Direito Civil
Comentado - Art. 933, 934, 935 - continua
Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art.
233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art.
927 a 954) Capítulo I – Da Obrigação de Indenizar
–
vargasdigitador.blogspot.com
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo
antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos
praticados pelos terceiros ali referidos.
No
entender de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o preceito
em tela atende a um nítido processo evolutivo que já marcava a jurisprudência,
de forma especial, revelando inclusive que muito das inovações do Código em
comento, na matéria, absorve a tendência dos tribunais no enfrentamento dos
casos de dever ressarcitório. É o que se dá com a responsabilidade indireta ou
por fato de terceiro, que se pretendia, no projeto do CC/1916, fosse subjetiva,
todavia com presunção de culpa, a exemplo do CC francês (art. 1.384) e afinal
como se ostentou também no BGB (art. 831),
mas que, na tramitação, mercê de emenda no Senado (Emenda n. 1.483), acabou
vindo a lume de maneira pura, sem nenhuma presunção e consequente inversão do
ônus probatório, exigindo o antigo art. 1.523 que a vítima, numa empreitada de
difícil êxito, o que a legava irressarcida no mais das vezes, demonstrasse a
culpa, via de regra in vigilando ou in elegendo, de quem pudesse vir a
responder por ato de terceiro.
Coube à jurisprudência, justamente, ir aos poucos mitigando a
norma do antigo art. 1.523, até entrever em seu texto uma presunção de culpa do
responsável indireto, posto que relativa, assim de toda sorte ainda
permitindo-lhe provar que agira de modo diligente, escolhendo ou vigiando o
terceiro e, destarte, logrando não raro furtar-se ao pleito ressarcitório que
lhe fosse dirigido, porquanto examinado, ainda, à luz da teoria da culpa.
Apenas com a edição da Súmula n. 341 do Supremo Tribunal Federal, passou-se a
compreender existente, ao menos no caso do empregador em relação ao ato do
empregado, de que ela tratava, uma presunção absoluta de culpa, portanto
retirando a questão do âmbito da responsabilidade subjetiva.
Pois agora, com a edição do novo CC, e conforme o artigo ora em
comento, finalmente estabeleceu-se uma responsabilidade sem culpa por ato de
terceiro, o que afasta a possibilidade de qualquer dos responsáveis, uma vez
demandado, procurar se eximir de seu dever ressarcitório alegando que escolheu
bem, ou que vigiou bem. Cuida-se sempre, conforme a tendência já referida no
comentário ao CC 927, de a lei elencar um responsável pela reparação, no caso
alguém que, de alguma forma, possui autoridade ou direção sobre a conduta
alheia, diretamente causadora do dano. Por isso, vislumbram alguns, no caso,
verdadeiro dever de garantia afeto ao responsável por terceiro com quem mantém
relação especial, muito embora prefiram outros ver na hipótese um risco pela
atividade ou pela conduta de terceiro. De toda sorte, sempre uma
responsabilidade independente de culpa. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 939-40 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/04/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Na
toada de Ricardo Fiuza, com este dispositivo foi adotada a responsabilidade
objetiva, independente de culpa, em todas as hipóteses retratadas no CC 932, em
razão de emenda de redação, por nós proposta e acolhida na Câmara dos
Deputados, na fase final de tramitação do projeto. Não fazia sentido
estabelecer que as pessoas referidas nos incisos I a III do artigo anterior
deveriam responder, mesmo que sem culpa, e deixar de referir as demais pessoas,
constantes dos incisos IV e V, ainda mais que as mencionadas no inciso v já recebiam tal tratamento no Código
Civil de 1916.
Sob
a égide do Código Civil de 1916, por força de interpretação jurisprudencial, em
todas essas hipóteses de responsabilidade indireta a culpa atribuída ao
imputado era presumida, inobstante o disposto no art. 1.523, que impunha o ônus
da prova ao lesado, não só quanto ao ato praticado pelo terceiro quanto à culpa
ira vigilando ou in eligendo do
imputado. Esse dispositivo excetuava somente à hipótese de participação
gratuita em produto de crime da necessidade de prova, pelo lesado, da
respectiva culpa.
