sexta-feira, 17 de julho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.102, 1.103, 1.104 - continua Da Liquidação da Sociedade - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.102, 1.103, 1.104 - continua
Da Liquidação da Sociedade - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo IX –
(Art. 1.102 a 1.112) Da Liquidação da Sociedade -

Art. 1.102. Dissolvida a sociedade e nomeado o liquidante na forma do disposto neste Livro, procede-se à sua liquidação, de conformidade com os preceitos deste Capítulo, ressalvado o disposto no ato constitutivo ou no instrumento da dissolução.

Parágrafo único.  O liquidante, que não seja administrador da sociedade, investir-se-á nas funções, averbada a sua nomeação no registro próprio.

Esmiuçando o artigo Marcelo Fortes Barbosa Filho define que a liquidação constitui o procedimento utilizado para a solução de todos os negócios sociais e partilha do capital social acumulado, dando fim definitivo à pessoa jurídica criada com a vontade formal já externada pelos sócios. O presente capítulo traz um regramento específico para o procedimento de liquidação, circunscrito entre os CC 1.102 e 1.112, frisando-se, aqui, que as normas enfocadas ostentam caráter eminentemente dispositivo e se referem, de forma quase exclusiva, à dissolução amigável e extrajudicial. Os sócios podem, concretamente, estabelecer regras aplicáveis à liquidação da sociedade de que participam, seja previamente, no próprio instrumento contratual, seja no momento inicial do procedimento, quando, por meio de um ajuste amigável, for elaborado um instrumento de dissolução. Tais regras concretas apresentam superioridade com relação às legais, podendo até contrariá-las.

Dois requisitos são essenciais à liquidação. Só é possível iniciá-la, em primeiro lugar, diante do advento de uma das causas previstas na lei ou em cláusula inserida no instrumento inscrito (CC 1.033, 1034, 1.035, 1.044, 1.051 e 1.087) e da prévia extinção do próprio contrato de sociedade, concretizando a dissolução. Não há prazo para seu término, pois débitos e créditos não se vencem antecipadamente, sendo necessário aguardar o amadurecimento de todas as operações em andamento ou, pelo menos, celebrar cessões das posições contratuais e a cessão ou assunção das obrigações. Todo esse procedimento é dirigido, em segundo lugar, por uma pessoa escolhida antecipada e livremente pelos sócios (CC 1.038), que ganha o nome de liquidante, concentrando os poderes suficientes e necessários à solução total das pendências e à realização do rateio patrimonial.

O liquidante, dadas as facilidades geradas pelo conhecimento pessoal e prévio do teor dos negócios sociais, é, geralmente, um administrador, mas nada impede seja designada pessoa estranha, o que exige apenas sejam tomadas providências atinentes à plena publicidade do fato, pois a presentação da sociedade em liquidação, com todas suas restrições peculiares, sofrerá uma ruptura e uma alteração, passando a ser mantido contato com terceiros por meio de individuo até então destituído de poderes.

Nesse sentido, o parágrafo único prevê, como requisito de validade da investidura do liquidando não administrador, i. é, ao regular o início de sua atuação, o registro de sua nomeação, promovido, de acordo com a natureza da sociedade, mediante a exibição de documento escrito expositivo da vontade coletiva dos sócios, para arquivamento em Junta Comercial ou para averbação perante oficial de registro civil de pessoa jurídica. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1081-82. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A Doutrina de Ricardo Fiuza aponta para as regras relativas ao processo de liquidação constantes deste capítulo, aplicando-se tanto às sociedades simples como às sociedades empresárias. A liquidação representa a fase que precede a extinção da sociedade. No processo de liquidação de sociedade, seja esta voluntária ou judicial serão apurados os haveres de seu ativo remanescente, assim como as obrigações pendentes em face de seus credores, somente podendo ser extinta a sociedade após o pagamento de todas as suas dívidas. O contrato ou estatuto social pode dispor de regras especiais destinadas à regulação do processo de dissolução e liquidação da sociedade.

Caso inexistam regras próprias, devem ser aplicadas as disposições deste capítulo (CC 1.102 a 1.112). Em princípio, o liquidante deve ser nomeado entre os administradores da sociedade, conforme previsto no instrumento constitutivo. Se assim não ocorrer, será nomeado liquidante estranho ao quadro social, cabendo a averbação do ato de designação no registro competente, ou seja, no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, no caso de sociedade simples, e no Registro Público de empresas Mercantis, no caso de sociedade empresária. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 573, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Com a cooperação de Celso Marcelo de Oliveira sobre “Liquidação da sociedade”. O Capítulo IX vem em tratar nos artigos 1102 á 1112 da Liquidação da Sociedade. O procedimento de liquidação das sociedades deve ser simplificado e instaura-se após a ocorrência de uma das causas dissolutórias previstas na lei ou no contrato. O supra artigo 1102 define que " Dissolvida a sociedade e nomeado o liquidante, procede-se à sua liquidação, ressalvado o disposto no ato constitutivo ou no instrumento da dissolução".

A dissolução e a extinção, esta resultante de liquidação regular, devem ser traduzidas no distrato, cujo arquivamento na Junta Comercial importa na eficácia das operações, perante terceiros. J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, critica o sistema legal porque declara dissolvida a sociedade antes da liquidação, apontando que a verdadeira dissolução só ocorre depois daquela (liquidação), mas se vê nesta crítica que o citado autor considerou a dissolução como a "extinção" da sociedade e não como causa que a leva ao fim, ou ainda como procedimento (Mendonça, J. X. Carvalho de, in ob. cit., 222).
Como bem descreve o Código, consiste a liquidação na apuração do ativo da sociedade e no pagamento de seu passivo, podendo ser extrajudicial ou judicial, sem relação direta com a forma em que se deu a dissolução da sociedade; ou seja, os sócios podem ter chegado à conclusão da causa dissolutória mas terem divergido quanto ao procedimento liquidatório, ou, ainda, a sociedade pode ter sido alcançada por dissolução judicial, não obstante seus integrantes chegam a adotar a liquidação amigável.
Deve-se expor que a regra é a seguinte: Os sócios podem resolver, por maioria de votos, antes de ultimada a liquidação, mas depois de pagos os credores, que o liquidante faça rateios por antecipação da partilha, à medida em que se apurem os haveres sociais. É de se retratar que " no caso de liquidação judicial, será observado o disposto na lei processual " e " no curso de liquidação judicial, o juiz convocará, se necessário, reunião ou assembleia para deliberar sobre os interesses da liquidação, e as presidirá, resolvendo sumariamente as questões suscitadas." (Celso Marcelo de Oliveira, em sem artigo Direito empresarial à luz do Código Civil brasileiro, Modificação de contrato, incorporação, fusão ou dissolução da sociedade, publicado em 03/2003, no Jus.com.br, acessado em 17/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.103. Constituem deveres do liquidante:

I – averbar e publicar a ata, sentença ou instrumento de dissolução da sociedade;

II – arrecadar os bens, livros e documentos da sociedade, onde quer que estejam;

III – proceder, nos quinze dias seguintes ao da sua investidura e com a assistência, sempre que possível, dos administradores, à elaboração do inventário e do balanço geral do ativo e do passivo;

IV – ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios ou acionistas;

V – exigir dos quotistas, quando insuficiente o ativo à solução do passivo, a integralização de suas quotas e, se for o caso, as quantias necessárias, nos limites da responsabilidade de cada um e proporcionalmente à respectiva participação nas perdas, repartindo-se, entre os sócios solventes e na mesma proporção, o devido pelo insolvente;

VI – convocar assembleia dos quotistas, cada seis meses, para apresentar relatório e balanço do estado da liquidação, prestando conta dos atos praticados durante o semestre, ou sempre que necessário;

VII – confessar a falência da sociedade e pedir concordata, de acordo com as formalidades prescritas para o tipo de sociedade liquidanda;

VIII – finda a liquidação, apresentar aos sócios o relatório da liquidação e as suas contas finais;

IX – averbar a ata da reunião ou da assembleia, ou o instrumento firmado pelos sócios, que considerar encerrada a liquidação.

Parágrafo único. Em todos os atos, documentos ou publicações, o liquidante empregará a firma ou denominação social sempre seguida da cláusula “em liquidação” e de sua assinatura individual, com a declaração de sua qualidade.

