sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.334, 1.335, 1.336 Do Condomínio Edilício - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.334, 1.335, 1.336

Do Condomínio Edilício – VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial –

 Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.331 a 1.358) Capítulo VII

– Do Condomínio Edilício – Seção I – Disposições Gerais–

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Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinara:

 I - a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;

II — sua forma de administração;

III — a competência das assembleias, forma de sua convocação e quorum exigido para as deliberações;

IV — as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;

V — o regimento interno.

§ 1º A convenção poderá ser feita por escritura pública ou por instrumento particular.

§ 2º São equiparados aos proprietárias, para os fins deste artigo, salvo disposição em contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas.

No comentário estendido de Francisco Eduardo Loureiro, o caput do artigo inicia dispondo que a convenção de condomínio deverá conter as cláusulas a que se refere o CC 1.332, anteriormente estudado, requisitos da instituição do condomínio edilício, a saber: a individualização e discriminação das unidades autônomas, a determinação da fração ideal correspondente a cada unidade e a finalidade das unidades. São o que Edson Luiz Fachin denomina disposições estruturantes do condomínio, sem as quais se está frente ao regime jurídico do condomínio tradicional, regido por regras diversas. O art. 9º da Lei n. 4.591/64, alíneas a e b do § 3º, explicitava requisitos semelhantes que, no dizer de Caio Mário da Silva Pereira, têm o escopo de permitir a cada condômino conhecer o que lhe pertence, individualmente, para que o possa defender e, ao mesmo tempo, respeitar a esfera jurídica alheia, e, no que tange às áreas comuns, usá-las sem exclusividade, a fim de não obstar o uso dos demais (Condomínio e incorporações, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 137).

Prossegue o caput do artigo dizendo que os cinco incisos, adiante comentados, são o conteúdo mínimo da convenção, que pode também conter as cláusulas que os “ interessados houverem por bem estipular”. Abre-se espaço à autonomia privada, permitindo aos condôminos acrescentar outros dispositivos de seu interesse, desde que não afrontem norma cogente nem os princípios da função social do contrato e da propriedade, o equilíbrio contratual e a boa-fé objetiva. Não se admitem, também, cláusulas contrárias à própria natureza do condomínio edilício, que mescla as propriedades individual e comum. As normas da convenção têm natureza complementar, particularizando regras que a lei não poderia conter, dado seu casuísmo. Como lembra João Batista Lopes, são nulas “as cláusulas restritivas dos direitos dos condôminos, como as que impedem o direito de voto, limitam o direito de propriedade ou conferem exclusividade ao uso de áreas comuns” (Condomínio, 4. ed. atualizada e ampliada. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1993, p. 86). Os direitos básicos dos condôminos, previstos no CC 1.335, adiante comentado, não podem ser tolhidos ou suprimidos pela convenção. Tome-se como exemplo cláusula que imponha direito de preferência dos demais condôminos, no caso de alienação de unidade autônoma, que isente condômino do pagamento da contribuição condominial ou que imponha sanções excessivas ao inadimplente. As restrições aos direitos dos condôminos somente se justificam quando visam a coibir as interferências prejudiciais entre condôminos.

O inciso I trata do rateio das despesas e deve ser lido em consonância com o que dispõe o CC 1.336, I, adiante comentado, com a redação que lhe deu a Lei n. 10.931/2004. A princípio, o rateio se faz de modo proporcional às frações ideais das unidades autônomas. A regra, porém, é dispositiva, somente valendo no silêncio da convenção, que pode dispor em sentido diverso. Tome-se como exemplo a regra do CC 1.340, adiante comentado, que atribui as despesas das partes comuns de uso exclusivo a quem delas se aproveita. É o caso, por exemplo, de lojas no pavimento térreo de edifício, que não participam do rateio das despesas relativas à manutenção dos elevadores. Como lembra Caio Mário da Silva Pereira, “pode a convenção excluir da divisão das despesas ou de certas despesas determinadas unidades e incluir outras, bem como estabelecer o critério para que concorram uns e outros para as extraordinárias” (op. cit., p. 138). Deve, porém, haver razão objetiva que justifique o rateio de modo desproporcional às frações ideais, coibindo-se abusos, como de certos empreendedores que isentam ou criam critérios favoráveis às unidades reservadas para si, em detrimento dos demais consortes. Embora seja omisso o atual Código Civil, pode a convenção estabelecer a forma de contribuição para o fundo de reserva, a fim de fazer frente a despesas extraordinárias e urgentes.

O inciso II reza que a convenção disporá sobre a forma de administração do condomínio, em especial regras supletivas às previstas nos CC 1.347 e 1.348, adiante comentadas. Poderá, por exemplo, atribuir poderes ao síndico, além dos previstos no CC 1.347, estabelecer mandato inferior a dois anos, isentar o síndico das contribuições condominiais, prever a eleição de subsíndico ou, ainda, criar conselho fiscal ou conselhos e comissões auxiliares de administração.

O inciso III diz que a convenção deve disciplinar a competência das assembleias, sua forma de convocação e quorum exigido para deliberações. No que se refere à competência, as matérias previstas no CC 1.250 são objeto de assembleia ordinária. Nada impede que matérias outras, desde que não haja vedação legal, sejam também incluídas na assembleia ordinária, restando as demais para a assembleia extraordinária. No que se refere ao quorum, não pode a convenção suplantar a lei. Como diz Caio Mário da Silva Pereira, “para aquelas deliberações em que a lei estabelece quorum especial, não pode a convenção marcar outro diferente, nem para mais, nem para menos. Mas, onde se deixou o assunto para o alvedrio dos condôminos, poderão eles dizer se desejam maioria simples ou qualificada” (op. cit., p. 139). Tomem-se como exemplos os quorum já estabelecidos em lei para imposição de multa ao condômino renitente (CC 1.337), alteração da própria convenção (CC 1.351), destituição do síndico (CC 1.349), obras no edifício (CC 1.341 e 1.343) ou extinção do condomínio (CC 1.357), que não podem ser alterados pela convenção. O Código Civil é omisso quanto à forma e ao prazo de convocação dos condôminos para as assembleias, deixando amplo espaço para a convenção. Obrigatório, porém, que a convenção preveja a convocação de todos os condôminos e com prazo mínimo, aferível caso a caso, para que estes possam se informar e refletir sobre a ordem do dia. Em casos especiais, quando a deliberação afetar apenas alguns condôminos, é que os demais, estranhos à matéria em pauta, não precisarão ser convocados.

Dispõe o inciso IV que a convenção disporá sobre as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores, matéria mais bem analisada nos comentários aos CC 1.336 e 1.337. Basta lembrar que a convenção não pode ultrapassar os limites máximos cogentes das multas dos artigos mencionados, podendo, porém, estabelecer limites menores e a forma de sua imposição, como prazo de defesa do condômino ou necessidade de aprovação em assembleia.

O inciso V diz que a convenção determinará o regimento interno. Ao contrário do que afirma parte da doutrina, isso não quer dizer que no texto da convenção deva já constar obrigatoriamente o regimento interno. A convenção pode simplesmente determinar que se fará o regimento em momento posterior, dispondo sobre sua forma e quorum (Venosa, Sílvio de Salvo. Direito civil - direitos reais, 2. ed. São Paulo, Atlas, 2002, p. 293). O regimento, como se sabe, contém regras do dia-a-dia do condomínio, como regulamentação e horário de utilização da piscina, do salão de festas e do parque infantil. Não tem sentido que regras casuísticas, moldáveis pela necessidade dos condôminos, sejam estabelecidas no momento da criação do condomínio edilício. Note-se que o CC 1.351, com a redação que lhe deu a Lei n. 10.931/2004, dispõe que a alteração da convenção depende da aprovação de dois terços dos votos dos condôminos, o que, porém, não mais se aplica em relação ao regimento interno, que pode ser aprovado pelo quorum previsto na própria convenção e, em seu silenciar, por maioria simples.

No que se refere aos dois parágrafos do CC 1.334, o primeiro diz que a convenção pode ser feita por escritura pública ou particular. É negócio solene, porque a forma escrita é de sua substância, e sua eficácia, como visto no comentário ao artigo anterior, se dá em duas etapas, antes e depois do registro imobiliário. O § 2º também já foi objeto de menção no comentário ao CC 1.333, a que se remete o leitor, e diz que são equiparados aos proprietários os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas, salvo disposição em contrário. A novidade está na ressalva contratual, que retira dos compromissários compradores o direito de deliberar a convenção. Essa ressalva, porém, vai contra a própria natureza de contrato preliminar impróprio do compromisso de compra e venda, que transfere ao promissário comprador quase todos os poderes federados do domínio (utendi, fruendi e mesmo abutendi, pela cessão de direitos), remanescendo com o promitente vendedor apenas um domínio afetado à garantia do recebimento do preço. É por isso que o compromissário comprador, que responde pelas despesas condominiais e está adstrito às restrições da convenção, deve dela participar e deliberar. Em termos diversos, a ressalva negocial mencionada pela lei é incompatível com as relações de consumo e em determinados casos fere a boa-fé objetiva. Somente prevalece se houver justificativa plausível para a restrição (cf. NASCIMENTO FRANCO, João. Condomínio, 5. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 111). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.350-52. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 13/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como sugere o relator do CC/2002, Ricardo Fiuza, este artigo e seus parágrafos e incisos estão embasados no § 3º do art. 9º da Lei n. 4.591, de 16-12-1964, que regulamenta o condomínio em plano horizontal. Apresenta inovações de redação e é de melhor técnica legislativa, modernizando as expressões, além de dar maior elastério aos proprietários e compromissários para a elaboração da convenção. Acaba com o excesso de pormenores existentes no § 3º do art. 9º da Lei n. 4.591/64, e possibilita, também, de modo explícito, que a convenção seja elaborada tanto por instrumento particular como por escritura pública. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 684, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 13/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo prevê cláusulas que deverão constar da convenção condominial, permitindo a sua elaboração por meio de instrumento particular ou escritura pública. Ressalvada disposição em sentido contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas são equiparados aos proprietários. A propósito, o enunciado 248 do Conselho da Justiça Federal: “O quorum para alteração do regimento interno do condomínio edilício pode ser livremente fixado na convenção”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 13.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.335. São direitos do condômino:

I – usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;

II – usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contato que não exclua a utilização dos demais compossuidores;

III -  votar nas deliberações da assembleia e delas participar, estando quite.