A
presunção da culpa por vezes era juris
tantum, a admitir a prova em contrário, e por outras era absoluta, sem
permitir contraprova. Assim, quanto ao pai, no que se refere aos atos
praticados pelos filhos, há culpa in
vigilando. O mesmo quanto a tutores e curadores, com vistas aos tutelados e
curatelados. E também quanto aos donos de hotéis e estabelecimentos de ensino.
Quanto ao empregador, a culpa é ira
digerido. No entanto, já que se tratava de presunção da culpa, a depender
da hipóteses, uma vez provado que não havia descuido quanto à vigilância ou
eleição, deixava de ser atribuída responsabilidade às pessoas antes indicadas.
No caso ocorria tipicamente uma inversão do ônus da prova: em vez de o lesado
ter de provar a culpa, esta se presumir, cabendo ao réu da ação demonstrar que
não havia agido culposamente. A possibilidade de comprovação de ausência de
culpa pelo imputado, segundo nossa jurisprudência, existia nas hipóteses dos
incisos I e II do CC 932. Nos demais casos, a teoria aplicada aproximava-se
muito mais do risco. Já quando se tratava de responsabilidade do empregador por
atos de seus empregados, a interpretação jurisprudencial orientava-se no
sentido de não aceitar a prova da ausência de culpa in elegendo do patrão (v.
Súmula 341 do STF e Caio Mário da Silva Pereira. Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, p.
122)
Com o atual Código
Civil, os pais, com relação aos atos praticados pelos filhos, o tutor e o
curador, referentemente aos tutelados e curatelado, o empregador, no que
respeita aos atos praticados pelo empregado, os hotéis e similares, com
referência aos hóspedes, e os estabelecimentos de ensino, quanto aos atos
praticados pelos educandos, bem como aqueles que, mesmo gratuitamente, tenham
participado de produtos de crime, passaram a responder objetivamente pelos
danos causados, ou seja, independentemente de culpa ira vigilando ou ira
elegendo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 481, apud Maria
Helena Diniz Código Civil Comentado
já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira falam da natureza da responsabilidade, referindo a
expressão “ainda que não haja culpa de
sua parte” utilizada no CC 933, consagrando a responsabilidade das pessoas
mencionadas nos incisos de I a V. Com isso, o legislador corrigiu uma
imprecisão conceitual do Código Civil de 1916 que justificava a
responsabilização dessas pessoas mencionadas nos incisos de I a V do CC 932 na
existência de uma presumida culpa in
vigilando ou in elegendo. O
equívoco dessa justificação levava à conclusão de que essas pessoas poderiam
evitar a responsabilização provando que não agiram com culpa. Assim, o
empregador cuidadoso na contratação, treinamento, instrução de seus
funcionários e que fornecia subsídios e equipamentos necessários a evitar danos
e acidentes não poderia ser responsabilizado pelos atos de seus propostos. O
dono de hospedaria que provasse ter tomado todas as cautelas para que seus
hóspedes não causassem qualquer dano igualmente não seriam responsabilizados
pelos danos por eles causados.
Igualmente, o pai ou o curador
zeloso e atencioso não seria responsabilizado se provasse não ter agido com
culpa. Daí a inclusão do CC 933 em 2002, inexistente no diploma anterior, que
retirou o pressuposto da “culpa de sua
parte” para que as pessoas mencionadas nos incisos de I a V do CC 932
possam ser responsabilizadas.
Isso significa, porém,
que a prova da culpa do filho, empregado, hóspede ou tutelado tenha sido
dispensada. Em momento algum o legislador suprimiu a necessária caracterização
da culpa do agente causados do evento danoso parta que possa surgir o dever de indenizar.