Trocando em miúdos com Marcelo Fortes Barbosa Filho, o liquidante assume funções de administração, ostentando todos os deveres de probidade, de retidão e de eficiência próprios a um administrador, o que, no entanto, não impede sejam identificados e atribuídos deveres peculiares ou específicos, próprios a sua função. Foram arrolados, no presente artigo, os deveres específicos do liquidante, distribuídos em nove incisos e no parágrafo unido, podendo ser reunidos em três categorias: (a) há os deveres de publicidade ou divulgação da marcha do procedimento de liquidação, dada a necessidade de alertar terceiros acerca da transitoriedade ou da provisoriedade das situações mantidas pela pessoa jurídica em vias de extinção. O liquidante deve, portanto, levar os documentos atinentes à dissolução e ao início e ao final do procedimento em apreço a registro, perante Junta Comercial ou Oficial de Registro Civil de Pessoa Jurídica, conforme a natureza empresária ou não empresária da sociedade, utilizando sempre, em cada ato praticado, a expressão “em liquidação” ao lado do nome da sociedade, denunciando sua qualidade (incisos I e IX e parágrafo único). (b) Há deveres funcionais essenciais, atinentes ao exercício das atribuições internas à sociedade em liquidação, ou seja, relativos à solução dos negócios sociais e à adequada conferência dos direitos patrimoniais aos sócios. Deve ser promovida a arrecadação dos livros contábeis e dos bens do ativo, o que possibilita a elaboração de um inventário e de um balanço patrimonial especial, aferindo-se as pendências restantes, para que, sequencialmente, a alienação dos direitos de titularidade da sociedade seja conjugada ao pagamento do passivo. (c) Há um dever funcional acidental, consistente na dedução da confissão de falência ou na apresentação de requerimento de recuperação judicial da empresa, diante da constatação de uma situação de crise financeira da sociedade empresarial e ressalvada a necessidade de interpretação do texto legal em consonância com a Lei n. 11.101/2005, dispensando-se, no caso, a aquiescência dos sócios (inciso VII).

Durante o transcurso da liquidação, o liquidante assume o posto de figura central do procedimento, dando-lhe vida e coordenando-o, sempre vinculado aos deveres aqui assinados, até que sejam aprovados o relatório e as contas finais oferecidos aos sócios, o que faz cessar suas atribuições. Os deveres funcionais essenciais apresentam certa similitude com a atuação do síndico na falência, em razão da presentação de uma única finalidade, a de solver dado patrimônio, cabendo frisar, também, feita uma comparação com o texto dos arts. 345 e 346 do Código Comercial, que o Código Civil de 2002 apenas fez uma enumeração mais detalhada e suprimiu ou tornou mais elásticos os prazos concedidos pela legislação revogada para a elaboração de inventário dos bens e prestação de contas, sem trazer inovações de monta. No âmbito da liquidação judicial, o art. 660 do CPC/1939 (atente-se ao CPC/1973, correspondendo ao art. 1.218), continua vigente, apresentando apenas as diferenças derivadas da supervisão realizada pelo Poder Judiciário. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1082-83. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico, apenas o inciso IX deste artigo foi alterado por emenda apresentada no Senado Federal, para inserir a referência à realização de reunião de sócios, e não apenas de assembleia, como constava do projeto original, para a formalização da decisão de encerramento do processo de liquidação. Os deveres do liquidante da sociedade comercial encontravam-se previstos no art. 345 do Código Comercial de 1850. Na liquidação judicial, o art. 660 do Código de Processo Civil de 1939 elenca as obrigações que devem ser cumpridas pelo liquidante. (Atente-se ao comentário anterior que diz: No âmbito da liquidação judicial, o art. 660 do CPC/1939 (atente-se ao CPC/1973, correspondendo ao art. 1.218), continua vigente, apresentando apenas as diferenças derivadas da supervisão realizada pelo Poder Judiciário. Nota de VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza, o enunciado por este dispositivo contém as regras básicas que devem ser obedecidas pelo liquidante no processo voluntário ou extrajudicial de liquidação da sociedade. O liquidante é responsável por formalizar o processo de dissolução da sociedade, iniciando a liquidação promovendo, a partir de então, a arrecadação dos livros, documentos e arquivos contábeis, financeiros e negociais que se encontravam em poder dos administradores. A função do liquidante é semelhante à do síndico na falência, cabendo-lhe como função principal, levantar o balanço especial na data da dissolução, apurar e arrecadar os bens do ativo e realizar o pagamento das obrigações e dívidas sociais. Caso o liquidante constate situação de insolvência, deverá requerer a autofalência da sociedade ou mesmo ingressar com pedido de concordata preventiva, quando poderá obter prazo mais dilatado para o pagamento do passivo. Ao final do processo de liquidação, o liquidante deverá prestar contas detalhadas a todos os sócios da sociedade, providenciando a baixa de sua inscrição no registro competente. Durante todo o processo de liquidação a sociedade deverá ser identificada, após sua firma social ou denominação, pela expressão “em liquidação”, seguida da identificação do liquidante. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 574, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como leciona Ricardo de Lima Cattani em seu artigo – Problema Valorativo – Linha entre fraude civil e estelionato é tênue -, a grande maioria dos doutrinadores e julgadores entendem que não há distinção entre a fraude civil e o estelionato. Há aqueles que entendem que a distinção esta apenas na intensidade ou no grau da lesividade do ato para que se possa ou não estabelecer diferença entre os dois institutos. Entende-se ser difícil estabelecer uma distinção entre a fraude Civil e o estelionato, ousando dizer, inclusive, que a distinção entre ambos é mais cultural do que técnica, até porque, a fraude pressupõe a má-fé, e ainda esta prevista como um dos meios de configuração do estelionato. Todavia, nem toda fraude esta revestida do elemento subjetivo do tipo necessário para caracterizar o estelionato, o dolo específico.

Note-se, por exemplo, que “é comum nas transações civis ou comerciais certa malicia entre as partes, que procuram, através da ocultação de defeitos ou inconveniência da coisa, ou através de uma depreciação, justa ou não, efetuar operação mais vantajosa. Mesmo em tais hipóteses, o que se tem é o dolo civil, que poderá dar lugar à anulação do negócio, por vicio de consentimento, com as consequentes perdas e danos (artigos 147, inciso II, e CC 1103), não, porém, do dolo configurador do estelionato (RT 547/342.

Não há crime na ausência de fraude e o mero descumprimento do contrato, mesmo doloso, é mero ilícito civil (JTACrSP 49/173, 50/79, 54/403; RT 423; RTJ 93/978). Também não se reconheceu o ilícito na venda de coisa adquirida a prazo quando não garantida pela reserva de domínio ou alienação fiduciária, por correr o risco natural da transação por conta do vendedor (RT 516/336, 445/414); no ato do advogado que obteve vantagem excessiva na execução do mandato em que se convencionou determinada indenização para o cliente, ficando com o que excedesse esse quantum o mandatário” (RT 442/434).

Segundo Maria Helena Diniz, fraude à lei é o "Ato de burlar o comando legal usando de procedimento aparentemente lícito. Caracteriza-se pela prática de ato não proibido, em que uma situação fática é alterada para escapar à incidência normativa, livrando-se, assim, de seus efeitos. Por exemplo, venda de bens a descendentes, sem anuência dos demais descendentes, levado a efeito por meio de interposta pessoa, que, depois, passa o bem àquele descendente. Atinge-se, assim, por via oblíqua o objetivo pretendido, mediante violação disfarçada da lei" (DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, Editora Saraiva, pag. 596, edição 1998).

O caso acima mencionado também não tipifica o crime previsto no artigo 171 do nosso Código Penal, mas configura a denominada fraude à lei, podendo ser anulável, por tratar-se de nulidade relativa, a teor do disposto no artigo 496 do Código Civil. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por sua vez, através de sua 7ª Câmara Criminal, em reiteradas situações tratou com igualdade a questão da Fraude Civil e do Estelionato como se observa (Apelação Crime nº70013151618, Relator Sylvio Baptista Neto, julgado em 22/12/2005. 7ª Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul), por meio da ementa: “ESTELIONATO. FRAUDE CIVIL E PENAL. INDIFERENÇA. DELITO CARACTERIZADO. Não existe diferença entre a fraude civil e a fraude penal. Só há uma fraude. Trata-se de uma questão de qualidade ou grau, determinado pelas circunstâncias da situação concreta. Elas que determinaram, se o ato do agente não passou de apenas um mau negócio ou se neles estão presentes os requisitos do estelionato, caso em que o fato será punível penalmente. Na hipótese em julgamento, a ação do apelante, fingindo intermediar a venda de um imóvel, recebeu grande quantia da vítima. Mais tarde, descoberta a impossibilidade do negócio, fraudou aquela mais uma vez, restituindo-lhe o valor pago com um cheque falso. Situações, sem sombra de dúvida, que mostram a existência do delito do art. 171, caput, do Código Penal, na ação do recorrente. DECISÃO: Apelo defensivo desprovido. Unânime.

No capítulo VI do Código Penal, "Do Estelionato e outras fraudes", se verifica que o artigo 171 menciona: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. Ou seja, a fraude é um dos elementos capazes de fazer incidir o tipo previsto no artigo 171 do Código Penal, mas, na prática, por questões culturais, ou de costumes, existe esta distinção entre a fraude civil, e a fraude capaz de tipificar o estelionato. “O problema é antes valorativo. A sanção penal destina-se, em regra, às ofensas de maior vulto, que mais seriamente atentam contra os interesses sociais. Diferença de essências não apresentam, assim, os dois ilícitos. A distinção reside na gravidade da violação à ordem jurídica. A realidade mostra serem numerosos os casos fraudulentos que não provocam, entretanto, a aplicação da sanção penal, como nos são testemunho os processos cíveis que versam sobre a moléstia da posse, abuso de direito, inadimplemento contratual etc.” (FILHO, Sólon Fernandes. Do Crime Falimentar – Fraude Civil e Fraude Penal Necessidade de Determinação do Sujeito Passivo – Anotações. São Paulo, janeiro/março 1983).

