelos produtos postos em circulação, ainda que os prejuízos resultem de erros e enganos de prepostos”. A justificativa da emenda apresentada pelo Deputado Emanoel Waisman no início da tramitação do projeto e anteriormente ao Código do consumidor refere a necessidade de proteção ao consumidor, tendo como criada a responsabilidade objetiva das empresas, abrindo terreno fértil para a “...elaboração de um ‘código ou estatuto de responsabilidade do fabricante’ quanto aos produtos de sua fabricação”. No entanto, o dispositivo, conforme esta primeira emenda, estabelecia que, “Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem pelos danos causados pelos produtos postos em circulação”, sem referir expressamente que essa responsabilidade civil deve existir independentemente de culpa, razão pela qual sofrer emenda de redação, na Câmara dos Deputados, na fase final de tramitação do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

À Doutrina, consoante a justificativa da primeira emenda realizada no artigo, acima mencionada, o dispositivo trata da responsabilidade objetiva das empresas pelos produtos nas relações de consumo, mas este dispositivo foi elaborado muito tempo antes da aprovação do Código do Consumidor Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 – razão – qual o texto, para evitar dúvida na sua interpretação, devia ser alterado, como foi por nós proposto e acolhido em emenda de redação. Por fundamentar-se na responsabilidade sem culpa, baseada no risco da atividade, foi relevante a inserção da frase pela qual a responsabilidade da empresa existe independentemente de culpa. Como antes foi salientá-lo, enquanto na responsabilidade subjetiva, ou baseada na culpa, examina-se o conteúdo da vontade presente na ação, se dolosa ou culposa, tal exame não é feito na responsabilidade objetiva, ou fundamentada no risco, na qual basta a existência no nexo causal entre a ação e o dano, porque, de antemão, aquela ação ou atividade, por si só, é considerada potencialmente perigosa responsabilizada por outrem. Tal argumentação não vingou, de modo que a teoria da realidade superou a teoria da ficção da pessoa jurídica, que, dotada de personalidade e de vontade, pode ser responsabilizada por culpa, de modo a suportar os danos por ela acarretados. Embora o art. 1.522 do Código Civil anterior referisse somente as pessoas jurídicas que exercessem atividade ou exploração industrial, a boa hermenêutica passou a considerar toda e qualquer pessoa jurídica como responsável, tivesse ou não fins lucrativos (religiosas, literárias, científicas, de beneficência etc.) o Código do Consumidor, ampliou-se a renda civil das pessoas jurídicas, que, diante de relações de consumo, tem responsabilidade objetiva, independentemente da culpa.

Por versar este dispositivo sobre as empresas e os empresários individuais quanto aos produtos postos em circulação, trata de relações de consumo, e bem por isso também se fundamenta na responsabilidade objetiva. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 479, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Da responsabilidade pelo risco da atividade, dizem Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, ser a dispensa de prova de culpa nos casos de responsabilidade objetiva e a aplicação da teoria do risco da atividade surgiram para que, em casos específicos, o simples exercício de determinada atividade gerasse, automaticamente, a assunção do risco de que certo dano pudesse ser causado. Em outras palavras: diante da natureza de certa atividade, é intuitivo que ela poderá gerar danos. Por esse motivo, ao escolher exercê-la a parte automaticamente assume o risco do eventual dano que ela possa causar. Como se observa, apenas haverá responsabilidade objetiva fundada no CC 931, se o dano tiver origem na atividade desenvolvida pelo agente causador do ano. Não haverá responsabilidade objetiva, portanto, se o dano causado não guardar relação com a atividade desempenhada, hipótese que remete à responsabilidade subjetiva. Neste sentido: Sérgio Cavallieri Filho diz que: “A palavra chave nesse texto é ‘atividade’, posto que indica o núcleo da norma. Se formos ao dicionário, entretanto, veremos que ‘atividade’, tem mais de uma dezena de sentidos (..) Em que sentido o código teria empregado, aqui, a palavra ‘atividade’? Essa é a questão nodal. (...) Não nos parece que tenha sido no sentido de ação ou omissão, porque essas palavras foram utilizadas no CC 186 na definição do ato ilícito. Vale dizer: para configurar a responsabilidade subjetiva (que normalmente decorre da conduta pessoal, individual) o código se valeu das palavras ‘ação’ ou ‘omissão’. Agora, quando quis confirmar a responsabilidade objetiva em cláusula geral, valeu-se da palavra ‘atividade’. Isso, a toda evidência, faz sentido. Aqui não se tem em conta a conduta individual isolada, mas sim a atividade, como conduta reiterada, habitualmente exercida, organizada de forma profissional ou empresarial para realizar fins econômicos. Reforça essa conclusão o fato de a doutrina e a própria lei utilizarem a palavra atividade para designar serviços” (Sérgio Cavallieri Filho, Programa de responsabilidade civil, 9ª ed., São Paulo, Atlas, 2010, p. 173).