Como apontam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o artigo disciplina os direitos do condômino sobre o que lhe pertence, bem como sobre aquilo que pertence indistintamente a todos os condôminos. O proprietário poderá usar, fruir e dispor da sua unidade. A utilização imediata, a fruição do bem com finalidade na exploração econômica e a disposição total (alienação) ou parcial (gravação de ônus real) do imóvel, inserem-se no âmbito da autonomia privada do proprietário, respeitados os direitos de vizinhança e observado o princípio da função social da propriedade (Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Direitos Reais, Ed. Lumen Juris, 4ª ed., p. 511).

Enunciado 566 do Conselho de Justiça Federal: “A cláusula convencional que restringe a permanência de animais em unidades autônomas residenciais deve ser valorada à luz dos parâmetros legais de sossego insalubridade e periculosidade”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 13.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o enfoque de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em estudo não tem similar no Código Civil de 1916. Corresponde, com inovações, ao art. 19 da Lei n. 4.591/64. Os três incisos não esgotam os direitos dos condôminos, constituindo um rol não exaustivo, mas de prerrogativas que não podem ser suprimidas ou comprimidas - salvo situações especiais - pela convenção ou regimento interno.

Direitos sobre a unidade autônoma: O inciso I, em consonância com o regime complexo do condomínio edilício, que mescla propriedade plena sobre a unidade autônoma com copropriedade sobre as partes comuns, assegura ao condômino os poderes federados do domínio - CC 1.228 - sobre a unidade, dispondo que pode usá-la, fruí-la e dela livremente dispor. Embora não mencione, está implícito o quarto poder do dono, qual seja, o de reivindicar a coisa que injustamente esteja sob posse ou detenção de terceiro. Note-se que o preceito apenas usa a qualificação “ livremente” para o direito de dispor, uma vez que os direitos de usar e de fruir estão conformados pelas restrições de vizinhança, sempre mais severas no regime do condomínio edilício e previstas no inciso IV do artigo seguinte. O direito de dispor envolve o de onerar a unidade autônoma e, com ela, a fração ideal que lhe é inerente e indissociável. Por isso, não pode norma convencional subordinar, por exemplo, tal direito à preferência dos demais condôminos.

No que se refere ao direito de usar e fruir a unidade autônoma, a regra deve ser lida em conjunto com o dever previsto no inciso IV do CC 1.336, adiante comentado, ou seja, deve o condômino dar a suas partes a mesma destinação da edificação e não as utilizar de modo prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes. Há farta casuística nos tribunais sobre a matéria, partindo de alguns pressupostos que podem ser delineados. O primeiro é que, pela própria natureza do condomínio edilício, as restrições de vizinhança são mais severas do que as gerais do próprio Código Civil, e complementadas por regras estatuídas na convenção de condomínio. O segundo é que o domínio sobre a unidade autônoma é pleno, de modo que somente se justificam as restrições convencionais se, no caso concreto, verificar que o comportamento do condômino agride os interesses eleitos pela lei - segurança, sossego, salubridade e bons costumes.

Quanto aos casos mais frequentes e às soluções majoritárias dadas pelos tribunais (cf. Nascimento Franco , João. Condomínio, 5. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 167- 214; v i a n a , Marco Aurélio da Silva. Comentários ao Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XV I, p. 423-6):

• É direito do ocupante receber em sua unidade pessoas com quem mantenha amizade ou relações afetivas, do mesmo sexo ou do sexo oposto, cm homenagem aos direitos de personalidade, da liberdade sexual, intimidade e da vida privada. A conduta, porém, pode ser reprimida, quando desbordar para interferência prejudicial aos interesses dos demais condôminos, como segurança, salubridade e sossego; assim, reprime-se instalação na unidade de casa de prostituição, que, além de desviar a destinação, ofende os bons costumes, valor também tutelado pelo legislador.

• De igual modo, o barulho exagerado, desordens, festas frequentes até altas horas da noite ofendem a tranquilidade dos vizinhos e são reprimidos tanto pelas normas gerais do direito de vizinhança como pelas normas convencionais do condomínio; a regra abrange o barulho produzido por crianças, porém com margem maior de tolerabilidade, uma vez que algum ruído decorrente de brincadeiras, gritos ou choro constituem utilização normal da propriedade.

• Deve o condômino respeitar a destinação de sua unidade autônoma, não podendo usá-la para fins comerciais ou empresariais, se previsto o fim residencial, nem vice-versa. Tolera-se, porém, o uso misto, ainda que vedado pela convenção, desde que os valores tutelados pelo legislador - sossego, segurança, salubridade - não sejam atingidos nem os equipamentos comuns - elevadores, portaria, água -, sobrecarregados. São os casos de professores que ministram algumas aulas particulares, ou de advogados que recebem poucos clientes, ou costureiras que fazem algumas provas de roupas, ou prestadores de serviço em geral que usam a unidade para desenvolver suas atividades; por outro lado, não se admite a instalação de república de estudantes, quer pela provável ofensa ao sossego, quer pela sobrecarga aos equipamentos comuns.

• A manutenção de animais nas unidades gera entendimentos divergentes. Se a convenção for omissa, aplica-se a regra geral da preservação dos interesses tutelados pela lei, quais sejam, segurança, sossego e saúde. Caso, porém, a convenção proíba a permanência de animais, os tribunais se dividem. Há linha de interpretação mais rigorosa, de que deve a convenção ser seguida de modo estrito e quem vai habitar o condomínio tem ciência da restrição e a ela deve se amoldar. A linha majoritária, todavia, volta-se à prova da real nocividade do animal no caso concreto. Tolera-se a permanência do animal, se não for este prejudicial aos demais condôminos (RT 791/213, JTJ-Lex 167/32 e 248/34, JSTJ 49/176). Aquele que litiga contra a vedação convencional, porém, tem sobre seus ombros o ônus de demonstrar que os valores tutelados pela regra não foram vulnerados (cf. SOUZA, Sidney Roberto Rocha de. “Animais em apartamentos”. In: Condomínio edilício, coord. F. A. Casconi & J. R. N. Amorim. São Paulo, Método, 2005). Direito de usar as partes comuns: O inciso II garante ao condômino usar das partes comuns, desde que de acordo com sua finalidade e de modo a permitir igual direito aos demais condôminos. A primeira limitação diz respeito à finalidade. A garagem coletiva, por exemplo, não é local de recreação de crianças nem as quadras esportivas se prestam à guarda de veículos. A natureza da área e a previsão de seu destino são determinantes do uso. A segunda limitação se refere à preservação da mesma prerrogativa aos outros condôminos, permitindo a todos a utilização da área comum. Essa regra pode comportar algumas exceções. Tomem-se como exemplos as vagas de garagens indeterminadas, cujo uso exclusivo a cada um dos condôminos por certo tempo é determinado temporariamente em assembleia. Também é o caso do CC 1.340, que alude às partes comuns do edifício, de uso exclusivo de alguns condôminos, como corredores dos andares de edifício interditados aos condôminos da loja situada no térreo, que não participam do rateio das despesas. Questão polêmica é a da possibilidade da alteração da destinação da área comum do edifício, ou então da entrega de parte da área comum ao uso exclusivo de um dos condôminos. O entendimento majoritário é no sentido de que se admite a alteração da destinação de parte comum, ou a utilização exclusiva, se houver o consenso dos condôminos, por unanimidade (cf. Nascimento Franco, João. Op. cit., p. 220-1). Em determinados casos, a própria convenção ou instituição do condomínio já conterão a previsão, cabendo a análise de sua congruência com os princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual, vulnerado no caso de empreendedores e incorporadores que fazem constar da convenção a possibilidade de uso exclusivo do teto do prédio, para colocação gratuita de placas de publicidade ou sinais da empresa, sem qualquer vantagem ou contraprestação aos condôminos. Note-se que embora a lei use o termo “condômino”, os direitos de usar e fruir a unidade autônoma e as partes comuns do edifício se estendem aos demais ocupantes, como o usufrutuário, o locatário e o comodatário. Direito de voto: Finalmente, o inciso III reza ser direito do condômino votar nas deliberações da assembleia e dela participar, estando quite. Mais uma vez o termo “condômino” abrange compromissários compradores e cessionários de direito, como mencionado no comentário ao CC 1.334, ao qual se remete o leitor. Cuida-se de direito fundamental do condômino, que não pode ser afastado por norma convencional. Certos condôminos, porém, podem ser excluídos da votação, quando a matéria em debate não lhes disser respeito nem tenham reflexos sobre seus direitos e obrigações. É o caso, por exemplo, do condômino de unidade situada no térreo, sobre a troca de elevadores, de cujo rateio não participará. O Código Civil de 2002 não reproduziu o disposto no art. 24, § 4º, da Lei n. 4.591/64, com a redação que lhe deu a Lei n. 9.267/96. O silêncio da nova lei é eloquente e traduz a revogação do anterior preceito. O locatário não mais participa e delibera em assembleias de condomínio, ainda no que se refere a despesas ordinárias ( Nascimento Franco, João. Op. cit., p. 113; Viana , Marco Aurélio da Silva. Op. cit., p. 433). A novidade está na subordinação do direito de voto à pontualidade do pagamento da contribuição condominial. Tomou a lei posição, afastando a anterior discussão sobre a legalidade da restrição ao direito de voto contida em convenção de condomínio. Todos os condôminos, porém, devem ser convocados, até porque o saldo devedor pode ser pago até o momento da assembleia. O condômino que houver ajuizado ação de consignação em pagamento para discutir parcela controversa da contribuição não deve ser considerado em débito, assim como aquele que houver depositado em juízo tal quantia. Diz a lei que o condômino em atraso não pode deliberar, o que não o impede de participar das discussões, embora sem direito a voto. A participação, porém, por não constituir direito garantido por norma cogente, pode ser afastada por norma convencional. Resta saber se deve ser levado em conta, para composição global do quorum, o condômino impedido de votar. Não teria sentido que os inadimplentes, em razão de seu impedimento, inviabilizassem diversas deliberações relevantes para a vida condominial, como a realização de obras no edifício (CC 1.341), a alteração da convenção de condomínio (CC 1.351), a destituição do síndico (CC 1.349) ou mesmo a imposição de multa aos condôminos renitentes no cumprimento de suas obrigações, inclusive a de ratear as despesas (CC 1.337). Haveria duplo prejuízo aos condôminos pontuais, tanto por terem de adiantar a parte dos inadimplentes como por não conseguirem quorum para deliberações relevantes para a vida condominial. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.353-55. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 13/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A Doutrina de Ricardo Fiuza reza a respeito de este artigo e seus incisos estarem embasados no art. 19 da Lei n. 4.591, de 16-12-1964, que regulamenta o condomínio em plano horizontal. Elenca, de modo taxativo, os direitos dos condôminos, quais sejam, aqueles atinentes ao direito de propriedade, sendo ressalvada a regulamentação das partes comuns, as quais devem ser disciplinadas na convenção nunca extrapolando os direitos previstos nesse artigo. Garante, ainda, o direito ao voto de todos os compossuidores que estiverem em dia com suas contribuições condominiais. • Traz esse dispositivo inovações de redação e é de melhor técnica legislativa, modernizando as expressões. Deve ser-lhe dado, contudo, o mesmo tratamento doutrinário dispensado ao artigo já citado da Lei n. 4.591/64. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 684, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 13/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.336. São deveres do condômino:.