É importante que se tenha em mente, que o mero inadimplemento contratual, por si só, não configura o Estelionato, e nem a Fraude Civil, na medida em que retrata situação onde o agente não tinha a menor intenção de deixar de honrar seu compromisso, e este apenas esta ocorrendo no mundo fático, quer por circunstâncias de mercado, quer por circunstâncias alheias à sua vontade, ou mesmo por má gestão dos seus negócios, de sorte que esta ultima situação, distancia-se quilometricamente das outras duas, onde em qualquer das hipóteses, a má-fé estará presente em maior ou menor escala. (Ricardo de Lima Cattani é advogado, membro da comissão sobre estudos sobre monitoramento eletrônico de detentos da OAB-SP. Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2011, Acesso em 17/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.104. As obrigações e a responsabilidade do liquidante regem-se pelos preceitos peculiares às dos administradores da sociedade liquidanda.

Na comparação segundo Marcelo Fortes Barbosa Filho, diante da similitude de suas posições jurídicas, assumindo ambos gestão de bens alheios, as regras atinentes à conduta e à responsabilidade do liquidante são exatamente as mesmas já estabelecidas para o administrador. Nesse sentido, dos liquidantes é exigida, de acordo com o CC 1.011, a manutenção de um padrão de conduta idêntico ao dos administradores, ou seja, pautado pela retidão e pelo cuidado próprios ao “homem ativo e probo” (bom homem de negócios) e, com base em tal paradigma jurídica, cabe avaliar, quando resultante prejuízo de uma operação realizada, se as perdas podem ser imputadas, concretamente, ao liquidante. Aplica-se o disposto no CC 1.016. Persistente uma conduta negligente, imprudente ou imperita (CC 181) ou, com mais razão, a intenção de prejudicar, materializando a culpa em sentido amplo, surge, conjugado o dano emergente ou o lucro cessante, responsabilidade civil do liquidante. Nasce, então o dever de indenizar a pessoa jurídica e, eventualmente, terceiros, o qual é atribuído não apenas ao liquidante faltoso, mas ao conjunto de todos os encarregados da solução dos negócios sociais. Forma-se, assim, em face da pluralidade de liquidantes, entre todos eles, uma relação de solidariedade, protegendo mais firmemente a própria sociedade e os terceiros, descabida, mesmo inserida cláusula contratual expressa e contrária, a isenção da responsabilidade de quaisquer dos liquidantes. Todos eles colocarão seu patrimônio pessoal à disposição do adimplemento da obrigação gerada pelo ilícito consumado. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1083. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a doutrina de Ricardo Fiuza, de acordo com o enunciado por este artigo, o liquidante assumirá as mesmas obrigações e responsabilidades que competiriam aos administradores da sociedade em liquidação. Este preceito diz respeito aos atos praticados pelo liquidante durante o processo de liquidação, e somente por eles assim responderá nessa condição. Se a responsabilidade dos administradores da sociedade liquidanda for subsidiária e ilimitada, o liquidante responderá da mesma forma pelos atos que praticar. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 574, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

As leis que vigem o CC 1.104, estão consagradas entre os artigos 1.010 a 1.021 do CC/2002 e o art. 217 da Lei 6.404/1976 (Sociedade por ações), já transcritas nos comentários pertinentes, recentemente, neste Blog: vargasdigitador.blogspot.com entre as datas  02/06/2020 a 05/06/2020, (Direito Civil Comentado - Art. 1.010, 1.011, 1.012 Da Administração - VARGAS, Paulo S. R. Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Subtítulo II – Da Sociedade Personificada (Art. 1.010 ao 1.021) Capítulo I – Da Sociedade Simples – Seção III –  Da Administração  vargasdigitador.blogspot.com 

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.100, 1.101 Das Sociedades Coligadas - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.100, 1.101
Das Sociedades Coligadas - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo VIII –
(Art. 1.097 a 1.101) Das Sociedades Coligadas
vargasdigitador.blogspot.com digitadorvargas@outlook.com

Art. 1.100. É de simples participação a sociedade de cujo capital outra sociedade possua menos de dez por cento do capital com direito de voto.

Como justifica Marcelo Fortes Barbosa Filho, a simples participação constitui a terceira espécie de coligação em sentido amplo, caracterizando uma ligação de menor relevância e de resultados escassos para ambas as sociedades envolvidas. De acordo como texto legal, a simples participação surgirá quando uma sociedade for titular de uma participação do capital votante de outra em montante inferior a dez por cento e, ao mesmo tempo, não seja exercido poder de controle, caracterizado pela detenção de votos suficientes para a aprovação das deliberações comuns e para a eleição da maior parte dos administradores da sociedade qualificada como controlada. Trata-se de um novo conceito, sem correspondência na legislação societária anterior ao Código Civil de 2002, para o qual não há, ainda, previsão de qualquer disciplina específica. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1080. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Lecionando Ricardo Fiuza em sua doutrina, quando houver pequena participação de uma sociedade no capital de outra, sendo essa participação inferior a dez por cento do capital com direito a voto, define-se se tal relação como de simples participação. Não existirá, assim, coligação em sentido estrito, ainda que as sociedades integrem um mesmo grupo econômico e estejam vinculadas, indiretamente, a uma mesma sociedade holding. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 572, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na balada de Mauricio Moreira Menezes – Do grupo de fato e grupo de direito, o vínculo existente entre as sociedades coligadas, controladoras e controladas (ou seja, sociedades coligadas em sentido amplo) é pautado exclusivamente na titularidade de participação societária e, portanto, prescinde de formalização por meio de instrumento contratual. Por essa razão, os usos e a doutrina a ele se referem como “grupo de fato”. Regime amplamente distinto é o do chamado “grupo de direito”, regulado pelo art. 265 e seguintes da Lei 6.404/1976. 

O grupo de direito, a que a Lei 6.404/1976 se refere, no Capítulo XXI, como “grupo de sociedades”, consiste em uma forma bem mais complexa de relacionamento entre sociedades, devidamente disciplinada no instrumento contratual denominado convenção de grupo, cujo conteúdo mínimo está previsto na lei (art. 269 da Lei 6.404/1976) e sujeito à formalidade de publicidade e registro (art. 271 da Lei 6.404/1976). Nessa espécie de concentração empresarial, as sociedades podem contratar a coordenação e a subordinação de interesses, razão pela qual a adesão ao grupo deve ser formalizada pelos órgãos deliberativos de cada uma das sociedades (art. 270 da Lei 6.404/1976).

Justamente tendo em vista a possibilidade de subordinação de interesses, a Lei 6.404/1976 prevê tanto a possibilidade de o acionista dissidente da adesão ao grupo retirar-se da sociedade, mediante o reembolso do valor de suas ações (art. 136 c/c art. 137 e art. 45, todos da Lei 6.404/1976), quanto a obrigatoriedade da nacionalidade brasileira da sociedade controladora do grupo (art. 265, § 1º, da Lei 6.404/1976). De toda forma, deve-se ponderar que os “grupos de direito” são, atualmente, exceção na prática empresarial, cujos conglomerados estão organizados muito menos por instrumentos formais e muito mais pela orientação imposta pela sociedade dominadora, observados os limites legais e os princípios da coligação societária, tendentes, como se disse, à proteção de sócios minoritários e de credores das sociedades coligadas. 

Já as Sociedades controladas, define o art. 243, § 2º, da Lei 6.404/1976, que se considera controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou por intermédio de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores. 

Registra José Luiz Bulhões Pedreira que a relação de controle entre sociedades é constituída, em sua forma mais simples, por dois grupos hierárquicos: controladora e controlada. A depender do grau de sofisticação e da função desempenhada por cada sociedade, podem surgir três ou mais níveis de relação de controle, daí surgindo o controle indireto, exercido por meio de um ou mais veículos societários e seus respectivos órgãos de administração, que ficam sob influência de pessoas que não participam de seu capital social. Forma-se, assim, uma verdadeira cadeia societária, que pode ensejar uma complexa rede de transferência de informações, a envolver diferentes grupos de sócios e de administradores das diversas entidades. (PEDREIRA, José Luiz Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo (coord.). Direito das companhias, v. 2, p. 1925-1933).

Nesse sentido, se por um lado o legislador empregou no § 2º do art. 243 da Lei 6.404/1976 o conceito de controle equivalente ao previsto no art. 116 da mesma lei, por outro incluiu o termo “preponderância”, legitimando a titularidade do controle indireto (igualmente referida no dispositivo) pela sociedade controladora, atribuindo, assim, deveres e responsabilidades a quem, de fato, toma as decisões da vida social, ainda que por interposta pessoa. A preponderância funciona, aqui, como uma “influência significativa qualificada” (vez que se trata do próprio poder dominante), de modo que dispensa os rigores do formalismo, a exigir, em tese, o efetivo comparecimento e exercício do direito de voto da controladora na assembleia geral da controlada.

