terça-feira, 14 de julho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.093, 1094, 1.095, 1.096 Da Sociedade Cooperativa - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.093, 1094, 1.095, 1.096
Da Sociedade Cooperativa - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo VII –
(Art. 1.093 a 1.096) Da Sociedade Cooperativa
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Art. 1.093. A sociedade cooperativa reger-se-á pelo disposto no presente capítulo, ressalva a legislação especial.

Memorizando com Marcelo Fortes Barbosa Filho, as sociedades cooperativas foram disciplinadas nos CC 1.093 a 1.096, em que estão estatuídas normas básicas, que não revogaram o disposto na Lei n. 5.764/71, principal diploma legal regente da matéria. Criada no século XIX e introduzida no Brasil pelo Decreto n. 1.637/07, as cooperativas ganharam destaque especial no meio rural. Trata-se de um tipo societário peculiar, derivado do fenômeno da mutualidade, destituído do escopo lucrativo, de natureza não empresária e cuja função primordial é a de criar um ambiente econômico adequado ao desenvolvimento da atividade de seus sócios, os quais fornecem suporte à manutenção da pessoa jurídica por meio de sua contribuição individual, na forma de serviços ou de bens.

Os sócios cooperados não pretendem, aqui, extrair lucros, mas, isso sim, obter benefícios outros, tais quais a facilidade da comercialização de mercadorias e melhor acesso à assistência técnica e à tecnologia. Há, portanto, um incremento qualitativo comum na atividade realizada isoladamente por cada um dos cooperados, que assumem, ao mesmo tempo as posições de partícipes do quadro social e de clientes exclusivos da pessoa jurídica criada. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1076. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 14/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, este artigo foi objeto de emenda de redação na parti final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, mas apenas para aperfeiçoamento de sua estrutura redacional. A sociedade cooperativa encontra-se regulada na Lei n. 5.764/71, que contém as normas especiais para sua regência.

Em doutrina, como espanca Ricardo Fiuza, a sociedade cooperativa encontra-se definida pelo art. 32 da Lei n. 5.764/71, do seguinte modo: “Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, serem objetivo de lucro”. É a cooperativa, pois, um tipo peculiar de sociedade, que poderá ser constituída mesmo sem capital, mas apenas com serviços, não tendo finalidade lucrativa. Por isso que o art. 4º da Lei n. 5.764/71 afirma que as cooperativas são “sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência”, destacando que estas não possuem natureza mercantil. Os CC 1.093 a 1.096 estabelecem as regras gerais de regulação da sociedade cooperativa, sendo complementadas pelas normas da legislação especial. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 568, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 14/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Candida Joelma Leopoldino e Laura Cristina de Quadros, em seu artigo O direito cooperativo e sua normativa jurídica, o Código Civil (Lei n 10.406/2002) Depois de tratarem da Lei do Cooperativismo, cumpre, agora, algumas palavras sobre a mais recente inovação relacionada às sociedades cooperativas em geral. A Lei n° 10.406 de 10 de janeiro de 2002, o atual Código Civil Brasileiro, que entrou em vigor somente um ano após a publicação, tratou em um capítulo específico sobre as sociedades cooperativas, entretanto, limitou-se a desenvolver os princípios a serem aplicados a elas, não trazendo à baila grandes novidades sobre o assunto. Ele, no entanto, poderia representar um instrumento de renovação e atualização das sociedades cooperativas e, apesar disso, modificou algumas poucas questões, acabou em um texto contraditório e pouco significativo de modificações e inovações para o tema. Conforme preceitua o artigo 2°, seu caput e o parágrafo 1° da Lei de Introdução ao Código Civil (As principais regras de hermenêutica estão no Decreto-Lei n° 4.657, de 04 de setembro de 1942, o qual recebeu o nome de Lei de Introdução do Código Civil. Seu objetivo é estabelecer um conjunto de regras interpretativas e algumas outras de Direito Internacional privado. BRECHO, Renato Lopes. As metodologias de cotejo da Lei n° 5.764/61 e o Código Civil para a definição do novo regime jurídico das sociedades cooperativas. In KRUEGER, Guilherme (coord.). Cooperativismo e o Novo Código Civil. p. 32. Art. 2º - Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1º - A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2º - A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3º - Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência), a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Conforme se observara, tal caso não se aplica à Lei das Cooperativas e ao Código Civil, visto que não existe disposição expressa no CC que revogue ou modifique a Lei especial, os textos são compatíveis e o CC não trata sobre toda a matéria atinente às sociedades cooperativas. Observe-se, inclusive, que o artigo 1093 do Código Civil prevê a manutenção da legislação cooperativa), a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

Igualmente, o § 2º do mesmo diploma legal prevê que a lei nova estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revogando nem modificando a lei anterior. Ao esculpir o texto do Código Civil, o legislador, nas palavras de KRUEGER (KRUEGER, Guilherme. A disciplina das cooperativas no Novo Código Civil- a ressalva da lei 5.764/71. In Problemas atuais do Direito Cooperativo. p. 109.) optou “claramente por contemplar apenas soluções jurídicas sedimentadas e estáveis, evitando, no que tange às cooperativas, questões cujo debate resta aberto na sociedade.”

Uma das soluções dadas pelo Código Civil diz respeito à natureza jurídica da sociedade cooperativa. O artigo 4° da Lei n° 5.764/71 que as cooperativas têm forma e natureza jurídicas próprias e, em seguida, assevera que sua natureza é civil, causando certa contradição sobre qual seria realmente sua natureza jurídica. Tal diploma legal, por seu turno, no CC 982 (CC 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (CC 967); e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.), parágrafo único, estabeleceu que, independentemente de seu objeto, a sociedade cooperativa terá sempre natureza jurídica de sociedade simples.

Ocorre que, se por um lado, a lei civil fixou a natureza jurídica, por outro, trouxe dúvida sobre o arquivamento dos atos constitutivos das sociedades cooperativas, já que sobre isso especificamente nada tratou. Pelo artigo 17, parágrafo 6° da Lei n° 5.764/71 os atos constitutivos seriam arquivados na Junta Comercial. Pelo Código Civil, tratando-se de sociedade simples, os atos são arquivados em Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas.