É exatamente isso que
ensina José de Aguiar Dias: “O critério é
puramente objetivo, e a jurisprudência à época do Código de 1916, quando
conseguia libertar-se dos preconceitos que a sujeitavam a critérios
anacrônicos, dizia sem rodeios: a responsabilidade do principal pelos atos de
deus dependentes é de natureza objetiva, é pura obrigação legal, que se funda
não em culpa in elegendo ou in vigilando, e sim no fato (culposo ou doloso) do
empregado que, na órbita do seu encarregado e no exercício das respectivas
funções, é considerado fato da função, atividade delegada, cuja plena garantia
a lei impõe ao principal, por motivo de segurança pública e de proteção eficaz
da vítima. Tanto é assim que de nada valeria a uma empresa provar, por exemplo,
que gozava de bom conceito, que tem organização modelar e que fazia observar no
serviço ordem e disciplina irrepreensíveis” (José de Aguiar Dias, Da responsabilidade Civil, XI ed., Rio
de Janeiro, Renovar, 2006, pp. 763-4).
No mesmíssimo
sentido é o entendimento do Col. Superior Tribunal de Justiça: “No sistema civilista a responsabilidade da
empresa por atos de seus empregados é indireta” (STJ, 3ª T., REsp n.
1.569.767-RS, j. 01.03.2016, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 9.3.16,
deram parcial provimento, v. u.) (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 23.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode
reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano
for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.
Explicando
Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o dispositivo presente
não altera o princípio que já continha o art. 1.524 do CC/1916, quando
estabeleceu o direito regressivo do responsável indireto (ação in rem verso), a ser exercido contra o
terceiro causador imediato do dano, pelo quanto por isso pagou. Já se ressalva,
mais, que tal prerrogativa só não se poderia exercer diante do terceiro que
fosse descendente do responsável, ou seja, daquele que houvesse arcado com a
reparação do dano provocado. Isso por motivo moral, de preservação da família.
Esclarece o atual Código Civil, porém, que esse regresso só não se exerce se o
descendente for incapaz, seja de forma absoluta, seja relativa, o que é
compatível com aquele fundamento de preservação do núcleo familiar, de
organização da família. De mais a mais, o descendente incapaz somente responde,
pelo termos do CC 928, se seus responsáveis não tiverem obrigação ou condição
de arcar coma indenização.
Quanto ao tutor e curador, malgrado ausente qualquer expressa
alusão, é de repetir a mesma ressalva, de que seu direito regressivo estaria
condicionado ao preenchimento dos requisitos pela lei elencados para que se
ostentasse a responsabilidade do incapaz. Mas, de novo, isso só ocorre
justamente nos casos em que os responsáveis não tiverem condição ou obrigação
de arcar como ressarcimento. Apenas se aprovada fosse ou vier a ser a proposta
de alteração do CC 928, estatuindo uma responsabilidade solidária dos
incapazes, é que se poderá cogitar de sua eventual responsabilidade regressiva,
perante tutor ou curador, mas sempre na forma equitativa, do parágrafo único do
mesmo preceito. Até porque, não terá cabimento responsabilizar os incapazes de
maneira mais grave, quando se trate de responsabilidade regressiva, do que se
dá na responsabilidade direta.
Os empregadores têm também regresso contra os empregados, pelos
atos danosos ressarcidos, mediante comprovação de simples culpa, que não
precisa ser grave, por eventual incidência do art. 462, § 1º, da CLT, o qual
deve ser compreendido apenas como concernente à possibilidade de desconto da
indenização do salário do empregado.
No caso do educador, pode-se cogitar de seu direito regressivo
contra o próprio aluno nas mesmas condições do citado CC 928. Porém, desde o
Código de 1916, conflito já havia sobre a possibilidade de regresso do educador
contra os pais do aluno, alguns se posicionando pela tese positiva (por todos:
Maria Helena Diniz. Curso de direito
civil brasileiro, 16 ed. São Paulo, saraiva, 2002, v. VII, p. 462), outros
pela negativa (Pereira, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, forense, 1999, p.