O desenvolvimento dos “grupos de fato” fez surgir ainda as “sociedades sobre controle comum”, expressão que não constava do texto originário da Lei 6.404/1976 e que veio a ser introduzida pela Lei 10.303/2001, que atribuiu nova redação ao art. 264, § 4º. As sociedades sob controle comum compreendem aquelas que não têm necessariamente entre si uma relação de participação direta e sim são controladas, direta ou indiretamente, pelo mesmo acionista ou sociedade controladora, de sorte a se sujeitarem ao regime da coligação, em função da influência única a que estão sujeitas. Sobre a pessoa do acionista controlador final recaem os mesmos deveres e responsabilidades que resultam do exercício do poder de controle (arts. 116 e 177 da Lei 6.404/1976).

O exercício compartilhado do poder de controle indireto, por meio de acordo de acionistas, é uma realidade presente há anos na vida das companhias brasileiras. Para que seja possível a unidade de direção das sociedades controladas, acionistas da sociedade controladora devem fazer com que sejam eleitos administradores nas diversas sociedades sob controle comum, supervisionando seu desempenho e exigindo que a orientação política seja observada nas respectivas controladas, uma vez que o direito de voto será exercido nestas sociedades pelos administradores da sociedade que detenha participação direta em seu capital social. Em poucas palavras, produz-se e reproduz-se a decisão empresarial tomada pelo controlador final, alcançando as administrações das sociedades controladas “em cascata”.

Nessa ordem de ideias, o caput do art. 118 da Lei 6.404/1976, foi alterado pela Lei 10.303/2001, com o objetivo de afastar controvérsias sobre a amplitude do acordo de acionistas cuja finalidade era estabelecer a orientação de governança de diferentes sociedades sob controle comum. Introduziu-se naquele dispositivo a possibilidade de o acordo de acionistas versar sobre “o poder de controle”, sem qualquer ressalva ou restrição, de modo a acolher os chamados “acordos de comando”, que visam produzir efeitos tanto perante a companhia controladora, quanto às suas controladas.

A vinculação das controladas aos termos do acordo de acionistas de comando é objeto de discussão específica. Entende-se que o referido acordo deve ser arquivado na sede da sociedade controladora e das sociedades controladas que se pretende sejam alcançadas por seus efeitos. A medida se impõe para que os órgãos de administração das sociedades controladas tenham pleno acesso ao documento, de sorte a estarem cientes de seu conteúdo. Caso se trate de companhia aberta, deverá ser divulgado comunicado de fato relevante, nos termos do art. 2º, parágrafo único, III, da Instrução CVM nº 358/2002 (com as alterações introduzidas pelas Instruções CVM 369/02, 449/07, 547/14, 552/14, 568/15 e 590/17).

Em controvérsia entre sociedades controladoras e controladas, o Superior Tribunal de Justiça corroborou a obrigatoriedade de arquivamento do acordo de acionistas na sede das sociedades controladas para fins de se estabelecer sua vinculação. Leia-se adiante trecho do voto do relator, Ministro Massami Uyeda: “Assentadas as premissas acima mencionadas, bem de ver que o art. 118 da LSA trata dos acordos de acionistas que versam sobre objetos específicos (compra e venda de ações, preferência par adquiri-las, exercício do direto a voto ou do poder de controle), que, por sua importância e natureza, encontram-se revestidos de formalidades próprias, necessitando de arquivamento na sede da empresa para a obrigatoriedade de sua observância pelos demais sócios e por terceiros. Ressalte-se, pois, que a troca de correspondência informal (e-mails) versando sobre assunto essencial e estrutural da FERTIFÓS não pode ser considerada como vinculativa de qualquer manifestação de vontade, nos termos da lei societária.

Dar-se, assim, prevalência à existência de correspondência informal sobre assunto de relevância societária em detrimento do que dispõe a própria lei específica é, data venia, dar respaldo a que acordos informais de parte de acionistas posam até mesmo conflitar com os interesses maiores da sociedade. Esta é a razão pela qual o art. 118 da LSA, repise-se, é enfático ao exigir que os acordos envolvendo compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direto a voto, ou do poder de controle, porque são de relevância societária, devem ser arquivados na sede da empresa”. (STJ. REsp 1.102.424/SP, 3ª Turma, rel. Min. Massami Uyeda, j. 18.08.2009).
 
Há quem diga que, entre a sociedade controladora e a sociedade controlada, forma-se um vínculo societário vertical ou de subordinação, tendo em conta as prerrogativas de direção tituladas pela primeira. (PEDREIRA, José Luiz Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo (coord.). Direito das companhias, v. 2). Ainda que se possa admitir esse raciocínio, deve-se registrar que essa hierarquia não corresponde à submissão dos interesses de uma sociedade à outra, o que é vedado pela lei e pelos princípios de coligação, notadamente o princípio da autonomia jurídica, anteriormente comentado. (MENEZES, Mauricio Moreira. Sociedade controladora e controlada. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: enciclopediajuridica.pucsp.br, Acessado em 16/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.101. Salvo disposição especial de lei, a sociedade não pode participar de outra, que seja sua sócia, por montante superior, segundo o balanço, ao das próprias reservas, excluída a reserva legal.

Parágrafo único. Aprovado o balanço em que se verifique ter sido excedido esse limite, a sociedade não poderá exercer o direito de voto correspondente às ações ou quotas em excesso, as quais devem ser alienadas nos cento e oitenta dias seguintes àquela aprovação.

Sob o magistério de Marcelo Fortes Barbosa Filho, aprendemos que a participação reciproca apresenta-se como uma situação francamente repudiada pela legislação societária, dadas a sobreposição de ativos e a anulação dos capitais investidos, e foi restringida, de maneira genérica e grave, pelo presente artigo. Caracterizada qualquer das três espécies de coligação em sentido amplo, previstas nos artigos antecedentes, uma sociedade personalizada que já tem como sócia outra sociedade personificada só poderá ser titular de direitos de sócio desta outra até o limite do valor igual ao das reservas de capital, constituídas a partir dos resultados acumulados em exercícios pretéritos. Tal limite é, evidentemente, flexível, pois será apurado ao final de cada exercício, quando elaborado o balanço patrimonial, como demonstração contábil obrigatória e destinada à apuração da composição detalhada e completa do ativo e do passivo da pessoa jurídica (CC 1.020, 1.065, 1.179 e 1.188), excluídas sempre as chamadas reservas legais, impostas por lei e utilizadas exclusivamente para aumentar o capital ou compensar prejuízos apurados.

Enquanto mantida a participação recíproca, se superado o referido limite, fica excluído o direito de voto decorrente do excesso caracterizado. Reduz-se, provisoriamente, o chamado capital votante de uma das sociedades e, ao mesmo tempo, impõe-se, com caráter de obrigatoriedade absoluta, a alienação das quotas ou ações correspondentes, em um prazo de cento e oitenta dias, contado de aprovação do balanço caracterizador do excesso enfocado. Se violados os comandos inseridos no parágrafo único, a responsabilidade civil dos administradores da sociedade respectiva estará configurada, desde que produzidos danos emergentes ou lucros cessantes efetivos, envolvendo-os solidariamente, aplicando-se, por analogia, o disposto no § 6º do art. 244 da Lei das S.A. (Lei n. 6.404/76). Ressalte-se, aliás, que o referido art. 244, por conter disciplina especial, resguardando condições específicas para que as companhias, em caráter excepcional e provisório, mantenham participações recíprocas, continua vigente. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1080-81. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Ricardo Fiuza leciona que, de acordo com o enunciado pelo art. 244 da Lei n. 6.404/76, “É vedada a participação reciproca entre a companhia e suas coligadas ou controladas”. A aplicabilidade e a eficácia dessa disposição constante do CC 1.101, todavia, esbarram na vedação contida no acima citado art. 244 da Lei das Sociedades Anônimas, que é a disposição especial ressalvada pela primeira parte deste artigo do Código Civil. Seria até válido admitir, em raciocínio mais elástico, que a lei especial a que se refere o caput do CC 1.101 poderia autorizar a participação recíproca em montante superior ao das reservas disponíveis do patrimônio líquido, desde que não computada a reserva legal (Lei n. 6.404/76, art. 193). Não pode ser esse, contudo, o sentido da norma, já que a participação recíproca de uma sociedade em outra constitui procedimento repudiado, expressamente pela legislação societária. Da mesma maneira como previsto no parágrafo único do CC 1.101, o art. 244, em seus §§ 49 e 52, estabelece o prazo, respectivamente, de seis meses e de um ano para a sociedade desfazer-se das ações que importem em participação recíproca, ficando suspenso, inclusive, o direito de voto das “ações do capital da controladora, de propriedade da controlada” (art. 244, § 22). Bibliografia • Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, A Lei das S.A., Rio de Janeiro, Renovar, 1992; Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito comercial, São Paulo, Saraiva, v. 2 (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 572-73, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Conforme leciona MENEZES, Mauricio MoreiraDa Participação recíproca entre sociedades”, a anterior e revogada lei de sociedades anônimas – Decreto-lei 2.627/1940 – não disciplinou sistematicamente o fenômeno da concentração econômica. No entanto, fez referência expressa à participação de uma sociedade em outra, determinando que o valor dessa participação estivesse discriminadamente escriturado em balanço patrimonial (art. 135, § 2º). Ainda nessa fase histórica, constatou-se a preocupação do legislador em conferir transparência às relações entre sociedades, o que veio a ser substancialmente aprimorado pela Lei 6.404/1976.