Se o CC estabeleceu que a sociedade cooperativa é uma sociedade de natureza simples, estaria, pela interpretação do texto do parágrafo 1° artigo 2° da LICC, neste caso revogado o artigo 17, parágrafo 6° da Lei das Cooperativas, o que significa dizer que os atos constitutivos deveriam ser arquivados nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Entretanto, na prática atual continua sendo o arquivamento dos atos constitutivos na Junta Comercial.

Além disso, invocando o parágrafo 2° do artigo 2° da Lei de Introdução ao Código Civil, a lei nova que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, como no caso em tela, sobre o registro dos atos constitutivos, não revoga nem modifica a lei anterior. É assim que, na opinião de KRUEGER, ([...] onde não houver expresso e frontal conflito entre o Novo Código Civil e a Lei n° 5.764/71, as regras aqui contidas devem ser prestigiadas, socorridas que estão pelo art. 2°, § 2° da Lei de Introdução ao Código Civil. Isso porque as contradições absolutas não se presumem.).

Passadas tais premissas iniciais, vejamos as disposições sobre as sociedades cooperativas em seu capítulo, no Código Civil Brasileiro: O Código Civil dispensou um capítulo específico para tratar das Sociedades Cooperativas, nos artigos 1.093 a 1.096. Note-se que artigo 1093 impõe às sociedades cooperativas a disciplina existente no Capítulo VII do CC/2002, ressalvando, entretanto, a aplicação da lei especial sobre a matéria. (Candida Joelma Leopoldino Advogada e professora universitária. Mestre e Doutoranda em Direito pela UFPR. Laura Cristina de Quadros Advogada e professora universitária. Mestre em Direito pela UFSC, Volume 13 – Número 17 – Jan/Jun 2011 – pp. 185-207, artigo O direito cooperativo e sua normativa jurídica, Acesso 14/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.094. São características da sociedade cooperativa:

I – variabilidade, ou dispensa do capital social:
II – concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da sociedade, sem limitação de número máximo;
III – limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar;
IV – intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança;
V – quorum, para a assembleia geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social representado;
VI – direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a sociedade, e qualquer que seja o valor de sua participação;
VII – distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado;
VIII – indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da sociedade.

Fundamentando o artigo em comento Marcelo Fortes Barbosa Filho, nos oito incisos do presente artigo, são inventariadas, sem maiores detalhes, características fundamentais das sociedades cooperativas. São elas: a) capital social variável ou ausente; b) limitação de um mínimo e ilimitação do máximo de membros da administração da pessoa jurídica; c) total proibição da cessão de quotas de capital a terceiros, só se facultando seu resgate ou transferência a outros cooperados; d) exercício de voto individualizado (“por cabeça”), dependendo a instalação da assembleia geral e suas deliberações de quorum fundado na simples presença quantitativa de sócios-cooperados; e) ausência da distribuição de lucros, percebendo os sócios-cooperados vantagens em proporção ao número de operações realizadas com a própria cooperativa; f) indivisibilidade de fundo de reserva constituído.

O estabelecimento de quorum fundado na simples presença de cooperados, a limitação de número mínimo de componentes dos órgãos de administração e a completa intransferibilidade das quotas, mesmo que por sucessão hereditária, quando feita uma comparação com a Lei n. 5.764/71, constituem inovações que visam a aprimorar o regramento das sociedades cooperativas, devendo-se entender como revogados os incisos do art. 4º de tal diploma legal. 

A possibilidade de uma cooperativa não ostentar capital, cuja previsão foi introduzida pelo primeiro inciso deste artigo, contrasta, por sua vez, a absoluta necessidade de manutenção de suporte material para a subsistência de qualquer pessoa jurídica, mediante a contribuição de seus sócios. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1077. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 14/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Doutrinariamente, a cooperativa é uma espécie de sociedade não comercial de caráter eminentemente democrático, em que todos os sócios participam igualitariamente da sociedade, seja como prestador de capital, seja como prestador de serviços. Em princípio, deve interessar a um número relativamente amplo de sócios. O art. 6º da Lei n. 5.764/71 exigia, para a constituição de cooperativas singulares, o mínimo de vinte sócios. O inciso II deste CC 1.094 flexibilizou tal exigência, podendo a sociedade cooperativa ser constituída com o número de sócios necessário, apenas, para compor a administração da sociedade. O contrato de sociedade cooperativa tem caráter personalíssimo, ou seja, é intransferível a terceiros, inclusive por motivo de herança. Esse caráter de intransferibilidade, todavia, não impede que novos sócios ingressem na sociedade mediante a criação e emissão de novas quotas. O direito de voto na cooperativa é individual, por cabeça, e não segundo a participação de cada sócio no capital. O estatuto da sociedade cooperativa também deverá limitar o número de quotas que cada sócio, isoladamente, poderá deter. Todavia, a distribuição de resultados não será igualitária mas sim proporcional às operações e negócios que o sócio realizar junto à sociedade. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 569, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 14/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo as autoras Candida Joelma Leopoldino e Laura Cristina de Quadros, pela análise do CC 1.094, é possível perceber que tal dispositivo deixou de tratar sobre algumas das características arroladas no artigo 4º da Lei n. 5.764/71. Deixou de tratar, mormente, do primeiro princípio do cooperativismo, qual seja, o princípio das portas abertas ou da adesão livre e voluntária. Tal inexistência destoa do interesse e das origens do cooperativismo, bem como, vai a desencontro com o estabelecido no parágrafo 2º do artigo 174 da Constituição Federal.

O CC 1.094 deixou especificamente, também, de tratar sobre os incisos IX, X e XI do referido artigo 4º: [...] IX – neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social; X – prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa; XI – área de admissão de associados limitada às possibilidade de reunião, controle, operações e prestação de serviços.

Pois bem. No que tange à variabilidade ou dispensa do capital social, a Lei do cooperativismo exigia capital social mínimo para a constituição de uma cooperativa (artigo 4], inciso II e artigo 21, inciso III). Já o CC extinguiu esta exigência, albergando a possibilidade de criação de cooperativas sem capital social.

De forma diversa de como ocorre nas sociedades empresariais, o capital social não tem destaque na cooperativa, de vez que ela é uma sociedade intuito personae, onde a pessoa do cooperado é seu fundamento e essencial, sendo possível, desta forma, a dispensa do capital social.