I -  contribuir para as despesas do condomínio, na proporção de suas frações ideais.

II - não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;

III - não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;

IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

§ 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.

§ 2º  O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da muita.

Historicamente, este dispositivo não tinha sido, originariamente, modificado pela Câmara. Durante o período de revisão no Senado, o então Senador Itamar Franco, através da Emenda a. 134, tentou, pois não houve aprovação, modificar-lhe o inciso 1, com o intuito de restabelecer a regra já prevista na Lei n. 4.591/64 (art. 12, § 1º ), propondo que passasse a figurar da seguinte maneira: “contribuir para as despesas do condomínio, na proporção de suas frações ideais ou na forma prescrita na convenção”.

Com relação ao § lº, o responsável pela alteração foi o Senador Josaphat Marinho, com a Emenda de n. 135. Originariamente, assim versava o referido § 12: “O condômino, que não pagar a sua contribuição, ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês, multa de dez por cento sobre o débito, acrescido de correção monetária, segundo os índices vigentes em matéria de locação predial”. Justificou-se afirmando que a multa se toma mais flexível de cinco a dez por cento e, portanto, variável segundo as circunstâncias. Suprimiu-se a parte final “acrescido de correção monetária, segundo os índices vigentes em matéria de locação predial”, porque essa forma já não vigora no direito brasileiro. A emenda, consoante a justificativa do Senador, “propôs acrescentar, mune, a alternativa: ‘ou na forma prescrita na convenção’. Restabelecendo, noutros termos, regra já prevista na Lei n. 4.591/64 (art. 12, § 12) e apontando a situação singular das lojas externas a sugestão é inegável procedência.

Para a Doutrina de Ricardo Fiuza, este dispositivo é a conjugação dos arts. 10, 12 e 21 da Lei a. 4.591, de 16-12-1964, que regulamenta o condomínio em plano horizontal. Enumera, de modo taxativo (numerus clausus) os deveres dos condôminos. Traz inovações de redação e é de melhor técnica legislativa, modernizando as expressões .

O Artigo inova ao reduzir a multa de vinte para dois por cento, medida que pode estimular a inadimplência, já bastante elevada, sobrecarregando os demais condôminos, que terão de ratear esse passivo. Isso tudo é a gravado pela não previsão de a atualização monetária dos haveres, ainda mais se considerarmos a morosidade da Justiça, beneficiando o mal pagador. Sobreleva notar que as despesas originadas pelo condomínio edilício , que devem ser suportadas pelos condôminos, não podem ser consideradas relações de consumo, mas pagamento de serviços prestados por terceiros ao condomínio . não se aplicando, por conseguinte, as regras do Código de Defesa do Consumidor.

Sugestão legislativa: Pelos fundamentos expostos, apresentou-se ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão para alteração do § 1º deste artigo, que passaria a contar com a seguinte redação: “1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios e multa proporcional no valor do débito, fixado em assembleia com a aprovação de pelo menos dois terços dos condôminos , atendido o princípio da razoabilidade. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 685, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 13/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como esclarece Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não tinha correspondente no Código Civil de 1916. Condensa, com alterações e reduções, os arts. 10 e 12 da Lei n. 4.591/64. O inciso I do artigo foi alterado pela recente Lei n. 10.931/2004, que acrescentou a parte final: “salvo disposição em contrário na convenção”. Regula o artigo os deveres mínimos dos condôminos e as sanções decorrentes do inadimplemento. Note-se que outros deveres podem e frequentemente são criados pela convenção de condomínio, desde que não aniquilem os direitos fundamentais dos condôminos, como comentado no artigo antecedente.

Embora use o caput do CC 1.336 o termo “condômino”, os deveres, em especial os negativos ou de abstenção, alcançam todos os ocupantes das unidades autônomas, a qualquer título, inclusive possuidores diretos, visitantes ou meros detentores das unidades autônomas. Em relação ao inciso I, incumbe o pagamento das despesas condominiais não somente ao titular do domínio pleno da unidade como também ao compromissário comprador imitido na posse, como adiante se verá, no comentário ao CC 1.345 adiante.

O primeiro dever do condômino é o de contribuir para as despesas do condomínio. Na lição de Nascimento Franco, as despesas de condomínio podem ser ordinárias ou de custeio (CC 1.348, VI, e 1.350 do CC), extraordinárias (CC 1.341) e individualizadas (CC 1.331, § 5º, 1.340 e 1.344). As ordinárias, ainda segundo Nascimento Franco, se referem aos serviços rotineiros do condomínio, que abrangem, entre outras, manutenção de elevadores, salários de empregados e respectivos encargos, taxa de consumo de água e esgotos, nos casos em que o lançamen­to for comum, luz e força das áreas comuns, seguro do edifício, materiais de limpeza, fundo de reserva, se previsto na convenção, honorários do administrador ou do síndico (Nascimento Franco, João. Condomínio, 5. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 252), e devem ser orçadas e aprovadas em assembleia anual. Note-se que o Código Civil de 2002 não mais alude ao fundo de reserva, como fazia a Lei n. 4.591/64, mas nada impede que tal verba, fundamental para fazer frente a despesas e reparos imprevistos, possa ser disciplinada na convenção ou mesmo deliberada em assembleia. Já as despesas extraordinárias são as eventuais, dizem respeito a serviços ou reformas no edifício, com o objetivo de melhorá-lo, modernizá-lo, dotá-lo de novos equipamentos ou mesmo atender às determinações do poder público, devendo ser previamente aprovadas em assembleia, com quóruns específicos, salvo se urgentes, como adiante se verá no comentário ao CC 1.341. Finalmente, as despesas individualizadas são aquelas cujo benefício reverte exclusivamente em proveito de certo condômino ou grupo de condôminos, devendo ser deliberadas e pagas exclusivamente por eles (CC 1.340).

Como anteriormente dito, o inciso I do CC 1.336 foi alterado pela Lei n. 10.931/2004, que acrescentou a parte final do preceito, “salvo disposição em contrário na convenção”. Logo, o critério supletivo, no silêncio da convenção, é o rateio de modo proporcional às frações ideais. Nada impede, porém, que estabeleça a convenção critérios diversos, como o valor de cada unidade autônoma, ou mesmo a intensidade de utilização de certos equipamentos comuns. Tomem-se como exemplo escolas ou lavanderias instaladas em edifícios comerciais, que consomem e utilizam de modo excessivo elevadores e água, podendo a convenção criar regras especiais quanto ao rateio de tais despesas. O próprio CC 1.340, adiante comentado, positivando entendimento dos tribunais, determina que as despesas relativas às partes comuns que revertem em proveito de um ou de alguns condôminos incumbem a quem delas se serve, quebrando, portanto, o critério primário de rateio proporcional às frações ideais.

O inciso II do CC 1.336 impõe ao condômino obrigação negativa, de abstenção, qual seja, a de não realizar obras que comprometam a segurança da edificação. A contrário senso, podem ser realizadas no interior da unidade todas as obras que não atentem contra a segurança da construção. Alude Caio Mário da Silva Pereira à possibilidade de abertura de passagem de comunicação entre unidades vizinhas, ou superpostas, desde que, como é óbvio, fique preservada a segurança do edifício (Condomínio e incorporações, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 127). Não se admite, por outro lado, a ligação com unidade autônoma de prédio vizinho, nem a abertura de portas ou janelas externas. Não se exige prévia autorização do síndico para a realização de reformas. Podem a convenção ou o regimento, todavia, impor horários e regras de admissão de trabalhadores que tenham acesso ao condomínio.

O inciso III do CC 1.336 impõe outra obrigação de não fazer ao condômino, qual seja, a de não alterar a forma e a cor das fachadas, das partes e esquadrias externas. A razão da regra é simples: as paredes externas do edifício constituem área comum e a unidade arquitetônica interessa a todos os condôminos, de modo que não podem ser mudadas a critério de um deles. De outro lado, prevalece o entendimento de que o limite da proibição é o interesse coletivo. Toleram-se, assim, pequenas alterações na fachada, desde que ditadas por necessidade, como a colocação de grades de proteção ou a substituição de esquadrias obsoletas, originalmente feitas de material não mais existente no mercado (RT 758/270). Também se admite a colocação de equipamentos que visem ao conforto dos moradores e compatíveis com a vida moderna, como exaustores e aparelhos de ar condicionado, desde que a agressão à fachada não seja gritante nem cause incômodo aos demais condôminos.

Alguns julgados entendem que as alterações modernizadoras exigem aprovação da assembleia, mas por maioria, não se exigindo a unanimidade. Há controvérsia nos tribunais sobre a possibilidade do fechamento de varandas com vidros, examinadas caso a caso, levando em conta a existência de anteriores modificações e o grau de lesividade à harmonia da fachada. A colocação de placas, luminosos e faixas pode ser vedada pela convenção de condomínio e, em seu silêncio, toleram-se apenas aquelas de pequeno porte, que não prejudicam a iluminação de outras unidades nem ofendem de modo significativo a unidade visual do prédio (conferir a respeito da fértil casuística sobre alteração de fachada, Nascimento Franco , João. Op. cit., p. 200- 5; l a c e r d a , César. “ Utilização das partes comuns do edifício para propaganda e instalação de antena” e Álvares, Vanderci. “Da alteração da fachada no condomínio horizontal”. In: Condomínio edilício, coord. F. A. Casconi & J. R. N. Amorim. São Paulo, Método, 2005).