98), posição a que se acede à consideração de que afinal prestado serviço
oneroso pela assunção de uma função de educação e vigilância, pelo que não
pode, ela própria, servir a benefício de quem por isso recebeu e alicerçar a
cobrança contra os pais. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 940-41 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/04/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Conceituado
o artigo na doutrina de Ricardo Fiuza, em todos os casos de responsabilidade
indireta vigora o princípio do direito de regresso daquele que suporta seus
efeitos contra aquele que tiver praticado o ilícito, a não ser na hipótese da
responsabilidade paterna, por razões de ordem moral e de organização da
família. (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 482, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/04/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na pauta de Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, tem-se o Direito de regresso contra o causador do
dano. Apesar de estipular a responsabilidade indireta das pessoas mencionadas
nos incisos de I a V do CC 932, o legislador consagrou o direito de regresso
desse terceiro responsável pelo verdadeiro causador dos danos. Não existe,
porém, esse direito de regresso se o causador do dano for descendente ou
incapaz daquele que suportou o pagamento da indenização. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 23.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal,
não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o
seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
Segundo parecer de Cláudio
Luiz Bueno De Godoy, o dispositivo, de idêntica previsão ao que o antecedeu, na
legislação revogada, havida apenas pequena alteração redacional, repete a
consagração da independência da jurisdição civil e criminal, quando movimentadas
para a apuração de um mesmo fato penal mente típico, com repercussão
indenizatória. Tal independência, porém, é relativa ou mitigada, dado que, se
no juízo criminal, em que a exigência probatória é mais rígida, se delibera, de
forma peremptória, sobre a existência material do fato ou sobre sua autoria,
bem como sobre excludentes de ilicitude (art. 65 do CPP), nada mais, a
respeito, pode ser discutido no cível. Essa regra, em sua primeira parte, está
também no art. 66 do Código de Processo Penal, que, porém, contempla casuística
mais restrita, apenas impedindo a rediscussão, no cível, de sentença
absolutória penal que tenha reconhecido a inexistência do fato. Ou seja, pelo
Código de Processo Penal não se impede a discussão, no juízo cível, sobre a autoria,
embora deliberada no crime.
Não foi essa, contudo, a opção do
Código Civil que, repetindo o anterior, estendeu a imutabilidade à esfera cível
também da sentença criminal que tenha decidido sobre a autoria do crime. Bem de
ver, porém, que a sentença absolutória fundada na ausência de provas, na
atipicidade do fato, ou ainda a sentença de extinção de punibilidade não inibem
a ação indenizatória cível (Art. 67 do CPP).
Já a sentença condenatória
constitui, de seu turno, título executivo na jurisdição civil (art. 515 do
CPC/2015), todavia autorizando endereçamento da demanda executiva somente
contra o autor do ilícito, não contra eventual terceiro responsável (pai ou
patrão, por exemplo) que não foi parte ou partícipe da ação penal em que se
formou o título, assim para muitos e portanto não em orientação unânime,
inclusive não impedido de, no âmbito civil, em necessário feito de
conhecimento, rediscutir matéria relativa à materialidade ou autoria, além, é
certo, da possibilidade de discussão do elo e requisito específico que o faça
indiretamente responsável. Aliás, por isso mesmo é que se deve interpretar in rebus a previsão do art. 64 do CPP e
a possibilidade, lá estatuída, de mover execução civil da sentença penal
condenatória, se for o caso, como expresso, também contra os responsáveis. Além
de esses responsáveis não terem participado e, assim, podendo defender-se na
ação penal, sua responsabilidade civil, malgrado hoje objetiva, não o é de
forma absoluta (risco mitigado, como se viu nos comentários aos CC 927 e 932),
havendo de demonstrar, o que no crime não se debate, a causa específica de sua
responsabilização civil, seja a autoridade e companhia dos pais, em relação aos
atos dos filhos, seja a relação de preposição e prática de ato danoso em razão
dela, quanto à responsabilidade do preponente ou patrão.