Do âmbito de incidência da norma, dizem Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira que apesar da evidente aproximação conceitual com a responsabilidade civil objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor (art. 12), as relações de consumo continuam todas reguladas pelas lei consumerista, mas específica e protetiva ao consumidor. Nesse sentido: “A regra do CC 931 não afasta as normas acerca da responsabilidade pelo fato do produto previstas no art. 12 do CDC, que continuam mais favoráveis ao consumidor lesado” (Enunciado 190 da III Jornada de Direito Civil) (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 22.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

Para Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o preceito em tela consagra os casos clássicos da responsabilidade, hoje objetiva, como se verá no comentário ao artigo seguinte, por fato de terceiro, também denominada responsabilidade indireta, tal como já dispunha o art. 1.521 do Código Civil de 1916. Ou seja, hipóteses em que alguém reponde – e, ressalvada a previsão do CC 928, de forma solidária, conforme CC 942, parágrafo único, a cujo comentário se remete o leitor – por conduta de outrem causadora de um dano.

Assim, em primeiro lugar, respondem os pais pelos atos dos filhos menores que, pese embora sua inimputabilidade, sejam reprováveis, portanto que os levaria a responder, se maiores ou, mesmo menores, na forma do CC 928. Porém, exige a lei que os infantes estejam sob a autoridade e a companhia dos pais, enquanto se aludia, no CC/1916, ao menor sob o poder e a companhia dos genitores.

A alteração redacional não chega a espantar a dúvida, o conflito que a respeito já havia, particularmente concernente à situação de menores que não estivessem sob a guarda de pai ou mãe, posto mantido o poder familiar, por exemplo, no caso de separação ou divórcio. E mais se dificultava o debate quando se constatava, como ainda se constata, que a regra toma em consideração o dever de educação que incumbe aos pais, assim decorrente do poder familiar, mas ao mesmo tempo o dever de vigilância e direção, aí mais propriamente ligado ao pai ou mãe que tem o menor consigo, ou seja, em sua companhia, como quer a lei.

Reputa-se, a propósito, que deva responder o pai ou mãe no exercício do poder familiar, portanto dele não destituído, que, no instante dos fatos, tenha o menor sob seu poder de direção. Ou seja, não poderá responder o pai ou mãe de quem, a título jurídico, portanto não quando haja afastamento fático, e com frequência indevido, sobretudo porque é mal exercido o poder familiar, se tenha retirado o poder de direção, por exemplo quando o menor esteja sob a responsabilidade do educador, ou quando, separados os pais, esteja em companhia do detentor da guarda.

Mas, na mesma esteira, responderá o genitor que, mesmo sem a guarda, mas não destituído do poder familiar, estiver com o menor sob sua autoridade no momento dos fatos, tal como quando esteja no período de visita do genitor separado ou divorciado. Quer dizer, parece haver a lei, agora, ao aludir à autoridade dos pais, e não a seu poder familiar, tencionado evidenciar que a responsabilidade do genitor se funda em seu direito poder de direção e, pois, de vigilância do filho menor, portanto quando esteja sob seu controle.