Com efeito, tanto o art. 244, da Lei 6.404/1976, quanto o CC 1.101 do Código Civil, vedam a participação recíproca entre tais sociedades. A norma visa assegurar a integridade do capital social, equiparando a situação (de participação recíproca) à compra de ações emitidas pela própria companhia (o que é proibido, em regra, pelo art. 30 da Lei 6.404/1976).

Há uma presunção legal, no sentido de considerar que a controlada, ao adquirir ações emitidas por sua controladora, está devolvendo à última aquilo que teria recebido a título de integralização do capital (assim como ocorreria com a companhia que compra suas próprias ações, devolvendo ao acionista o numerário que antes recebera em sua capitalização). Essa presunção do legislador não é absoluta e encontra única exceção prevista na própria lei, de modo taxativo. Logo, tal exceção – dispõe o § 1° do art. 244 da Lei 6.404/1976 – coincide com a situação cujas condições autorizam a aquisição pela companhia de suas próprias ações (art. 30, § 1°, “b”).

Essas condições são: (a) que tal aquisição seja realizada com base em lucros ou reservas, exceto a legal (fórmula seguida pelo Código Civil); (b) que o escopo da aquisição seja a manutenção das ações em tesouraria ou seu cancelamento, sem diminuição do capital social.

A vinculação dessa aquisição à existência de lucros ou reservas, exceto a legal, justifica-se em virtude de tais fundos corresponderem, a princípio, aos frutos gerados pela atividade social e, assim, constituírem, em tese, valores distintos daqueles percebidos pela companhia quando da integralização do capital. A exclusão da reserva legal é motivada pela sua especial destinação, que é a manutenção da integridade do capital social, só podendo ser utilizada em casos de aumento do capital ou reposição de perdas (art. 193, § 2°, da Lei 6.404/1976). 

Já a referência à manutenção das ações em tesouraria ou seu cancelamento visa impedir a manipulação do exercício do direito de voto, vez que as ações em tesouraria têm desde logo tal direito suspenso (art. 30, § 4°, da Lei 6.404/1976). Aliás, o legislador, em clara redundância, reafirmou a suspensão do direito de voto das ações abrangidas pela participação recíproca entre controladas e controladoras (art. 244, § 2°, da Lei 6.404/1976). (MENEZES, Mauricio Moreira. Sociedade controladora e controlada. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: enciclopediajuridica.pucsp.br Acessado em 17/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.097, 1098, 1.099 - continua Das Sociedades Coligadas - VARGAS, Paulo S. R.

Direito Civil Comentado - Art. 1.097, 1098, 1.099 - continua
Das Sociedades Coligadas - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo VIII –
(Art. 1.097 a 1.101) Das Sociedades Coligadas
vargasdigitador.blogspot.com digitadorvargas@outlook.com

(*) A denominação deste Capítulo foi modificada na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, visando reduzir, ainda que parcialmente, evidente incompatibilidade conceitual entre as disposições do Código Civil e a legislação das sociedades anônimas, que regulam as relações de participação societária. O mais correto seria a denominação deste capítulo como “Das sociedades coligadas, controladoras e controladas”, como se apresenta na Lei n. 6.404/76.

A expressão “sociedades ligadas” foi afastada em nome da melhor técnica jurídica, uma vez que era um conceito estranho ao direito societário. As relações de coligação genérica são relações de participação de uma sociedade em outra, detendo ou não seu controle. Todavia, para melhor expressão dos conceitos abrangidos por este capítulo, deverá ele ser objeto de aperfeiçoamento mediante projeto de lei de revisão. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 570, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 15/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.097. Consideram-se coligadas as sociedades que, em suas relações de capital, são controladas, filiadas, ou de simples participação, na forma dos artigos seguintes.

No entender de Marcelo Fortes Barbosa Filho, no presente capítulo, o Código Civil de 2002 cuidou de uma das facetas do relacionamento intersocietário, aquela derivada da hipótese de uma sociedade personalizada ostentar a qualidade de sócia e ser titular de uma participação no capital de outra sociedade personalizada, fazendo surgir uma situação jurídica particular, em que os entes imateriais são utilizados como instrumentos para concentrar, articular e dominar o maior volume de riqueza possível.

O regramento enfocado é, porém, bastante superficial, fornecendo apenas definições e cristalizando algumas regras cogentes apenas no CC 1.101, se a preocupação, por exemplo, de dispor sobre o fenômeno dos grupos de sociedades, que estabelece, comumente, uma atuação conjugada de atividades, seja pelo exercício do poder de controle detido por uma das sociedades (grupos de subordinação), seja, por simples ajuste contratual (grupos de coordenação).

O legislador preferiu, aqui, deixar de lado a classificação já constante da Lei das S.A. (arts. 243 a 278 da Lei n. 6.404/76) e englobou todas as possíveis variações em um gênero único, o da coligação. A coligação caracteriza-se, pura e simplesmente, quando uma sociedade personalizada é titular, em qualquer proporção, de parcela do capital de outra. Foram estabelecidas três espécies de coligação, em conformidade com a relação concreta mantida entre as duas pessoas jurídicas. Discriminam-se, assim, as relações mantidas entre uma sociedade controlada e outra controladora; as relações estabelecidas entre duas sociedades filiadas; e as elações decorrentes da manutenção de uma simples participação, o que é objeto dos CC 1.098 a 1.100. Frise-se, por fim, que a coligação, como fenômeno jurídico, é muito mais comum entre as sociedades empresárias, mas pode se estabelecer, também, entre sociedades simples, não fazendo o Código Civil de 2002 qualquer restrição a esse propósito. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1078. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 15/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, o título deste Capítulo VIII e o enunciado pelo CC 1.097 foram objeto de emenda na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, em que a expressão “ligadas” foi substituída por “coligadas”. A expressão “sociedades ligadas”, ainda que de maior conceitos e institutos de direito societário. O conceito jurídico correto e corrente sempre foi “sociedade coligada”, porque ambas estio sujeitas, igualmente, a um mesmo controle no grupo de sociedades de que fazem parte, conforme nos ensina a melhor doutrina (Alfredo Lamy filho e José Luiz bulhões Pedreira, A Lei das S.A., Rio de Janeiro, Renovar, 1992, p. 245/6). Assim, a expressão “sociedades ligadas” foi substituída por “sociedades coligadas”, conceito que exprime o atual entendimento legal (Lei n. 6.404/76, art. 243) e doutrinário, e adotada, inclusive, pelo próprio projeto (CC 1.188, parágrafo único). A coligação passa assim a ser compreendida tanto em sentido amplo, significando relação de controle, como em sentido estrito, quando não existe vinculação entre sociedades integrantes de um mesmo grupo econômico.

Para a doutrina de Ricardo Fiuza, sociedades coligadas são aquelas vinculadas a uma ou mais empresas sujeitas à mesma relação de controle, integrantes do mesmo grupo econômico. Conforme o magistério de Fábio Ulhoa Coelho (Curso de Direito Comarca, São Paulo, Saraiva, v. 2, p. 467), “As sociedades podem ligar-se por relações de controle ou coligação, como subsidiária integral, participação em grupos ou por consórcio”. No caso do enunciado deste CC 1.097, a vinculação decorre de relações de capital, quando uma sociedade detém participação no capital de outra sociedade, exercendo ou não seu controle. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 571, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 15/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para o autor Mauricio Moreira Menezes, o estudo das sociedades controladora e controlada situa-se no campo da concentração empresarial, em especial naquele caracterizado pela integração relativa entre sociedades. Nesse sentido, convém registrar que se trata de categoria de associação entre empresários que conservam sua autonomia jurídica e patrimonial e que se efetiva tanto pela coligação societária (ou seja, participação de uma sociedade em outra), quanto pela criação de grupos de sociedades (organizados formalmente sob uma convenção de grupo) ou, ainda, pela constituição de consórcios. No estudo que se apresenta, serão examinados problemas decorrentes da primeira hipótese acima considerada, os quais abrangem a coligação societária em sentido amplo e, subsequentemente, os efeitos da relação estabelecida entre sociedades controladora e controlada.

Noção de coligação entre sociedades. Segundo Tullio Ascarelli, a origem da expressão “sociedades coligadas” se encontra no Direito Italiano, na obra de Francesco Messineo, “Le Società Collegate”, editada em 1932. ( ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito, p. 486, nota 1.)  A referida locução pode ser empregada em duplo sentido, sendo o primeiro para designar, em caráter amplo, o fato de existir uma relação de participação de uma sociedade no capital de outra (qualquer que seja ela) e o segundo para definir, em caráter estrito, a espécie do vínculo jurídico existente entre duas sociedades, servindo, neste último caso, para distingui-lo da relação de controle e, segundo o Código Civil, da relação de simples participação (CC  1097). 