Muito embora livre a propositura
da demanda cível, faculta o art. 64, parágrafo único do CPP, que o juiz
suspenda-lhe o andamento se for intentada ação penal, e até seu julgamento. Da
mesma maneira, pode a vítima, em vez de desde logo ajuizar a ação civil,
aguardar o deslinde da ação penal e o título executivo que lá se poderá formar,
antes disso não se findando prazo prescricional que em seu desfavor pudesse
estar correndo, conforme nova previsão do CC 200, a cujo comentário ora se
remete o leitor.
Lembre-se, ainda, que também é
título executivo, no cível a transação homologada nos termos do art. 74 da Lei
n. 9.099/95, atinente aos crimes de menor potencial ofensivo. Não é assim,
porém, no tocante à aceitação de pena restritiva ou multa, na forma do art. 76
e conforme ressalva de seu § 6º, da mesma Lei n. 9.099/95.
Por fim, vale a referência à eventualidade de, julgada
definitivamente improcedente a ação civil, sobrevir sentença penal condenatória
do réu. Também aqui alguma divergência se coloca em doutrina, ora pendendo para
a admissão da válida formação de título independente, como é a sentença penal
condenatória, a despeito de posterior à improcedência de ação civil (v.g., Theodoro Jr., Humberto. Processo de execução, 15 ed. São Paulo,
Leud, 1991, p. 100), ora, porém, entendendo que prevaleça a coisa julgada
civil, portanto a improcedência lá decretada, a persistir se nem mais cabe ação
rescisória, tudo como corolário da regra que, malgrado relativa, é da
independência das instâncias (por todos: Gonçalves, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, 6 ed. São Paulo,
Saraiva, 1995, p. 375). E assim se considera, tanto mais quando, como lembra
Sérgio Shimura (Título executivo. São
Paulo, Saraiva, 1997, p. 218), a coisa julgada formada no cível é específica
para a reparação e também não autorizaria, inversamente, que, havido o
ressarcimento civil, pudesse, sobrevindo sentença penal absolutória, assentando
a inexistência do fato ou da autoria, haver a repetição. (Cláudio
Luiz Bueno De Godoy, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 941-42 -
Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/04/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
A
respeito Ricardo Fiuza, em sua doutrina, vigora em nosso direito o princípio da
independência da responsabilidade civil em relação à penal. Também dispõe o
art. 64 do Código de Processo Penal que a ação civil de reparação de dano pode
ser proposta independentemente do correspondente procedimento criminal. Mas, se
a sentença criminal reconhecer o fato e o respectivo agente ou negar a
existência do fato e sua autoria, na justiça civil não poderão mais ser
questionadas essas matérias (v. art.
66 do CPP). Acentue-se que, caso o agente seja absolvido em procedimento
criminal por falta de provas, ou por não constituir crime o fato de que
resultou o dano, ou por estar prescrita a condenação, i.é, “por qualquer motivo
peculiar à instância criminal quanto a condições de imposição de suas sanções”,
nada impede que em procedimento civil seja condenado a reparar o dano (v. art. 67 do CPP); assim, “a sentença
condenatória criminal tem influência na ação cível”, e “a sentença cível
nenhuma influência tem na instância criminal, porque esta funciona em órbita
consideravelmente mais estreita” (cf. José Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6 ed. Rio de Janeiro, forense, 1979, v.
