quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.285, 1.286, 1.287 Dos Direitos de Vizinhança – Da Passagem Forçada, Cabos e Tubulações – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.285, 1.286, 1.287

Dos Direitos de Vizinhança – Da Passagem Forçada, Cabos

e Tubulações – VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial –

Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.285 a 1.287) Capítulo V –

Dos Direitos de Vizinhança – Seção III e IV – Da Passagem Forçada, Cabos 

e Tubulações -  digitadorvargas@outlook.com

- vargasdigitador.blogpot.com

 

Art. 1.285. o dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de Indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.

§ 1º. Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem.

§ 2º. Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a passagem.

§ 3º. Aplica-se o disposto ao parágrafo antecedente ainda quando, antes da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra.

Sob o prisma de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame corresponde ao art. 559 do Código Civil de 1916, contendo, porém, significativas alterações, especialmente em seus três parágrafos, que agora indicam e disciplinam qual dos vizinhos será constrangido a dar a passagem. Na lição de Hely Lopes Meirelles, a “passagem forçada é restrição ao direito de propriedade, decorrente das relações de vizinhança. Não é servidão predial, cujos fundamentos e pressupostos são outros. A passagem forçada é uma imposição da solidariedade entre vizinhos e resulta da consideração de que não pode um prédio perder a sua finalidade e valor econômico, por falta de acesso à via pública, fonte ou porto, permanecendo confinado entre propriedades que o circundam, limítrofes ou não. Quando tal situação ocorre, permite a lei que o prédio rural ou urbano, assim, encerrado, obtenha dos vizinhos o acesso necessário” (Direito de construir, 4. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1983, p. 58). Cuida-se de direito potestativo - por isso não sujeito à prescrição - de um vizinho exigir do outro o acesso à via pública, porto ou nascente, mediante indenização. Cuida-se de servidão legal que não se confunde, como acima visto no comentário ao CC 1.277, com direito real de servidão. Isso porque: a) decorre da lei e não do negócio jurídico; b) não se constitui pelo registro imobiliário, ao contrário do direito real de servidão; c) funda-se na necessidade e não na mera conveniência.

Afirma a doutrina tradicional que a passagem forçada está subordinada aos seguintes requisitos cumulativos: a) o encravamento deve ser absoluto, ou seja, não há acesso possível a via pública, nascente ou porto; b) o encravamento deve ser natural, ou seja, não provocado pelo próprio requerente; c) a passagem é onerosa e somente é exercida mediante pagamento de indenização cabal ao vizinho prejudicado. A doutrina diverge no que se refere ao primeiro requisito. Afirmam alguns autores (Hely Lopes Meirelles, Caio Mário da Silva Pereira, Orlando Gomes, Marco Aurélio S. Viana) que, se o vizinho dispõe de acesso, por mais penoso ou difícil que se apresente, inexiste o direito de passagem forçada, porque se trata de restrição ao direito de propriedade, que não comporta interpretação analógica ou ampliativa. Corrente mais progressista e afinada com a função social da propriedade e o espírito do Código Civil de 2002, porém, afirma que cabível é a passagem forçada quando o acesso não é seguro ou praticável, exigindo do vizinho gastos ou sacrifício irrazoáveis (Carvalho Santos, Nelson Rosenvald e Arnaldo Rizzardo). O Enunciado n. 88 da Comissão de Estudos Judiciários (CEJ) adotou a segunda corrente: “ O direito de passagem forçada previsto no CC 1.285 também é garantido nos casos em que o acesso à via pública for insuficiente ou inadequado, consideradas inclusive as necessidades de exploração econômica”. A jurisprudência reflete essa divergência, ora exigindo o encravamento total do imóvel ora se contentando com a excessiva dificuldade ou onerosidade de acesso já existente à via pública. De qualquer modo, o juízo é sempre de necessidade e não de mera comodidade ou conforto. Não basta, assim, que o acesso existente à via pública seja mais longo, ou tenha obstáculos superáveis, para se exigir do vizinho passagem forçada. Os obstáculos e as dificuldades deverão ser de tal monta que exijam esforço ou despesas desproporcionais do proprietário, ou seja, que configurem um juízo de necessidade.

Diz-se que o encravamento deve ser natural, porque, se provocado pelo proprietário, em razão de sucessivas alienações parciais, este não pode exigir do vizinho que tolere a passagem forçada. O atual Código Civil deu excelente solução ao problema ao dispor, em seu § 2°, que no caso de alienação parcial do imóvel a passagem será exigível do comprador ou permutante sobre o prédio correspondente à parte alienada, evitando, assim, a oneração de outros imóveis vizinhos e estranhos à alienação. O § 3º complementa a regra ao dispor que eventual passagem forçada já existente sobre imóvel vizinho se mantém no caso de alienação parcial, não sendo exigível que lhe conceda outro caminho. Dispõe o artigo em exame que o dono do prédio encravado pode constranger o vizinho a lhe dar passagem. A passagem, se não houver consenso entre as partes, é fixada judicialmente, ainda que a ela se oponha o vizinho. O rumo é estabelecido pelo juiz na falta de acordo, sempre levando em conta, para fixação de trajeto e largura, a menor oneração possível do prédio vizinho e a finalidade do caminho. Essa passagem pode atravessar não somente o prédio contíguo, mas outros que estejam na direção da via pública, nascente ou porto. O § Iº do artigo em estudo positivou regra que já era utilizada pelos tribunais ao estabelecer uma escala de prioridade de escolha, fundada no critério da maior facilidade do acesso, levando em conta a localização e as características naturais dos prédios vizinhos. Logo, cabe exceção ao vizinho demandado, alegando que outro prédio proporciona maior facilidade de acesso ao imóvel encravado.

Finalmente, diz o preceito que a passagem forçada é servidão legal onerosa, ou seja, o início de seu exercício está subordinado ao prévio pagamento de indenização cabal, a ser fixada judicialmente se não houver consenso entre as partes. A indenização se qualifica como cabal, abrangendo não somente todos os transtornos e incômodos decorrentes da passagem como também obras e cercas que se façam necessárias para assegurar a incolumidade do remanescente. Computam-se danos emergentes e lucros cessantes em razão da não utilização da faixa de passagem, inclusive eventual desvalorização do remanescente. O proveito que a passagem traz para o imóvel encravado não é fator relevante, mas sim o dano que esta acarreta para o imóvel vizinho. Cessa a passagem forçada quando desaparece a sua causa, ou seja, quando o prédio deixa de ser encravado. Em tal caso, se a indenização se projetou para o futuro e o ônus não mais persiste, necessária se faz a sua redução e a sua devolução parcial, evitando o enriquecimento sem causa. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.289-91. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 21/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua Doutrina, explica Ricardo Fiuza, a passagem forçada assegura ao proprietário do imóvel encravado o acesso a via pública, pela utilização dos imóveis contíguos. Difere da servidão porque esta emana da vontade, e aquela decorre da lei. O dispositivo é a junção dos arts. 559 e 560 do Código Civil de 1916. Como inovação, traz a possibilidade de se exigir a passagem do vizinho que tiver o imóvel que possa dar caminho mais natural ou mais fácil (TJSP, Ap. 269.198-1/9, Sorocaba-SP, 7-8-1996, rel. Des. Barbosa Pereira). Prevê também que a passagem deve ser dada por quem comprou a totalidade ou parte do imóvel, se essa aquisição interferir na passagem do vizinho, valendo este dispositivo mesmo quando houver passagem anterior. É vedada a constituição de servidão de passagem por mera comodidade (RI’, 694/168 e 723/430). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 661, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 21/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

De acordo com o posicionamento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, dá-se o direito de passagem forçada quando um prédio (terreno ou edificação) se encontra em estado de isolamento em relação à via pública, nascente ou porto. Desta forma, o titular do prédio isolado tem a prerrogativa de obrigar o vizinho a lhe dar passagem, mediante o pagamento de indenização. Em caso de divergência sobe o valor será fixada judicialmente.

Distingue-se das servidões, pois nesta busca-se apenas, uma situação de maior comodidade ao interessado. Como visto acima, na passagem forçada, há um isolamento ou inacessibilidade de prédio em relação à via pública, evitando-se pois, que aquele permaneça encravado. O prédio a conceder a passagem forçada será aquele que propiciar maior facilidade, devida à sua localização. Certo que se trata apenas de uma distinção doutrinária.

Com efeito, há de se analisar o caso apresentado com algum cuidado, eis que, muitas das vezes, ainda que possa aparentar situação típica de servidão de passagem, na verdade transfigura-se numa passagem forçada. Quando há um determinado acesso à via pública – seja por terra ou rio – mas este acesso é tormentoso ou de difícil utilização ao ser humano por explicadas razões transmuda-se a circunstância para passagem forçada, posto que não se exija sacrifício desmesurado ao titular do direito. Segundo Enunciado 88 do CEJ/CJF: “O direito de passagem forçada, previsto no CC 1.285, também é garantido nos casos em que o acesso à via pública for insuficiente ou inadequado, consideradas inclusive as necessidades de exploração econômica.”   (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 21.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seção IV – Da Passagem de Cabos e Tubulações

Art. 1.286.   Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização de área remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em provei -to de proprietários e vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente one- rosa. 


Parágrafo único. O proprietário prejudicado pode exigir que a instalação seja removida, à sua custa, para outro local do imóvel.


Pegando carona com Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não encontra correspondente no Código Civil de 1916 e vem atender às necessidades da vida moderna, de amplo acesso aos equipamentos de serviços públicos, que garantem direito ao conforto e à informação. Assegura agora a lei não somente a passagem forçada de pessoas como também a de cabos, tubulações e condutos subterrâneos que permitam chegar ao vizinho serviços úteis e indispensáveis à vida contemporânea, como água, telefone, luz, gás, cabos de televisão ou óticos. O objeto da passagem são cabos condutores de fiação de qualquer natureza, tubulações e condutos, desde que sejam todos subterrâneos, porque, na lição de Marco Aurélio Viana, “a restrição que se impõe ao vizinho não envolve o espaço aéreo ou a superfície do terreno” (Teixeira, Sálvio de Figueiredo (coord.). Comentários do Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 146). Lembre-se, todavia, de que o CC 1.294, adiante comentado, estende a passagem forçada ao direito de aqueduto. Os equipamentos subterrâneos têm finalidade certa, qual seja a de garantir o acesso do vizinho a serviços de utilidade pública. Não se trata de servidão administrativa, porque os serviços são públicos, mas o interesse de acesso é particular. Não se exige o encravamento do imóvel beneficiário, mas apenas que o acesso a tais utilidades não seja excessivamente oneroso por outro modo, ou seja, que demande do vizinho sacrifício desmedido, desproporcional ao custo normal dos mesmos serviços. Deve haver, aqui, juízo de ponderação, sempre presente nos conflitos de vizinhança, sopesando a comodidade que terá o imóvel beneficiado e a restrição que se impõe ao prédio onerado. Como diz Marco Aurélio Viana, “o valor excessivo que se imponha ao interessado muitas vezes deve ser suportado, quando o menor custo implique em um custo em termos de conforto e tranquilidade para o vizinho” (op. cit., p. 249). Se a própria depreciação do prédio onerado supera o valor do acesso aos serviços que o dono do prédio beneficiado teria pelas vias normais, também não tem sentido a imposição da passagem. A indenização ao exercício da passagem deve ser prévia e cabal, abrangendo não somente a depreciação da faixa comprometida pelos equipamentos subterrâneos como também a depreciação do remanescente, caso se constate a redução do potencial do imóvel como unidade jurídica e não apenas física (Fachin , Luiz Edson. Comentários ao Código Civil, coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo, Saraiva, 2003, v. XV, p. 1.286). Também se incluem no valor da indenização eventuais interferências prejudiciais ao prédio vizinho que decorram da passagem, como a produção de ruídos ou emissão de gases provindos das tubulações. Evidente que as obras de implementação dos equipamentos subterrâneos, assim como aquelas de isolamento e contorno, ficam todas a cargo do proprietário do prédio beneficiário da passagem. Embora não diga expressamente a lei, cessa o direito de passagem quando desaparece a sua causa, ou seja, quando os mesmos equipamentos podem chegar ao prédio beneficiado por trajeto distinto, sem ônus ao prédio onerado. A indenização já paga pela depreciação futura deve ser proporcionalmente repetida, para evitar o enriquecimento sem causa de qualquer dos vizinhos. A passagem é forçada, pois decorre de direito potestativo de vizinhança, não se sujeitando, por consequência, a prazo prescricional. Incide, por analogia, a regra do artigo anterior, qual seja a de que existe uma escala de prioridade de escolha do vizinho onerado, fundada no critério da maior facilidade do acesso, levando em conta a localização e as características naturais dos prédios vizinhos. Logo, cabe exceção ao vizinho demandado, alegando-se que outro prédio proporciona maior facilidade ou menor custo de acesso de equipamentos ao imóvel beneficiado. A passagem é forçada, vale dizer, na falta de consenso; é imposta judicialmente, estabelecendo o rumo menos gravoso para o imóvel onerado. A mesma decisão que impõe a passagem fixa o valor da indenização a ser paga antes do seu exercício. Não se trata de direito real, mas de restrição decorrente do direito de vizinhança, de modo que o registro não tem efeito constitutivo. O parágrafo único do CC 1.286 contempla duas prerrogativas asseguradas ao dono do prédio onerado: a primeira, de exigir que a passagem seja instalada de modo menos oneroso, evitando, por exemplo, o seccionamento do prédio e o trajeto próximo às divisas quando possível ou, ainda, não prejudicando projeto ou obra já feita; a segunda, de alteração do rumo já estabelecido, desde que as obras de remanejamento sejam inteiramente feitas às expensas do dono do prédio onerado. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.292-93. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 21/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entender de Ricardo Fiuza, este dispositivo representa importante inovação, já que, à época do Código Civil de 1916, nem se imaginava a existência de linhas de transmissão de energia elétrica, telefonia e processamento de dados, nem de grandes adutoras subterrâneas. Prevê o pagamento de justa indenização ao proprietário que teve sua área atingida, sempre tendo como paradigma a menor onerosidade. O parágrafo único disciplina a remoção ou a instalação dos dutos e cabos em local diverso, sempre tendo em vista o modo mais econômico, e, no caso de remoção, esta será custeada pelo proprietário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 661, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 21/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


No diapasão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, sempre que for absolutamente necessária a passagem de cabos, tubulações e outros condutos pelo prédio vizinho, este será obrigado a suportar tal encargo (servidão forçada), desde que a obra não possa ser realizada por outro modo,. É o caso de quem, habitando prédio elevado, necessita de passagem para escoamento de águas pluviais. Não havendo consenso a respeito, a realização de obras de passagem destes acessórios será determinada judicialmente e, considerando-se eventual desvalorização ou dano sofrido pelo prédio serviente, seu proprietário será devidamente indenizado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 21.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.287. Se as instalações oferecerem grave risco, será facultado ao proprietário do prédio onerado exigir a realização de obras de segurança.

No comentário de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame, que complementa o anterior e não tem correspondente no Código Civil de 1916, assegura ao proprietário do prédio onerado o direito de exigir a realização de obras de segurança, se a passagem acarretar graves riscos. Os riscos se qualificam como graves se ameaçam de modo efetivo a incolumidade física ou mental das pessoas que ocupam o prédio onerado, vulnerando os interesses de saúde, segurança e sossego tutelados pelo direito de vizinhança. Abrangem também as ameaças ao patrimônio do vizinho, em especial ofensas à segurança e à solidez do prédio onerado. Cabe ao prejudicado exigir obrigação de fazer as obras de segurança indispensáveis. Pode, ainda, fazer pessoalmente as obras e cobrar seu custo do beneficiário da passagem, como também dele exigir caução de dano iminente. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.294. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 21/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Usando a lógica, Ricardo Fiuza aduz, sempre serão necessárias as cautelas devidas, principalmente no que toca à segurança, que será de responsabilidade do Poder Público ou das concessionárias que exploram o serviço considerado perigoso, embora essencial, principalmente se levarmos em consideração que a prestação desse serviço é remunerada. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 662, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 21/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 No site de noticias.cers.com.br, o tema é abordado no direito de vizinhança em um único artigo de lei. Reza o CC 1.285 que “O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário”.

De acordo com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald Jr. “Trata-se de uma das mais rigorosas restrições de direito de vizinhança”. Carlos Roberto Gonçalves leciona que “O imóvel encravado não pode ser explorado economicamente e deixado de ser aproveitado, por falta de comunicação com a via pública. O instituto da passagem forçada atende, pois, ao interesse social. O direito é exercitável contra o proprietário contíguo e, se necessário, contra o vizinho não imediato”. Fato, por conseguinte, a intima relação entre a passagem forçada e a conferência de função social a um bem (art. 5, XXIII da CF/88). Nessa esteira, a passagem forçada é o “direito do proprietário de prédio (rústico ou urbano), que não tem acesso a via pública, nascente ou porto, de, mediante pagamento cabal de indenização, reclamar do vizinho que lhe deixe passagem, fixando-se esta judicialmente o rumo, quando necessário por não haver acordo”, como aduz Maria Helena Diniz.

 

No Enunciado 88, o Conselho da Justiça Federal entendeu que “O direito de passagem forçada, previsto no CC 1.285, também é garantido nos casos em que o acesso à via pública for insuficiente ou inadequado, consideradas inclusive as necessidades de exploração econômica”. Percebe-se, aqui, um alargamento doutrinário sobre o assunto, pois o objetivo não seria apenas garantir acesso; mas sim assegurar um mínimo acesso adequado, em vistas da função social da propriedade. Afinal, do que adiantaria uma propriedade sem acesso algum a via pública? Ou, ainda, com um acesso claramente insuficiente? Não olvida-se, portanto, que o instituto do direito de vizinhança denominado passagem forçada pressupõe para sua incidência a situação jurídica do imóvel encravado; leia-se: sem saída externa para a via pública. Como a propriedade deverá atender a função social (art. 5º, XXIII da CF/88 e 1.228, §1º do CC), surgirá o direito de se exigir do vizinho a passagem forçada. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald Jr arrematam: “Pressupõe que um imóvel esteja em situação de absoluto encravamento em outro, decorrente da ausência de qualquer saída para a via pública”.

 

Como o Superior Tribunal de Justiça já entendeu o assunto: No Recurso Especial nº 316.336/MS o Superior Tribunal de Justiça entendeu que “Numa era em que a técnica da engenharia dominou a natureza, a noção de imóvel encravado já não existe em termos absolutos e deve ser inspirada pela motivação do instituto da passagem forçada, que deita raízes na supremacia do interesse público; juridicamente, encravado é o imóvel cujo acesso por meios terrestres exige do respectivo proprietário despesas excessivas para que cumpra a função social sem inutilizar o terreno do vizinho, em que qualquer caso será indenizado pela só limitação do domínio”.

 

Este dever jurídico será do vizinho “cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem”, na lição de Flávio Tartuce. A solução legal harmoniza-se com a ideia de restrição menos gravosa ou onerosa. O §1º do CC 1.285 assim disciplina o assunto: “Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem”. Já o §2º do art. 1.285 do CC prescreve a solução jurídica a ser dada para o caso de ocorrer a alienação (venda ou doação) do prédio serviente. Eis o texto: “Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a passagem”. Neste caso, o dever jurídico da passagem forçada será imposto ao outro vizinho, dono da outra propriedade. Entende-se, apesar disso, que o adquirente do aludido imóvel serviente deverá respeitar o dever jurídico da passagem forçada, afinal de contas esta obrigação acompanhará o adquirente isto porque o instituto envolve obrigação propter rem (ambulatorial, própria da coisa).


O §3º do CC 1.285 determina que se aplica o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra. “A razão é que seria injusto deixar ao alvedrio do vendedor tornar encravado o seu prédio e ao mesmo tempo lhe conceder a faculdade de exigir passagem de qualquer vizinho, impondo, assim, ao arbítrio do malicioso ou do negligente, uma restrição à propriedade alheia”. É o que defende Carlos Roberto Gonçalves.

 

Prossegue o Código Civil, agora em seu CC 1.286, afirmando que “Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização da área remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa”. É dizer: além da passagem forçada de pessoas, também será devida a passagem forçada de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, desde que impossível ou excessivamente onerosa a passagem de outra maneira. Surge no direito de vizinhança a obrigação de não-fazer (tolerar a passagem) e o direito de receber indenização. Como se vê, “o proprietário não perderá o poder sobre a coisa, apenas terá que suportar certos atos” no correto escólio de Maria Helena Diniz.

 

O parágrafo único do CC 1.286 assegura ao proprietário prejudicado o direito de exigir que a instalação seja feita de modo menos gravoso ao prédio onerado, bem como o direito de remover a passagem para outro local do imóvel, à custa deste. Em arremate, para caso de as instalações ensejarem risco grave, surgirá ao proprietário do prédio onerado o direito de exigir a realização de obras de segurança, na forma do CC 1.287. Por fim, registra-se que andou bem o Código Civil de 2002 que evoluiu no instituto antes tratado no Código Civil de 1916 como servidão e agora no âmbito do direito de vizinhança, aperfeiçoando-se o sistema e a técnica jurídica.

 

Mas, atenção: Servidão e passagem forçada se confundem. A passagem forçada é um instituto de direito de vizinhança, enquanto que a servidão diz respeito a um direito de gozo e fruição. Aqui já se percebe a primeira importante diferença, segundo a doutrina de Maria Helena Diniz. Afinal, “o direito de vizinhança é criado por lei, para dirimir conflitos entre vizinhos”; enquanto que as servidões prediais “decorrem de lei ou de convenção, constituindo em encargos que um prédio sofre em favor de outro, para o melhor aproveitamento ou utilização do prédio beneficiado”. Seguindo nas diferenciações, a passagem forçada aplica-se na hipótese em que houver um imóvel encravado, entendido como tal aquele que não possuir acesso à rua, nascente ou porto (CC 1.285). Não é uma faculdade, mas sim uma imposição, ao passo que o imóvel encravado deverá ter garantido pelo outro o seu direito de acesso à via pública. A passagem será concedida de forma menos gravosa ao onerado e este receberá, por conta da concessão, contraprestação pecuniária. Infere-se na servidão instituto de ratio completamente diversa. Aqui não há encravamento. Há, sim, desejo de aumento da utilidade do prédio dominante mediante uso da área serviente. Poderá ser onerosa ou gratuita e não é imposta, mas sim fruto de um acordo entre prédios de diversos proprietários.

Sintetizando o posto, adverte Flávio Tartuce que, a servidão não se confundirá com a passagem forçada, pois é facultativa de modo a não obrigar o pagamento de indenização. Já “a passagem forçada é compulsória, assim como o é o pagamento da indenização. A servidão é um direito real de gozo ou fruição. A passagem forçada é instituto de direito de vizinhança, presente somente na situação em que o imóvel encravado não tem saída para a via pública (CC 1285). A servidão envolve os imóveis dominante e serviente; na passagem forçada estão presentes o imóvel encravado e o serviente. Na servidão cabe a citada ação confessória; na passagem forçada, para a defesa do direito, a ação cabível é denominada ação de passagem forçada”. (http://noticias.cers.com.br, atualizado em 27/10/2015, Acessado em 21/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Completando com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dono do prédio vizinho poderá exigir a realização de obras de segurança, caso as instalações possam vir a causar algum risco ao bem. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 21.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.282, 1.283, 1.284 Dos Direitos de Vizinhança – Das Árvores Limítrofes – VARGAS, Paulo S. R

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.282, 1.283, 1.284

Dos Direitos de Vizinhança – Das Árvores Limítrofes –

VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial –

Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.282 e 1.284) Capítulo V –

Dos Direitos de Vizinhança – Seção II – Das Árvores Limítrofes

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Art. 1.282. A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes.

 Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em comento reproduz integralmente o que continha o art. 556 do Código Civil de 1916. A regra é simples e define a propriedade da árvore pela posição de seu tronco, desprezando, portanto, tanto as raízes como a copa, que podem se estender para um dos prédios. Abrange tanto as árvores nativas como as plantadas propositalmente na linha divisória. Cria-se um condomínio dos vizinhos sobre a árvore, aplicando-se, portanto, as regras dos CC 1.314 e seguintes do atual Código Civil, que disciplinam as relações, os direitos e os deveres dos condôminos. Como diz Carvalho Santos, “a árvore pertence ao dono do prédio onde tem o tronco” (Código Civil brasileiro interpretado, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1943, v. V III, p. 19). A presunção é relativa, mas dada a natureza imóvel da acessão deve ser desfeita pela prova de que a linha divisória é outra.

 Podem as árvores causar prejuízos aos imóveis vizinhos, sendo necessária a sua remoção no interesse de qualquer um dos condôminos. Os danos causados pela queda da árvore, de seus ramos ou de seus frutos se regem pela regra do CC 937 do Código Civil, que constitui o preceito básico da responsabilidade pelo feto da coisa. É importante lembrar, porém, que a Constituição Federal, em seu art. 225, reza que o meio ambiente equilibrado é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Cabe a sua defesa à coletividade e ao poder público. A Lei n. 9.605/98 disciplina as regras relativas ao meio ambiente, de modo que a supressão de árvore, limítrofe ou não, exige autorização da autoridade competente, ultrapassando a mera autonomia privada e o interesse patrimonial dos condôminos. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.287-88. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 20/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No comentário de Ricardo Fiuza à sua própria doutrina, cuida o artigo da hipótese de árvores limítrofes, que deverá ser examinada sempre tendo em vista três aspectos fundamentais: a) a quem pertencem as árvores limítrofes; b) a quem pertencem os seus frutos; e c) qual a situação dos ramos e raízes que ultrapassam as divisas do prédio. E idêntico ao art. 556 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Absteve-se o douto relator aos quesitos da Constituição Federal, em seu art. 225, onde reza que o meio ambiente equilibrado é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Cabendo a sua defesa à coletividade e ao poder público. A Lei n. 9.605/98 disciplina as regras relativas ao meio ambiente, de modo que a supressão de árvore, limítrofe ou não, exige autorização da autoridade competente, ultrapassando a mera autonomia privada e o interesse patrimonial dos condôminos, como bem acentuou Francisco Eduardo Loureiro em seu comentário acima (Grifo VD). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 660, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 20/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão mais estendida de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a legislação civil prevê que a árvore plantada na linha divisória de dois terrenos será considerada propriedade em comum aos dois titulares. Desta maneira, sua remoção exige autorização mútua. Trata-se, na verdade, de um condomínio legal existente em razão da árvore se localizar na linha divisória. Qualquer proveito econômico advindo da referida árvore deverá ser de direito de ambos os proprietários vizinhos, dado o condomínio natural formado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 20.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 1.283. As raízes e os ramos de árvore, que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido.

Conforme o entendimento lógico de Francisco Eduardo Loureiro, embasado na Lei, o artigo em questão reproduz integralmente o art. 558 do Código Civil de 1916 e contém regra que dispensa maiores explicações, dada a sua simplicidade. O direito de cortar ramos e raízes se estende até o plano vertical divisório entre os imóveis e independe de prova do prejuízo. Pode ser exercido diretamente pelo vizinho, independentemente de qualquer autorização ou concordância do proprietário da árvore. Como se trata de direito potestativo, não está sujeito à prescrição nem o dono da árvore pode reclamar qualquer indenização (Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1943, v. V III, p. 24-5). A norma comporta apenas uma ressalva: tal como observado no comentário ao artigo anterior, a preservação da cobertura vegetal protege o meio ambiente, valor de interesse público e coletivo. Assim, a supressão de parte de uma árvore, especialmente quando ponha em risco a própria sobrevivência desta, está subordinada à prévia autorização administrativa e ao respeito às normas ambientais, não valendo o princípio da autonomia privada. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.289. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 20/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Ainda aqui não estendeu seus comentários, Ricardo Fiuza, à norma comportar apenas uma ressalva: tal como observado no comentário ao artigo anterior, a preservação da cobertura vegetal proteger o meio ambiente, como valor de interesse público e coletivo. Assim, a supressão de parte de uma árvore, especialmente quando ponha em risco a própria sobrevivência desta, está subordinada à prévia autorização administrativa e ao respeito às normas ambientais, não valendo o princípio da autonomia privada (Grifo VD), limitando-se a banalizar seu comentário ao  artigo tratar do aspecto fundamental “c”, abordado no CC 1.282. A existência dessas árvores, quando prejudicam os interesses dos vizinhos, caracterizar o mau uso da propriedade, que enseja ação cominatória para retirada delas (RT, 573/143); e, quando se tratar de simples queda de folhas, não se caracterizar o mau uso da propriedade, salvo se provado manifesto prejuízo ou perigo iminente (RI’, 597/110). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 660, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 20/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo Amanda Moura Pierini, em artigo intitulado “Das árvores limítrofes: dos direitos de vizinhança e poda de ramo de árvore (art. 1.283 do CC)”, publicado em dezembro de 2016 no site jus.com.br, o uso desse artigo se aplica para problemas de vizinhança, mais especificamente quando existem árvores de propriedade particular, isto é, do vizinho(a) que faz divisa com sua residência/domicílio, cujos ramos/galhos/folhas dessa(s) árvore(s) invadem a sua propriedade causando algum tipo de prejuízo ou desconforto aos seus moradores. A título de exemplo, cita-se os ramos de árvores da propriedade particular vizinha que ultrapassam os muros de sua residência, e os pássaros que ali se encontram diariamente defecam em cima de seu veículo. Nesse sentido, segue julgado do TJ no recurso de Apelação nº 2006.015061-9 do Desembargador Fernando Carioni, julgado em 19/09/2006, a respeito do tema: “A respeito, Maria Helena Diniz, com propriedade, acentua: Se as árvores e ramos de árvores ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, ante o incômodo à propriedade vizinha, mesmo que, não acarrete dano, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido, sem necessidade de avisar o dono da árvore de que vai apará-la (in Curso de direito civil brasileiro, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 1997, v. 7, p. 475). Destarte, é natural concluir que “As raízes e os ramos de árvore, que ultrapassem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido” (Retirado do Código Civil Anotado, de Cristiano Imhof, Conceito Editorial, 2009). (Amanda Moura Pierini, em artigo intitulado “Das árvores limítrofes: dos direitos de vizinhança e poda de ramo de árvore (art. 1.283 do CC)”, publicado em dezembro de 2016 no site jus.com.br. Acessado em 20/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.284. Os frutos caídos de árvore do terreno do vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular.


Na observação de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame reproduz com exatidão o art. 557 do Código Civil de 1916, elidindo o princípio de que os frutos caídos pertencem ao dono da árvore. Pertencerão ao vizinho se caírem em seu terreno. O propósito da regra é evitar litígios entre vizinhos, que fatalmente ocorreriam se um ingressasse no imóvel do outro para apanhar frutos que lá se encontram. Note-se que a regra somente vale para frutos caídos e não para os frutos pendentes, bem como exige que o terreno vizinho, onde caírem os frutos, seja particular e não público. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.289. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 20/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


Segundo a página da Nação Jurídica, no Facebook, quanto aos frutos que caem na minha propriedade, nessa hipótese, os frutos que caem pertencem ao dono da propriedade (se esta for privada) onde os mesmos caíram, mesmo não sendo este o dono da árvore. Portanto, via de regra, os frutos pertencem ao dono do terreno onde tombaram. Assim dispõe o nosso Código Civil de 2002, no artigo 1284. (@NaçãoJurídica, no Facebook, Acessado 20/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Quanto às árvores limítrofes, segundo artigo de Rogério Tadeu Romano, publicado no site Jus.com.br, Eduardo Espínola (Possepropriedade, condomínio, direitos autorais) já ensinava que presume-se pertencer em comum aos dos prédios confinantes a árvore, cujo tronco estiver na linha divisória. As raízes e os ramos de árvores que ultrapassarem a extrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório pelo proprietário do terreno invadido. A regra procede do direito romano e foi consagrada pelo uso moderno, passando para os vários códigos contemporâneos, os quais regulam do mesmo modo as raízes e os ramos de árvore que invadem o terreno vizinho. Veja-se o artigo 910 do Código Civil Alemão e o artigo 422 do Código Civil austríaco. Ao que parece o entendimento no direito universal, Os frutos caídos da árvore do vizinho pertencem ao dono do solo onde caírem, se esse for de propriedade particular. Diversamente o direito romano apresentava outra solução. Pelo Código Civil português, art. 2318,  o proprietário da árvore ou do arbusto confinante ou contiguo a prédio de outrem, tem o direito de exigir que o dono do prédio lhe permita fazer a apanha dos frutos que se não puderem recolher do seu lado; mas é responsável por qualquer prejuízo que com isso venha a causar. Na matéria, em Portugal, há o ensinamento de Dias Ferreira (Código Civil Português). O  Código Civil alemão dispunha no artigo 911 que os frutos que caiem de uma árvore ou de um arbusto sobre um imóvel de um vizinho  são considerados como frutos deste imóvel, salvo se for de uso público.

Em várias legislações se encontram regras sobre as distâncias que devem conservar as árvores que se plantem nas extremas da propriedade, conferindo ao vizinho o direito de exigir do proprietário que extirpem as plantadas a menor distância. O Código Civil francês estabelece, no artigo 671(Lei 18.881) que só é permitido plantar árvores e arbusto perto do limite da propriedade vizinha, na distância prevista pelos regulamentos existentes ou por usos constantes e reconhecidos e, não os havendo, à distância de dois metros da linha divisória quanto a plantações que excedam de dois metros de altura e à de metro e meio para as menos altas. O Código Civil italiano manda observar os regulamentos e os usos locais. Na Suíça a matéria está reservada à legislação cantonal. Em Portugal se declara expressamente que será licita a plantação a qualquer distância da linha divisória. (Rogério Tadeu Romano, Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado. publicado no site Jus.com.br, em agosto de 2016, acessado 20/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.280, 1.281 Dos Direitos de Vizinhança – Do Uso Anormal da Propriedade – VARGAS, Paulo S. R.

 

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.280, 1.281

Dos Direitos de Vizinhança – Do Uso Anormal da Propriedade –

VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial –

Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.277 e 1.281) Capítulo V –

Dos Direitos de Vizinhança – Seção I – Do Uso Anormal da Propriedade

digitadorvargas@outlook.com - vargasdigitador.blogpot.com

 

Art. 1.280. O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente.

 

Segundo entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame corresponde ao art. 555 do Código Civil de 1916, com aperfeiçoamento da antiga redação. Não mais alude somente ao proprietário, mas estende também ao possuidor o direito de reclamar a reparação ou demolição do prédio vizinho que ameace ruína, consolidando entendimento da doutrina e dos tribunais. A inovação procede, porque não teria razão de ser que o CC 1.277 garantisse aos proprietários e possuidores de imóveis vizinhos a tutela contra interferências prejudiciais mas limitasse ao proprietário a ação de dano infecto. O preceito, já sedimentado pela doutrina do Código Civil de 1916, merece interpretação construtiva e ampliativa. O direito de exigir a demolição é subsidiário, exigível apenas caso não faça o proprietário os reparos necessários no prédio. Deve haver probabilidade concreta de ruína, aferível por prova pericial, não bastando possibilidade eventual e remota. O interesse que a lei visa a tutelar não se restringe ao desabamento da construção, mas se estende a hipóteses análogas, que coloquem em risco a incolumidade ou o patrimônio dos vizinhos, como incêndio, inundação ou desmoronamento. O artigo encerra conferindo outro direito ao vizinho, qual seja o de exigir garantia real ou fidejussória do proprietário, até que este repare ou promova a demolição do prédio, fazendo cessar os riscos aos prédios próximos. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.286-87. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 19/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o prisma de Ricardo Fiuza, em sua doutrina, o artigo cuida da reparação através da ação de dano infecto (dano que se não consumou, mas tem possibilidade de ocorrer, causando justo receio), ficando autorizado o proprietário a exigir do vizinho a demolição ou reparação de sua propriedade, na hipótese de estar o prédio ameaçado de ruína. É idêntico ao art. 555 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 659, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 19/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Raphael Abreu de Morais, Bacharelando em Direito pela Faculdade Bertioga, em seu artigo “A AÇÃO DE DANO INFECTO COMO MECANISMO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE VIZINHANÇA” tendo como orientadora Thais de Camargo Oliva Rufino Andrade, Advogada. Professora do Curso de Direito da Faculdade Bertioga, faz uma análise dos principais aspectos do direito de vizinhança, bem como da ação judicial de dano infecto como um instrumento jurídico capaz de solucionar os litígios decorrentes desta relação jurídica. A intenção não é esgotar a discussão sobre o tema, mas sim descobrir como a jurisprudência e a doutrina vêm se posicionando quanto à aplicabilidade da ação de dano infecto à luz do Novo Código Civil. A realização deste artigo ocorreu por meio de uma revisão bibliográfica, que fomentou as discussões com uma base científica. Valem-se da hipótese de que a ação de dano infecto é um instrumento de pacificação social apesar de este instituto jurídico ser pouco utilizado nos dias de hoje.

O direito a propriedade é entendido por muitos como um dos direitos basilares do ser humano. No que diz respeito à natureza humana, a propriedade é um dos elementos capaz de fazer com que o homem se sinta realizado. Neste diapasão, a moradia é o local propício para a perpetuação da dignidade humana. Por este motivo, a própria Constituição Federal vigente incluiu o direito a moradia como um dos direitos sociais basilares do Estado Democrático de Direito em que vivemos. No que diz respeito à propriedade, o Novo Código Civil introduziu em seu CC 1228 alguns direitos que são inerentes à propriedade. Dentre eles, é assegurado ao proprietário a faculdade de usar, gozar, dispor da coisa e reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Tais direitos constituem um amplo instrumento de liberdade individual e de proteção ao direito de propriedade. Em que pese o direito de propriedade gozar de uma ampla proteção legal, seu exercício não é absoluto, sendo o legislador bastante cauteloso ao limitar tal direito. O exercício dos direitos inerentes à propriedade não podem causar prejuízos ou interferências no direito alheio. Os direitos de vizinhança constituem um claro exemplo de limitação do direito dos proprietários e possuidores, pois a lei impõe às pessoas alguns sacrifícios que necessitam ser suportados para que a convivência social seja possível e para que a propriedade de cada indivíduo seja respeitada. As limitações do direito à propriedade surgem com a necessidade de se estabelecer um equilíbrio entre os proprietários confinantes. A vizinhança por si só é fonte permanente de conflitos e nela deve prevalecer não só o dever de solidariedade e a boa-fé entre os vizinhos, mas também o exercício da propriedade atendendo a sua função social. Nas lições de Farias e Rosenvald (2012, v. 5, p. 634) “O conflito de vizinhança nasce sempre que um ato do proprietário ou possuidor de um prédio repercute no prédio vizinho, causando prejuízo ao próprio imóvel ou incômodo ao morador”.

Dantas (1939) citado por Diniz (2013, v. 4, p. 306), declara que há conflito de vizinhança sempre que um ato praticado pelo dono de um prédio, ou estado de coisas por ele mantido, vá exercer seus efeitos sobre o imóvel vizinho, causando prejuízo ao próprio imóvel ou incômodo ao morador. Assim, conclui-se que as regras de vizinhança têm por objetivo harmonizar a vida em sociedade e o bem-estar, sem deixar à margem as finalidades do direito de propriedade. No que tange a natureza jurídica dos direitos de vizinhança, estes são obrigações propter rem, pois vinculam-se ao prédio, assumindo-os quem quer que esteja em sua posse. A principal característica das obrigações decorrentes do direito de vizinhança é o fato da determinação indireta dos sujeitos, pois o dever incidirá a qualquer pessoa que se vincule a uma situação jurídica de titularidade de direito real ou mesmo quem a exerça um poder fático sobre a coisa (possuidor). Na atual codificação, os direitos de vizinhança estão codificados em sete seções, quais sejam: a) Do uso anormal da propriedade; b) Das árvores limítrofes; c) Da passagem forçada; d) Da passagem de cabos e tubulações; e) Das águas; f) Dos limites entre prédios e do direito de tapagem; g) Do direito de construir. A presente análise limitar-se-á ao uso anormal da propriedade, pois este constitui uma das principais fontes de conflitos nas relações de vizinhança, bem como um dos fundamentos para o ingresso da ação judicial de dano infecto.

O direito de propriedade é limitado quanto à intensidade de seu exercício e em razão do princípio geral que veda um comportamento que venha a exceder o uso normal de um direito, causando prejuízo a alguém. Os vizinhos devem manter respeito mútuo, obedecendo às regras morais e sociais de convívio, de modo que possam exercer seus direitos de maneira saudável e tranquila. O dispositivo fundamental que remete ao uso anormal da propriedade é o CC 1.277 que dispõe que “O proprietário ou possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, pela utilização de propriedade vizinha”. O referido dispositivo legal traz alguns conceitos indeterminados que são o de segurança, sossego e saúde, sendo que segundo a melhor doutrina, constituem direitos da personalidade inerente a qualquer ser humano e não apenas a vizinhos. Analisando a obra de Farias e Rosenvald (2012) seus comentários sobre tais conceitos são bastante interessantes: a) Segurança: atos que possam comprometer a solidez e estabilidade material do prédio e a incolumidade pessoal de seus moradores. b) Sossego: Bem jurídico inestimável, componente dos direitos da personalidade e intrinsicamente conectados ao direito a privacidade. Não pode ser conceituado como a completa ausência de ruídos, mas a possibilidade de afastar ruídos excessivos que comprometam a incolumidade da pessoa. c) Saúde: concerne ao estado da pessoa cujas funções biológicas estão normais. A salubridade física ou psíquica pode ser afetada por moléstia à integridade de vizinhos, mediante agentes físicos, químicos e biológicos, como na emissão de gases tóxicos, poluição de águas e matadouros. Não é raro que as reiteradas ofensas ao sossego impliquem atentado à saúde física e psíquica da pessoa.  Segundo Venosa (2010), os incômodos e prejuízos oriundos desses fatos e atos dão origem a duas modalidades de atitudes ao proprietário ou possuidor, que vão refletir em duas categorias de ações judiciais que são as ações indenizatórias e as ações tipicamente de vizinhança. Se o prejuízo ocorreu em virtude de um ato ilícito de um prédio vizinho, a solução poderá ser tão somente a ação indenizatória na qual se apurarão as perdas e danos, mormente se já cessou a turbação. Neste diapasão, acrescenta-se o seguinte julgado:  Apelação Cível. Direitos De Vizinhança. Ação Indenizatória Por Danos Morais. Caracterização De Uso Anormal Da Propriedade, Com Incômodo Anormal. Sentença Mantida. I. As relações de vizinhança trazem ínsitas à sua essência um limite de tolerância, uma margem de incômodo imposta a quem vive em sociedade. Contudo, o abuso do direito de propriedade, causando danos aos vizinhos, configura, em tese, violação a direito de vizinhança que importa em uso normal da propriedade, causador de dano anormal, e, portanto, a consequência por ventura existente é a reparação indenizatória. Solução extraída das regras constantes dos artigos 1.277 e 1.278 do Código Civil. II. Caso concreto no qual merece manutenção o julgamento de procedência do pedido inicial relacionado ao dano moral sofrido pela autora, haja vista a comprovação de que a ré, sua vizinha, além de desqualificá-la, chamando a de nomes que aludem ao racismo, provoca seus animais de estimação, e, ainda, é confessa quanto ao fato de ter extraído tijolos colocados pela demandante nos vãos do muro que divide as propriedades. Recurso Desprovido À Unanimidade. (Apelação Cível Nº 70048129688, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 16/08/2012).

Entretanto, quando se tratar de situação presente e continuativa de prejuízo à segurança, sossego e saúde do vizinho, a ação é tipicamente de vizinhança. O remédio processual será uma ação de obrigação de fazer ou não fazer. Nesse sentido, colacionou-se mais uma vez um julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: Direito De Vizinhança. Obrigação De Fazer. Chaminé. Fumaça. Uso Anormal Da Propriedade. Chaminé do imóvel vizinho em altura inferior ao telhado da casa lindeira. Terreno em declive. Fumaça exalada em direção à residência da autora que inviabiliza a abertura de janela. Uso anormal da propriedade. CC 1.277. Prova documental e testemunhal que comprova os fatos alegados. Princípio da imediação da prova aplicado no caso concreto. Sentença de procedência mantida. Negaram provimento. (Apelação Cível Nº 70035708205, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Rafael dos Santos Júnior, Julgado em 14/06/2010).

Note-se que no primeiro julgado, o ingresso de ação indenizatória foi suficiente para resolver o conflito ali instaurado. Já no segundo julgado, se fez necessário uma ação de obrigação de fazer devido à natureza do dano que era perpetrado. Salienta-se que as ações de obrigação de fazer podem ser cumuladas com pedido de aplicação de multa diária (astreintes) e indenização pelos prejuízos já causados. A questão da limitação do uso da propriedade é bastante interessante, pois o CC 1.277 estabelece conceitos jurídicos indeterminados. O conceito de segurança, sossego e saúde são subjetivos e partir daí surge à questão do limite do que é tolerável e intolerável. Nas relações de vizinhança há uma margem de incômodo que deve ser tolerada pelos vizinhos como um parâmetro mínimo de convivência e civilidade. Nas situações cotidianas, a verdade é que a aferição do que é tolerável ou intolerável ficará a mercê do magistrado, que através do conjunto probatório e do seu livre convencimento aplicará a lei ao caso concreto.

Superada as considerações gerais sobre o direito de vizinhança e do uso anormal da propriedade, passa-se a analisar a ação judicial de dano infecto como um dos instrumentos jurídicos capazes de solucionar os conflitos derivados da relação de vizinhança e do uso da propriedade de forma anômala. Pelo conceito de dano infecto, analisa-se o prejuízo eventual, possível ou iminente que aponta para um risco de dano. Tem como exemplo prático o risco que corre um prédio pela sua contiguidade com outro ameaçado de ruina ou o uso anormal da propriedade. A utilização da ação de dano infecto tem sido bastante escassa atualmente, pois a doutrina contemporânea vem entendendo que esta não é a melhor tática processual para dirimir questões desta natureza. Na maioria das vezes os operadores do direito têm optado pela ação de nunciação de obra ou pela ação demolitória. Apesar disto, este não é o posicionamento deste autor, pois a ação de dano infecto ainda existe no ordenamento jurídico brasileiro e também constitui um instrumento processual de resolução de conflito oriundos das relações de vizinhança. A ação de dano infecto tem como pressupostos os CC 1. 277 e seguintes do Código Civil. Seu fundamento legal se encontra no CC 1.280 no qual dispõe: “O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente”. Destaca-se que o receio deve ser real, e não baseado em num temor infundado.

O CC 1.280 é exclusivo da relação edilícia. Tais situações têm por pressupostos um dano futuro e iminente. Não é o dano já ocorrido, mas a possibilidade e potencialidade de vir a ocorrer. Nas lições de Farias e Rosenvald (2012, v. 5, p. 654): “Poderá propor ação de dano infecto quando houver justo receio de vir a ser prejudicado pela ruína do prédio vizinho (CC 1.280). Esta ação possui o nítido caráter preventivo e pressupõe um dano iminente e provável ao morador, em face do uso perigoso e nocivo da propriedade vizinha.” Note-se que a referida medida processual poderá variar de acordo com o estado de ruína do prédio e terá o condão de ordem de demolição (ruína imediata), reparatória (realização de obras que evitem a ruína), ou até mesmo prestar caução como garantia de indenização futura em situações de mera eventualidade de um dano. (Raphael Abreu de Morais, Bacharelando em Direito pela Faculdade Bertioga, em seu artigo “A AÇÃO DE DANO INFECTO COMO MECANISMO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE VIZINHANÇA” tendo como orientadora Thais de Camargo Oliva Rufino Andrade, vol. 4 da publicação fabeemrevista.com.br em 2014, Acessado em 19/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Ilustrando o artigo em comento, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o vizinho prejudicado poderá pleitear, se for o caso, a redução das interferências danosas em seu benefício, mesmo com base em ordens judiciais concessivas de intervenção, desde que demonstre o excesso das medidas concedidas. Não há dispositivo semelhante na legislação anterior. (Embora Ricardo Fiuza comente em sua doutrina ser tal artigo idêntico ao art. 555 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Grifo VD). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 19.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.281. O proprietário ou o possuidor de um prédio, em que alguém tenha direito de fazer obras, pode, no caso de dano iminente, exigir do autor delas as necessárias garantias contra o prejuízo eventual.

 

Na visão de Ricardo Fiuza, como apontado em sua doutrina, a garantia de que fala este artigo pode ser real ou fidejussória. Se o prédio suportar servidão, o proprietário do prédio serviente não poderá impedir o serviço para conservá-la, mas sim pleitear garantia do responsável pela obra. • O dispositivo é idêntico ao art. 529 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 659, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 19/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Confirmando o comentário acima, Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em comento corresponde ao art. 529 do Código Civil de 1916, que se encontrava deslocado na parte geral do direito de propriedade. Ganhou o preceito redação mais técnica, trocando o termo inquilino pelo gênero possuidor. Além disso, não se fala mais em segurança, mas corretamente em garantia contra prejuízo eventual. O Código Civil, em diversas passagens, confere ao vizinho o direito de realizar certos atos e obra em prédio alheio. Tomem-se como exemplos a abertura de passagens de pessoas e de tubulação de coisas, ou mesmo para reparação, construção, reconstrução e limpeza da casa e do muro divisório, nos termos do CC 1.313, adiante comentado. Essas obras feitas no imóvel alheio, que o proprietário é obrigado a suportar por disposição de lei, podem acarretar risco de dano iminente. Embora não diga a lei, tal como no artigo anterior o dano deve ter um elevado grau de probabilidade de se concretizar em futuro próximo. Presente tal circunstância, o proprietário pode exigir que o vizinho que realiza a obra preste caução real ou fidejussória contra o prejuízo eventual. Anos atrás tive contato com interessante caso, em que o proprietário de um imóvel pretendia instalar uma piscina de fibra de grande porte em sua residência. O pesado objeto deveria passar, içado por guindaste, sobre o prédio vizinho, com o que não concordou o dono. A solução foi a obtenção de ordem judicial, mediante prestação de garantia contra eventuais prejuízos, que, afinal, não ocorreram. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.287. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 19/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


Como alertam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, na hipótese de que o terceiro realize obras, poderá o proprietário ou o possuidor assegurar-se contra eventuais prejuízos, postulando garantias, como ode ocorrer nos casos de servidão de passagem, em que o titular do prédio dominante precisa realizar obras para viabilizar ou conservar o trânsito pelo prédio serviente (Cristiano chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Direitos Reais, Lumen Juris, eº ed., p. 453). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 19.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).