O exame do sentido amplo da coligação é antigo e sobre ele pronunciava-se Tullio Ascarelli, com as seguintes palavras: “[n]um sentido mais rigoroso falaremos em coligação, quando uma sociedade for sócia de outra; em controle, quando a participação de uma sociedade em outra for de molde a facultar legalmente o controle da primeira sobre a segunda”. (Idem, p. 487).  A esse propósito, registra Arnoldo Wald que a expressão “coligação” é, em sentido lato, reservada ao mecanismo de formação dos grupos societários que mantém a integridade patrimonial das sociedades e a autonomia de suas personalidades jurídicas. Nas palavras do autor, coligação é o gênero que possui classicamente duas espécies: o controle e a coligação em sentido estrito. (WALD, Arnoldo. Livro II - Do Direito de Empresa. Arts. 966 a 1.195. Comentários ao Novo Código Civil, v. 14, p. 629). 

A doutrina clássica chegou a discutir a ilicitude da coligação entre sociedades. Tullio Ascarelli defendeu que a participação de uma sociedade em outra, por si só, não poderia ser considerada fraudulenta. Salientavam os comercialistas que, de toda forma, a autonomia jurídica entre as sociedades coligadas poderia ser manipulada para fins escusos, casos em que surgiria a mencionada ilicitude. Assim, a autonomia jurídica de cada entidade seria a princípio reconhecível, mas poderia ser negada em determinadas situações concretas. Logo, insista-se na consistente lição de Ascarelli, que se mantém atual: “A respeito, parece-me possível afirmar, em geral, que a existência de uma sociedade não pode servir para alcançar um escopo ilícito e, portanto, que: a existência de uma sociedade não pode servir para burlar as normas e as obrigações que dizem respeito aos seus sócios; a existência de uma coligação de sociedades não pode servir para burlar as normas e as obrigações que dizem respeito a uma das sociedades coligadas [...] Mas a coligação entre sociedades pode facultar fraudes que afetem os direitos de terceiros credores, seja por meio de típicos atos de fraude contra credores – sujeitos, portanto, às normas da ação pauliana – seja por meio do recurso à distinção jurídica entre as várias sociedades, para ilidir a observância de determinados compromissos – e, então, neste caso, à vista, da fraude, cumprirá atender à existência da coligação e à consequente unidade econômica das sociedades coligadas”. (ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito, p. 490-493).
  
Desde então, a análise do tema concentrou-se na questão da autonomia das sociedades coligadas, abrangendo não só a hipótese de dano a sócio ou terceiro (geralmente um credor), como igualmente as consequências da coligação sob o ponto de vista de dominação dos mercados, quando tal concentração societária tende à prática de atos de concorrência desleal. 

Esse postulado de autonomia impõe a não admissibilidade da subordinação de interesses de duas ou mais sociedades coligadas, afastando a possibilidade de os sócios minoritários de uma das sociedades ficarem a mercê das decisões tomadas por um grupo de sócios que dela participem indiretamente, por meio de uma outra sociedade, em cuja assembleia poderiam ser tomadas tais deliberações. Seria a hipótese da sociedade cujos sócios decidem empreender projeto acessório à atividade empresarial (a título de ilustração, a construção de uma hidrelétrica ou a realização de obras de infraestrutura urbana para implantação da indústria), mas, para evitar elevado endividamento para o custeio da empreitada, assim o fazem por intermédio de uma coligada, a cujos diretores determinam sejam tomadas as medidas necessárias para o implemento da pretensão. Assim agindo, esses sócios indiretos estariam decidindo a sorte da coligada, em foro que lhe é absolutamente estranho e, pior, cujo acesso é vedado aos sócios minoritários.

Para explicar o problema da quebra da autonomia, sob outro enfoque, é válido mencionar a norma expressa no art. 2.361, do Código Civil italiano: “[l]’assunzione di partecipazioni in altre imprese, anche se prevista genericamente nell’atto costitutivo, non è consentita, se per la misura e per l’oggetto della partecipazione ne risulta sostanzialmente modificato l’oggetto sociale determinato dall’atto costitutivo”. Como se vê, há naquele ordenamento jurídico expressa proibição da participação de sociedade em outra, caso disso resulte uma modificação substancial do objeto social da primeira. Em comentário a esse dispositivo, Francesco Ferrara registra que a intenção do legislador foi impedir a alteração do objeto social sem que haja a aprovação dos sócios, revestida das formalidades legais previstas no direito italiano para tão grave deliberação social. (FERRARA JR. Francesco; CORSI Francesco. Gli imprenditori e le società, p. 706).  

Diferentemente da hipótese antes referida – em que se usa uma coligada para a prática de atos de interesse exclusivo da sociedade dominante – a preocupação do legislador italiano se projeta no desvio praticado pelos administradores de uma sociedade no exercício da direção social, velado por meio de uma participação em outra sociedade. Com efeito, há um princípio universal que preexiste à disciplina legal das sociedades coligadas e que, portanto, deve servir como paradigma interpretativo desse regime jurídico: a existência de uma coligação de sociedades não pode servir para burlar normas e obrigações (legais, estatutárias ou contratuais) que digam respeito a uma das sociedades coligadas, seus sócios e seus administradores. 

E essa manipulação só será possível, em tese, quando uma das sociedades ostente o que tecnicamente se denomina “influência relevante” ou “influência significativa”, ou seja, quando a participação societária confere a seu titular poderes suficientes para sua intervenção na vida interna da coligada. Daí que, na doutrina, a “influência significativa” surge como elemento fundamental para distinguir as coligadas das demais sociedades que detêm participação em outra, sem que ostentem o status de coligação. Assim, é a “influência significativa” que vai determinar a sujeição dessas sociedades a um regime jurídico próprio, visando a à proteção da própria entidade, de seus acionistas (minoritários) e de terceiros com os quais a sociedade contrata.

A respeito da “influência relevante” (ou “significativa”, que, para tais efeitos, devem ser tidas como sinônimas), Modesto Carvalhosa sustenta que a coligação e o controle caracterizam-se como modalidades de concentração empresarial em que as sociedades envolvidas mantêm sua identidade, formando um grupo societário de fato e, assim, uma entidade econômica de relevância jurídica, cujas sociedades integrantes devem manter sua individualidade estrita de seus objetivos empresariais e da formulação de suas políticas e estratégias, visando precípua e unicamente o seu próprio interesse social. (CARVALHOSA, Modesto de Souza Barros. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 4, t. 2, p. 11). 

Destaque-se que essa posição foi plenamente acolhida pelo legislador brasileiro por ocasião da reforma da Lei 6.404/1976, ocorrida em 2009, por intermédio da Lei 11.941, que conferiu ao § 1º do art. 243 a seguinte redação: “[são coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa”, presumindo-se a influência significativa quando houver participação 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida. Definiu-se como “influência significativa” a situação em que “a investidora detém ou exerce o poder de participar nas decisões das políticas financeira ou operacional da investida” (art.  243, § 4º, da Lei 6.404/1976, incluído pela Lei 11.941/2009). (MENEZES, Mauricio Moreira. Sociedade controladora e controlada. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/255/edicao-1/sociedade-controladora-e-controlada
Acessado em 15/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.098. É controlada:

I – a sociedade de cujo capital outra sociedade possua a maioria dos votos nas deliberações dos quotistas ou da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores;
II – a sociedade cujo controle, referido no inciso antecedente, esteja em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedades ou sociedades por esta já controladas.

No entender de Marcelo Fortes Barbosa Filho, pretende-se, no presente artigo, conceituar a sociedade controlada, submetida ao poder de disposição de uma sociedade controladora, mediante uma relação de subordinação direta ou indireta. O primeiro dos incisos cuida da subordinação direta, assinalando sua consecução quando dois diferentes eventos são conjugados: a sociedade controladora, num primeiro plano, detém a maioria de votos para a aprovação das deliberações comuns, ostentando o potencial de dirigir, com exclusividade, os destinos da sociedade controlada; em razão da quantidade de votos detidos, a sociedade controladora, num segundo plano, ostenta o potencial de eleger a maioria dos administradores da sociedade controlada.

O segundo e último dos incisos trata da subordinação indireta, a qual é obtida por intermédio de outras sociedades personificadas, formando-se um sistema superposto de transmissão do poder de controle. Com efeito, os votos suficientes para a aprovação das deliberações comuns e para eleger os administradores da sociedade caracterizada como controlada são de titularidade de uma ou mais sociedades também controladas, resultando, enfim, na transmissão do poder de controle a outra pessoa jurídica, que pode, inclusive, não se qualificar como sócia e, ainda assim, apresentar o potencial de dirigir os destinos da sociedade controlada. Não é preciso, aqui, o uso efetivo do poder de controle conferido, bastando, para a caracterização da relação de subordinação direta ou indireta, que se viabilizem, como caráter de permanência, as duas circunstancias assinadas, i. é, que a vontade externada pela sociedade controladora seja determinante para o teor das deliberações tomadas no âmbito dos órgãos da sociedade controlada e para a escolha dos componentes de sua administração.