Isso vale para o pai adotivo ou ainda quando o menor tenha sido emancipado por ato voluntário dos pais, que, assim, por vontade própria, não se podem furtar a uma responsabilidade legal, destarte só excluída quando a emancipação seja legal, malgrado a divergência que a respeito ainda grassa. Valem as mesmas ressalvas para tutor e curador, mas sem se descurar lembrança de que exercem um múnus, assim apreciando-se com maior limitação seu poder de direção do pupilo ou curatelado causador do dano.

No que toca ao empregador ou preponente, sempre alguém com poder de direção sobre a atividade de outrem, que lhe é subordinado e lhe tem relação de dependência, vale a observação, primeiro, de que sua responsabilidade se dá não só quando o empregado ou preposto age no desempenho de suas funções como, mais amplamente, também quando age em razão dela, por causa de sua atribuição, i.é, quando sua função de alguma forma facilite a prática do ilícito; segundo, cabe ainda a observação de que a não reprodução do art. 1.522 do CC/1916 suscita a discussão, o conflito, sobre se a regra se aplica às pessoas jurídicas empregadoras que não exercem atividade lucrativa, industrial. Pese embora entendimento contrário, acede-se à obtemperação de Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade civil, 9 ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 122) e Carlos Roberto Gonçalves (Comentários ao Código Civil, coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo, saraiva, 2003, v. XI, p. 95) de que, hoje, não repetida a norma do art. 1.522, a responsabilidade das pessoas jurídicas mesmo de finalidade não lucrativa obedece à regra geral, inclusive quanto à ausência de culpa, e não raro de forma direta, quer por incidência da Lei n. 8.078/90, quer do CC 927, parágrafo único, tanto mais porque, como já visto no comentário ao mesmo preceito, adotou-se, no Código Civil de 2002, para a responsabilidade objetiva, a teoria do risco criado, e não do risco proveito, ao menos o proveito forçosamente econômico. Aliás, ainda acerca da incidência desse mesmo dispositivo à situação do empregador, deve-se aludir à sua responsabilidade, que agora se entende pode ser fundada no risco, pelos danos sofridos, no exercício do trabalho, por seus empregados, a despeito do preceito do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal de 1988, tal como já sustentei alhures (Responsabilidade civil pelo risco da atividade: uma cláusula geral no Código Civil de 2002. No prelo), porquanto se entrevê, na norma constitucional, mais um passo no processo evolutivo que a respeito da matéria se consolidou, desde a exigência, à obrigação de indenizar do patrão, de dolo ou culpa grave, e até de modo a evitar se admita, em evidente contradição sistemática, que um mesmo evento lesivo possa ensejar, à vítima não empregada, o acesso à responsabilização sem culpa do empregador, mas não ao selado empregado.

É certo, vale ainda o acréscimo, que o conceito de preposição vem sendo por vezes alargado pela jurisprudência, sem dúvida, e acertadamente, para excluir a necessidade de vínculo empregatício, mas sempre à consideração de que exista uma relação de subordinação, de direção como sucede, por exemplo, com o médico cirurgião e sua equipe. Todavia, vão mais longe alguns arestos para sustentar a ocorrência de preposição, e assim de responsabilidade – e não pelo fato da coisa, como seria a hipótese, em verdade faltando é uma regra genérica a respeito (ver comentários aos CC 936 e ss) -, até mesmo quando alguém empresta carro a outrem, afinal acidentado. Para muitos, inclusive, a própria Súmula n. 492 do STF, que fixa a responsabilidade da locadora de veículos por ato do locatário, estaria fundada na ideia de preposição. Mas, a bem dizer, os acórdãos que deram origem à súmula tiveram sempre em mira a presunção de culpa do locador que não teria reservado fundos, em sua atividade, para cobrir a insolvência do condutor. Atualmente a hipótese bem se subsumiria à previsão do CC 927, parágrafo único, já que está envolvido risco da atividade, o que determinaria até uma revisão da orientação pretoriana a respeito da responsabilidade das empresas de leasing, que vem sendo negada, mas que seria fundada nos mesmos motivos. Ao menos, conforme tive a oportunidade de sustentar (A responsabilidade civil pelo risco da atividade: uma cláusula geral no Código Civil de 2002. No prelo), os casos de leasing operacional, mais assemelhados à locação e à referida origem da Súmula n. 492 do STF, em que o risco está na própria atividade do arrendador, ao contrário do leasing financeiro, passam a ser regidos, no tocante aos danos provocados no manejo da coisa arrendada, havendo especial risco induzido, pela norma do parágrafo único do CC 927.

Quanto à responsabilidade do hoteleiro, importa a exata fixação da norma de regência, dado que apenas nos casos de danos provocados por hóspedes a terceiros ou a outros hóspedes, aí sim, incide a regra do CC 932, contemplativa de espécie de responsabilidade extracontratual. Mais, sem prejuízo, ainda, da verificação sobre se se trata de relação de consumo e, assim, com incidência da legislação especial (Lei n. 8.078/90). Com idêntica ressalva à lei especial, a responsabilidade do hoteleiro pela bagagem do hóspede é, diferentemente, de índole contratual, havido depósito necessário de tais pertences (CC 649). Hoteleiro, para o preceito, deve ser quem exerça de forma predominante, embora não única (lembrar dos apart-hotéis, por exemplo), a atividade de hotelaria, o que deve ser apreciado no caso concreto. E a situação do hóspede gratuito deve suscitar aplicação das regras de responsabilidade comum subjetiva, se afinal não se o hospeda por dinheiro, como quer a lei.

Já no que concerne aos educadores, e também aqui ressalvada a incidência da legislação do consumidor, há que ver que a respectiva responsabilidade deve restringir-se ao período em que o educando está sob o poder de direção do estabelecimento, ainda que em atividade de recreação. Se o estabelecimento é público, a matéria se rege pelas regras da responsabilidade da pessoa jurídica de direito público. Se o educando é maior, assim particularmente nos casos de instituição universitária, tem-se entendido inexistir dever de vigilância e, portanto, responsabilidade sem culpa, o que, entende-se, deve ser recompreendida à luz da Lei n. 8.078/90, que estabelece, sem essa distinção, a responsabilidade sem culpa do fornecedor de serviço. Quanto ao regresso eventual a que faça jus o estabelecimento de ensino, remete-se o leitor ao comentário do CC 934, logo adiante.

Por fim, a hipótese do inciso V do CC 932 continua mal alocada, como já estava no CC/1916, pois não se trata de responsabilidade indireta, mas, verdadeiramente, de um dever de reembolso que evita o enriquecimento sem causa. Ou seja, se alguém se aproveita – e gratuitamente, vale dizer, sem participação no ilícito em si, porque nessa hipótese a responsabilidade solidária é integral – do produto de crime, deve responder, até a correspondente quantia, i.é, até quanto foi o proveito. De resto, nas anteriores hipóteses, o dado fundamental que justifica o nexo de imputação aos responsáveis indiretos, como se viu, é o poder de direção incidente sobre a conduta alheia, que lhe é afeto. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 935-7 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Posta na Doutrina de Ricardo Fiuza, o ato ilícito pode ser praticado pelo próprio imputado ou ação ofensiva pode ser praticada por terceiro que esteja sob a sua esfera jurídica. Se o ato e praticado pelo próprio imputado, a responsabilidade civil classifica-se como direta. Se o ato é praticado por terceiro, ligado ao imputado, sendo que essa ligação deve constar da lei, a responsabilidade é indireta.

Tal responsabilidade existe porque a antijuridicidade da conduta, por si só, ou seja, a responsabilidade direta, não satisfaz o anseio de justiça – dar a cada um o que é seu. Há vezes em que para haver justiça faz-se necessário ir além da pessoa causadora do dano e alcançar outra pessoa, a quem o próprio agente esteja vinculado por uma relação jurídica. Assim, há responsabilidade indireta quando alguém é chamado pela lei para responder pelas consequências de fato de terceiro, expressão que também se utiliza na responsabilidade pelo fato provocado por animal ou coisa, com o qual o responsável está ligado juridicamente.

A interpretação da lei na responsabilidade civil indireta é sempre restritiva, não podendo ir além dos casos explicitamente previstos em lei.

A origem da responsabilidade indireta tem raízes nos agrupamentos sociais primitivos, que absorviam a individualidade de seus membros e consideram-se responsáveis pelos delitos praticados por eles. Observe-se que o direito romano não desenvolveu essa ideia, atendo-se ao conceito da responsabilidade direta.

É relevante mencionar que o artigo em análise estabelece que são também responsáveis as pessoas antes referidas, de modo que os agentes propriamente ditos, especialmente se tiverem patrimônio, responderão igualmente pelos danos causados por seus atos, como forma de responsabilidade solidária, nos termos do CC 942, parágrafo único.

Na responsabilidade civil indireta, em razão do disposto no CC 933, foi adotada a responsabilidade objetiva, que independe de culpa.

E o ato lesivo é praticado por pessoa jurídica, deve-se distinguir se o foi por meio de representante (legal ou estatuário) ou de empregado (pessoa a seu serviço). No primeiro caso, a empresa responde, sem que se tenha de fazer qualquer outra indagação. No segundo caso, a empresa responde, se que se tenha de fazer qualquer outra indagação. No segundo caso, para que a pessoa jurídica seja responsabilizada é preciso que o agente tenha praticado o ato ilícito no exercício de suas funções, na conformidade do inciso III deste dispositivo, cabendo sempre o direito de regresso contra o efetivo causador do dano (v. Carlos Alberto Hittar, Responsabilidade civil: teoria e prática, Rio de Janeiro. Forense Universitária, 1989, p. 10). Desse modo, tratando-se de pessoa jurídica, deve-se primeiramente verificar, concretamente, a espécie de empresa e a condição do agente, i.é, se age em nome da entidade ou a seu serviço.

Ainda, sobre a espécie de pessoa jurídica, das disposições legais respectivas costumam, como aquelas sobre sociedades anônimas e sociedades comerciais limitadas, estabelecer regra própria acerca da responsabilidade civil, seja da empresa, seja do sócio, seja do administrador. Essas normas devem sempre ser respeitadas, aplicando-se quando necessário, as normas comuns. No entanto, o princípio que impera é o da responsabilização da pessoa jurídica, quanto aos atos praticados em sua atividade, em face da sua natureza jurídica de ente de direito.

Já era discutível, na legislação anterior, a responsabilidade dos hotéis diante do aviso de que não se responsabilizam por objetos dos hóspedes não depositados em seu poder, como cláusula de não indenizar, porque revestida da forma de imposição (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 305 e 306); como disposto no CC 933, tais debates deverão ser retomados, com maior ênfase à invalidade desse tipo de cláusula. Quanto aos cofres existentes em hotéis, firmou-se no direito anterior, a opinião de que não se trata de contrato de depósito, por analogia aos cofres bancários, tratando-se de contrato de aluguel ou comodato, em quem o hotel deveria responder pelos danos causados somente se provado que não agiu com a vigilância necessária quanto ao ingresso de terceiros em suas dependências (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, cit., p. 97 e 98), mas também essa matéria merecerá a devida revisão em face do disposto no CC 933.

Quanto aos estabelecimentos de ensino, no que se refere aos educandos, essa responsabilidade ampla existe se o regime for de internato. Se o regime escolar for de externato, a responsabilidade de ensino restringe-se ao período em que o educando estiver matriculado (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, cit., p. 98 e 99). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 479-81, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Da responsabilidade pelo ato de terceiro, esclarecem Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o CC 932 consagra uma situação de responsabilidade pelo ato de terceiro. Ou seja, consagrou o legislador a responsabilidade das pessoas enumeradas nos incisos de I a V mesmo não sendo elas quem deram causa ao dano a ser reparado.

Da solidariedade, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, explicitam que ao responsabilizar as pessoas enumeradas nos incisos I a V do CC 932 pelos atos dos terceiros ali elencados, em momento algum o legislador excluiu a responsabilidade do causador do dano de reparar a lesão causada. Muito ao contrário. O claro intuito do legislador foi o de facilitar a reparação do dano causado. Haverá, portanto, solidariedade entre o causador do dano e o terceiro responsável pelos seus atos (CC, 942, parágrafo único). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 22.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).