O inciso IV do CC 1.336 impõe ao condômino novas obrigações negativas, quais sejam, as de não dar às unidades destinação diversa à da edificação, bem como utilizá-las de maneira a não prejudicar o sossego, a salubridade, a segurança ou os bons costumes. Tais deveres já foram comentados no inciso I do CC 1.335, pelo ângulo inverso do direito de o condômino usar sua unidade sem agredir os valores eleitos pelo legislador. Não custa acrescentar que os deveres impostos aos condôminos são mais severos do que as restrições gerais de vizinhança, diante da peculiar situação das unidades que confrontam nas laterais, acima e abaixo com outras. É por isso que os deveres previstos em lei podem ser ampliados ou detalhados pela convenção de condomínio ou regimento interno, desde que não elidam os direitos essenciais previstos no CC 1.335. A alteração da destinação da unidade autônoma está subordinada à prévia aprovação unânime dos demais condôminos, porque interfere nas demais unidades e fere as justas expectativas da manutenção da finalidade inicial da construção. Quanto a pequenos desvios de finalidade, manutenção de animais em apartamentos, realização de reuniões e festas, remete-se o leitor ao que foi comentado no artigo anterior.

Caso vulnerados os deveres de abstenção - obras ilícitas, alteração de fachada ou comportamento contrário aos valores tutelados pela lei -, cabe ao condomínio, representado pelo síndico, ou a qualquer condômino, individualmente, a legitimidade ativa para coibir a conduta ofensiva, mediante embargo da obra, sua demolição ou invocação de tutela específica, inclusive com a cominação de astreintes, na forma do art. 461 do Código de Processo Civil de 1973, (correspondendo este à Seção IV – Do Julgamento das Ações Relativas às Prestações de Fazer, de Não Fazer e de Entregar Coisa, no CPC/2015, art. 497 e ss. Grifo VD).

O § 1º do CC 1.336 disciplina as sanções aplicáveis ao condômino inadimplente no pagamento das despesas condominiais. É um dos preceitos mais polêmicos do Código Civil, introduzindo profundas alterações em relação ao que determinava o art. 12, § 3º, da Lei n. 4.591/64. Traça as regras sobre a cobrança dos juros moratórios e da multa moratória. As sanções ao condômino inadimplente à obrigação de pagar a contribuição condominial são as previstas em lei, de natureza estritamente pecuniária. Fere os direitos fundamentais dos condôminos a aplicação de sanções diversas, ainda que previstas na convenção, especialmente aquelas que vedam a utilização de áreas e equipamentos comuns, como elevadores, piscina e sauna.

A primeira questão que se apresenta é a da incidência da nova regra às convenções registradas anteriormente à vigência do Código Civil. Remete-se o leitor ao comentário do CC 1.333, em que se discutiu a natureza jurídica da convenção de condomínio, questão fundamental para saber de sua eficácia frente à nova lei. A corrente que defende sua natureza estritamente contratual sustenta que não pode a lei retroagir para alcançar o ato jurídico perfeito. A corrente que defende sua natureza de ato-regra, a meio caminho entre o contrato e a lei, geradora de direito estatutário de normas aplicáveis ao universo restrito dos que interagem com o condomínio, sustenta, ao contrário, a imediata incidência do Código Civil, em relação às prestações vencidas após sua vigência. O extinto II Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, hoje Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça, dividiu-se, com dezenas de decisões em ambos os sentidos (cf. Silva, Luiz Antônio Rodrigues da. “ Pequena reflexão a respeito da multa de até 2% sobre a contribuição condominial em atraso” e COELHO, Gil Ernesto Gomes. “A multa moratória da convenção de condomínio e o novo Código Civil - Questão de direito intertemporal”. In: Condomínio edilício, coord. F. A. Casconi & J. R. N. Amorim. Op. cit.). O primeiro precedente do STJ (REsp n. 663.285/SP, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior) assentou que “a multa por atraso prevista na convenção de condomínio, que tinha por limite legal máximo o percentual de 20% previsto no art. 12, § 3º, da Lei n. 4.591/64, vale para as pres­tações vencidas na vigência do diploma que lhe dava respaldo, sofrendo automática modificação, no entanto, a partir da revogação daquele teto pelo CC 1.336, § 1º, em relação às cotas vencidas sob a égide do Código Civil atual”, inclinando-se, assim, no sentido da segunda corrente, embora sem acolher de modo explícito o argumento acima posto.

O § 1º do CC 1.336 disciplina tanto a incidência dos juros como a da multa moratória. Quanto aos juros, reza o preceito que ficará o condômino inadimplente sujeito aos “juros convencionados, ou, não sendo previstos, os de 1 % ao mês”. A regra é inversa à do art. 12 da Lei n. 4.591/64, que admitia juros moratórios de 1% a.m., desde que convencionados. Também é inversa à regra geral do regime de juros moratórios do polêmico CC 406 que, no silêncio das partes, determina a incidência da mesma taxa devida às dívidas ativas da Fazenda Nacional. No regime do condomínio edilício, no silêncio da convenção, os juros serão de 1% ao mês e a correção monetária incide independentemente de previsão convencional.

Pode a convenção, todavia, prever pagamento de juros convencionados, acima ou abaixo dos legais. A dúvida está em saber se existe limitação à cobrança dos juros convencionais moratórios, ou se escapam eles dos limites do CC 406, estando ao inteiro critério da autonomia privada. Parece claro que os juros pactuados estão sujeitos ao teto cogente do CC 406 do Código Civil vigente, não se podendo equiparar aos juros moratórios livres previstos na Lei de Mercado de Capitais (Lei n. 4.728/65), aplicáveis apenas às operações de crédito de instituições financeiras. A Lei da Usura, norma de ordem pública, aplica-se às prestações pecuniárias em geral, inclusive às relativas ao rateio das despesas condominiais. Em termos diversos, o teto máximo que a convenção pode estipular é o pagamento dos juros moratórios na mesma base daqueles que incidem sobre a dívida ativa da União Federal, ou seja, taxa Selic, que, por seu turno, já engloba as expectativas inflacionárias, de modo que não se cumula com a correção monetária, para evitar o bis in idem. Mesmo a incidência da taxa Selic é controversa, porque não refletiria propriamente os juros, como também expectativa inflacionária futura, de acordo com jurisprudência consolidada do STJ. Em suma, os juros moratórios estão sujeitos ao teto cogente de 12% ao ano, sendo considerada não escrita regra convencional em sentido contrário.

Como a obrigação é positiva, líquida e a termo, a mora é ex re e os juros incidem a contar do vencimento. Os juros incidem sobre o principal corrigido e acrescido da multa. O entendimento predominante é o de que a obrigação tem natureza portable, razão pela qual não há necessidade de se fazer prova da remessa do boleto, cabendo ao condômino procurar o condomínio para pagar o que deve. A competência para ação de cobrança das despesas condominiais é do foro da situação do imóvel, porque é o local onde deve ser cumprida a obrigação. A cobrança se faz pelo procedimento sumário e, embora haja controvérsia a respeito, no Estado de São Paulo não se processa perante o sistema do Juizado Especial, porque não é o credor pessoa natural. Quanto à prescrição, na falta de previsão específica, aplica-se a regra do art. 205 do Código Civil, com prazo de dez anos, e o conflito de direito intertemporal é resolvido pela regra do art. 2.028 do mesmo diploma (cf., a respeito das despesas de condomínio, Pimentel, Celso José. “Anotações sobre a ação de cobrança das despesas de condomínio”. In: Condomínio edilício, coord. F. A. Casconi & J. R. N. Amorim. Op. cit.).

No que se refere à multa moratória, embora haja controvérsia doutrinária a respeito, a limitação ao teto de 2% é de natureza cogente, prevalecendo sobre disposição convencional. Não se cogita, também, de cumulação da multa prevista na lei com a multa prevista na convenção, ambas com a mesma finalidade de sancionar a mora do condômino. Cumula-se a multa com os juros e com honorários advocatícios.

Não resta dúvida de que as taxas de juros e a nova multa moratória se mostram inadequadas para reprimir a inadimplência nos condomínios edilícios. Perdeu-se excelente oportunidade de alteração do preceito, por ocasião da sanção e publicação da Lei n. 10.931/2004. A regra que alterava a multa foi vetada pelo Presidente da República, sob o argumento falso de que os juros livres servem como elemento de compensação da multa baixa. Note-se, porém, que o próprio legislador criou mecanismo compensatório no CC 1.337, adiante comentado, para reprimir a conduta do condômino usualmente inadimplente.

Finalmente, o § 2º do CC 1.336 disciplina a multa aplicável aos condôminos que vulnerarem os deveres de abstenção previstos nos incisos II a IV, já comentados. Note-se que a multa ora analisada não se aplica ao condômino inadimplente na obrigação de pagar as despesas condominiais, matéria relegada ao CC 1.337. A multa em questão pode ou não estar prevista na convenção ou ato constitutivo. Caso não haja prévia estipulação, pode ser imposta em assembleia, com o quorum qualificado de aprovação de dois terços dos demais condôminos. Conta-se o quorum sobre o universo dos condôminos aptos a votar, ou seja, excluídos os infratores a serem apenados e os inadimplentes. Vota-se com a força das frações ideais de cada unidade, salvo disposição em contrário na convenção.

O teto imposto, de cinco vezes o valor da contribuição, é de natureza cogente e não pode ser aumentado por disposição convencional. A multa é devida, na dicção da lei, “ independentemente das perdas e danos que se apurarem”. O preceito deve ser lido em dois sentidos. Primeiro, de que não há correlação entre o valor da multa e o real dano causado ao condomínio. Segundo, de que o condômino infrator paga a multa moratória e as perdas e danos, sem compensação ou abatimento entre as duas verbas. Eventual desproporção entre a sanção e o dano deve sofrer a redução prevista no CC 413, que consagra o princípio do equilíbrio contratual, presente também nas relações entre condôminos. O modo e a frequência de imposição da multa serão analisados no comentário ao CC 1.337. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.357-61. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 13/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No escrutínio de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, entre os deveres do condômino, destaca-se o de efetuar o direito de preferência dos outros condôminos, quando pretender alugar sua vaga na garagem, só podendo alienar a parte acessória se assim constar na convenção. Também deverá efetuar o pagamento das despesas condominiais, sob pena de incidir em juros moratórios de 1% ao mês e multa de até 2% sobre o débito total. Cabe ao condômino contribuir na proporção de sua fração ideal, salvo disposição em contrário na convenção. Melhor dizendo, para estipular o valor, não será utilizada, necessariamente, a proporção da fração ideal da unidade. Assim, quem possui um apartamento de quatro quartos pagará, em princípio, a mesma despesa daquele que possui um de dois quartos.

Enunciado 505 do Conselho da Justiça Federal: “É nula a estipulação que, dissimulando ou embutindo multa acima de 2%, confere suposto desconto de pontualidade no pagamento da taxa condominial, pois configura fraude à lei (Código Civil, CC 1.336, § 1º), e não redução por merecimento”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 13.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.331, 1.332, 1.333 Do Condomínio Edilício – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.331, 1.332, 1.333

Do Condomínio Edilício – VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial –

 Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.331 a 1.358) Capítulo VII

– Do Condomínio Edilício – Seção I – Disposições Gerais–

digitadorvargas@outlook.com  - vargasdigitador.blogpot.com

 

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§ 1º.  As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobrelojas ou abrigos para veículos, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários.

§ 2º.  O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos.

§ 3º. A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio. Parágrafo com redação dada pela Lei n. 10.931, de 02.08.2004.

§ 4º. Nenhuma unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao logradouro público.

§ 5º. O terraço de cobertura é parte comum, salvo disposição contrária da escritura de constituição do condomínio.

(*) Historicamente, durante o período inicial de tramitação do projeto, foi apresentada uma emenda visando à substituição da expressão “Do condomínio edilício” por “Do condomínio em edifícios”. Segundo o Deputado Henrique Alves, autor da emenda, “a significação jurídica do termo ‘edilício’ não é a que lhe emprestou o projeto. Edilícias são as ações referentes aos vícios redibitórios. Nem há necessidade da inovação. Como oportunamente ponderou o ilustre jurista potiguar, Dr. Mário Moacyr Porto”. A emenda veio, no entanto, a ser rejeitada pelo relator geral à época, que entendeu não haver razão “para condenar-se a expressão ‘condomínio edilício’ um dos poucos neologismos introduzidos pelos autores do Projeto de Código Civil. Neologismo, além do mais, de direta recepção da língua mater, tendo o Prof. Miguel Reale e o Relator Parcial demonstrado não só a adequada origem latina do termo, mas o seu uso corrente no Direito Italiano, sendo o idioma italiano, no dizer de Rui Barbosa. o que mais se avizinha ao nosso. O termo ‘condomínio edilício’, em substituição a ‘condomínio especial’, que nada significa, e ‘condomínio em edifício’ tal como se propõe, não resulta, aliás, do desejo de introduzir palavras novas, só por desejo de novidade. Trata-se de expressão que, pensamos nós, atende rigorosamente à natureza das coisas, ou seja, do ‘condomínio que resulta da edificação’. O termo ‘condomínio em edifícios’ não corresponde ao que expressa, pois, no edifício, há partes comuns e partes privativas, o que se procurou atender indo à fonte latina”.

Emenda do Senador Josaphat Marinho procurou modificar o capta do artigo em análise (“As partes constitutivas das edificações podem ser propriedade exclusiva ou propriedade comum dos condôminos”) com o intuito de imprimir-lhe maior clareza. O relator parcial da matéria na Câmara, na etapa final de tramitação do projeto, propôs a rejeição da emenda, com os seguintes argumentos: “O texto é uma tentativa canhestra de definição do condomínio edilício, de todo despicienda. O art. 1o da Lei 4.59 1/64 já diz: ‘As edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não residenciais, poderão ser alienados. no todo ou em parte, objetivamente considerados, e constituirá, cada unidade, propriedade autônoma, sujeita às limitações desta lei. § 1º. Cada unidade será assinalada por designação especial, numérica ou alfabética, para efeitos de identificação e discriminação. § 2º A cada unidade caberá, como parte inseparável, uma fração ideal do terreno e coisas comuns, expressa sob forma decimal ou ordinária’. Embora seja mais elegante a redação da emenda, opinamos pela sua rejeição, visto ser mais clara e de mais fácil entendimento a redação ’ do projeto”. O Deputado Fiuza entendeu que assistia razão ao relator parcial no que diz respeito à maior clareza da redação original do projeto, e a emenda foi rejeitada.

O que traz os comentários à doutrina apresentada pelo relator Ricardo Fiuza, este dispositivo e seus parágrafos estão embasados nos arts. 1º e seus parágrafos, 2º e seus parágrafos e 3º da Lei n. 4.591, de 16-12-1964. que regulamenta o condomínio em plano horizontal. Trouxe o artigo para o bojo do novo Código Civil a regulamentação do tema, já que o Código de 1916 era omisso, pois que no inicio do século XX não havia prédios de apartamentos, de escritórios ou de garagens. Deve ser entendida como propriedade exclusiva aquela cujo uso, gozo e disposição não dependem de nenhum outro condômino, por exemplo, as unidades autônomas, como lojas, garagens, salas comerciais, apartamentos etc.; já a propriedade comum tem seu uso vinculado à vontade dos condôminos, e não pode ser alienada, como, por exemplo, a área comum (estrutura do prédio, telhado etc.). Inova o § 3º deste artigo ao estabelecer como parâmetro para fixação da fração ideal, no solo e nas partes comuns, o valor da unidade imobiliária em relação ao conjunto da edificação. Quanto à viabilidade de tal inovação, isso dependerá da experiência que resultar da sua aplicação prática e, principalmente, das decisões jurisprudenciais. O § 4º prevê a instituição de uma servidão de passagem, sendo direito do coproprietário o livre acesso à via publica. E, finalmente, no § 5º , fica estabelecido que o terraço de cobertura é parte comum, a não ser que a escritura de constituição de condomínio estipule de modo contrário.  Este artigo inova, ainda, na redação e é de melhor técnica legislativa, modernizando as expressões. Deve, contudo, ser-lhe dado o mesmo tratamento doutrinário dispensado aos dispositivos legais apontados da Lei n. 4.591/64. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 681-82, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 12/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Enquanto no saber de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em estudo inaugura o Capítulo “ Do Condomínio Edilício”, que não era tratado no Código Civil de 1916, e corresponde aos arts. 1º ao 21 da Lei n. 4.591/64. Destaque-se que o § 3° transcrito segue a redação que lhe foi dada pela Lei n. 10.931/2004, que alterou vários dispositivos do Código Civil de 2002. A primeira questão a ser examinada é o atual regime jurídico do condomínio edilício, em especial a revogação, ou não, ou em que medida, da Lei n. 4.591/64 pelo Código Civil de 2002, que é lei geral, ao passo que a lei de condomínio e incorporações é especial. Não prevalece, porém, o princípio da especialidade, porque a lei geral trata da mesma matéria, voltada aos mesmos destinatários. A situação jurídica é a mesma, sem qualquer discrímen que justifique a aplicação de regra especial à categoria distinta. Por isso, o Código Civil de 2002 derrogou a Lei n. 4.591/64 em tudo aquilo que com ela conflitasse. Os arts. 28 e seguintes da lei especial, voltados à disciplina da incorporação imobiliária, estão em plena vigência, uma vez que tal negócio jurídico não foi objeto de regramento distinto no Código Civil de 2002. Resta apenas saber, no tocante aos arts. 2º a 27, se houve derrogação ou ab-rogação da lei especial pelo atual Código. Embora haja entendimento divergente a respeito, a melhor posição é no sentido de que houve simples derrogação, podendo as regras da lei especial ser aplicadas de modo supletivo nas lacunas do Código Civil de 2002, desde que não conflitem com os princípios ou as regras posteriores. Prova disso é que o próprio CC 1.332, adiante comentado, dispõe que em relação à instituição do condomínio edilício se aplicam não somente as regras do próprio Código Civil como também o disposto em lei especial.