O § 2º do art. 243 da Lei das S.A. (Lei n. 6.404/76) traz definição similar. Feita uma comparação com o dispositivo constante da legislação especial, há somente uma minúscula diferença redacional, pois é feita referência à “preponderância das deliberações sociais” como elemento caracterizador da relação de subordinação, enquanto este artigo remete à “maioria dos votos nas deliberações dos quotistas ou da assembleia geral”, mas sem maior relevância. Por maioria, deve-se entender a simples superioridade numérica dos votos, o que nada mais é que a preponderância constante do antigo texto de lei. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1079. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 15/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em seu histórico, o inciso I deste artigo foi alterado por emenda do Relator aprovada na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados. A redação original do inciso I apresentava-se defasado diante dos modernos institutos e conceitos do direito societário. A emenda corrigiu essa evidente distorção conceitual, adaptando a definição de acionista controlador ao enunciado pelos arts. 116 e 243, § 2º, da Lei das sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76), impedindo, outrossim, que o novo Código Civil entrasse em vigor apresentado uma inafastável contradição em face das normas especiais supervenientes à sua elaboração.

Em sua doutrina, Ricardo Fiuza leciona que a relação de controle de uma sociedade por outra depende da ocorrência simultânea de dois fatores: (a) a titularidade da maioria do capital com direito a voto; e (b) o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade controlada. Na hipótese do inciso I, ocorre a relação de controle direto de uma sociedade por outro. Já no caso do inciso II, a relação de controle é indireta, existindo entre a sociedade controlada e a controladora superior, denominada holding, outras sociedades que também participam do capital da controlada. O § 2º do art. 243 da Lei n. 6.404/76, de modo mais preciso, define essas relações de controle direto e indireto, por meio de sociedades interpostas. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 571, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 15/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No magistério de Mauricio Moreira Menezes Autonomia jurídica das coligadas e sua unidade econômica. A noção de coligação empresarial impõe fundamental reflexão, que diz respeito à unidade econômica entre as coligadas. A discussão sobre a unidade econômica escapa à esfera particular das sociedades coligadas e volta-se para os direitos de credores e terceiros com os quais a sociedade (constituída a partir da coligação) se relaciona. De certo modo, a unidade econômica vai servir para equilibrar os efeitos da aplicação do princípio da autonomia jurídica, a fim de que o formalismo deste último – inicialmente justificável para evitar a subordinação de interesses – não seja empregado para desviar a responsabilidade das entidades.

Logo, casos fraudulentos justificam a convolação da unidade econômica em unidade jurídica, produzindo a desconsideração do princípio da autonomia jurídica das coligadas, para efeito de vinculação dos responsáveis. Ou seja, a unidade das coligadas – um princípio de natureza econômica – passa a ter caráter jurídico em situações excepcionais. Como exemplo, tome-se o caso da sociedade que contrata o uso de uma marca ou patente, comprometendo-se a pagar ao titular da propriedade industrial, a título de royalties, uma porcentagem de 5% (cinco por cento) sobre o montante total da venda dos produtos correlacionados com esses direitos. Em seguida, aquela sociedade constitui uma controlada e com esta celebra um contrato de venda dessas mercadorias, por preço bem inferior ao de mercado, esvaziando assim a remuneração a ser paga a quem lhe concedeu os direitos sobre a marca ou patente. Mecanismos como esse, abusivos, não podem prevalecer frente aos legítimos interesses do titular da propriedade industrial, que poderá exigir a correção do abuso, com fundamento no princípio da unidade econômica entre essas coligadas, de forma a desconsiderar a autonomia jurídica existente entre elas. Por conseguinte, estendendo à esfera jurídica o referido princípio, poderá ser considerado, para efeitos de pagamento da remuneração do concedente da marca ou patente, o faturamento da entidade controlada, sobre o qual incidirá o percentual dos mencionados royalties.

O apelo à unidade jurídica das sociedades coligadas é verificado em diversos diplomas legislativos - como norma sancionadora - entre os quais se podem destacar o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990, art. 28, §§ 2º e 4º), a lei que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011, art. 33), a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei 5.452/1943, art. 2º, § 2º), o Decreto-lei 2.321/1987 (em seu art. 15), que dispõe sobre Regime de Administração Especial Temporária – RAET, além de leis tributárias e previdenciárias, que disciplinam a extensão da responsabilidade entre coligadas, para o caso de não pagamento de tributos e contribuições.

O Superior Tribunal de Justiça tem estendido o princípio da unidade econômica para alcançar a esfera jurídica das coligadas, para fins de tutelar os mais variados interesses, tanto de sócios (diretos e indiretos), quanto de terceiros, como consumidores e a Fazenda Pública. Nesse sentido, aquela Corte Superior decidiu, por ocasião do julgamento do REsp. 1.424.617/RJ, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, no sentido de acolher a legitimidade do nu-proprietário de quotas de sociedade holding familiar para pleitear anulação de ato societário praticado por sociedade pertencente a “grupo econômico”, sob alegação de ter sido vítima de simulação tendente ao esvaziamento de seu patrimônio pessoal. Confira-se adiante trecho da ementa da decisão: “Recurso especial que discute a legitimidade do nu-proprietário de quotas sociais de holding familiar para pleitear a anulação de ato societário praticado por empresa pertencente ao grupo econômico (...). Ainda que, como regra, a legitimidade para contestar operações internas da sociedade seja dos sócios, hão de ser excepcionadas situações nas quais terceiros estejam sendo diretamente afetados, exatamente como ocorre na espécie, em que a administração da sócia majoritária, uma holding familiar, é exercida por usufrutuário, fazendo com que os nu-proprietários das quotas tenham interesse jurídico e econômico em contestar a prática de atos que estejam modificando a substância da coisa dada em usufruto, no caso pela diluição da participação da própria holding familiar em empresa por ela controlada”. (STJ, REsp 1.424.617/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6 mai. 2014). 

A propósito da tutela de interesses de consumidor, o Superior Tribunal de Justiça consolidou jurisprudência no sentido de vincular a sociedade corretora ou a instituição financeira às responsabilidades próprias da seguradora, quando tais entidades integram o mesmo “grupo econômico”, aplicando inclusive a Teoria da Aparência, como se vê da seguinte ementa: “[a] Corte local aplicou a teoria da aparência, entendendo pela legitimidade da instituição financeira pertencente ao mesmo grupo econômico, posicionamento que encontra respaldo na jurisprudência desta Corte Superior”. (STJ, AgRg no AREsp. 141.432/SP, 4ª Turma, j. 08.05.2012. Vide ainda: AgR no Ag 1.301.352/SP, j. 14.02.2012; AgR no REsp 1.184.488/PA, j. 02.06.2010; AgR no REsp 858.896/MG, j. 12.05.2009; REsp 842.688/SC, j. 23.03.2007; REsp 332.787/GO, j. 11.12.2001). Em suma, o reconhecimento dos efeitos jurídicos desse princípio econômico constitui medida excepcional e derrogatória da autonomia jurídica das coligadas, regra geral que preside a disciplina jurídica das sociedades no direito brasileiro. (MENEZES, Mauricio Moreira. Sociedade controladora e controlada. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/255/edicao-1/sociedade-controladora-e-controlada Acessado em 15/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.099. Diz-se coligada ou filiada a sociedade de cujo capital outra sociedade participa com dez por cento ou mais, do capital da outra, sem controlá-la.

Segundo o lecionar de Marcelo Fortes Barbosa Filho, entre as espécies de coligação em sentido amplo, cuida-se, aqui, de definir a filiação ou a coligação em sentido estrito, sendo ambas as expressões usadas como sinônimas. Entre sociedades filiadas, persiste, mesmo que não se concretizem uma relação de controle e uma atuação absolutamente uniformizada, uma composição de interesses comuns, decorrentes da persistência de uma participação relevante no capital social de uma das pessoas jurídicas e de titularidade de outra, mantida com caráter de permanência.

Assim, a sorte de uma das sociedades influencia o sucesso da outra. Para a identificação da filiação, o legislador adotou um duplo critério, quantitativo e qualitativo. Toda filiação depende, quantitativamente, de que seja uma sociedade titular de uma participação no capital social de outra em montante superior a dez por cento e, qualitativamente, não seja exercido poder de controle, tal qual delineado pelo artigo antecedente e caracterizado pela detenção de votos suficientes para a aprovação das deliberações comuns e para a eleição da maior parte dos administradores da sociedade controlada.