Nas sociedades cooperativas em que esta situação ocorre, o patrimônio capaz de arcar com as despesas de instalação e manutenção é constituído de forma gradativa, por meio de deduções dos resultados anuais repassados aos sócios, neste caso: as sobras; "“elo mecanismo de retornou ou na inexistência total de capital social, seja desde a origem da sociedade ou pela posterior dispensa, os credores terão como garantia patrimonial do adimplemento das obrigações, o patrimônio pessoal dos sócios”, já que optando os cooperados por uma sociedade sem capital social, passam automaticamente a responder de forma ilimitada e solidária pelas dívidas sociais (CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil. Parte Geral. Do Direito da Empresa. Volume 13. p. 407-408).

Diferentemente do que previa a Lei n. 5.764/71 em seu artigo 6, inciso I, o inciso II do CC 1.094 trata do número mínimo de cooperados para comporem uma cooperativa. Por esta regra é permitido o ingresso de um número ilimitado de novos sócios na sociedade, devendo somente ser necessário o número mínimo de associados para serem capazes de ocupar todos os cargos existentes nos órgãos sociais da administração da sociedade. Ressalte-se que existe certa discussão doutrinária sobre qual seria esse número (Flavio Augusto Dumont PRADO in. Tributação das cooperativas à luz do Direito Cooperativo (p. 66-67) entende que, a menos e a princípio, o número mínimo seria dez cooperados uma vez que as sociedades cooperativas são obrigadas a manter uma diretoria e um conselho de administração e que apesar de a lei não definir o número mínimo de membros necessários para compor a diretoria ou o conselho, pode-se inferir de caput do artigo 47 da lei que esse número mínimo é três, pois resta definido, expressamente, que é obrigatória a renovação de, pelo menos, 1/ 3 (um terço) dos membros do conselho, em prazo nunca superior a quatro anos. Portanto, se ao menos 1/3 dos membros deve ser renovado a cada quatro anos, é mister que o número de membros seja divisível por três. Tem-se ainda que o conselho de administração deve ser fiscalizado por um Conselho Fiscal, que deve ter 3 membros efetivos e 3 membros suplentes e, que pelo artigo 52, parágrafo 2° da Lei, o associado não pode exercer cumulativamente cargos nos órgãos de administração e fiscalização e não pode participar da prestação das contas (art. 44) e ressalvadas as restrições dos artigos 51 e 56 da Lei, o referido autor entende que o número mínimo seja 10 pessoas para constituir uma sociedade cooperativa. Já Guilherme KRUEGER in A disciplina das cooperativas no Novo Código Civil - a ressalva da lei 5.764/71. In Problemas atuais do Direito Cooperativo (p. 114) entende que este número mínimo variaria de 7 pessoas na constituição da sociedade cooperativa e 12 no final dos mandatos dos órgãos de administração, pois se todos os associados ocupam órgãos de administração (1) e fiscalização (6), não haveria quem aprovasse as contas do exercício anterior na Assembleia Geral, eis que os ocupantes dos cargos estão impedidos de votar a prestação de contas), considerando-se que cada cooperativa pode estabelecer quantos cargos farão parte da sua Diretoria e dos conselhos necessários. Pela Lei das Cooperativas eram necessárias, no mínimo, 20 pessoas para compor uma cooperativa singular. Igualmente como o disposto na lei supra referida, o inciso III do CC 1.094, trata da limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar.

Esse inciso reflete o princípio da autogestão ou da gestão democrática, demonstrando a importância da pessoa do sócio sobre o capital por ele titularizado. Para que todos possuam o mesmo poder decisório junto às deliberações da cooperativa, evitando grupos de controle, o legislador optou em limitar o número de quotas que podem ser individualmente subscritas.

O único ponto a ressaltar sobre este inciso diz respeito à omissão do Código Civil sobre a referida limitação, já que a Lei especial em seu artigo 24, parágrafo 1° (Art. 24. O capital social será subdividido em quotas-partes, cujo valor unitário não poderá ser superior ao maior salário mínimo vigente no País. § 1º Nenhum associado poderá subscrever mais de 1/3 (um terço) do total das quotas-partes, salvo nas sociedades em que a subscrição deva ser diretamente proporcional ao movimento financeiro do cooperado ou ao quantitativo dos produtos a serem comercializados, beneficiados ou transformados, ou ainda, em relação à área cultivada ou ao número de plantas e animais em exploração) prevê o limite máximo de subscrição individual de quotas, correspondente a 1/3 (um terço) do total. Portanto, em havendo omissão por parte do CC, válida é a determinação da lei especial.

No que se refere à intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, o inciso IV do CC 1.094 somente inseriu a frase “ainda que por herança”, complementando, e dando maior rigidez à redação disposta na lei especial. Tal restrição existe pois a cooperativa é uma sociedade de pessoas, as quais por motivos e características pessoais, uniram-se imbuídas de um objetivo econômico comum. Se a intenção é ingresso na sociedade, isso não se dará por alienação ou sucessão, mas sim e somente pela subscrição de quotas, respeitando o princípio da livre adesão ou das portas abertas.

Se, entretanto, um cooperado deseja desligar-se da sociedade, o valor correspondente às suas quotas-parte ser-lhe-á entregue ou, mediante autorização da Assembleia Geral, as quotas poderão ser repassadas a outro cooperado, respeitado o limite de 1/3 (um terço) estabelecido pelo parágrafo 1° do artigo 24 da lei especial. Pelo Código Civil, o quórum para a assembleia geral funcionar e deliberar é fundado no número de sócios presentes à reunião e não do capital social. A grande alteração nesse inciso V tem relação com o acréscimo do termo “presentes à reunião”, pois, para a lei especial, o quórum para o funcionamento e deliberação da Assembleia Geral é baseado somente no número de associados da cooperativa, não fazendo qualquer menção a necessidade de estar presentes ou não “à reunião”. O inciso VI do artigo 1094 do CC (corresponde ao inciso V do artigo 4° da Lei n° 5.764/61) também não se trata de inovação no ordenamento jurídico, visto que a lei especial também já previa ter cada sócio direito a somente um voto nas assembleias gerais, independentemente de sua participação no capital social, se existente, não havendo, assim, voto proporcional.

Importante ressaltar que esta previsão é um dos princípios que existe desde os primórdios rochdalianos: um voto por pessoa. A segunda parte do inciso V do art. 4° Lei especial, a qual continua em vigor, contém, ainda, a possibilidade de as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optarem pelo critério da proporcionalidade.