Ainda no tocante à questão do regime jurídico, o entendimento tranquilo dos nossos tribunais é no sentido de que não incidem as regras de proteção do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que não há relação de consumo, porque o condomínio não é fornecedor de bens ou de serviços. Quanto à extensão das regras do condomínio edilício, na Jornada de Direito Civil da CEJ do Conselho da Justiça Federal aprovou-se o seguinte enunciado: “O disposto nos CC 1.331 a 1.358 aplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais como loteamentos fechados, multipropriedade imobiliária e clubes de campo”. O enunciado deve ser lido com cautela. Claro que as vias internas dos loteamentos fechados são bens públicos e sua aprovação, registro e alienação obedecem regime jurídico próprio (Lei n. 6.766/79, se urbanos, e Decreto-lei n. 58/37, se rurais). As alienações de lotes como se fossem unidades autônomas constituem fraude à lei e são nulas de pleno direito, além de tipificarem infração penal. As regras relativas ao condomínio edilício, que podem ser estendidas aos loteamentos fechados, são as das contribuições condominiais, para que todos os proprietários de lotes paguem de modo proporcional o custo da manutenção de benefícios comuns a todos os adquirentes, como segurança e paisagismo, evitando o enriquecimento sem causa de uns em desfavor dos demais, consoante entendimento majoritário de nossos tribunais. É irrelevante que o loteamento seja ou não fechado por lei, ou, ainda, que o adquirente de lote seja ou não associado à associação de moradores. O que importa é a efetiva prestação de serviços que revertam em proveito geral e provoquem a valorização do imóvel. A fonte da obrigação não é o consentimento manifestado à associação, até porque ninguém é obrigado a permanecer associado, mas sim a cláusula geral que veda o enriquecimento sem causa. Diversos julgados tratam da matéria aludindo a “condomínios de fato”, que, embora não regularmente constituídos, geram manutenção de certos equipamentos que beneficiam todos os moradores ou adquirentes de lotes. A possibilidade de cobrança do custeio de serviços em tais empreendimentos é hoje objeto de acesa polêmica. Inicialmente, o STJ admitiu a prática, desde que provada a existência de serviços que beneficiem todos os adquirentes de lotes. Em um segundo momento, prevaleceu o entendimento de que o rateio somente pode ser cobrado de morador associado, ou que anuiu à cobrança. Aparentemente, impressionou-se o STJ com a possibilidade de criação da obrigação com origem diversa do contrato, da declaração unilateral de vontade, ou de ato ilícito. Esqueceu-se, porém, que no regime do atual Código Civil o enriquecimento sem causa constitui fonte autônoma de obrigação. A melhor orientação é a de que se deve analisar cada caso concreto e exigir a prova, a cargo da associação autora, de real e proveitosa prestação de serviços, a todos os moradores ou adquirentes de lotes. Eventual cláusula penal moratória, prevista em estatuto, é que pode ser cobrada apenas dos associados, em razão de sua natureza convencional. A cláusula penal, embora não seja pacífica a matéria, está limitada a 2%, em razão de aplicação analógica do CC 1.336, § 1º, comentado a seguir. Não faria sentido que em condomínios regularmente instituídos a cláusula penal fosse limitada, mas livre nos condomínios de fato. No que se refere ao prazo prescricional da pretensão, o entendimento, também majoritário, é no sentido de que é trienal, pois o fundamento da cobrança é, como já dito, o enriquecimento sem causa. Quanto à natureza jurídica do condomínio edilício, Caio Mário da Silva Pereira, após expor as diversas teorias a respeito, conclui a inadequação das tentativas de enquadrá-lo em institutos diversos, como a servidão ou a sociedade. Trata-se de instituto novo, com a fusão dos conceitos de domínio exclusivo e de domínio comum para a criação de um conceito próprio. As propriedades exclusiva e comum se aglutinam, formando um todo indissolúvel e unitário. Há uma simbiose orgânica entre ambos, para formação de um complexo, e não uma simples justaposição de institutos (Condomínio e incorporações, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 92-3). Problema não resolvido pelo Código Civil de 2002 é o da personalidade jurídica do condomínio edilício. A doutrina tradicional, capitaneada por Caio Mário da Silva Pereira (op. cit., p. 89), não reconhece ao condomínio personalidade jurídica distinta da personalidade dos condôminos, até para evitar que o condômino se torne proprietário de uma cota imaterial da pessoa jurídica, em vez de cota ideal material das partes comuns e do solo. Além disso, embora haja comunhão orgânica dos condôminos, cada um tem interesses próprios, distinguindo-se aí da sociedade. É ponto incontroverso, porém, a personalidade processual ou judiciária do condomínio para, em seu próprio nome e representado pelo síndico, agir ativa ou passivamente em juízo, na defesa dos interesses materiais da comunidade dos condôminos (art. 12, IX, do CPC/1973, correspondendo ao atual art. 75, XI, no CPC/2015 Grifo VD). Em suma, o entendimento predominante é no sentido da existência de personalidade judiciária, mas não de personalidade de direito material do condomínio. Esse posicionamento passou a ser questionado em razão de diversas situações jurídicas que, para receber solução confortável, implicariam o reconhecimento da personalidade jurídica total do condomínio. São os casos de contratos de prestação de serviços diversos, firmados pelo condomínio e não pelos condôminos, a aquisição de imóvel vizinho para ampliação da área de garagens ou de recreio comum e a adjudicação ou arrematação da unidade do condômino inadimplente em hasta pública. Seria inviável, em todas elas, exigir o consentimento de todos os condôminos, especialmente considerando a possibilidade de alguns serem incapazes. De outro lado, o reconhecimento incondicional de personalidade poderia levar a situações inadmissíveis, como, por deliberação da maioria, se adquirir imóvel de campo ou ingressar em empreendimento de risco estranho à finalidade do condomínio, colocando em risco o patrimônio pessoal de todos os condôminos minoritários.

Assim, na I Jornada de Direito Civil da CEJ do Conselho da Justiça Federal aprovou-se o seguinte enunciado, de n. 90: “Admite-se a personalidade jurídica ao condomínio, desde que em atividade de seu peculiar interesse”. A posição equilibrada evita a exposição de riscos excessivos. Em reunião mais recente, a mesma Jornada aprovou enunciado mais amplo (Enunciado n. 246): “ Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão da parte final: ‘nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse’. Prevalece o texto: ‘Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício’”. O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, em recente mudança de posição, passou a admitir que o condomínio adjudique para si a unidade autônoma de condômino inadimplente, seguindo o que já fora decidido em relação ao espólio. Apenas ressalva o julgado que tanto a adjudicação como a posterior alienação da unidade autônoma a terceiros devem ser previamente aprovadas por assembleia geral, por unanimidade de votos, excluindo-se apenas o do condômino inadimplente (Ap. cível n. 273-6/7, rel. Des. José Cardinale). Aplicou-se, por analogia, o disposto no art. 63, § 3º, da Lei n. 4.591/64, em plena vigência, que admite expressamente a aquisição da unidade autônoma de condômino inadimplente, em construção a preço de custo, por parte do condomínio de construção do edifício. O CC 1.331 trata dos requisitos do condomínio edilício. O caput do artigo menciona que “ pode haver” partes de propriedade exclusiva e partes comuns. Na verdade, deve haver partes de propriedade exclusiva, vinculadas de modo indissociável à fração ideal de terreno e das coisas comuns do edifício. O § 1º do artigo em estudo inicia tratando do primeiro requisito do condomínio edilício: a existência de edificação, sob a forma de unidades autônomas. Menciona, em caráter exemplificativo, apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas ou abrigos para veículos. Outras edificações, como casas (art. 8° da Lei n. 4.591/64), edifícios/garagem, jazigos ou mesmo cocheiras podem submeter-se ao regime jurídico do condomínio edilício, constituindo unidades autônomas. O que não se admite é o que se denomina “condomínio de solo”, com aquisição de terrenos sem edificação ou vinculação a edificação futura. A construção futura deve estar devidamente discriminada, com descrição da unidade autônoma, da fração ideal de terreno e prazo para construção. Deve-se responder o quê, quando, quem e como se constrói. Admitir o contrário seria chancelar burla às normas cogentes da Lei n. 6.766/79, convertendo loteamento em condomínio edilício em fraude à lei.

O § 1º cita que as unidades autônomas são objeto de propriedade exclusiva dos condôminos, podendo ser livremente alienadas ou oneradas, sem observância da regra de preferência do CC 504. Claro que a livre alienação da unidade autônoma é acompanhada de sua fração ideal no terreno e nas coisas comuns, indissociáveis entre si. O segundo requisito do condomínio edilício é a vinculação, de modo indissolúvel, das unidades autônomas à fração ideal do terreno onde se assenta o edifício e nas coisas comuns. O § 2º do CC 1.331, que corresponde ao art. 3º da Lei n. 4.591/64, enumera, de modo exemplificativo, quais são as partes comuns do condomínio edilício. Menciona o solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e a refrigeração centrais e o acesso aos logradouros públicos. Alude, ainda, às “demais partes comuns”, que se podem resumir, como fazia a redação superior da lei revogada, “a tudo o que mais sirva a qualquer dependência de uso comum dos proprietários”. O período final do § 2º do CC 1.331 reza que as partes comuns são utilizadas em comum pelos condôminos, não podendo ser alienadas separadamente ou divididas. Como acentua Marco Aurélio S. Viana, a nova redação do preceito não mais veda de modo incisivo, como fazia o art. 3º da Lei n. 4.591/64, a utilização exclusiva de parte comum por um dos condôminos, desde que a unanimidade, em assembleia, delibere nesse sentido. Tome-se como exemplo a laje de cobertura, cuja utilidade atende ao interesse exclusivo do condômino do último andar. A propriedade permanece comum, mas o uso pode ser cedido por unanimidade ao condômino interessado (Comentários ao Código Civil Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XV I, p. 389). O Enunciado n. 247 da III Jornada de Direito Civil 2004 editou conclusão ainda mais liberal: “Art. 1.331: No condomínio edilício é possível a utilização exclusiva de área ‘comum’ que, pelas próprias características da edificação, não se preste ao ‘uso comum’ dos demais condôminos”. O § 5º do CC 1.331 diz respeito ao terraço de cobertura, dispondo que integra as partes comuns, salvo disposição em contrário na “escritura de constituição” do condomínio. A regra, pois, é dispositiva, porque somente se aplica no silêncio de cláusula negocial em sentido contrário. Há certa imprecisão na utilização do termo “escritura”, vez que a instituição do condomínio edilício pode ter como título instrumento particular. A nova regra consolida entendimento da doutrina e dos tribunais de que nem sempre a laje de cobertura constitui área comum, como dava impressão o art. 3º da Lei n. 4.591/64. O § 3º do CC 1.331, alterado pela Lei n. 10.931/2004, diz que a fração ideal deve ser indicada de modo decimal no momento da instituição do condomínio. A fração ideal, como diz Caio Mário da Silva Pereira, “é a cifra representativa do interesse econômico de cada uma das pessoas participantes do condomínio” (op. cit., p. 98). A lei abandonou o critério, adotado originalmente pelo Código Civil, de calcular a fração de modo proporcional ao valor de cada unidade autônoma. Logo, a fração ideal, agora, tem critério livre, podendo ser calculada tanto tomando como base tanto o valor como o tamanho da unidade autônoma, ou, ainda, em porções iguais a todas as unidades. Prevalece a autonomia privada dos condôminos no momento da instituição do condomínio, respeitados, é claro, os princípios cogentes da boa-fé objetiva, equilíbrio negocial e função social do contrato e da propriedade. Deixa expresso a lei apenas o momento em que a fração ideal deve estar fixada, qual seja, o da instituição do condomínio edilício, ou, caso haja incorporação imobiliária, ao momento de seu registro. Atuais as palavras de Caio Mário da Silva Pereira, para quem “ uma vez estabelecida, é definitiva a quota ideal de cada um”, podendo ser retificada se houver erro material de cálculo. A ocorrência de fatos posteriores, que alterem o valor das unidades, a princípio não muda as frações ideais, salvo deliberação da assembleia geral, “ mas a votação há de ser unânime, pois que o efeito da deliberação repercute na esfera jurídica de todos e de cada um, reduzindo os encargos de alguém em prejuízo de outrem e afetando a distribuição do valor de quotas individuais de cada comunheiro no valor global do edifício” (op. cit., p. 101).

O terceiro requisito do condomínio edilício está positivado no § 4º do CC 1.331: toda a unidade autônoma deve ter acesso à via pública. Pode o acesso ser direto, como de lojas com frente para a via pública, ou indireto, por meio das áreas comuns do edifício, como no caso de apartamentos ou conjuntos comerciais. O que importa é que as unidades autônomas não podem estar encravadas, subordinado o acesso à travessia de outra unidade. O quarto e último requisito do condomínio edilício está previsto no CC 1.332, adiante comentado. Deve haver a vontade dos condôminos voltada à adoção do regime jurídico, mediante instituição do condomínio, levada ao registro imobiliário. Falha grave do Código Civil de 2002 é a omissão quanto ao regime jurídico das garagens. Cabe, de início, ressaltar que as vagas em edifícios-garagem são sempre unidades autônomas. Nos demais casos, há apenas breve alusão ao abrigo de veículos, como parte de utilização exclusiva dos condôminos. Colmata-se a lacuna do Código Civil aplicando-se o que contém o art. 2º, § 1º, da Lei n. 4.591/64. A doutrina e a jurisprudência admitem tripla modalidade das vagas, a saber: a) como coisa comum, absorvida na fração ideal de terreno da unidade autônoma, conferindo o direito de estacionar veículo no espaço comum que se encontrar desocupado, sem demarcação. Admite-se que a convenção de condomínio discipline o uso, ou faça o sorteio de utilização temporária das vagas; b) como acessório de unidade autônoma, reservada a um condômino ou a determinado grupo, sem fração ideal de terreno a ela atrelada, mas demarcada para uso privativo do titular da unidade a que se vincula; distingue-se da modalidade anterior, porque a unidade com vaga acessória tem fração ideal maior no terreno do edifício; c) como unidade autônoma, com fração ideal de terreno a ela atrelada, com designação específica e extremada das demais vagas de garagem. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.341/45. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 12/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo os estudos e entendimentos de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o artigo em comento trata-se do condomínio especial dos edifícios coletivos, ou condomínio horizontal, que teve como base a Lei n. 4.591/1964, tratada hoje pelo CC 1.331 a 1.358, sob o título de “Condomínio Edilício”. E tal, é o referente a condomínios de edifícios coletivos, e consiste na conjugação do direito do uso exclusivo do titular, sobre sua unidade independente, com o direito relativo às partes comuns do condomínio. Esta modalidade de condomínio representa a união da propriedade das partes exclusivas, de cada titular, com a propriedade das partes comuns, ou copropriedade, sendo que estas não podem ser alienadas separadamente, nem divididas. Trata-se, pois, de uma conjunção perpétua e inseparável da propriedade exclusiva com a propriedade em comum, ou copropriedade (Mário, 2004, p. 186). Podem ser livremente alienadas as partes exclusivas, de utilização independente, como as unidades de apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobrelojas, com as respectivas frações ideais do solo, como garagens. Admite-se a transformação de uma área em comum em um unidade autônoma, desde que a decisão seja por unanimidade, uma vez que representa uma diminuição da fração ideal de cada coproprietário.

Súmula 478 do Supremo Tribunal Federal: “Na execução de crédito relativo a cotas condominiais, este tem preferencia sobre o hipotecário”.

Enunciados do Conselho da Justiça Federal: 90 “Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse” (alterado pelo enunciado 246); 91 “A convenção de condomínio ou assembleia geral podem vedar a locação de área de garagem ou abrigo para veículos a estranhos do condomínio”; 246 “Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão da parte final: “Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício”; 247 “No condomínio edilício é possível a utilização exclusiva de área ‘comum’ que, pelas próprias características da edificação, não se preste ao ‘uso comum’ do demais condôminos”; 320 “O direito de preferencia de que trata o CC 1.338 deve ser assegurado não apenas nos casos de locação, mas também na hipótese de venda de garagem”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 12.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial:

I – a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;

II – a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;

III – o fim a que as unidades se destinam.

Na sequência dos doutores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o condomínio edilício – ou condomínio especial de edifícios coletivos – será instituído por ato inter vivos, ou por testamento, sobre algum prédio já construído, devidamente registrado no cartório imobiliário.

Enunciados do Conselho da Justiça Federal: 323 “É indispensável a anuência dos adquirentes de unidades imobiliárias no ‘termo de afetação’ da incorporação imobiliária”; 324 “É possível a averbação do termo de afetação de incorporação imobiliária (Lei n. 4.591/64, art. 31 b) a qualquer tempo, na matrícula do terreno, mesmo antes do registro do respectivo Memorial de Incorporação no Registro de Imóveis”; 504 “A escritura declaratória de instituição e convenção firmada pelo titular único de edificação composta por unidades autônomas é título hábil para registro da propriedade horizontal no competente registro de imóveis, nos termos dos CC 1.332 a 1.334”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 12.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Francisco Eduardo Loureiro, diz a lei que o condomínio edilício se institui por negócio jurídico inter vivos ou causa mortis, sem alusão à forma pública. É negócio solene que exige a forma escrita, por instrumento particular ou público. Caio Mário da Silva Pereira enumera as seguintes possibilidades de negócios geradores do condomínio edilício: a) várias pessoas se associam para a compra de um edifício já construído por apenas uma delas ou por terceiro e, no negócio de aquisição, estabelecem o regime de propriedade exclusiva sobre as unidades autônomas e as respectivas frações ideais; b) por testamento que estabeleça o regime de condomínio edilício sobre edificação já existente; c) na mesma linha, o doador pode instituir o condomínio edilício no negócio da doação; d) podem os herdeiros, no momento da partilha de construção recebida em condomínio tradicional, instituir o condomínio edilício, atribuindo a cada um deles unidade vinculada a fração ideal; e) um imóvel sob condomínio tradicional pode ser dividido entre os condôminos mediante regime jurídico do condomínio edilício; f) a alienação que o proprietário exclusivo de um edifício faz a terceiros, desmembrando-o em unidades autônomas; g) por construção direta, quando várias pessoas coproprietárias do solo acordam edificar um edifício, atribuindo-se unidades autônomas; h) incorporação de um edifício, que adquire terreno e realiza a edificação, vendendo, durante a construção ou após seu término, unidades autônomas a adquirentes diversos; i) a construção pelo Poder Público, quando edifica e oferece ao particular unidades autônomas (Condomínio e incorporações, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 108-11).

Os modos acima enunciados são os títulos necessários para a criação do condomínio edilício. Não basta, porém, a emissão de vontade por negócio jurídico. O registro imobiliário é constitutivo do condomínio edilício, porque não se admite que a modalidade especial de propriedade, direito real que é, nasça por mero consenso. Antes do registro, o negócio da instituição gera apenas efeitos inter partes, em especial a localização da posse sobre partes certas da construção e a obrigação de contribuir para o custeio das partes de uso comum, a que doutrina e jurisprudência denominam condomínio de fato. De outro lado, somente pode ser levada a registro a instituição de condomínio de edificação já concluída, atestada por “habite-se” emitido pela autoridade administrativa competente. O registro da incorporação de unidades a construir ou em construção não equivale e nem supre a instituição.

Os três incisos do CC 1.332 tratam dos requisitos do negócio da instituição do condomínio edilício. Alude a parte final do caput do artigo, porém, a outros requisitos previstos em lei especial. Trata-se dos requisitos previstos no art. 8º da Lei n. 4.591/64, que em suas quatro alíneas prevê regras especiais para o condomínio de casas térreas ou assobradadas, bem como detalha a descrição das unidades autônomas, com menção à parte do terreno ocupada pela edificação e a discriminação das áreas de passagem para as vias públicas. As unidades autônomas devem ser numeradas e individualizadas, de modo a tornarem-se inconfundíveis com outras. Deve constar a área privativa da unidade, sem haver necessidade, porém, de descrição dos cômodos. Também a fração ideal da unidade no terreno e nas coisas comuns deve ser fixada em fração ou percentual. A novidade do Código Civil está na exigência de constar da instituição e do registro a destinação das unidades autônomas, se residenciais, comerciais ou mistas. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.346/47. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 12/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No saber explicitado na doutrina de Ricardo Fiuza, este dispositivo está embasado no art. 7º da Lei n. 4.591, de 16-12-1964, acrescentando apenas o inciso III, que toma requisito essencial para a instalação do condomínio a especificação do fim a que se destinam as unidades. De resto, deve ser dada à matéria o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 683, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 12/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção. 

Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

Historicamente, o artigo em análise foi alvo de duas alterações, ambas aprovadas pela Câmara dos Deputados. A primeira no período inicial de tramitação do projeto, por proposta do então Deputado José Bonifácio Neto. No projeto a redação era a seguinte: “Só se considera constituído o condomínio edilício com a inscrição, no Registro de Imóveis, de convenção subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais, tomando-se ela, desde então, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou quantos sobre ela tenham posse ou detenção”. A alteração procedida pela emenda do Deputado José Bonifácio Neto corrigiu defeito de redação do projeto, que, segundo o seu autor, contrariando “a doutrina e a jurisprudência, constituía-se em porta aberta aos maus condôminos, que não têm consciência de que, no condomínio edilício, tudo é de todos, devendo todos zelar pelo que é comum, inclusive pagando pontualmente os encargos condominiais, pelo bem do todo”. Na segunda alteração, já na fase final de tramitação do projeto, foram substituídas as expressões “inscrita” e “Registro de Imóveis” pela palavra “registrada” e por “Cartório de Registro de Imóveis”, visando adequar a redação do artigo à Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015173).

Quanto à doutrina que cabe ao relator, Ricardo Fiuza, a convenção de condomínio edilício é o instrumento no qual são prefixadas as normas adotadas para o condomínio em plano horizontal, inclusive o modo como será administrado. Deve ser subscrita por, pelo menos, dois terços dos titulares, sendo também necessário seu registro no Cartório de Registro de Imóveis para ter validade erga omnes. Este dispositivo e seu parágrafo único estão embasados no art. 9º , § 1º e 2º , da Lei n. 4.591, de 16-12-1964, que regulamenta o condomínio em plano horizontal. Traz inovações de redação e é de melhor técnica legislativa, modernizando as expressões. Deve, contudo, ser dispensado a essa matéria o mesmo tratamento doutrinário dado aos dispositivos já apontados da Lei n. 4.591/64. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 683, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 12/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nos saberes de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a convenção do condomínio deve ser assinada por dois terços das frações ideais dos titulares (ou dois terços dos titulares, se as frações forem iguais), tornando-se, a partir daí, de cumprimento obrigatório para os titulares, inquilinos e para quem faça uso do condomínio. Não se exige a forma pública para a elaboração da convenção, bastando que seja subscrita pelo quorum acima referido, salvo se for oposta contra terceiros, quando deverá ser registrada no cartório de imóveis. Poderá dispor sobre qualquer interesse do condomínio, de forma livre, desde que não infrinja a lei e a ordem pública. Súmula 260 do Superior Tribunal de Justiça: “A convenção de condomínio aprovada, ainda que sem registro, é eficaz para regular as relações entre os condôminos”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 12.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.327, 1.328, 1.329, 1.330 Do Condomínio Necessário – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.327, 1.328, 1.329, 1.330

Do Condomínio Necessário – VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial – Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.327 a 1.330) Capítulo VI – Do Condomínio Geral – Seção II - Do Condomínio Necessário –

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Art. 1.327. O condomínio por meação de paredes, cercas, muros e valas regula-se pelo disposto neste Código (arts. 1.297 e 1.298; 1.304 a 1.307).

Segundo apontamentos de Francisco Eduardo Loureiro, houve apenas mudança quanto à remissão aos artigos relativos ao direito de vizinhança, agora corretamente circunscritos àqueles que dizem respeito a muros e tapumes. Disciplina o condomínio necessário, ou forçado, que decorre diretamente da lei, independentemente da vontade das partes. Não se aplicam aqui as regras acima estudadas, relativas ao condomínio voluntário, uma vez que não se cogita de divisão ou extinção da coisa comum. A remissão aos CC 1.297, 1.298 e 1.304 a 1.307, já estudados, cria a presunção de que os tapumes de divisa pertencem a ambos os confinantes e também do direito potestativo do proprietário vizinho que depara com o muro já construído de se tornar condômino, indenizando metade da construção e da faixa de terreno. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.338-39. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 11/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza, a esse instituto aplicam-se as regras previstas na Seção IV — Dos limites entre prédios e do direito de tapagem (CC 1.297 e 1.298), bem como as previstas na Seção VII - Do direito de construir (CC 1.304 a 1.1307).  O artigo é idêntico ao art. 642 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Ressalte-se que foi criada a denominação “condomínio necessário” em substituição a “condomínio em paredes, cercas, muros, e valas”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 679, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 11/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, é necessário o condomínio (condomínio legal) quando não tem origem num acordo de vontades, mas sim da imposição da lei. Vem tratado neste dispositivo do Código, e reporta-se ao direito que tem o titular do imóvel vizinho de ser proprietário da metade dos muros, paredes, cercas e valas construídas pelo outro vizinho. Há de se fazer uma leitura deste enunciado legal com a seção referente ao direito de tapagem, constante do CC 1.297 e ss do Código, de onde o proprietário possui direito a cercar, levantar muros, valas ou de tapar, de alguma forma, seu prédio urbano ou rural, assim como a constranger o confinante a proceder consigo à demarcação dos prédios ou aviventar marcos apagados. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 11.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.328. O proprietário que tiver direito a estremar um imóvel com paredes, cercas, muros, valas ou valados, tê-lo-á igualmente a adquirir meação na parede, muro, valado ou cerca do vizinho, embolsando-lhe metade do que atualmente valer a obra e o terreno por ela ocupado (CC 1.297).

Dando prosseguimento aos comentários Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o proprietário vizinho poderá adquirir a meação do muro divisório construído entre dois prédios, embolsando aquele que edificou, no valor correspondente à metade do valor atual da obra, e não nos gastos efetivados. Tal critério busca manter o equilíbrio por eventual alteração dos preços e equacionar uma esperada demora em relação à época do pagamento. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 11.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Historicamente, o dispositivo em análise não foi atingido por nenhuma espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. Em sua Doutrina como Ricardo Fiuza leciona, este artigo pressupõe, quanto às paredes divisórias, o direito de obter-lhes a meação; no mais, deve ser aplicada a regra do art. 1.297. É idêntico ao art. 643 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dispensado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 680, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 11/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em estudo tem estreita relação e deve ser lido em conjunto com os CC 1.297 e 1.305, já comentados. O preceito confere ao proprietário o direito potestativo - não sujeito, portanto, a prazo prescricional - de adquirir, a qualquer tempo, a meação do muro ou tapume divisório, desde que indenize ao vizinho que o construiu, ou que sucedeu o construtor, metade do valor atual da obra e do terreno por ele ocupado. O direito está circunscrito ao “proprietário que tiver direito de extremar um imóvel”, o que exclui o mero possuidor e pressupõe divisas certas, para que se saiba onde devem ser colocados os muros e tapumes. Se as divisas não forem certas, primeiro se demarca, depois se estrema com tapumes, paredes ou assemelhados. O clássico Carvalho Santos refere-se à figura em estudo como uma espécie de desapropriação. É, na verdade, uma das várias hipóteses contempladas no Código Civil de alienação compulsória de coisa a quem preencha determinados requisitos previstos na lei. Não cabe ao dono do tapume recusar a aquisição da meação pelo vizinho, nem mesmo propor a sua demolição e construção de nova obra. De outro lado, tratando-se de direito de natureza patrimonial, nada impede que o beneficiário e ele renunciem de modo expresso. É interessante notar que os direitos dos confinantes se entrecruzam. No dizer de Edson Luiz Fachin, “se, de um lado, há o direito potestativo do proprietário que construiu o muro de exigir que o confinante divida as despesas com ele, há, por parte desse confinante, direito de adquirir a meação do muro, se o outro proprietário o construiu por sua própria conta” (Comentários ao Código Civil, coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo, Saraiva, 2003, v. XV, p. 220). A parte final do preceito fixa os parâmetros da indenização, partindo-a em duas verbas distintas. A primeira corresponde à metade do valor atual da obra, o que evita o enriquecimento sem causa de qualquer das partes. De um lado, leva em conta eventual depreciação da construção e, de outro, possível desvalorização do que foi originalmente despendido pelo construtor. Guarda tal critério estreita simetria com a regra da parte final do CC 1.222 do Código Civil, anteriormente comentado. A segunda corresponde à metade do valor do terreno onde estiver assentado o muro ou tapume divisório. Aqui há que fazer uma distinção, reproduzindo o que se disse no comentário ao CC 1.304: “em relação ao valor do chão, somente se aplica a norma se a parede estiver não sobre a linha de divisa, mas rente a ela, dentro da propriedade do vizinho que sofre a restrição”. Se a parede foi construída sobre a linha divisória, não há razão lógica para que se pague pelo que já é seu, em manifesto enriquecimento a favor daquele que construiu o muro ou parede. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.339-40. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 11/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.329. Não convindo os dois no preço da obra, será este arbitrado por peritos, a expensas de ambos os confinantes.

Na toada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o enunciado legal especifica que o valor da obra acima realizada deverá ser apurado devidamente por laudo de um perito profissional, uma vez que não haja acordo bilateral quanto ao preço a ser efetivado. Com base no trabalho técnico, custeado por ambos os confinantes, saberá perfeitamente a outra parte o quanto terá que desembolsar. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 11.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Tendo pouco a ser dito, aponta Francisco Eduardo Loureiro, caso não haja consenso dos proprietários confinantes quanto ao valor da indenização, será esta fixada judicialmente mediante perícia, cujo valor será, de igual modo, rateado entre as partes. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.340. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 11/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Da mesma forma como reage Ricardo Fiuza em sua doutrina, em havendo desacordo entre os vizinhos, o valor da obra será obtido mediante arbitramento, rateando-se o preço. O texto do dispositivo é idêntico ao do art. 644 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 680, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 11/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.330. Qualquer que seja o valor da meação, enquanto aquele que pretender a divisão não o pagar o depositar, nenhum uso poderá fazer na parede, muro, vala, cerca ou qualquer outra obra divisória.

Sem muito a acrescentar, Ricardo Fiuza em sua doutrina, o vizinho que pretender a divisão, qualquer que seja o valor da meação, se não pagar ou depositar o preço, não poderá fazer uso das divisórias. O artigo é idêntico ao art. 645 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 680, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 11/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Estendendo-se um pouco Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em estudo apresenta pequena alteração na redação em relação à norma anterior, mantendo, porém, a substância do preceito. Como acima dito, há direito do proprietário confinante à alienação compulsória do muro ou parede divisória construídos por seu vizinho. A aquisição da metade ideal do muro, porém, é derivada, embora tenha origem na lei, de modo que o título para a transmissão da propriedade é o pagamento do respectivo preço. Não se inaugura matrícula para a aquisição da área onde se assenta o muro divisório, podendo, apenas, ser averbada a acessão. Decorre daí a regra de que o proprietário confinante somente pode usar o muro divisório após efetuar o pagamento ou o depósito do valor correspondente à meação de seu custo e, em determinados casos, de metade do terreno onde se assenta. A utilização sem pagamento configura esbulho, cabendo ao vizinho ofendido usar de ações possessórias e petitórias para fazer cessar o ilícito, se necessário com pedido demolitório cumulativo, atingindo, inclusive, eventual adquirente de boa-fé, dada a natureza propter rem da obrigação. Como acima dito, cuida-se de direito patrimonial disponível, de modo que pode o vizinho construtor permitir a utilização enquanto pende saldo de pagamento. Caso haja inadimplemento, cabem a resolução da avença e o desfazimento do condomínio necessário, dado o seu caráter derivado e causal. Embora haja dúvida na doutrina tradicional, o melhor entendimento é que a instituição de condomínio sobre o tapume de divisa tem natureza constitutiva, e, portanto, efeito ex nunc, de modo que os atos lícitos praticados pelo construtor, na qualidade de então proprietário exclusivo do tapume, não são afetados pela ulterior comunhão. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.340. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 11/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).