1, p. 521-3). (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 482, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/04/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Como pensam Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, da independência relativa da responsabilidade
civil e criminal. Não é novidade a constatação de que um mesmo fato pode se
inserir no suporte normativo de duas ou mais normal jurídicas, sendo apto a
produzir efeitos tanto na esfera civil como na penal (e ainda na
administrativa, na trabalhista etc.). No sistema judiciário brasileiro, pautado
pela existência de justiças especializadas, isso faz com que muitas vezes dois
ou mais juízes sejam chamados a decidir, paralela e simultaneamente, sobre o
mesmo fato e sobre os distintos efeitos jurídicos dele decorrentes. E como cada
um desses juízes deve-se guiar por sua livre convicção, em tese é plenamente
possível que o mesmo fato seja considerado existente para um e inexistente para
outro, conduzindo a julgados totalmente contraditórios. Diante desse quadro, é
necessário equacionar a relação entre essas decisões autônomas, disciplinado os
efeitos que uma produza sobre outra como forma de garantir a harmonia entre os
julgados e a segurança nas relações. Atento a essa necessidade, o legislador
estabeleceu o sistema da independência relativa entre os juízos penal e civil,
determinando que sempre que os fatos discutidos perante o juízo penal tenham
relevância para o julgador civil, a declaração do juízo penal sobre sua ocorrência
ou inocorrência seja tomada como uma premissa imutável e inafastável para o
julgador civil. Dispõe o CC 935 que, embora a responsabilidade civil seja
independente da penal, não se pode mais questionar “sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando
estas questões se acharem decididas no juízo criminal”. Na mesma linha, o
Código de Processo Penal diz, em seu art. 65, que faz “coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato
praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento
de dever ou no exercício regular de direito”. De acordo com Liebman, “realmente, trata-se de uma eficácia,
vinculante para o juiz civil, da decisão proferida pelo juiz penal sobre
algumas questões de fato e de direito que são comuns ao processo penal e ao
conexo processo civil de reparação” (Enrico Tullio Liebman, Eficácia e autoridade da sentença e outros
escritos sobre a coisa julgada, 4 ed., Rio de Janeiro, forense, 2006, p.
259).
Da eficácia vinculante da
decisão criminal que reconhece culpa exclusiva da vítima, Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, apontam, dentre os diversos fatos relevantes para
a esfera civil e penal encontrar-se o relativo à culpa exclusiva da vítima: no
âmbito criminal ele funciona como excludente de culpabilidade, ensejando a
absolvição, e no civil ele exerce a função de excludente da responsabilidade,
afastando o dever de indenizar. Apesar de referida hipótese não estar
expressamente mencionada dentre aquelas previstas nos CC 935 e no art. 65 do
Código de Processo Penal, a melhor doutrina não tem dúvidas em afirmar que, “afastada a culpa no juízo criminal, não há
possibilidade de condenar no cível quem no crime fora declarado irresponsável” (Vicente
de Azevedo, Crime-dano-reparação, p.
231, citado por José de Aguiar Dias, Da
responsabilidade civil, 5ª ed., t. II, São Paulo, Forense, 1973, p. 467). É
exatamente esse o pensamento de Aguiar Dias: “a sentença penal, fundada em dirimente ou justificativa, não influi no
juízo civil senão quando estabeleça a culpa do ofendido, que neste caso sofre
as consequências de seu procedimento. Não é, portanto, o ato do autor em si,
que coberto por dirimente ou justificativa, desautoriza a obrigação de reparar:
é a culpa do ofendido que, conjugada àquele, determina a irresponsabilidade” (José
de Aguiar Dias, Da responsabilidade
civil, 5ª ed., t. II, São Paulo, Forense, 1973, p. 473).
Da mesma forma já
se manifestou o Col. Supremo Tribunal Federal: “proclamada, na justiça criminal, em decisão definitiva, que o acidente
resultou de culpa exclusiva da vítima, e não do motorista da firma ré, não deve
esta qualquer indenização, acobertada que está pela res judicata criminal, que,
em tal circunstância, projeta os seus efeitos no juízo cível”. (STF, 2ª T. RE n. 48.604, j. 24.10.61, rel. Min.
Victor Nunes, DJU 17.09.62, p. 241). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 23.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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