Pelo inciso VII do CC 1094, é previsto o princípio do retorno, o qual consiste na distribuição dos resultados aos cooperados, na proporção das operações por eles efetuadas, das sobras (e também prejuízos) dos recursos recebidos pela sociedade em razão do exercício de suas atividades, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado. A divisão de eventuais sobras não pode se confundir com a distribuição de lucros de uma sociedade empresarial, pois aquela divisão tem relação com as operações realizadas pelo associado e esta, eminentemente, com a participação do sócio no capital social.

Em excelente evolução, “digna de aplausos” (Nas exatas palavras de PRADO, Flavio Augusto Dumont. Tributação das cooperativas à luz do Direito Cooperativo. p. 73), o seu correspondente na lei especial, inciso VII do artigo 4º, foi parcialmente revogado, pois previa que a assembleia geral poderia decidir de outra forma sobre a distribuição dos resultados da cooperativa. Com esta previsão anterior era possível que a assembleia geral decidisse, por exemplo, que o retorno das sobras seria proporcional ao capital investido, e não às atividades, o que pode ou deveria desvirtuar o próprio espírito cooperativista.

Alteração legislativa também não houve com relação à segunda parte do inciso VII do artigo 1094, pois o parágrafo 3° do artigo 24 (Art. 24. O capital social será subdividido em quotas-partes, cujo valor unitário não poderá ser superior ao maior salário mínimo vigente no País. § 3º É vedado às cooperativas distribuírem qualquer espécie de benefício às quotas-partes do capital ou estabelecer outras vantagens ou privilégios, financeiros ou não, em favor de quaisquer associados ou terceiros excetuando-se os juros até o máximo de 12% (doze por cento) ao ano que incidirão sobre a parte integralizada) da lei das cooperativas já limitava a atribuição de pagamento de juros ao capital social integralizado, limitação esta de 12% que não foi expressamente revogada pelo CC e nem é compatível com seu texto.

Por fim, tratou o inciso VIII do artigo 1094 do CC sobre a indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da sociedade. De acordo com o inciso I do artigo 28 da lei das cooperativas, as cooperativas são obrigadas a constituir um Fundo de Reserva destinado a reparar perdas e atender ao desenvolvimento de suas atividades, constituído com 10% (dez por cento), pelo menos, das sobras líquidas do exercício, buscando reforçar e manter o patrimônio da sociedade e consequentemente, a continuidade das suas atividades. Para CARVALHOSA “a principal finalidade do fundo de reserva é assegurar a integralidade do patrimônio da cooperativa, garantindo a solvência de eventuais passivos e possibilitando a realização de futuros investimentos.” (CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil. Parte Geral. Do Direito da Empresa. Volume 13. p. 413.). Infelizmente, os legisladores pecaram com falta de um elemento muito importante na redação deste inciso, o qual deixou de prever, também, a indivisibilidade do Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social, o FATES. (Candida Joelma Leopoldino Advogada e professora universitária. Mestre e Doutoranda em Direito pela UFPR. Laura Cristina de Quadros Advogada e professora universitária. Mestre em Direito pela UFSC, Volume 13 – Número 17 – Jan/Jun 2011 – pp. 185-207, artigo O direito cooperativo e sua normativa jurídica, Acesso 14/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.095. Na sociedade cooperativa, a responsabilidade dos sócios pode ser limitada ou ilimitada.

§ 1º. É limitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde somente pelo valor de suas quotas e pelo prejuízo verificado nas operações sociais, guardada a proporção de sua participação nas mesmas operações.

§ 2º. É ilimitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais.

Segundo entendimento de Marcelo Fortes Barbosa Filho, numa sociedade cooperativa, a responsabilidade dos sócios é definida por meio de uma opção estatutária, feita em cláusula específica, quando da constituição da pessoa jurídica, persistindo grande variabilidade. A responsabilidade do cooperado pode ser limitada e ficar circunscrita apenas à quota de capital de sua titularidade e à transferência patrimonial eventualmente decorrente das operações sociais de que foi beneficiário, mas pode, também, de acordo com a vontade expressa no estatuto, ser ilimitada e solidária, servindo o patrimônio pessoal dos cooperados como garantia pelo pagamento das dívidas sociais.

Há a possibilidade, também, de mesclar sócios das duas categorias numa única sociedade cooperativa, convivendo, no mesmo quadro social, alguns cooperados com responsabilidade ilimitada e outros com responsabilidade limitada, à semelhança do que ocorre nas sociedades em comandita simples e por ações. Ressalte-se que o Código Civil de 2002 nada menciona acerca da responsabilidade residual, subsistente após o desligamento de determinado cooperado do quadro social, permanecendo vigente, nesse âmbito, o art. 36 da Lei n. 5.764/71, segundo o qual remanesce a vinculação do sócio, tratando-se de retirada voluntária, até a aprovação das contas do exercício e de seus herdeiros, diante do falecimento, pelo prazo de um ano da abertura da sucessão. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1077. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 14/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua doutrina, Ricardo Fiuza fala do estatuto da sociedade que deverá definir se a responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais será limitada ou ilimitada. A Lei n. 5.764/71 restringia a definição da responsabilidade à própria sociedade. Esta disposição do CC 1.095 é mais ampla, e permite que, em uma mesma sociedade cooperativa, existam sócios com responsabilidade limitada e sócios com responsabilidade limitada, tal como ocorre nas sociedades em comandita. Sendo limitada, o limite da responsabilidade do sócio compreende, apenas, o valor de sus quotas e o prejuízo decorrente de operações das quais o sócio participe diretamente. Se a responsabilidade do sócio ilimitada, ele poderá responder com seu patrimônio pessoal pela execução de dívidas sociais, em caráter solidário com os demais sócios de responsabilidade ilimitada. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 569, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 14/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Com a análise de (Bibiana Rabaioli Prestes, em seu artigo Direito Societário publicado em 10/01/2018, no site adlocados.com), Cooperativa deve ser registrada na junta comercial, mas exerce atividade civil, esse é um fato interessante sobre as Cooperativas e exercem atividade civil, não empresária, for força do parágrafo único do artigo 928 do Código Civil de 2002, pois cooperativas são sociedades simples. E, mesmo assim, deve ser registrada no Registro Público de Empresas Mercantis - RPEM, na Junta Comercial, e são reguladas pelos artigos 1093 a 1096 do CC/2002 e pela Lei nº 5764/71, Lei das Cooperativas. As cooperativas são registradas nas Juntas Comerciais embora sejam sociedades simples, por isso elas respondem às normas das sociedades simples.

Como não é empresária, uma cooperativa pode ser constituída mesmo sem capital, somente por serviços, fato que não pode ocorrer nas sociedades empresárias que, necessariamente, devem ter capital. Mas elas podem exercer qualquer tipo de atividade, desde que seja legal. Até mesmo de crédito, porém, não pode levar o nome Banco, é vedado. Um exemplo de cooperativa de crédito é o Sicredi, criado no Rio Grande do Sul.

As cooperativas são constituídas por cotas intransferíveis, os sócios não podem transferir cotas para terceiros estranhos à sociedade, isso porque existe um vínculo pessoal entre os sócios nesse tipo de sociedade simples. Vale lembrar ainda sobre as cooperativas que, conforme o artigo 1095 do CC, a responsabilidade dos sócios pode ser ilimitada ou limitada. (Bibiana Rabaioli Prestes, em seu artigo Direito Societário publicado em 10/01/2018, no site (adlocados.com, /artigos/visualizar/cooperativa-deve-ser-registrada-na-junta-comercial-mas-exerce-atividade-civil61) acessado em 14/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.096.  No que a lei for omissa, aplicam-se as disposições referentes à sociedade simples, resguardadas as características estabelecidas no art. 1.094.

Na síntese de Marcelo Fortes Barbosa Filho, apesar de existir disciplina detalhada da sociedade cooperativa, constante da Lei n. 5.764/71, não há como esgotar todas as hipóteses viabilizadas pela execução do contrato celebrado. Estabeleceu-se, por isso, uma regência supletiva, incidente sempre quando identificada uma lacuna do regramento do tipo escolhido. Para tal regência supletiva, o legislador optou, num primeiro momento, por fazer incidir as normas concebidas para a sociedade simples (CC 997 a 1.038), dada sua natureza não empresarial. Hão de ser respeitadas, porém, as características peculiares à cooperativa, tal qual assinaladas pelo CC 1.094, procurando-se sempre aferir a persistência da compatibilidade. O estatuto não pode dispor em sentido diverso, indicando, substitutivamente o regramento de qualquer outro tipo societário – por exemplo, o das sociedades anônimas – como supletivo. Tal cláusula deve ser considerada nula, reconhecida a natureza cogente do comando inserido no presente artigo. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1078. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 14/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Encerrando o capítulo histórica e doutrinariamente, Ricardo Fiuza aponta que este artigo não foi objeto de qualquer modificação durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional não tem paralelo no Código Civil de 1916 ou na legislação especial da sociedade cooperativa.

Em sua doutrina mostra a sociedade cooperativa como um tipo especial de sociedade simples (CC 982, parágrafo único), não empresária. Logo, nas lacunas da legislação especial, devem ser aplicadas as normas que regem a sociedade simples (CC 997 a 1.038), desde que respeitadas as características peculiares da sociedade cooperativa definidas no CC 1.094. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 570, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 14/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.090, 1091, 1.092 Da Sociedade em Comandita por Ações - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.090, 1091, 1.092
Da Sociedade em Comandita por Ações - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo VI –
(Art. 1.090 a 1.092) Da Sociedade em Comandita por Ações
vargasdigitador.blogspot.com digitadorvargas@outlook.com

Art. 1.090. A sociedade em comandita por ações tem o capital dividido em ações, regendo-se pelas normas relativas à sociedade anônima, sem prejuízo das modificações constantes deste Capítulo, e opera sob firma ou denominação.

Sob orientação de Barbosa Filho, tem-se a sociedade em comandita por ações constituindo-se no último tipo societário naturalmente empresarial contemplado pelo código Civil de 2002, estando, desde muito, sem um mínimo de utilização prática. Trata-se de um tipo híbrido, que reúne características extraídas das sociedades em comandita simples e anônima, ou seja, de uma sociedade de capitais e de uma sociedade de pessoas, bastante peculiar ao desenvolvimento da primeira Revolução Industrial na Europa Continental. Há, portanto, categorias distintas de sócios-acionistas. O capital social, por um lado, é dividido em ações, títulos de participação de livre circulação e dotados de valor uniforme, mas não há, por outro lado, limitação plena da responsabilidade de todos os sócios.

A affectio societatis, como vontade de agregação externada continuadamente pelos sócios, apresenta caráter objetivo diante daqueles meramente encarregados do fornecimento de suporte patrimonial para a realização do empreendimento eleito como objeto social (acionistas comanditários), enquanto outros, a quem é conferida a gestão e a presentação da pessoa jurídica criada, são escolhidos em razão de suas qualidades individuais e hão de manter atuação articulada e confiança recíproca, apresentando sua incorporação ao quadro social um caráter marcadamente subjetivo (acionistas comanditados). Seu nome pode remeter, inclusive, à identidade de um ou vários dos acionistas comanditados, persistindo, alternativamente, a opção entre a denominação e a firma, sempre utilizada a expressão “comandita por ações”, ao final, por extenso ou abreviadamente.

O Código Civil de 2002 manteve regras básicas atinentes à comandita por ações, já constantes dos arts. 280 a 284 da Lei das S.A. (Lei n. 6.404/76), propondo incida, feitas as necessárias adaptações, o regramento peculiar à sociedade-anônima sobre o presente tipo. Ressalte-se, por fim, que o presente artigo reproduz, em grande parcela, o disposto nos arts. 280 e 281 da Lei n. 6.404/76, cabendo realçar que aquele cujo nome civil foi usado para compor a firma sempre assumirá responsabilidade solidária e ilimitada pelas dívidas sociais, devendo, em princípio, na condição de acionista comanditado, ostentar poderes de gestão. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1074. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Vê-se na doutrina de Ricardo Fiuza que a sociedade em comandita por ações é um tipo societário pouco usual ou considerado menor pela doutrina (Fábio Ulhôa Coelho, Curso de direito comercial, São Paulo, Saraiva, v. 2, p. 454), porque, mesmo sendo organizada à semelhança da sociedade anônima, com seu capital dividido em ações, os acionistas diretos da sociedade respondem em caráter subsidiário e ilimitado pelas obrigações sociais. Seu nome empresarial pode ser formado pela firma social, que identificará os acionistas administradores, ou por denominação, do modo como adotado pela sociedade anônima (Lei n. 6.404/76, art. 281, parágrafo único). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 567, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 13/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em eu artigo de Direito Comercial, publicado em 09/01/2012 no site Consultor Jurídico, Elizangela Santos de Almeida, aponta como origem e evolução, que historicamente pode-se dizer que a sociedade em comandita por ações surgiu fundada na necessidade de tornar limitada a responsabilidade de alguns sócios. Nem sempre a sociedade dominante até então, a sociedade por ações, atendia aos anseios dos comerciantes, dada a relativa dificuldade de se constituir, notadamente, a necessidade de autorização governamental.

A origem das sociedades em comandita por ações, segundo ensina a doutrina, remonta ao direito francês. Surgiram em virtude da proibição do art. 37 do Código de comércio de se constituírem sociedades anônimas sem a já mencionada autorização governamental. Assim, para facilitar a formação de sociedades em que vários sócios poderiam ostentar a posição de acionistas, o art. 38 do mesmo código permitiu que nas sociedades em comandita os sócios comanditários pudessem dividir o seu capital em ações, mas, obedecendo ao regime das sociedades anônimas. Dessa forma, os sócios que não possuíam ações se assemelhavam aos comerciantes, e assim eram tratados, tal qual ocorria com os comanditados e os sócios coletivos das sociedades em nome coletivo. Esse fato fazia com que eles respondesse solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Nasceu, então, um modelo híbrido de sociedade comercial, que ostentava uma mistura de sociedade em comandita simples e sociedade anônima. Do modelo das comanditas, trouxe a forma de se estabelecer a responsabilidade dos sócios e a administração da sociedade, inclusive, com a restrição de que somente os sócios podem ser administradores. Já, quanto à sua estrutura econômica, tem o seu capital dividido em ações, podendo, inclusive, emitir outros valores mobiliários.

Nos dias atuais, o Código de Sociedades francês (Lei n. 66-0537/1966) manteve a estrutura das sociedades em comandita por ações estabelecendo em seu art. 251 que “os sócios comanditados têm a qualidade de comerciantes e respondem ilimitada e solidariamente pelas dívidas sociais” e os sócios comanditários “têm qualidade de acionistas e não respondem por perdas senão até o total de suas contribuições.” Segundo ensina Ricardo Negrão (2011, p. 422): A intenção do legislador foi fazer o poder de gestão com a responsabilidade pessoal, além de favorecer, em particular, a ampliação da empresa individual permitindo-lhe obter recursos no mercado de capitais e possibilitando, por outro lado, que seu fundador conserve com segurança, uma posição de estabilidade em sua direção.

No direito brasileiro as sociedades em comanditas por ações estão regulamentadas pela Lei n. 6.404/76 e pelo Código civil, nos CC 1.090 a 1.092. Contudo, nem sempre foi assim. Inicialmente, o Código Comercial brasileiro não tratava desse tipo de sociedade, o que não impediu a sua utilização, mesmo ao arrepio da regulamentação legal, tendo sido, por isso, editado o Decreto n. 1.487, de 13 de dezembro de 1854 que considerou essa prática ilegal. Somente em 1882, com a edição da Lei n. 3.150, que tratava das sociedades anônimas, expressamente, foi permitido que as sociedades em comanditas, tratadas nos artigos 311 a 314 do Código comercial, dividissem em ações o capital dos sócios comanditários.

Adotou-se, então, o modelo de sociedades em comandita por ações criado pelo direito francês. Tais disposições foram consolidadas e ainda mais detalhadas com a edição do Decreto n. 434 de 04 de julho de 1891. Esse diploma legislativo estabeleceu de forma explícita que “é permitido às sociedades em comandita (Código do Comércio, arts. 311 a 314) dividir em ações o capital com que entram os sócios comanditários. Não pode ser dividido em ações o capital com que entram os sócios solidariamente responsáveis. Todavia, não lhes é proibido, com seus recursos individuais, adquirir ações.”

Em 1940, com a edição do Decreto-Lei 2.627, foi modificada a concepção de sociedade em comandita por ações, tendo sido aperfeiçoada a formação desse tipo societário. Aboliu-se a natureza contratual, deixando de existir sócios comanditados e acionistas, para passar a existir apenas sócios acionistas com responsabilidade, via de regra, limitada, somente possuindo responsabilidade ilimitada quando assumirem cargos de direção ou gerência. Na prática, a nova legislação permitiu que fossem constituídas sociedades com as mesmas formalidades das sociedades anônimas, contudo, com a diferença de que existiam sócios que respondiam subsidiária e ilimitadamente pelas obrigações sociais e acionistas que respondiam apenas de forma limitada ao capital com que entravam para a sociedade. Na verdade, ao final das contas, todos eram acionistas porque, mesmo os diretores e gerentes, também gozavam dos mesmos benefícios que a lei outorgava aos sócios das sociedades anônimas.

Atualmente, contrariando boa parte da doutrina que prega a extinção desse tipo de estrutura societária dado o seu desuso, o direito brasileiro não só manteve como refinou o tratamento dado às sociedades em comandita por ações. Fran Martins, por exemplo (2010. P. 1156), informa que em todo o território nacional não existem mais que dez sociedades em comandita por ações ainda em atividade. O diploma legal mais moderno a tratar do assunto é o Código Civil de 2002 que no CC 1.090 estabelece que “a sociedade em comandita por ações tem o capital dividido em ações, regendo-se pelas normas relativas à sociedade anônima, sem prejuízo das modificações constantes deste Capítulo, e opera sob firma ou denominação”. Tanto a estrutura básica como as principais características da sociedade foram mantidas, sendo que sua regulamentação se encontra, além do Código Civil, como mencionado, também, e principalmente, nos artigos 280 a 282 da Lei n. 6.404/76. (Elizangela Santos de Almeida, artigo Direito Comercial, publicado em 09/01/2012 no site Consultor Jurídico, Acesso em 13/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.091. Somente o acionista tem qualidade para administrar a sociedade e como diretor, responde subsidiária e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade.

§ 1º. Se houver mais de um diretor, serão solidariamente responsáveis, depois de esgotados os bens sociais.

§ 2º. Os diretores serão nomeados no ato constitutivo da sociedade, sem limitação de tempo, e somente poderão ser destituídos por deliberação de acionistas que representem no mínimo dois terços do capital social.

§ 3º. O diretor destituído ou exonerado continua, durante dois anos, responsável pelas obrigações sociais contraídas sob sua administração.

Auxiliando no entendimento, Marcelo Fortes Barbosa Filho, o presente artigo reproduz, em grande parte o disposto no art. 282 da Lei das S.A. (Lei n. 6.404/76). A administração da sociedade em comandita por ações só pode ser exercida por acionistas e, mais ainda, em principio, por acionistas comanditados, escolhidos como organizadores e gestores do empreendimento projetado e realizado. O estatuto da comandita por ações precisa identificar todos os comanditados, enquanto os comanditários não podem ser mencionados, exercendo os primeiros, sem mandato definido e como membros natos da diretoria, poderes de gestão, só podendo ser destituídos mediante específica deliberação, para a qual se exige quorum qualificado de dois terços do capital social.

Os acionistas comanditários não estão terminantemente proibidos do exercício da administração, mas tal situação apresenta caráter excepcional e provoca a equiparação de sua responsabilidade à do comanditado, que, como diretor, sempre responderá ilimitadamente pelas dívidas sociais, restando-lhe apenas o benefício de ordem, ou seja, de exigir o prévio exaurimento do próprio patrimônio da pessoa jurídica, caracterizada a subsidiariedade. Diferentemente da sociedade anônima, a comandita por ações não conta, em sua estrutura interna, com um conselho de administração, sendo a diretoria o único órgão encarregado da gestão e todos os diretores assumem, entre si, solidariedade, colocando, em idêntico grau, seu patrimônio à disposição dos credores sociais. Ademais, como única inovação remarcável do atual texto legal, a responsabilidade própria aos diretores, conforme o § 3º, mesmo depois de deixarem o exercício da gestão, remanesce por um prazo suplementar de dois anos, contado sempre do arquivamento da ata da assembleia geral em que foi votada a deliberação, realizado perante a Junta Comercial competente. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1074-75. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, a redação final da norma é a mesma do projeto original. Seu conteúdo reproduz as mesmas regras constantes do art. 282 da Lei n. 6.404/76, que regula a responsabilidade dos administradores na sociedade em comandita por ações.

Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o cargo de administrador da sociedade em comandita por ações é privativo dos sócios, não podendo haver delegação a terceiros estranhos à sociedade. A responsabilidade do administrador é ilimitada, podendo seus bens particulares ser alcançados na execução de dívidas da sociedade, mas somente após esgotado todo o patrimônio social (responsabilidade subsidiária). Se a diretoria da sociedade for integrada por dois ou mais acionistas, existirá também entre estes responsabilidade solidária pelas obrigações sociais. Os membros da diretoria serão designados pelo estatuto da sociedade no momento de sua constituição, para exercício da administração por tempo indeterminado. A destituição de acionista diretor somente poderá ocorrer com a aprovação de acionistas titulares de dois terços do capital social. O administrador que se afastar, voluntária ou involuntariamente, da diretoria da sociedade em comandita permanece responsável, pelo prazo de dois anos, pelas obrigações sociais existentes na data de sua retirada ou destituição. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 568, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 13/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na toada de Elizangela Santos de Almeida, em relação à nomeação dos administradores ou gerentes, trata do assunto, os artigos 1.091 do Código Civil e o 282 da Lei 4.604/76. Tais dispositivos afasta a possibilidade de um terceiro, estranho à sociedade, ser nomeado como administrador. Ambos estabelecem que apenas o acionista pode ser administrador da sociedade, e como diretor, conforme já mencionado em diversas passagens desse trabalho, responde solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Havendo mais de um diretor, serão solidariamente responsáveis. Os diretores devem ser nomeados no ato constitutivo da sociedade, sem limitação de tempo, e somente poderão ser destituídos por deliberação de acionistas que representem no mínimo dois terços do capital social, devendo, nesse caso, a deliberação ser tomada em assembleia geral extraordinária. Ressalte-se que como entende a maioria da doutrina, poderão participar da deliberação para destituição dos diretores todos os acionistas, tenham eles ou não o direito ao exercício ordinário do voto, e não apenas aqueles que tenham ações nominativas.

Pode ocorrer, entretanto, de os diretores deixarem o encargo por outros motivos que não a destituição, como no caso de renúncia (deixar o cargo voluntariamente) ou incapacidade civil. Nesses casos ocorrerá a substituição dos diretores, cuja decisão poderá ser tomada com a maioria simples dos votos em assembleia geral extraordinária.

Em qualquer caso, sendo destituídos, ou por outra causa, exonerados, os diretores continuam, durante dois anos, responsáveis pelas obrigações sociais contraídas sob sua administração. Ressalte-se que a limitação de dois anos foi introduzida pelo § 3º do CC 1.091, já que o § 2º do art. 282 da Lei n. 6.404/;76 não estabelece limitação temporal dessa responsabilidade.

Pelo fato dos administradores possuírem responsabilidade ilimitada e solidária, a assembleia geral não pode, sem o consentimento deles, mudar o objeto social, prorrogar o prazo de duração da sociedade, aumentar ou diminuir o capital social, criar debêntures ou partes beneficiárias. Justifica-se essa exigência pois tais alterações significa a ampliação da responsabilidade dos diretores ou gerentes, e por evidente, esse alargamento da responsabilidade pelas obrigações sociais não pode ocorrer sem o expresso consentimento dos obrigados. Por fim, ressalte-se que, por expressa vedação do art. 284 da Lei 6.404/76 não se aplica às sociedades em comandita por ações o disposto naquela lei sobre Conselho de Administração, autorização estatutária sobre aumento de capital e emissão de bônus de subscrição. (Elizangela Santos de Almeida, artigo Direito Comercial, publicado em 09/01/2012 no site Consultor Jurídico, Acesso em 13/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.092. A assembleia geral não pode, sem o consentimento dos diretores, mudar o objeto essencial da sociedade, prorrogar-lhe o prazo de duração, aumentar ou diminuir o capital social, criar debêntures, ou pares beneficiárias.

No dizer de Marcelo Fortes Barbosa Filho, apesar de a assembleia geral de acionistas concentrar a atribuição de expressar, por meio de suas deliberações, a vontade do conjunto dos sócios, numa sociedade em comandita por ações, os acionistas encarregados da gestão social, ou seja, em princípio, os acionistas comanditados, com relação a algumas matérias, as quais permanecem especificamente elencadas no texto do presente artigo, ostentam poder de veto. Em razão de sua responsabilidade ilimitada pelas dívidas sociais e de sua vinculação pessoal ao empreendimento realizado pela pessoa jurídica, os acionistas comanditados ostentam uma posição proeminente e, por isso, sem a aquiescência expressa, alterações contratuais de relevo, que possam interferir, mesmo indiretamente, em sua atuação funcional, em sua responsabilidade ou em suas vantagens, ficam inviabilizadas. A discordância de qualquer um dos diretores da comandita por ações interdita, então, seja conferida eficácia à deliberação aprovada, desde que ela verse sobre: (a) mudança do objeto essencial da sociedade, ou seja, de sua área de atuação empresarial; (b) prorrogação do prazo de duração, se houver, perdurando, por um espaço de tempo suplementar, os deveres e os ônus decorrentes da função de diretor; (c) aumento ou diminuição do capital social, o que redunda em alteração da grandeza da responsabilidade subsidiária dos diretores; (d) criação de debentures ou partes beneficiárias, o que implica, no primeiro caso, maior responsabilidade pessoal do diretor e, no segundo, potencial redução das vantagens decorrentes da distribuição de lucros auferidos.

Reproduz-se, aqui, em grande parcela, o disposto no art. 283 da Lei das S.A (Lei n. 6.404/76), que ainda acrescenta, como hipótese de veto dos diretores, a integração em grupo de sociedades, dada a potencial subordinação da comandita por ações a diretrizes fixadas externamente, na convecção grupal. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1075-76. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apontada por Ricardo Fiuza, ainda que a assembleia geral de acionistas seja a instância máxima de deliberação na sociedade em comandita por ações, como os demais tipos societários, os acionistas que integram a administração e que têm responsabilidade ilimitada pelas obrigações sociais, mesmo participando minoritariamente do capital, dispõem de poder de veto em determinadas matérias de relevante importância para a sociedade. Assim, quando se tratar de decisão afeta à alteração do objeto essencial da sociedade, da prorrogação de seu prazo de duração, de aumento ou diminuição do capital e para emissão de debêntures ou partes beneficiárias, além da aprovação pela assembleia geral, a eficácia da deliberação dependerá da concordância dos acionistas diretores. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 568, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 13/07/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Com a colaboração de Geroldo Augusto Hauer, em seu artigo “Cenários de direito empresarial” publicado em 03/05/2009, as instituições particulares de ensino, é sabido, enfrentam com grandes dificuldades as turbulências decorrentes do exercício de suas atividades, especialmente a crescente exigência de qualidade na prestação de serviços, carga tributária, encargos trabalhistas e, sem que bastasse todas estas circunstâncias, ainda têm que lidar com a inadimplência de seus contratantes. Não bastasse, portanto, como todo e qualquer administrado, ter que cumprir suas obrigações perante as autoridades públicas, as instituições de ensino, ainda enquanto prestadoras de serviços, vêm suas ações limitadas no aspecto contratual, especialmente no que atine à cobrança dos inadimplentes.

É sabido que a Lei 987/99 prevê em seu artigo 5º que os alunos inadimplentes não terão direito à renovação de matrícula (se remanescentes tal situação no momento da consolidação no novo vínculo institucional), mas, neste mesmo passo, prevê que nenhuma penalidade pedagógica poderá ser aplicada aos alunos inadimplentes, "sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias."

Ou seja, após completar 90 dias de atraso no pagamento da parcela, o contratante pode ser inserido em cadastros de restrição ao crédito (devendo ser observadas as peculiaridades e previsões contratuais de cada instituição), protesto, emissão de duplicata de prestação de serviços, ou seja, as penalidades compatíveis com o descumprimento contratual perpetrado. Contudo, além destas penalidades, a própria lei assegura a aplicação dos artigos 177 e 1092 do CC/2002, os quais, atualmente, estão recepcionados, respectivamente, nos artigos 205 e 476 do CC/2002.

Cabe chamar a atenção a este último, que traz a regra da exceção do contrato não cumprido, a qual quer dizer o seguinte: aquele que não cumpre sua parte no contrato não pode exigir o cumprimento da obrigação do outro contratante. Trazendo a lição à prestação de serviços educacionais, teríamos: não pagou a mensalidade, não tem direito a exigir o serviço da escola. Em primeiro momento, portanto, a própria lei 9870/99 asseguraria este direito, da arguição da exceção do contrato não cumprido, à instituição de ensino lesada pelo inadimplemento. Contudo, o entendimento jurisprudencial é pacífico no sentido de entender que a rescisão unilateral do contrato, ou seja, aquela perpetrada diretamente pela instituição de ensino, em razão do inadimplemento, durante o ano letivo, representa Penalidade Pedagógica, vedada no próprio artigo 6º da lei.

Diante de tal realidade, temos que a lei que permite que a instituição se defenda da inadimplência acaba por impedir que o instrumento seja utilizado de maneira realmente eficaz. Ocorre que, recentemente, demandas passaram a ser ajuizadas no estado de Santa Catarina, por instituições que, ao invés de rescindir unilateralmente o contrato do aluno inadimplente, pleitearam judicialmente, e com sucesso, a rescisão do contrato decorrente da ausência do cumprimento da obrigação de pagamento, por parte do contratante inadimplente. Ou seja, não se trata da própria instituição finalizar a contratação, aplicando, sumaria e teoricamente - e por via indireta - penalidade de natureza pedagógica. Trata-se de solicitar que o Poder Judiciário reconheça e autorize a rescisão contratual, o que, de fato, combate o calcanhar de Aquiles da aplicação da exceção do contrato não cumprido nos contratos educacionais. Vale ressaltar que a própria Lei 9.870/99 assegura ao aluno que tiver o contrato rescindido o direito a matrícula na rede pública de ensino, o que evidencia a plausibilidade jurídica de se buscar o Judiciário para estancar a sangria da inadimplência.

As notícias acerca das medidas vêm do Estado de Santa Catarina, mas tão somente a reação e o pensamento de novas saídas para a redução da inadimplência e, especialmente, da "cultura da inadimplência" que está implantada em nossa sociedade trará melhorias efetivas na proteção aos direitos e interesses das instituições de ensino. (Geroldo Augusto Hauer, em seu artigo “Cenários de direito empresarial” publicado em 03/05/2009, Juliano Siqueira, Esmanhotto & Advogados Associados, escritório associado a G. A. Hauer & Advogados Associados geroldo@gahauer.com.br, gazetadopovo.com.br, acesso em 13/07/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).