A participação inferior a dez por cento é insuficiente, portanto, de acordo com o texto legal, para gerar uma agregação mais profunda entre as sociedades, assim como, se, em razão de uma participação minoritária, for exercido poder de controle efetivo, será excluída a filiação, enquadrando-se a hipótese no CC 1.098. Ressalte-se que o § 1º do art. 243 da Lei das S.A. (Lei n. 6.404/76) apresenta definição totalmente coincidente com a presente, não tendo o Código Civil de 2002 inovado na matéria. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1080. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 15/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Reza o histórico ter este artigo também sido objeto de emenda apresentada pelo relator na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados. A redação original demonstrava-se destoante da evolução posterior ocorrida na legislação societária a partir do advento da Lei n. 6.404/76. Os conceitos de sociedade ligada e sociedade filiada não guardavam correspondência no âmbito de nossa legislação e doutrina. As emendas introduzidas nos CC 1.097 e 1.099 tiveram como finalidade adaptar as normas do Código Civil às definições de sociedades coligadas, controladoras e controladas presentes na vigente Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. ¨.404/76, arts. 243 a 264).

Em sua doutrina, recorda Fiuza, a sociedade coligada, em sua acepção estrita, corresponde ao que a redação original do Código Civil denominada sociedade filiada. O conceito de sociedade coligada prevalente no direito societário é o constante do inciso I do art. 243 da Lei n. 6.404/76, reproduzido por este CC 1.099. Haverá relação de coligação entre duas sociedades quando uma participe de mais de dez por cento do capital da outra, porém sem exercer seu controle. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 572, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 15/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No ritmo de Mauricio Moreira Menezes, as sociedades coligadas, controladoras e controladas tiveram sua disciplina sistematicamente introduzida pela Lei 6.404/1976, que lhes reservou o Capítulo XX, fixando, além dos conceitos que lhe são pertinentes, normas de escrituração contábil (art. 243 e art. 247 a 250), normas de proteção a credores e acionistas minoritários (art. 244 e art. 245) e normas de responsabilidade de administradores (art. 245) e controladores (art. 246). 

Por sua vez, o Código Civil limita-se, com poucas exceções, a enunciar conceitos e regras antes positivadas na Lei 6.404/1976, sem evoluir no trato normativo da matéria, inclusive porque os referidos diplomas foram projetados simultaneamente. Ao tempo de discussão dos respectivos anteprojetos de lei e não obstante os rumos dos trabalhos legislativos, a doutrina, na qual se destacou a valiosa opinião do Prof. Oscar Barreto Filho, defendeu a edição de um Código Geral de Sociedades, a exemplo da orientação adotada por outros sistemas jurídicos, tal como o alemão (em 1965), o francês (em 1966), o inglês (1967) e, mais tarde, o português (1986) (BARRETO FILHO, Oscar. O Projeto de Código Civil e as Normas sobre Atividade Negocial. Revista de Direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, v. 9, p. 100).   

A esse respeito, o Prof. Rubens Requião pôs-se em campo, encaminhando por escrito suas observações à Comissão Especial da Câmara dos Deputados, incumbida de dar parecer sobre o Projeto de Código Civil, no seguinte sentido: “[d]eixo aqui, inicialmente, registrado, meu inconformismo em não termos, a exemplo da França e do México, uma lei geral de reforma, não só das sociedades anônimas, mas de todas as sociedades comerciais” (REQUIÃO, Rubens. Projeto de Código Civil. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, v. 17, p. 137).  

Naquela oportunidade, o jurista se debruçou sobre a regulação da coligação societária no anteprojeto de lei das sociedades anônimas e no projeto de Código Civil, formulando a seguinte crítica: “O Anteprojeto da Lei das Sociedades Anônimas regula, por sua vez, a mesma matéria, dando-lhe maior desenvolvimento no Capítulo XXI, das ‘Sociedades Coligadas, Controladoras e Controladas’, e depois da ‘Subsidiária Integral’, do Grupo de Sociedades’ e do ‘Consórcio’ etc. (...) É necessário, então, preliminarmente, decidir em que lugar essa matéria deve figurar, ou seja, se no futuro Código Civil ou na Lei de Sociedades por Ações. A nós nos parece que, sendo a matéria de caráter geral, pois se refere não só às anônimas como também aos outros tipos societários, merece ter sua colocação no Código Civil (...). Seria aconselhável, em consequência, que as duas Comissões autoras desses projetos se reunissem, a fim de, analisando e confrontando os preceitos, fundissem as duas opções numa só redação, a qual seria incluída no Código Civil, abstendo-se de ampliar a Lei de Sociedades Anônimas em matéria de ordem societária geral”. (REQUIÃO, Rubens. Projeto de Código Civil. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, v. 17, p. 137).  

Entretanto, as mencionadas contribuições doutrinárias quedaram-se sem resposta do Poder Legislativo, que assim acabou por disciplinar a coligação societária em dois distintos diplomas legislativos. Diante da norma disposta no CC 1.089, que exclui expressamente do Código Civil a matéria respeitante às sociedades anônimas, salvo quando omissa a lei especial (diga-se, na omissão da Lei 6.404/1976), questão a ser enfrentada é aquela relativa à aplicação do Código Civil às sociedades anônimas e vice-versa, naquilo que concerne à coligação societária. A relevância do problema fundamenta-se, por um lado, no caráter geral da disciplina, comum aos diversos tipos de sociedades e, por outro lado, em certas diferenças que neste particular existem entre o Código Civil e a Lei 6.404/1976.

Muito embora a Lei 6.404/1976 seja de caráter especial, a posição da doutrina é no sentido de reconhecer o amplo alcance das normas nela previstas sobre coligação societária. Nessa linha, retorne-se ao discurso autorizado de Rubens Requião, a partir de aprofundada análise do Projeto de Código Civil em momento posterior à aprovação da Lei 6.404/1976: “É evidente a melhor regulação de toda essa matéria na Lei de Sociedades por Ações do que no Projeto de Código Civil. Não há dúvida – e isso desejo repetir e insistir – que o Projeto de Código Civil unificado regula matéria constante da recente e criteriosa elaboração da Lei de Sociedades por Ações. Como determinar, entretanto, a lei de regência, no caso? Sem dúvida a Lei de Sociedades por Ações pretendeu regular a matéria relativa a todos os tipos de sociedade. E, com mais particularidade, a sociedade por quotas, que é a mais comum sociedade existente atualmente em nosso país. O Projeto de Código Civil unificado regula todas elas, com exceção da sociedade por ações, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições do Código (CC 1.089). Qual, insista-se, a lei a aplicar. Poder-se-ia argumentar que o Projeto de Código Civil regula o problema da ligação entre as sociedades quando de natureza pessoal (sociedades limitadas, em nome coletivo, em comandita por ações), reservando as disposições relativas às sociedades anônimas para regular as suas normas específicas. Mas se se considerar que a ligação de sociedades se pode determinar entre sociedades de tipos diferentes, uma das quais sociedade anônima e outra sociedade, por exemplo, por quotas, como se haveria de enfrentar o problema da lei de regência?” (REQUIÃO, Rubens. Aspectos modernos de direito comercial, v. 3, p. 71). 

Por sua vez, o Código Civil, nos cinco artigos reservados à coligação, traz as seguintes inovações: (i) emprega o termo “filiada” como sinônimo de coligada em sentido estrito (CC 1.097 e CC 1.099); e (ii) institui nova espécie de coligação societária, denominada “sociedade de simples participação” (CC 1.097 e CC 1.100). Ao lado disso, o CC 1.098 corrobora (não obstante com diversa redação) o conceito de “sociedade controlada” antes previsto na Lei 6.404/1976, art. 243, § 2°, e o art. 1.101 ratifica a regra de vedação de participação recíproca entre coligadas, inserida no art. 244 da Lei 6.404/1976. 

No mais, o legislador do Código Civil empregou no CC 1098, II, a expressão “ações ou quotas”, submetendo as sociedades anônimas e os demais tipos de sociedades empresárias, indiscriminadamente, à disciplina do Capítulo VIII, do Título II, do Livro de Direito de Empresa. Por consequência, quanto às regras do Código Civil que não conflitam com aquelas previstas na Lei 6.404/1976, o melhor entendimento passa a ser no sentido de inferir que tais diplomas são complementares, concluindo-se, portanto, pela aplicação de ambos a todos os tipos de sociedade previstos no ordenamento brasileiro.

A exceção a esse entendimento relaciona-se com as normas trazidas pela referida Lei 11.941/2009, que, como acima comentado, conferiu nova redação ao § 1º do art. 243 da Lei 6.404/1976, definindo “influência significativa”. Segundo textualmente previsto em seu art. 46, a Lei 11.941/2009 circunscreveu a aplicação do mencionado § 1º do art. 243 exclusivamente às sociedades por ações, determinando, para os demais casos, a adoção do conceito de coligada previsto no CC 1.099 do Código Civil. Nesse ponto, a Lei 11.941/2009 foi confusa e despropositada, pois estabeleceu verdadeira dicotomia no conceito de coligação em sentido estrito, prescrevendo regra própria para as sociedades por ações e mantendo o regime tradicional para as demais sociedades. Melhor seria a uniformização da matéria, que sempre prevaleceu no Brasil, independentemente dos tipos societários submetidos ao regime da coligação. (MENEZES, Mauricio Moreira. Sociedade controladora e controlada. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: www.enciclopediajuridica.pucsp.br/ Acessado em 15/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD