terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.425, 1.426, 1.427 Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.425, 1.426, 1.427

Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo I – Disposições Gerais

Título X - Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – (Art. 1.419 a 1.430) - 

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 Art. 1.425. A dívida considera-se vencida:

I - se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir;

II - se o devedor cair em insolvência ou falir; 

III - se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu direito de execução imediata; 

IV - se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído; 

V - se se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor.

§ 1º Nos casos de perecimento da coisa dada em garantia, esta se sub-rogará na indenização do seguro, ou no ressarcimento do dano, em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferência até seu completo reembolso.

§ 2º Nos casos dos incisos IV e V, só se vencerá a hipoteca antes do prazo estipulado se o perecimento, ou a desapropriação recair sobre o bem dado em garantia, e esta não abranger outras; subsistindo, no caso contrário, a dívida reduzida, com a respectiva garantia sobre os demais bens, não desapropriados ou destruídos.

Dando ênfase ao entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, a garantia real é sempre acessória a uma obrigação principal e segue sua sorte jurídica, inclusive o termo da dívida garantida. É o denominado vencimento normal. Pode ocorrer, ainda, vencimento antecipado da obrigação em geral, que, como é evidente, acarreta também vencimento do acessório. 

Ao lado do vencimento antecipado da obrigação em geral, previsto no CC 333, ou de casos previstos pelas partes no contrato, desde que sem ofensa aos princípios da boa-fé objetiva e equilíbrio do contrato, elenca o artigo em exame outros casos legais, independentemente de estipulação. São casos nos quais se reforça a garantia do credor, em razão do agravamento dos riscos por fatos supervenientes.

O inciso I prevê o caso de deterioração ou depreciação do bem objeto da garantia. Deterioração é o estrago, a degradação física; enquanto depreciação é a desvalorização econômica do bem. Não alude a lei a suas causas, podendo o estrago ter qualquer origem, imputável ou não ao devedor, ou mesmo proveniente de caso fortuito ou força maior, desde que superveniente à constituição da garantia. Apenas o fato imputável ao próprio credor - tome-se como exemplo o penhor - não provoca o vencimento antecipado da dívida. Anota Gladston Mamede, com razão, que a pronta iniciativa do devedor, ou do terceiro proprietário garantidor, em recuperar a coisa deteriorada, mantém incólume a garantia do credor e evita o vencimento antecipado (Mamede, Gladston. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 91). A depreciação natural da coisa, pelo uso razoável e decurso do tempo, não produz vencimento antecipado da dívida, assim como a deterioração mínima, desproporcional à consequência alvitrada na lei. Reza o preceito o vencimento antecipado não ser automático, exigindo prévia intimação do devedor para que reforce ou substitua a garantia, em prazo razoável, compatível com a complexidade da operação. Decorrido o prazo, considera-se, a partir daí, vencida a obrigação. 

O inciso II prevê o vencimento antecipado se o devedor cair em insolvência ou falir. Falência, recuperação judicial, liquidação extrajudicial de instituição financeira e insolvência civil provocam, por expressa força de lei, vencimento antecipado das dívidas do falido, insolvente ou liquidando. As três primeiras situações somente se caracterizarão por força de decisão judicial e acarretarão vencimento antecipado e habilitação na execução coletiva, como crédito privilegiado. Já o termo cair em insolvência não exige decretação da insolvência civil do devedor, mas a mera constatação de fato de tal estado, no qual o passivo supera o ativo, apurável no curso da execução (Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. X, p. 73). 

Podem as partes convencionar outros fatos, que não caracterizam tecnicamente a insolvência, como protesto de títulos, ajuizamento de execuções contra o devedor, ou penhora do bem dado em garantia real, por credor diverso, provocarem também vencimento antecipado da dívida, por majorarem o risco do credor. Sem previsão contratual, porém, tais situações não caracterizam, por si, insolvência ou falência, nem são causa legal de vencimento antecipado.

O inciso III prevê a hipótese de falta de pagamento pontual das prestações, se acordaram as partes o parcelamento do preço, ou da solução da obrigação. O não pagamento de qualquer das parcelas provoca o vencimento antecipado das demais. Vence-se a dívida toda e, por consequência, a garantia real. A regra é dispositiva, valendo no silêncio do contrato, mas nada impede que se convencione o contrário. Embora divirja a doutrina, a corrente majoritária afirma o não pagamento dos juros, que vencidos incorporam-se ao capital, também provocarem vencimento antecipado da dívida e da garantia. O preceito do vencimento antecipado é previsto na lei em benefício do credor, podendo haver renúncia expressa ou tácita. O recebimento posterior da prestação em atraso é modalidade tácita de renúncia da benesse.

É evidente a regra do inciso III dever ser lida em consonância com os princípios cogentes que regem o direito contratual, em especial boa-fé objetiva, função social e equilíbrio. O atraso no pagamento da prestação deve revestir-se de certa gravidade para provocar o efeito severo do vencimento antecipado e total da dívida. Atraso mínimo, que não acarreta maior prejuízo ao credor, nem altera de modo significativo a utilidade da prestação, pode ainda ser pago, sem necessidade de solução integral da obrigação, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça.

O inciso IV trata do perecimento da coisa, tomado em sentido lato, de desaparecimento, destruição ou esgotamento, qualquer que seja sua causa, com ou sem culpa do devedor. Apenas se ressalta o perecimento por culpa exclusiva do credor, como no caso do penhor, que não altera o vencimento da obrigação. Note-se que se perde a garantia, mas permanece íntegro o crédito como quirografário. Tem o devedor o direito potestativo de substituir a garantia por outra, de valor igual ou superior, para evitar o vencimento antecipado da obrigação. 

O § 1º do artigo em exame trata da hipótese de pagamento de indenização da garantia perecida, por seguradora ou por terceiro causador do dano. Há o vencimento antecipado e se opera sub-rogação do objeto da garantia, substituído pelo valor da indenização. A seguradora ou o causador do dano, em tal caso, deve pagar diretamente ao credor com garantia real até o valor do bem destruído, sob pena de pagar mal. Decorrência disso, embora duvidosa a questão, é a possibilidade do credor com garantia real cobrar diretamente a dívida do causador do dano ou da seguradora. 

O último inciso trata da desapropriação do bem objeto da garantia real, caso no qual o expropriante pagará ao credor preferencial, que se habilitará na desapropriação e dela será citado, o valor integral do crédito. Se houver sobras, são devidas ao proprietário do bem, que o deu em garantia real. Por outro lado, se a indenização for insuficiente para extinguir a obrigação, remanesce crédito quirografário contra o devedor.

Finalmente, o § 2° trata do perecimento ou desapropriação (incisos IV e V ) que atingem somente uma parte dos bens objeto da garantia real. Embora o preceito somente aluda à hipoteca, não se vê razão para não estendê-lo às demais garantias reais, em especial à propriedade fiduciária. Diz a regra que se todos os bens dados em garantia forem atingidos há vencimento antecipado. Se somente parte dos bens forem atingidos, parte proporcional da obrigação, correspondente à redução da garantia, vence antecipadamente, desde que, é óbvio, seja a prestação divisível. Finalmente, se remanescerem bens suficientes para a garantia do crédito, a garantia permanece incólume, e razão não há para vencimento antecipado. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.520-21. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Para o conhecimento no nobre relator Ricardo Fiuza em sua doutrina, o artigo enumera taxativamente as hipóteses de vencimento da dívida. Deteriorando-se a coisa dada em garantia ou ocorrendo sua depreciação, a dívida será considerada vencida, a não ser que o devedor reforce a garantia, sendo que esse reforço será considerado uma nova garantia, que terá sua duração contada a partir de seu registro. Ocorrendo a falência ou insolvência, com a execução geral do devedor, todos os créditos são reunidos, fundidos e equiparados, o que faz desaparecer os prazos, vencendo todas as dívidas do falido, inclusive as garantidas por esses direitos reais. O não-pagamento da prestação no seu vencimento infringe o contrato e permite ao credor executar a dívida. Pode o credor receber, por mera liberalidade, as prestações vencidas, hipótese em que estará ele renunciando, por ora, à execução imediata. O perecimento (perda do objeto, v. g., por incêndio) do bem e sua não-substituição provocam também o vencimento da dívida e sua imediata execução. Havendo desapropriação, vencer-se-á a dívida, devendo a garantia recair sobre o preço. Ocorrendo o perecimento da coisa ou sua degradação, satisfeito o dano sofrido pelo devedor, sobre a indenização ou o valor pago pelo segurador, transfere-se o vínculo da garantia real. Esses fatos não provocam a extinção do direito nem tomam a dívida exigível. O valor da indenização pago por terceiro ou pelo seguro deverá ser consignado em favor do credor até que atinja o montante que leve ao pagamento integral da dívida. Idêntica solução é dada para o caso de o bem onerado por garantia real ser desapropriado (art. 31 do Dec.-Lei n. 3.365/41). • Este dispositivo equipara-se ao art. 762 do Código Civil de 1916, com considerável melhora em sua redação. No mais, deve ser dispensado à matéria o mesmo tratamento doutrinário dado ao dispositivo mencionado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 728-29, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 05/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Buscando Guimarães e Mezzalira,, o prazo para o pagamento da dívida é um dos requisitos de eficácia dos contratos referentes aos direitos reais de garantia. Como forma de reforçar a garantia, o legislador estipulou hipóteses em quem o vencimento da dívida é antecipado, permitindo que o credor adote providências para fazer valer o seu privilégio.

O inciso I trata dos casos de deterioração ou depreciação da coisa, hipóteses em que ocorre a sua desvalorização, cabendo ao devedor reforçar a garantia ou substituí-la. A insolvência ou a falência do devedor também são causas que antecipam o vencimento da dívida. 

A impontualidade do devedor é sinal indicativo da sua insolvência, o que autoriza considerar a dívida vencida coo forma de manutenção da integralidade da garantia, pois a eventual cobrança judicial de parte da dívida implicaria na perda da segurança. O recebimento posterior implica na renúncia ao direito de execução imediata. 

Se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído. Nesse caso, o credor tem o direito de optar entre a execução imediata e o pedido de reforço da garantia. Se houver seguro da coisa gravada, o credor com garantia real se sub-roga na indenização paga pela seguradora, até ser completamente reembolsado (Carlos Roberto Gonçalves, 2010, p. 542). 

A desapropriação do bem dado em garantia também constitui causa de antecipação do vencimento da dívida. Se mais de um bem for dado em garantia e a desapropriação recair sobre apenas um deles, o vencimento antecipada da dívida será apenas parcial, proporcionalmente ao desfalque patrimonial. Ocorrerá uma exceção ao princípio da indivisibilidade da garantia real, em favor do devedor, pois o credor não teria motivos para a antecipação integral do débito. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.425, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.426. Nas hipóteses do artigo anterior, de vencimento antecipado da divida, não se compreendem os juros correspondentes ao tempo ainda não decorrido.

Segundo entendimento de Loureiro, o preceito determina, no caso de vencimento antecipado da obrigação e da garantia, redução dos juros compensatórios - ou remuneratórios - relativos ao tempo ainda não decorrido. É regra que visa a evitar enriquecimento sem causa do credor. É natural, se a obrigação teve vencimento antecipado por qualquer das hipóteses do artigo anterior, e será adimplida de imediato pelo devedor, decotarem-se os juros relativos ao período vindouro. Se o devedor não usará o capital alheio pelo prazo previsto, a remuneração deve ser reduzida de modo proporcional e de acordo com a taxa convencionada. 

Como anota Gladston Mamede, o preceito alcança descontos para pagamento à vista que, na verdade, significam remuneração indireta para pagamentos a prazo, além de outros encargos, como prêmios de seguro, taxas administrativas e correção monetária prefixada (Código civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 105). É evidente que se houver vencimento antecipado, mas sem pagamento, os juros compensatórios serão abatidos, mas o crédito será acrescido de juros moratórios contados do vencimento (mora ex re) ou da interpelação ou citação (mora ex persona).

A norma em questão, que traduz aplicação das cláusulas gerais que vedam o enriquecimento sem causa e asseguram o equilíbrio contratual, tem natureza cogente e não comportam previsão negocial em sentido contrário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.523.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para os autores Guimarães e Mezzalira, o dispositivo trata dos juros compensatórios, pois o pagamento antecipado é incompatível com a incidência de juros moratórios. Os juros seriam destinados a compensar o tempo em que o devedor esteve em poder, o capital pertencente ao credor. Se houve redução do tempo com a antecipação do vencimento da dívida, o valor dos juros deve ser reduzido de forma proporcional. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.426, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Na palavra de Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, na Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, a teoria do inadimplemento que se estruturou a partir dos estudos de Robert Pothier e consolidou-se no Código Civil francês baseia-se na sobreposição dos conceitos de relação obrigacional abstrata e de prestação principal. Nesta perspectiva, em que a análise da relação obrigacional circunscreve-se aos eventos relacionados à prestação principal, toda manifestação de inadimplemento pode e deve ser enquadrada, por meio de um silogismo simples, na dicotomia mora/impossibilidade. Em ocorrendo o não-cumprimento da obrigação no omento devido, cabe ao jurista apenas indagar se ela ainda é realizável. Em caso positivo, a situação classificar-se-ia como um caso de mora; em não o sendo, aplicar-se-iam as consequências da impossibilidade.

Ocorre que, há tempos, o pressuposto de tal construção não é mais aceito no plano teórico-dogmático. É reconhecido que, ao lado do denominado dever principal, coexistem na relação obrigacional miríades de deveres outros – como os deveres laterais e os deveres secundários – cujo descumprimento não se enquadra na dicotomia de Pothier. É o que ocorre com os sempre citados casos de violação de deveres de cooperação entre as partes, de cumprimento defeituoso da prestação ou de repúdio à relação contratual, que, embora sejam claras manifestações de inadimplemento, não permitem o enquadramento nas figuras tradicionais. (Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, p. 206, 2008).

Quanto ao inadimplemento antecipado e seu enquadramento teórico, um exemplo dessas novas modalidades de inadimplemento é o denominado inadimplemento antecipado da prestação.

Na construção teórica anterior, a obrigação era vista como uma “espada” que, pendendo sobre a cabeça do devedor, deveria ameaça-lo em caso de não-cumprimento no termo da prestação. Até o momento em que o cumprimento seria devido, entretanto, essa “espada” nada exigia do devedor, sendo apenas esta ameaça futura. Após o termo, aí sim, a espada poderia fazer sentir toda a sua força sobre o devedor inadimplente. Assim, sob tal perspectiva, durante o lapso temporal que se inicia com o nascimento da obrigação e termina no momento em que aquele deve satisfazer sua obrigação, nada haveria além de um vazio prestacional. O devedor que se obriga a realizar determinada conduta (seja obrigação dar, fazer ou não fazer) de forma diferida no tempo, até o referido momento, não seria obrigado a nada.

Muito embora tal perspectiva não possa ser refutada por completo, pois é certo que toda obrigação só precisa ter seu adimplemento final no momento devido, ela equivoca-se ao considerar o fenômeno obrigacional apenas em sua perspectiva estática, na qual suas fases (nascimento, prestação, inadimplemento etc.) são tratadas de forma isolada.

 Ocorre que, hoje, a relação obrigacional é analisada por um outro prisma: o dinâmico. Nesta nova perspectiva, a relação obrigacional torna-se uma presença constante e vinculante, compelindo o devedor a praticar determinados atos voltados ao desfecho daquela relação.

Assim, os dois momentos (nascimento da obrigação e adimplemento), que até então eram repletos desse “vazio prestacional”, são conectados por uma série de atos interpostos e instrumentais em relação à fase final da relação obrigacional, o adimplemento. Esses obrigam as partes a adotarem continuamente um comportamento que corresponda ao standard de conduta determinado pelos princípios da boa-fé e da confiança.

Nessa perspectiva dinâmica, determinados atos ou condutas são exigidos do devedor a qualquer tempo, de forma que o seu não-cumprimento deve ser caracterizado como um inadimplemento da obrigação. 

Importante notar que, sob esse novo enfoque, a vontade do indivíduo em cumprir, ou melhor, sua vontade de realizar os atos necessários ao adimplemento da obrigação, não deve ser manifestada apenas no momento inicial ou no momento em que a prestação torna-se exigível. Toda manifestação de vontade contrária ao cumprimento da obrigação a qualquer momento, é contrária ao modo como deve exprimir-se constantemente a vontade do devedor, bem como uma violação do dever de correção que deve marcar toda relação obrigacional. À fortiori, se o devedor colocar-se, por vontade, em posição que torne impossível o cumprimento da obrigação, também haverá uma violação da própria relação obrigacional, o que se configura em inadimplemento, ou, mais propriamente, um inadimplemento antecipado da prestação (V. Aguiar, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2ª ed. Rio de Janeiro: Aide, 2004, p. 126) (Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, p. 207-08, 2008). (Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.427. Salvo cláusula expressa, o terceiro que presta garantia real por dívida alheia não fica obrigado a substituí-la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou desvalorize.

No pensar de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame é norma dispositiva. Comporta, assim, cláusula negocial em sentido contrário, pela qual assume o terceiro prestador da garantia real integralmente os riscos por deterioração ou perecimento da coisa e o dever de substituí-la ou reforçá-la. É possível a um terceiro não devedor prestar garantia real. Não se torna, com isso, fiador ou devedor solidário, pois apenas vincula bem especializado de seu patrimônio ao adimplemento de obrigação alheia. A responsabilidade se limita ao bem dado em garantia, pois o terceiro não é devedor. Feita a excussão, não responde o terceiro por eventual saldo devedor.

A regra é no sentido de não se estender ao terceiro prestador da garantia real o regime jurídico dos incisos I e IV do CC 1.425, comentado. O terceiro somente é obrigado a substituir ou reforçar o bem dado em garantia real que se deteriorou, pereceu ou desvalorizou por culpa sua. Se o evento não lhe é imputável, a obrigação se vence antecipadamente para devedor, mas sem obrigação do terceiro repor ou reforçar a garantia. 

De outro lado, se o fato é imputável ao terceiro, por dolo ou qualquer grau de culpa, a solução é outra. Cabe ação de obrigação de fazer, para reforço ou substituição da garantia contra o terceiro, tanto ao credor como ao devedor prejudicados. Este último pode, ainda, cobrar do terceiro inadimplente perdas e danos decorrentes do vencimento antecipado da obrigação. 

Aplicam-se ao terceiro as regras que envolvem sub-rogação da garantia por seu valor indenizado por seguradora, causador do dano ou expropriante, previstas no inciso V e §1º do CC 1.425. O regime jurídico do artigo em estudo, ao contrário do sustentado por parte da doutrina, não se estende ao terceiro adquirente do bem dado em garantia real. A alienação não produz efeitos frente ao credor preferencial, em vista dos efeitos erga omnes da garantia real, não sendo justo se este tivesse situação mais desfavorável do que frente ao devedor. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.523.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo no verbo de Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, o inadimplemento antecipado pode ser caracterizado como o inadimplemento que ocorre quando uma das partes da relação obrigacional, antes do momento em que deveria executar determinada prestação, renuncia ao contrato ou coloca-se, por ato próprio, em posição que torne impossível o cumprimento da obrigação. (TREITEL. G. H. The law of contract. 9. ed. London: Sweet & Maxwell, 1995, p. 769).

Têm-se nessa definição os principais elementos do instituto: i) ela constitui-se em uma forma de inadimplemento; ii) que ocorre, necessariamente, antes do termo da prestação; iii) esta forma de inadimplemento pode manifestar-se seja por uma renúncia (expressa ou tácita) ao cumprimento da obrigação, ou pelo fato de o obrigado colocar-se em posição que torne o adimplemento impossível; e iv) ele deve ser provocado por ato próprio do obrigado, de forma incontroversa e definitiva.

Do elemento temporal – a principal diferença entre o inadimplemento antecipado e as figuras do inadimplemento tradicional (i.é, a mora e a impossibilidade da prestação) é justamente o fato de ainda não haver uma prestação exigível. Ao contrário, o credor possui apenas uma expectativa de que o devedor cumprirá de forma espontânea aquilo a que se obrigou.

O inadimplemento antecipado pode ocorrer, portanto, a partir do nascimento da obrigação até o momento anterior àquele em que a obrigação deveria ser cumprida. Esse é o caso, par example, com o importador de mercadorias que deve pedir autorização específica a órgão de fiscalização (v.g., Ibama ou Ministério da Defesa) para poder trazer determinado produto para o país. O não-cumprimento desta exigência pode representar mora, caso seja possível não só fazer o pedido de autorização para importação, ainda que contratualmente intempestivo, e o cumprimento da obrigação com pequeno atraso ainda se revista de utilidade socioeconômica para o credor ou ficar claro a recusa do devedor em cumprir esta obrigação.

Situação que também merece atenção é a dos contratos cuja prestação desenvolve-se ao longo de grande período de tempo, e, ao longo de sua execução, o objeto da prestação é desenvolvido em fases, mas cujo produto só é entregue ao final, como ocorre com os Turnkey Construction Contracts. Nesses casos, independentemente de quanto já foi construído, considera-se possível a ocorrência do inadimplemento antecipado, contanto que ainda não tenha atingido o termo para a entrega final da obra ou do projeto.

Por outro lado, uma consequência desse requisito temporal é a impossibilidade de inadimplemento antecipado por violação de deveres laterais, visto que o seu cumprimento é exigível a qualquer momento pela outra parte. Fato diverso ocorre com os denominados “deveres secundários instrumentais à consecução dos deveres principais”, cujo inadimplemento pode gerar um caso de mora ou de inadimplemento antecipado (neste caso, não seria possível a figura da impossibilidade, visto que ela confundir-se-ia com o inadimplemento antecipado da prestação). Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 209. 

Além do elemento temporal, outro ponto que particulariza o inadimplemento antecipado é o comportamento do devedor que se recusa a realizar a prestação futura ou coloca-se em posição de impossibilidade de cumprir a prestação. O primeiro desses comportamentos, a recusa, compreende a manifestação inequívoca da intenção do devedor em não cumprir a prestação futura. Esta manifestação pode ocorrer tanto de forma expressa, ou seja, por meio de enunciação escrita ou verbal endereçada ao credor, notificando-o de que não quer, ou não possui condições para – cumprir a obrigação; quando tácita, i.é, através de uma conduta que demonstre a vontade da parte em não cumprir o avençado. 

Tal é o caso, por exemplo, da construtora que, tendo celebrado promessa de compra e venda de determinado apartamento, anuncia ao mercado a sua desistência em construir o conjunto habitacional do qual o apartamento faria parte, ou, ainda, age de modo tal que se torna inconteste a sua desistência de continuar com o projeto (por exemplo, colocando à venda o terreno selecionado para a construção do imóvel ou, tempos depois  de iniciado o prazo para o início das obras, mantendo-se inerte).

Um exemplo do aqui exposto ocorreu no caso Peruzzo v. Centro Médico de Porto Alegre. Em meados de 1977, Peruzzo foi procurado por um corretor do Centro Médico Hospitalar de Porto alegre Ltda., com a proposta de assinatura de dois contratos, em conta de participação em empreendimento, com o objetivo de viabilizar a construção de um hospital. Além da participação nos lucros do empreendimento, seria franqueado a Peruzzo atendimento gratuito no estabelecimento mediante o pagamento de quota fixa.

Pois bem. Após celebrar o segundo contrato, Peruzzo resolveu averiguar os andamentos da obra e descobriu, para sua surpresa, que esta seque havia sido iniciada. E pior: nem mesmo o terreno para a obra havia sido comprado. Após analisar os contratos e perceber que estes não previam qualquer prazo para o início ou término da obra, Peruzzo resolveu,, simplesmente, suspender o pagamento das cotas do fundo. O Centro Médico, em consequência, lançou a protesto duas promissórias em nome de Peruzzo. (Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 210). 

Diante dessa situação, Peruzzo recorreu à Justiça, pedindo a rescisão dos contratos, a nulidade de todas as notas promissórias vinculadas, a sustação de todos os protestos e a condenação da demandada a devolver todos os valores recebidos, com juros e correção monetária, além de perdas e danos. 

em primeira instância, a Juíza entendeu que não estaria caracterizado o inadimplemento, devido à inexistência de prazo fixado para o início e término da construção do estabelecimento hospitalar. Em recurso, o então desembargador Athos Gusmão de Carneiro ponderou: 

A Dra. Pretora refere que no contrato não estava previsto nenhum prazo para o Centro ‘construir, instalar e operar estabelecimento hospitalar na Cidade de Porto alegre’. Todavia, considero evidente, como bem alega o apelante, que isso não significa que goze um dos contratantes da faculdade de retardar ad infinitum o cumprimento das suas obrigações, e o o outro seja obrigado a adimplir as suas com pontualidade, sob pena do protesto de títulos. A sentença esquece toda a comutatividade contratual. Vejo, aqui, caso de completo inadimplemento por parte de um dos contratantes. Já transcorreram mais de 5 anos e o Centro Médico Hospitalar existe apenas de jure. De fato, esta sociedade de objetivos tão ambiciosos e capital pequeníssimo, simplesmente não existe mais. Citada editalmente, foi revel. O hospital permanece no plano das miragens, e assim as demais vantagens prometidas aos subscritores das quotas.” (ApCív 582000378, TJRS, 1ª Câm. Cível, Rel.. des. Athos Gusmão de Carneiro).

Por outro lado, também constitui inadimplemento antecipado quando o devedor coloca-se em determinada situação na qual fique inconteste a impossibilidade de cumprir a obrigação, ainda que não haja qualquer manifestação expressa sobre o desejo de renunciar ao contrato. Tal impossibilidade decorre do fato de que a prestação, quando atingido o termo da obrigação, tornou-se impossível ou imprestável para o credor.

Entretanto, é importante observar que – diferentemente do caso de recusa – a impossibilidade de cumprir a prestação antes do prazo caracteriza-se não pelo elemento subjetivo mas pelo elemento objetivo. Esse compreende o fato de o devedor estar em situação que impossibilitará a concretização do negócio ao qual se obrigou, por ato próprio. 

Portanto, no inadimplemento antecipado por impossibilidade, não há quaisquer indagações sobre a intenção (dolo) do devedor em colocar-se na posição de impossibilidade de prestar, mas apenas sobre a contribuição de sua culpa, exclusiva ou concorrente, para este resultado. 

As causas da impossibilidade podem ser das mais variadas naturezas. A título meramente exemplificativo, teremos: i) o esgotamento do prazo para realizar ato necessário ao cumprimento da prestação futura; ii) a ausência de recursos materiais necessários à consecução da obrigação; iii) a não realização de atos prévios ou o não comprimento de deveres necessários à consecução da obrigação; iv) o planejamento equivocado, que impedirá a consecução da obra etc.

Outro importante sobre o inadimplemento antecipado da obrigação por impossibilidade da prestação é que ela pode ocorrer tanto por ato quanto por omissão do devedor. 

O ponto de maior confusão refere-se à necessidade da recusa ou à impossibilidade de manifestarem-se de forma incontroversa. Em outras palavras, em caso de recusa, esta deve claramente demonstrar a intenção do devedor em não cumprir o avençado; em caso de impossibilidade, ela deve representar uma clara projeção de que a prestação tornar-se-á impossível ou imprestável quando do transcurso do termo.

É relevante que, em caso de recusa, o caráter incontroverso pode decorrer não apenas daquela diretamente formulada ao credor, como também do comportamento inegavelmente contrário à intenção de inadimplir, conforme pactuado. Por outro lado, no caso de impossibilidade, o simples medo ou receio do credor de que o devedor não venha a cumprir suas obrigações (ainda que existam indícios que fundamentem estas suposições) não são suficientes para a configuração do inadimplemento antecipado da obrigação. Ele deve ser inegável e irreparável, sendo necessária esta comprovação objetiva para valer-se do instituto. 

Também é relevante a observação feita por Ruy Rosado de Aguiar de que os ordenamentos jurídicos, com maior tradição na aplicação do instituto, têm como pacífica a vedação de se obter do devedor a recusa (tácita ou expressa) por meio de interpelação realizada antes do vencimento da obrigação. Caso contrário, tal hipótese figuraria como uma forma inaceitável de obter o vencimento antecipado de uma dívida. 

Essa orientação negativa, porém, deve ser vista com reserva, porquanto a interpretação pode simplesmente demonstrar a preocupação do credor em definir uma situação já evidenciada pelos fatos antecedentes. Portanto, se a iniciativa do credor tem fundado amparo nas circunstâncias, especialmente diante do anterior comportamento do devedor, não há como, desde logo, recriminar o comportamento do credor que quiser obter uma definição sobre a real intenção do devedor a respeito do contrato”. (Op. cit., p. 129). (Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 210-13, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Dando desenvolvimento ao comentário do CC 1.427, Guimarães e Mezzalira explicam que em se tratando de garantia real outorgada por terceiro, ressalvada convenção em sentido contrário, ele não fica obrigado a substituir ou a reforçar a garantia se a coisa gravada se deteriorar ou sofrer desvalorização, uma vez que não possui vínculo pessoal.

Nesses casos, o credor poderá exigir que o devedor preste nova garantia, sob pena de antecipação do vencimento da dívida, exigência que não poderá ser feita em relação ao terceiro.

O terceiro poderá ser obrigado a restaurar a garantia se houver cláusula neste sentido ou se perda ou desvalorização decorrerem de culpa sua. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.427, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.422, 1.423, 1.424 Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.422, 1.423, 1.424

Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo I – Disposições Gerais

Título X - Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – (Art. 1.419 a 1.430) - digitadorvargas@outlook.com - vargasdigitador.blogspot.com

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 Art. 1.422. O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro. 

Parágrafo único. Excetuam-se da regra estabelecida neste artigo as dívidas que, em virtude de outras leis, devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos. 

Contemplando o comentário de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame disciplina os princípios de excussão e preferência - ou privilégio - dos direitos reais. Corresponde ao art. 759 do Código Civil de 1916, com alteração meramente lexical no caput. Houve alteração significativa no parágrafo único do preceito, amoldando-o aos casos de privilégios decorrentes diretamente da lei, multiplicados na legislação especial.

 

A excussão significa que, “vencida e não paga a obrigação, ao credor assiste o poder de excutir o bem dado em garantia, i.é, promover pela via judicial a sua venda em público pregão, para com o preço pagar-se preferencialmente aos outros credores” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1995, p. 330). Disso decorre, vencida a obrigação, não poder o credor se apropriar da coisa dada em garantia (cláusula comissória), conduta vedada pela norma cogente do CC 1.428, adiante comentado.

 

O direito do credor se circunscreve a executar a garantia. Ressalte-se nem sempre a alienação da coisa dada em garantia ser feita em hasta pública. Diversos dispositivos do próprio Código Civil (penhor, CC 1.433, IV; propriedade fiduciária, CC 1.364) e de leis especiais (Lei n. 9.514/97, art. 27, propriedade fiduciária sobre bens imóveis) autorizam a alienação extrajudicial dos bens dados em garantia. Afora os casos previstos em lei, a excussão é feita em hasta pública.

 

Em certos casos vai a lei mais longe, admitindo a alienação do bem dado em garantia em leilão extrajudicial, sem qualquer ajuizamento prévio de ação de execução. É o caso do Decreto-lei n. 70/66, que disciplina a execução de imóveis vinculados ao SFH. Duvidosa a constitucionalidade da execução extrajudicial, por ofensa aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa. Após grande controvérsia nos tribunais inferiores, o Supremo Tribunal Federal fixou que a CF de 1988 recepcionou o Decreto-lei n. 70/66, não se chocando com os preceitos dos incisos XXXV, LIV e LV do art. 5º, pois ao devedor está aberta a possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário, questionando a exigibilidade da dívida ou a correção formal do procedimento de alienação do imóvel pelo credor (entre outros, RE n. 148.872, 223.075 e 240.361).

 

A polêmica se renova em razão do disposto no art. 66-B da Lei n. 4.728/65, com a redação dada pela recente Lei n. 10.931/2004. Dispõe o preceito poder o credor fiduciário promover a venda do bem fungível dado em garantia, independente de prévio pronunciamento judicial, com posterior prestação de contas ao devedor.

 

O art. 3º, § 1º, do Decreto-lei n. 911/69, com a redação dada pela Lei n. 10.931/2004, dispõe a propriedade do bem já se consolidar nas mãos do credor após cinco dias da apreensão, independentemente de sentença, que pode expedir novo documento e efetuar sua alienação extrajudicial. Resta saber como os tribunais reagirão a essa venda antecipada previstas em lei. O Superior Tribunal de Justiça, em mais de uma oportunidade, fixou a venda antecipada de bens empenhados no regime do art. 41 do Decreto-lei n. 167/67 somente se admitir nas hipóteses excepcionais dos arts. 852, 923 e 730 do atual CPC antes do julgamento dos embargos (STJ, REsp n. 38.781/GO, rel. Min. Waldemar Zveiter; STJ, REsp n. 32.185/GO, rel. Min. Barros Monteiro).

 

Além do direito à excussão, fixa o caput do artigo em exame direito de preferência ou prelação do credor hipotecário ou pignoratício no recebimento do crédito garantido. Na lição de Caio Mário da Silva Pereira, essa noção desponta “no fato de pagar-se o credor mediante a venda do bem sobre que incide, independentemente a garantia geral ou comum, e prioritariamente em relação a ela” (op. cit., p. 328).

 

A preferência do credor garantido acarreta, no caso de concurso de credores, e apenas em relação ao produto da excussão do bem dado em garantia real, que fique fora do rateio proporcional entre os credores quirografários. O credor com garantia real primeiro satisfaz seu crédito. Se houver sobras, haverá rateio entre os credores quirografários. Ao contrário, se o produto da excussão do bem dado em garantia real não bastar para satisfação do crédito, o devedor continua pessoalmente obrigado. O crédito, porém, esgotada a garantia real, converte-se de privilegiado em quirografário, em relação ao restante do patrimônio do devedor.

 

Também se extingue a garantia real no caso de perda do bem dela objeto. Há entendimento corrente de o crédito se converter de privilegiado em quirografário, de modo que em processo falimentar não se admite a restituição convertida em dinheiro, e a habilitação se dá sem privilégio.

 

Determina a parte final do artigo em estudo se observar, quanto à hipoteca, a ordem do registro, pois nada impede que incidam várias hipotecas sobre o mesmo bem, como admite de modo explícito o CC 1.476, adiante estudado. Em tal caso, será estabelecida uma gradação de preferências, na ordem dos respectivos registros das hipotecas. Não contempla a lei a possibilidade de multiplicidades de penhores sobre o mesmo bem, pois não há como transmitir posse direta a mais de um credor. Os penhores especiais, por seu turno - rural, industrial e mercantil -, tornam o bem inalienável e, portanto, insuscetível de ser dado em garantia de segundo grau.

 

O parágrafo único do artigo em estudo ressalva a preferência do crédito com garantia real não superar o privilégio decorrente diretamente da lei. Determinados credores, em razão de sua posição pessoal ou da natureza de seus créditos, são contemplados diretamente pelo legislador com o benefício do privilégio: credores trabalhistas, fiscais, previdenciários e acidentários. São os casos, ainda, das despesas de condomínio edilício, em relação ao imóvel, ou das despesas da massa, no processo falimentar. Lembre-se, em tais casos, havendo execução coletiva contra o devedor, o crédito com garantia real deve ser habilitado e não executado em via própria. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.514-16. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 04/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Para a explanação de Guimarães e Mezzalira, o direito de excussão consiste no direito de promover a venda do bem em hasta pública, mediante processo de execução judicial, direito este que subsiste ainda que esteja no domínio ou na posse de outra pessoa, sem o seu consentimento.

 

Havendo mais de uma hipoteca sobre o mesmo bem, observar-se-á a prioridade no registro, de modo que, embora o credor da segunda hipoteca tenha a garantia do bem, a satisfação do seu direito ocorrerá após a satisfação do direito da hipoteca registrada em primeiro lugar.

 

O parágrafo único dispõe que a legislação poderá criar exceções ao direito de preferencia, como a prevista na Lei 11.101/2005, ao mandar pagar preferencialmente aos credores com garantia real os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a cento e cinquenta salários mínimos por credor, e os decorrentes de acidente do trabalho (art. 83), bem como os extraconcursais (art. 84).

Na integra o art. 84 da Lei de Falências: “Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a: I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência; II – quantias fornecidas à massa pelos credores: III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência; IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida; V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.422 de 2002, acessado em 04.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em artigo de Reginaldo Leandro Pinto, publicado em setembro de 2016 no site Jus.com.br, intitulado “Dos direitos de garantias”, como explica o autor, direito real de garantia é o direito que o titular tem de receber o pagamento de uma dívida através de um bem dado em garantia. Há uma diferença entre garantia real de pessoal, aquela o bem é específico e fica vinculado a obrigação contraída e esta todos os bens respondem pela obrigação contraída. Um exemplo seria uma pessoa faz um empréstimo e para assegurar o credor de que a dívida será paga o devedor oferece um bem em garantia, e enquanto o devedor não saldar a dívida seus direitos sobre o bem que foi dado como garantia será limitado. Se o devedor vender o bem para um terceiro, o direito do credor acompanhará o bem, por sequela. São três os direitos reais de garantia: hipoteca penhor e anticrese.

A validade e eficácia das garantias reais se dividem em três requisitos: subjetivos, objetivos e formais. Nos requisitos subjetivos a pessoa que oferece o bem em garantia deve ser capaz, ou seja, não basta ser maior de dezoito anos, onde somente o proprietário do bem pode dispor do bem em garantia. Quando o proprietário é casado deverá ter autorização do cônjuge, ainda que em qualquer regime de bens, conforme o CC 1647, a exceção é o regime de separação absoluta. A pessoa jurídica pode dar um bem em garantia, e este ato é da diretoria, no entanto, deve ser aprovada pelo órgão deliberativo (Conselho de Administração ou a Assembleia dos Sócios) exceção se dispuser o contrário no estatuto social ou no contrato. Requisitos objetivos os bens dados em garantia devem se materialmente e juridicamente possíveis, um exemplo que não podemos dar em garantia um lote na lua ou alguma coisa furtada. Então há bens que são inalienáveis e geralmente não podem ser oferecidos como garantia, exemplo o bem de família, bens públicos. Requisitos formais, onde os direitos reais de garantia devem ser escritos em um contrato além de outros fundamentos previstos no contrato, a falta de um requisito formal pode tornar a garantia ineficaz, ou seja, não poderá ser erga omnes. Para a validade da garantia, o contrato deverá conter o total da dívida garantida, o vencimento da obrigação, a taxa de juros, se houver e o bem oferecido com suas especificações.

Há cinco efeitos dos direitos reais de garantia que são; o privilégio, sequela, excussão, indivisibilidade e o vencimento antecipado da obrigação garantida.

Privilégio – os credores com garantia real têm direito de receber em certa ordem quando concorrem com credores que não tem garantia. No processo de falência e insolvência os credores com garantia real  tem ordem privilegiada  no recebimento de pagamento, na falência são o segundo a receber depois dos titulares de créditos trabalhistas não excedentes a 150 salários mínimos e na insolvência civil são quarto a receber, depois de titulares de créditos trabalhistas, do fisco e dos encargos e dívidas da massa.

Sequela – é quando o bem que é objeto de garantia real é transmitido para um terceiro, ele continua afetado ao cumprimento da obrigação garantida.

Excussão – consiste na execução judicial da dívida garantida, o bem será apreendido e vendido em hasta pública (os móveis serão vendidos em leilão e os imóveis em praça) e com o dinheiro proveniente da venda o credor será pago. Se o devedor concordar o credor poderá ficar com o bem , então, haverá dação em pagamento, que é a substituição da res debita por outra diferente de dinheiro. Mas é proibido o pacto comissório, ou seja, a acordo entre devedor e credor de este ficar com os bens dados em garantia em hipótese de inadimplemento.

Indivisibilidade – a garantia abrange todo o bem oferecido, mas se somente a parte for oferecida deve estar expressa. Também é indivisível quando o adimplemento é parcial, pois não desonera o bem parcialmente, ainda que o pagamento seja efetuado parcialmente o bem continua gravado em seu todo.

Vencimento antecipado da obrigação garantida – pode ser exigida antes do vencimento. Quando há falência ou insolvência do devedor. Perecimento ou deterioração do objeto , sem que seja substituído ou reforçado pelo devedor, quando o valor do objeto está assegurado o valor da indenização sub-roga-se na coisa destruída ou deteriorada. Impontualidade do devedor no pagamento das prestações, o atraso em qualquer das prestações justifica o vencimento antecipado. Desapropriação total ou parcial da coisa.

O instituto da alienação fiduciária é relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro, sendo aplicável para bens móveis e imóveis. Na verdade o instituto é propriedade real de garantia, uma vez que o fiduciante fica com a posse do bem. Para César Fiúza não se cuida de direito real de garantia, mas espécie de propriedade com escopo de garantia. (grifo nosso) (César Fiúza p. 1149).

Ao verificar-se no dicionário pode-se constatar que o termo tem origem no latim fidúcia, de fidere, que significa confiar, é signo linguístico que contém o significado de confiança, que é neste caso de direito ou de propriedade o que rege este tipo de garantia, uma vez que o bem fica na posse do devedor, entretanto em nome do credor até a quitação total da dívida. O professor César Fiuza ainda nos ensina sobre o instituto que:

“Alienação fiduciária em garantia é o contrato pelo qual uma pessoa, o devedor fiduciante, a fim de garantir o adimplemento de obrigação e mantendo-se na posse direta, obriga-se a transferir à propriedade de uma coisa ou a titularidade de um direito a outra pessoa, o credor fiduciário, que fica adstrito a retransmitir a propriedade ou a titularidade do direito ao devedor fiduciante, assim que paga a dívida garantida.” (César Fiúza p. 1150).

Na verdade este sistema de garantia veio a impulsionar o sistema de financiamento imobiliário, sendo clara a sua intenção de proteger as instituições bancárias, vez que beneficia o credor em desfavor do devedor, pois este (fiduciante) transfere a propriedade resolúvel para o credor (fiduciário) para garantir o pagamento da obrigação pecuniária assumida por si ou por terceiros. Com isso, diferentemente do que se observa na hipoteca, o credor fiduciário converte-se automaticamente em proprietário do bem, tendo no valor do bem dado em garantia para quitação do débito, caso o devedor fiduciante não adimpla as obrigações assumidas. O devedor permanece na posse direta do bem, na qualidade de depositário, contudo, o credor tem a posse indireta, permanecendo com a sua propriedade até que toda a obrigação assumida seja adimplida. 

As alienações fiduciárias como vêm acima além de ser uma propriedade real de garantia não deixa de ser também um direito real de garantia e possui peculiaridades, dentre as quais algumas são idênticas à hipoteca: 

Acessoriedade: trata-se de um negócio jurídico acessório, vez que tem o condão de assegurar uma obrigação principal. "Perante essa relação de subordinação, é plenamente aplicável à alienação fiduciária o princípio da gravitação jurídica, pelo qual o acessório segue o principal." 

Bilateral: apesar de alguns autores entenderem que se trata de um contrato plurilateral, a alienação fiduciária é realizada entre duas partes que assumem direitos e obrigações. O vendedor, aquele que firma o contrato de compra e venda com o devedor fiduciante, não figura como parte no contrato de garantia. Ele recebe o seu valor e os direitos e obrigações do contrato de alienação fiduciária permanecem tão somente para credor fiduciário e devedor fiduciante. 

Formalidade e não solenidade: o contrato de alienação fiduciária deve ser escrito, podendo ser público ou particular, sendo respeitadas as disposições dos arts. 24 e 38 da Lei 9.514/97. Por não exigir instrumento público para a sua formalização, trata-se de contrato não solene. 

Indivisibilidade: em caso de pagamento parcial de parcelas estipuladas em contrato, o devedor fiduciante não está exonerado da dívida, permanecendo o gravame sobre o imóvel como um todo. 

Condicionalidade: o contrato de alienação fiduciária é subordinado a uma condição resolutiva (revogável). "Na alienação fiduciária desloca-se para o rol dos elementos essenciais, uma vez que não existe alienação fiduciária sem condição resolutiva. Em outras palavras, a existência mesma do contrato se sujeita ao implemento de condição, qual seja o adimplemento da obrigação por parte do devedor fiduciante, o que põe fim à alienação, com a consequente emancipação da coisa." A propriedade, portanto, não é definitiva para o credor fiduciário, pois com o adimplemento de todas as parcelas acordadas (condição ou termo final), a propriedade retornará ao patrimônio do não mais devedor, o fiduciante. 

Publicidade: o art. 23 da Lei 9.514/97 estabelece que "a propriedade fiduciária se constitui mediante registro no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título." Assim, somente a partir do registro que haverá a propriedade fiduciária em favor do credor. Até o cumprimento dessa formalidade, tem-se apenas um contrato de cunho obrigacional. Com o registro, a posse do imóvel é desdobrada, ficando o credor fiduciário com a propriedade resolúvel sobre o imóvel e o devedor fiduciante com direito real de aquisição, pendente de cumprimento da condição.

A lei 11.101/2005 prevê no art. 49, § 3º que ocorrendo falência do devedor fiduciante, o credor fiduciário não corre o risco de perder o bem dado em garantia. Tal fato ocorre por conta do bem estar excluído do patrimônio do devedor, retornando somente após o pagamento integral das parcelas acordadas. Essa medida traz considerável segurança para o credor, no que diz respeito à sua expectativa de recebimento do que lhe é devido, pois deixa o bem longe do alcance dos demais credores do devedor.

Cessão da posição do devedor fiduciante: o art. 29 da Lei 9.514/97 possibilita ao fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, a transmitir os direitos de que sejam titulares sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações. É salutar mencionar que deve haver o registro da cessão em Cartório de Registro de Imóveis, vez que se trata de transmissão de direito real sobre imóvel. 

Celeridade na execução do crédito do fiduciário: “A grande facilitação da retomada do imóvel pelo credor em caso de inadimplemento, inclusive com a dispensa do processo - ao contrário da lenta execução que ocorre no sistema hipotecário-, torna-se um fato de estímulo à construção civil (...)”. O procedimento de execução extrajudicial é instaurado junto ao cartório de registro de imóveis, o que demonstra maior celeridade na cobrança do crédito. Faz-se um leilão extrajudicial, independente de ação judicial, ocorrendo de forma administrativa perante o Registro de Imóveis. O procedimento utilizado para a purgação da mora do fiduciante, bem como a forma de leilão do imóvel, está previstos nos art. 26 e 27 da lei 9.514/97. Em breve resumo, o procedimento consiste em:

“(I) Por meio de solicitação do credor, o Cartório de Registro de Imóveis intimará o devedor a satisfazer, no prazo de 15 (quinze) dias, a parcela vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, acrescidas dos encargos contratados;”

(II) Purgada a mora pelo devedor no Cartório de Registro de Imóveis, o contrato continuará em vigor, sendo a quantia entregue ao credor pelo Oficial do Registro de Imóveis;

(III) Caso o devedor não efetue o pagamento, o Oficial certificará o ocorrido na matrícula do imóvel, consolidando a propriedade fiduciária em nome do credor, que deverá pagar o imposto de transmissão inter vivos (ITBI) para tanto;

(IV) Após a consolidação da propriedade em nome do credor, este deverá realizar a oferta pública do imóvel em duas oportunidades consecutivas, quais sejam: o primeiro leilão e o segundo leilão.

(V) O primeiro leilão deverá ser realizado 30 (trinta) dias após a consolidação da propriedade, cujo valor mínimo para venda será o estipulado previamente pelas partes no contrato. Não havendo lances no primeiro leilão, nos 15 (quinze) dias subsequentes será realizado o segundo leilão. Nesta oportunidade, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, acrescida de todas as despesas;

(VI) Na falta lances também para o segundo leilão, estará plenamente consolidada a propriedade em nome do credor fiduciário. Nesta oportunidade, a dívida será considerada extinta, ficando o credor exonerado de entregar qualquer quantia em favor do devedor. No entanto, deverá o credor, nos 5 (cinco) dias subsequentes, a contar do leilão, entregar ao devedor o termo de quitação da dívida;

(VII) Resta assegurado ao credor ou ao adquirente do imóvel por força do leilão público, a reintegração na posse do imóvel, que será concedida imediatamente, para desocupação em 60 z de sequela: 0 exemplo do que ocorre com a hipoteca, é facultado ao credor fiduciário apreender o bem alienado, mesmo que este se encontre na posse de terceiros. Para tanto, é necessário que o contrato esteja devidamente registrado em Cartório de Registro de Imóveis.

A propriedade fiduciária poderá ser extinta de duas formas: pelo adimplemento da obrigação e o consequente retorno da propriedade para o devedor fiduciante (art. 25 da Lei 9.514/97) ou o inadimplemento do fiduciante (art. 26 da Lei 9.514/97) em relação à obrigação principal contratada.

Com o adimplemento da obrigação pelo devedor fiduciante, o credor fiduciário fica obrigado, num prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar da data de liquidação da dívida a fornecer o respectivo termo de quitação ao fiduciante, sob pena de multa em favor deste, equivalente a meio por cento ao mês, ou fração, sobre o valor do contrato (art. 25, §1º da Lei 9.5.14/97). Com o termo de quitação em mãos, o oficial do cartório de Registro de Imóveis efetuará o cancelamento da propriedade fiduciária em nome do fiduciário, retornando o bem para o fiduciante, que assumirá a posição de legítimo proprietário.

Muito ao contrário do penhor, que em suma é um direito real de garantia sobre determinado bem móvel, a hipoteca é um instituto de direito real de garantia, que tem como objetivo afetar um determinado bem imóvel, com o intuito de cumprir uma determinada obrigação.

Sendo assim, a hipoteca tem o condão de dispensar a tradição, ou seja, a efetiva entrega da coisa, tendo em vista que ao ser confeccionado o registro, este já esta apto a produzir os efeitos erga omnes.

Como característica, nota-se que conforme o estipulado no CC 1421, rege-se o princípio da indivisibilidade da garantia real, ou seja, ainda que haja o pagamento parcial da divida, este não acarreta a liberação da garantia na proporção do pagamento efetuado, permanecendo toda a coisa onerada em garantia, salvo se o contrário foi convencionado no título constitutivo ou no instrumento de quitação. Somente o cumprimento integral da obrigação é que libera o bem da hipoteca.

Das espécies de hipoteca: Hipoteca legal: Previsão no CC 1.489, sendo aquelas que a lei confere a certos credores, que, por se encontrarem em determinada situação e pelo fato de que seus bens são confiados à administração alheia, devem ter uma proteção especial. Para sua constituição é necessário observar o principio da especificação, como por exemplo, seu registro junto ao cartório de registro de imóveis.

A lei confere hipoteca à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Territórios, aos Municípios, às Autarquias e demais entidades de caráter publico dos imóveis dos funcionários públicos encarregados de cobrança, guarda e administração dos respectivos fundos e rendas, aos filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias, antes de fazer o inventário do casal anterior, ao ofendido, ou aos seus herdeiros, hipoteca sobre os imóveis do autor do crime, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas judiciais; ao coerdeiro, quando se adjudica o imóvel inventariado a um único herdeiro, que se compromete a repor em dinheiro o quinhão que pertence aos demais coerdeiros. Para garantia desse pagamento, o imóvel adjudicado fica vinculado como garantia real; ao credor, sobre o imóvel arrematado, para garantia do pagamento do restante do preço da arrematação.

Hipoteca convencional: é derivada de ato de vontade do devedor, contudo esta modalidade exige o registro para que possa produzir efeitos perante a terceiros.

Hipoteca Judicial: Com o advento do Código Civil de 2002, extinguiu-se a previsão expressa da Hipoteca Judicial, contudo que tal situação é perfeitamente possível, pois é fruto do resultado de uma sentença condenatória, exigindo-se também exige o devido registro.

No entanto, a hipoteca judiciária está prevista no Código de Processo Civil: “Art. 466”. A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos.

Parágrafo único. A sentença condenatória produz a hipoteca judiciária: I - embora a condenação seja genérica; II - pendente arresto de bens do devedor; III - ainda quando o credor possa promover a execução provisória da sentença.”

Podem ser objeto de hipoteca, previsão do Art. 1.473 CC/2002: I - os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles; II - o domínio direto; III - o domínio útil; IV - as estradas de ferro; V - os recursos naturais, independentemente do solo onde se acham; VI - os navios; VII - as aeronaves. VIII - o direito de uso especial para fins de moradia; IX - o direito real de uso; X - a propriedade superficiária.

 

A hipoteca dos navios e das aeronaves reger-se-á pelo disposto em lei especial.

 

Os direitos de garantia instituídos nas hipóteses dos itens IX e X acima ficam limitados à duração da concessão ou direito de superfície, caso tenham sido transferidos por período determinado.

 

Registro da Hipoteca: As hipotecas serão registradas no cartório do lugar do imóvel, ou no de cada um deles, se o título se referir a mais de um. As hipotecas legais, de qualquer natureza, deverão ser registradas e especializadas. Vale o registro da hipoteca, enquanto a obrigação perdurar; mas a especialização, em completando vinte anos, deve ser renovada.

 

Abrangência: A hipoteca abrange todo o imóvel, bem como os seus melhoramentos que tenham sido realizados, ou outras construções, ressalvados os ônus reais que já haviam sidos constituídos e registrados anteriormente a hipoteca.

 

Alienação de Imóvel Hipotecado: É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado. Pode convencionar-se que vencerá o crédito hipotecário, se o imóvel for alienado.

 

Caso de Dupla Hipoteca: Nada impede que o dono do imóvel hipotecado possa constituir outra hipoteca sobre ele, mediante novo título, em favor do mesmo ou de outro credor, entretanto, caso ocorra à insolvência do devedor, o credor da segunda hipoteca, embora vencida, não poderá executar o imóvel antes de vencida a primeira.

 

Valor da Hipoteca: É lícito aos interessados fazer constar das escrituras o valor entre si ajustado dos imóveis hipotecados, o qual, devidamente atualizado, será a base para as arrematações, adjudicações e remições, dispensada a avaliação.

 

Do penhor: O penhor teria como origem segundo Agatha Sthefanini, a lei das XII tabuas, onde o devedor respondia com o seu corpo pela divida inadimplida. No entanto, anos mais tarde o devedor respondia pela obrigação com seu patrimônio, porém isto não foi suficiente. Portanto surgiram as garantias reais e pessoais, sendo as garantias reais: o penhor a hipoteca e a propriedade fiduciária. (FERREIRA, 2013).

 

Segundo Adriano Stanley, o penhor é, pois a garantia real que consiste na entrega da posse de bem móvel fungível do devedor ao credor, em garantia do pagamento de seu débito.  “É um direito real que consiste na tradição de uma coisa móvel ou mobilizável, suscetível de alienação, realizada pelo devedor ou por terceiro ao credor, a fim de garantir o pagamento do débito.” ( Maria Helena Diniz).

 

Penhor é um direito real de garantia sobre a coisa alheia móvel, onde o  seu CC1.431 descreve: Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do debito ao credor ou a quem o represente , faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel suscetível de alienação. (BRASIL, 2002).

 

Para Silvio de Salvo Venosa podemos conceituar penhor como, um direito real que submete a coisa móvel ou mobilizável, corpórea ou incorpórea, ao pagamento de divida. Mobilizáveis que o autor nos remete podem ser colheitas pendentes ou em formação, instrumentos e maquinas agrícolas, produtos industriais e títulos de créditos. (VENOSA, 2014, p. 562).

 

Para Arnaldo Rizzardo define-se penhor como a efetiva transmissão da posse direta, ou a transferência de um bem móvel das mãos ou do poder do devedor, ou de terceiro anuente, os quais tem o poder dominial sobre o mesmo, para o poder e guarda do credor, ou da pessoa que o representa com a finalidade de garantir a satisfação do debito. (RIZZARDO, 2009, p. 1037). Rizzardo esclarece ao declarar que, a transmissão será da posse e não da propriedade, ou domínio físico da coisa. (RIZZARDO, 2009, p. 1038).

 

No entanto o CC 1.431, § único, estabelece algumas exceções a essa transmissão, como: o penhor rural, industrial, mercantil, e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor que as deve guardar e conservar. (BRASIL, 2002).

 

Quanto ao objeto, temos como objeto do penhor a coisa móvel, desde que, esta possa ser alienada. Corroborando a esta afirmação Rizzardo descreve: Todos os bens são empenháveis [...] excluindo-se aqueles insuscetíveis de alienação[...] coisas fora do comércio, ou que não podem ser apropriadas[...] como o anel nupcial e os instrumentos para o exercício de uma atividade profissional. (RIZZARDO, 2009).

 

Das Características - O penhor se dá pela tradição, como discorre Venosa, o penhor somente se conclui pela tradição [...]. Sua eficácia/relação é alcançada com o registro no Cartório de Títulos e Documentos (art. 127, II, da lei dos Registro Públicos). O penhor tem como característica a Indivisibilidade, e assim, descreve o Código Civil: Art. 1421. O pagamento de uma ou mais prestações da divida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no titulo, ou na quitação. (BRASIL, 2002). Portanto, Venosa escreve que, “Ainda que exista pagamento parcial toda a coisa onerada permanece em garantia. Ou seja, o ônus permanece integro até a extinção completa da obrigação”. (VENOSA, 2014, p. 552).

O penhor não admite o chamado pacto comissório, tanto que o Código civil apregoa: CC 1428. É nula a clausula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia se a divida não for paga no vencimento. (BRASIL, 2002).

Nestes termos Venosa cita Pontes de Miranda, que ratifica o comando legal ao dizer que, a legislação condena a possibilidade de credor ficar com a coisa antes do vencimento, porem será valido se a coisa for entregue depois do vencimento. VENOSA; MIRANDA, 2014, p. 555).

Ainda se tem como características do penhor o direito de preleção, onde o credor tem preferência sobre o crédito meramente pessoal, onde o Código Civil nos esclarece: CC 1422. O credor hipotecário, e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada, ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro. (BRASIL, 2002). Porém, Venosa leciona que o direito de preleção, não prevalece sobre alguns créditos como, o trabalhista e o de origem tributariam. (VENOSA, 2014, p. 547).

No penhor também tem-se a especificidade do objeto que, para Venosa é um bem determinado do patrimônio e o devedor responderá pela obrigação. (Venosa, 2014, p. 546). (Reginaldo Leandro Pinto, publicado em setembro de 2016 no site Jus.com.br, intitulado “Dos direitos de garantias”, acessado em 04.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.423. O credor anticrético tem direito a reter em seu poder o bem, enquanto a dívida não for paga; extingue-se esse direito decorridos quinze anos da data de sua constituição. 

De acordo com o balanço feito por Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em estudo dispõe o direito real de anticrese, de rara utilização, não ser dotado de excussão, mas apenas de sequela e faculdade de retenção sobre frutos e rendimentos do imóvel dado em garantia. 

Guarda estreita relação com o CC 1.506, adiante comentado. O direito real de anticrese confere ao credor a faculdade de receber frutos e rendimentos de bem imóvel e compensá-los com a dívida garantida. Disso decorre o credor anticrético se pagar com os frutos e não com o preço da excussão.

Assina o artigo prazo quinzenal de caducidade do direito real de anticrese. O prazo não é prescricional, pois inexiste previsão de violação de direito e, portanto, de pretensão. É prazo contínuo, cujo decurso provoca automático cancelamento do direito real e inversão da qualidade da posse direta do credor, que, de justa, passa a precária. O termo inicial do prazo é a constituição do direito real, que se dá com o registro imobiliário, a teor do CC 1.227. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.517. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 04/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como acrescenta Guimarães e Mezzalira, o credor anticrético não possui o direito de preferência. Em compensação, o legislador lhe assegura o direito de retenção sobre a coisa imóvel, pelo prazo máximo de 15 anos. Trata-se de prazo decadencial, cujo transcurso converte o crédito em quirografário, sendo que o transcurso do prazo, com ou sem a satisfação do credor anticrético, converte a sua posse em precária, em decorrência do abuso de confiança. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.423, acessado em 04.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo a palavra de Tauã Lima Verdan Rangel em seus “Comentários ao instituto da anticrese: visão do diploma civilista ao direito real de garantia, postado em 01/04/2014, no site ambitojuridico.com.br, dentre o rol dos direitos do credor anticrético, sobreleva salientar que esse poderá exercer o direito de reter o imóvel do devedor pelo prazo máximo de 15 (quinze) anos, se outro menor não estatuído entre os pactuantes, como bem sublinha o CC 1.423, ou até que seu crédito seja adimplido. Não subsiste, realce-se, ao credor anticrético o direito de excutir o imóvel, ao contrário do que ocorre em caso de penhor ou hipoteca. Outro direito é ter a posse do imóvel para que possa gozar e perceber seus frutos e rendimentos, podendo usar desse bem direta ou indiretamente, inclusive arrendando a terceiro, exceto se houver pactuação em sentido diverso. “Essa possibilidade de arrendamento a terceiro é mais um inconveniente a desestimular sua instituição”.

 

Igualmente, o credor anticrético poderá pleitear seus direitos contra o adquirente do imóvel e credores quirografários e hipotecários posteriores a efetuação do registro da anticrese, encontrando escora no CC 1.509. “Administrar o imóvel, em seu exclusivo proveito, pertencendo-lhe tudo o que este produzir, até que a obrigação seja solvida”, devendo, inclusive, apresentar anualmente balanço, exato e fiel de sua administração, conforme determinação contida no CC 1.507. Como bem leciona Maria Helena Diniz, “se o devedor anticrético não concordar com o teor do balanço, por reputá-lo inexato, ou por considerar ruinosa a administração, poderá impugná-lo e, se o quiser, requerer a transformação em arrendamento”, incumbindo ao juiz a fixação do valor mensal do aluguel, que, por seu turno, poderá, anualmente, ser corrigido monetariamente, com espeque nas disposições encartadas no § 1º do CC 1.507.

 

Outro direito do credor anticresista é o de preferência em relação a todos os outros créditos posteriores, de maneira que o credor hipotecário, com registro posterior, não pode executar o imóvel, enquanto perdurar a anticrese. Com pertinência, anota Diniz que “para que haja esse direito de prelação de anticresista é preciso que seja previamente oposto o direito de retenção, para impedir que outro credor execute o imóvel por não pagamento da dívida”. Igualmente, o direito de preferência em relação à indenização de seguro não subsistirá quando o prédio for destruído nem sobre o valor pago a título de desapropriação, se for o imóvel expropriado. Venosa, objetivamente, aduz que “ao contrário dos direitos similares, no caso de desapropriação ou indenização securitária o credor anticrético não terá preferência sobre a indenização”. Não há a sub-rogação do anticresista em relação aos valores da indenização proveniente de seguro ou o quantum pago a título de desapropriação, extinguindo-se a anticrese, remanescendo, entretanto, em relação àquele o direito creditório, de caráter pessoal, desprovido de qualquer garantia real.

 

Em ocorrendo a falência, conquanto não preveja o diploma vigor, utilizando-se de analogia, poderá o credor anticresista haver o valor do que obtiver, para compensar o débito existente, do produto da alienação do bem anticrético até o limite do bem onerado ou, em se tratando de venda em bloco, o valor do bem individualmente avaliado. “E, ainda, poderá remir em benefício da massa, mediante autorização judicial, bens apenhados, penhorados ou legalmente retidos”.  Em restada infrutífera a praça, sem que haja lançador, poderá o credor anticrético adjudicar o bem, ofertando bem inferior ao constante do edital.

 

Mediante o manejo dos interditos possessórios, não apenas contra terceiros, mas também em desfavor do devedor e, até mesmo, credores quirografários e hipotecários posteriores, poderá o credor anticrético defender sua posse que pretendam penhora o objeto gravado. “Como possuidor direto, o credor anticrético pode valer-se das ações possessórias para defender a coisa”. Por derradeiro, dentre os direitos do credor anticrético, pode-se contabilizar a liquidação do débito, após o percebimento da renda do imóvel do devedor.

 

No que concernem às obrigações do credor anticrético, pode-se sublinhar a guarda e conservação do imóvel, como se fosse propriedade. Diniz elenca, ainda, “responder pelas deteriorações que, por culpa sua, o imóvel vier a sofrer, bem como pelos frutos que deixar de perceber por negligência, desde que ultrapassem, no valor, o montante de seu crédito”. Deverá, igualmente, o credor anticrético prestar contas de sua administração ao proprietário do imóvel, demonstrando ter bem empregado todos os frutos e rendimentos que auferiu e que não os empregou para atingir fins distintos da liquidação da obrigação, exceto as despesas direcionadas à conservação e reparos da própria coisa gravada. Findado o prazo do contrato ou mesmo havendo  a quitação do débito, com baixa no registro, restituir o imóvel ao seu proprietário.

 

Dentre os direitos do devedor anticrético, pode-se enumerar a permanência do imóvel dando como garantia, sendo permitida, ainda, sua alienação a outrem. De igual monta, é permitido ao devedor que exija do anticresista a conservação do prédio onerado com o gravame, obstando possível modificação ou desvirtuamento de seu escopo. Em havendo deterioração do imóvel, o devedor tem o direito de vindicar o ressarcimento das deteriorações causadas ao prédio, culposamente, pelo credor, assim como o numerário atribuído aos frutos que este deixou de perceber em razão da negligência do credor anticrético. É permitido, ainda, ao devedor exigir a prestação de contas da gestão ao credor anticrético, como o fito de verificar se não houve extrapolação no exercício de seu direito como assinala o caput do CC 1.507. Assim que operada a liquidação do débito, o devedor tem o direito de reaver o seu imóvel.

 

Doutra maneira, afigura-se como obrigação do devedor a transferência da posse do imóvel ao credor para que este possa fruir de seus rendimentos. Ao lado disso, “solver o débito, deixando que o imóvel anticrético permaneça com o seu credor até que se lhe complete o pagamento”. Incumbirá, ainda, ao devedor ceder ao credor o direito de perceber os frutos e rendimentos do bem de raiz que lhe pertence. Por derradeiro, deverá o devedor se atentar para o contrato até o seu término, não turbando ou obstando que o anticresista se utilize do imóvel gravado até que seja efetuado, em sua integralidade, o pagamento ou até que o prazo avençado deflua e se finde.

 

Com efeito, uma vez eliminada, integralmente, a dívida, resta extinta a anticrese, podendo, deste modo, o devedor exigir a devolução da coisa onerada, tornando-se injusta a posse do credor, após o desaparecimento da obrigação. Salienta Venosa que “a renúncia também extingue a anticrese. A transmissão da posse da coisa ao devedor implica renúncia tácita, pois não há anticrese sem posse do devedor”. Igualmente, o perecimento da coisa ou a desapropriação têm o condão de extinguir a anticrese, sem qualquer sub-rogação no percebimento do preço. Neste sentido, Diniz, ao sustentar as formas de extinção do instituto em comento, pontua, com bastante pertinência, que “pelo perecimento do bem anticrético [...] em razão da falta do objeto. Se o prédio destruído estiver segurado, o direito do credor não se sub-roga na indenização”.

 

O término do prazo legal, qual seja: quinze anos, contados da data do assento da anticrese no registro Imobiliário, tem o condão de findar a anticrese, eis que se opera a prescrição liberatória. “Ademais, diferentemente dos outros direitos da mesma natureza, a lei impõe a extinção da anticrese decorridos 15 anos de seu registro imobiliário, prazo de caducidade”. Desta feita, implementado o decurso do ínterim, o credor anticrético perderá o direito de retenção do imóvel dado em garantia, ficando o prédio inteiramente liberado ao seu proprietário, ainda que o débito não tenha sido, de maneira integral, pago. Aduz, com clareza, Diniz que o “credor, então, deverá, mediante ação própria, cobrar o remanescente de seu crédito se ainda não ocorreu a ‘prescrição’ de sua pretensão”. Cuida anotar que o prazo prescricional só começa a defluir após a perda da posse pelo credor anticrético.

No mais, o CC 1.510, permite que o adquirente dos bens dados em anticrese possa remi-los, antes do vencimento da dívida, efetuando o pagamento da integralidade à data do pedido de remição, imitindo-o na posse, se for o caso. “Cuida-se de possibilidade de pagamento antecipado da obrigação facultado pela lei, o que se admite também, em princípio, nos demais direitos reais de garantia”. Trata-se, com efeito, de instrumento ofertado pelo arcabouço normativo com o escopo de promover a extinção da anticrese. (Tauã Lima Verdan Rangel em seus “Comentários ao instituto da anticrese: visão do diploma civilista ao direito real de garantia, postado em 01/04/2014, no site ambitojuridico.com.br, acessado em 04.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.424. Os contratos de penhor, anticrese e hipoteca declararão, sob pena de não terem eficácia:

 

I - o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo;

 

II - o prazo fixado para pagamento;

 

III - a taxa dos juros, se houver;

 

IV - o bem dado em garantia com as suas especificações.

 

No entendimento de Guimarães e Mezzalira, a lei impõe o requisito formal da especialização como condição de eficácia dos contratos instituidores de direito real de garantia. A especialização consiste na descrição pormenorizada, no contrato, do bem dado em garantia, do valor do crédito, do prazo para pagamento e da taxa dos juros eventualmente pactuada.

O objetivo da norma é o de dar publicidade a respeito da condição econômico-financeira do devedor, permitindo que terceiros tenham conhecimento do efetivo alcance da garantia patrimonial, sendo que a ausência dos requisitos não acarretará a nulidade do contrato, não produzindo efeitos próprios de direito real, limitando-se os seus efeitos entre as partes contratantes, de natureza pessoal. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.424, acessado em 04.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

O artigo em exame trata do requisito formal dos direitos reais de garantia – especialização. No entender de Francisco Eduardo Loureiro, a principal alteração está na parte final do caput, não mais referindo a falta de especialização acarretar “pena de não valerem contra terceiros”, como dizia o velho Código Civil, mas a ineficácia da garantia real. A falta de especialização não afeta a garantia no plano da validade, mas no da eficácia perante terceiros. Vale entre as partes, consoante a prova resultante do título, mas é inoponível frente a terceiros; o que, na prática, retira as consequências de sequela e preferência.

 

Como diz Caio Mário da Silva Pereira, a garantia real é um começo de alienação e, por isso, importa não somente às partes, como também a terceiros que negociam com o devedor e devem conhecer a parcela do patrimônio livre (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 127). Importa a todos os demais credores, ou terceiros com pretensão de negociar com o devedor, saber o que foi dado em garantia real e quais as características da obrigação garantida.

 

O inciso I refere que o contrato deve conter valor do crédito, sua estimação ou valor máximo. Deve a obrigação ser mensurável em dinheiro, ou ter valor estabelecido pelas partes no título, com base na autonomia privada. Não há necessidade da obrigação ser líquida no momento de sua formação, mas apenas no momento de sua execução. Interessa, a teor do art. 784, V, do Código de Processo Civil, conhecer-se o quantum debeatur no momento do vencimento, para ser possível executar a hipoteca. Tomem-se como exemplos casos nos quais, no momento da escritura, não seja conhecido o total exato do crédito, dependente ainda do acréscimo de encargos ou fatos posteriores, já predeterminados pelas partes no título. Contratos de conta corrente garantida, de construção, ou mesmo obrigações de fazer, desde que previamente determinados os valores da prestação, comportam garantia hipotecária (Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. X, p. 29). Podem as partes estimar valor máximo do crédito, conferindo a possibilidade de se garantir parte da dívida. O que exceder será crédito quirografário.

 

O inciso II diz que deve conter o contrato prazo fixado para pagamento. Na omissão, aplica-se a regra do CC 331, podendo o credor exigir de imediato o crédito, salvo prazo moral decorrente da própria natureza da obrigação, ou do princípio da boa-fé objetiva.

 

O inciso III diz que deve conter o contrato a taxa de juros, se houver, permitindo a terceiros conhecer a exata situação do devedor. Abrange juros convencionais, tanto compensatórios como moratórios. A omissão não torna o negócio inteiro ineficaz, mas apenas os juros omitidos não mais gozarão de preferência e sequela frente a terceiros. Não há necessidade de menção aos juros legais, correção monetária, ou incidência de honorários, verbas decorrentes da lei, que lhes confere publicidade.

 

Finalmente, o inciso IV diz que deve constar do contrato a coisa dada em garantia, com suas especificações. Admite-se o penhor sobre bens fungíveis, que, porém, devem ser especializados em gênero, quantidade e qualidade. No referente a hipoteca e anticrese, que recaem sobre bens imóveis, infungíveis por natureza, devem constar as características dos prédios, individualizando-os e os distinguindo de qualquer outro, em atenção ao princípio da especialidade do registro imobiliário. Não se admitem, portanto, hipotecas ou penhores gerais sobre todo o patrimônio ou parte ideal dele sem discriminação dos bens. Admite-se, em casos especiais, hipoteca ou garantia fiduciária sobre coisas futuras, cm especial unidades autônomas em construção.

A falta de especialização pode levar à invalidade da garantia, se houver absoluta ausência de dados de identificação do bem. Se forem os dados incompletos, de modo a gerar dúvidas e incertezas, a garantia será ineficaz perante terceiros, mas valerá entre as partes, se forem encontrados bens correspondentes à descrição genérica feita no título (Mamede, Gladston. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 86). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.517. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 04/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conforme publicado por Rogério Tadeu Romano, em julho de 2019, artigo intitulado “O penhor mercantil”, no site Jus.com.br, “Tudo o que pode ser objeto de penhor civil pode ser objeto de penhor mercantil (bens corpóreos, bens incorpóreos dominicais, créditos hipotecários ou pignoratícios, créditos quirografários, títulos ainda não integrados, ações de sociedades, bens fungíveis, pretensões e ações alienáveis, separadamente dos créditos ou direitos).

 

Indispensável salientar que o penhor por convenção para gerar efeitos perante terceiros estranhos à relação jurídica deverá ser assentado perante o Cartório de Títulos e Documentos, bem como cumprir todas as exigências estabelecidas pelos incisos do artigo 1.424 do Código Civil. Penhor mercantil é o penhor em garantia de dívida mercantil.

 

Para Fran Martins (Contratos e obrigações comerciais, 5ª edição, capítulo XXV) o penhor mercantil é o contrato segundo o qual uma pessoa dê a outra coisa móvel em segurança e garantia no cumprimento de obrigação comercial. A pessoa que oferece o objeto em penhor tem o nome de dador ou devedor; a que a recebe é denominado credor pignoratício. O dador pode ser o próprio devedor ou um terceiro por ele. Em tal caso, distingue-se a figura do dador, terceiro que não é devedor, mas oferece a coisa para garantir a dívida contraída por esse; da do devedor propriamente dito, que é aquele que assumiu com o credor a obrigação principal, garantida pela coisa que o terceiro ofereceu ao credor para segurança do cumprimento da obrigação. Como advertiu ainda Fran Martins (obra citada, pág. 410), em essência, entretanto, não difere o penhor civil do comercial. O Código Civil de 1916, posterior ao Código Comercial de 1850, apenas ampliou as regras nesse estabelecidas a respeito do contrato de penhor.

Hoje, a matéria é objeto por parte do Código Civil de 2002, estando revogados os dispositivos do Código Comercial que irei citar no presente trabalho. O penhor foi tratado no Código Comercial dos artigos 271 a 279, em dispositivos hoje revogados pelo Código Civil de 2002.

Definia o artigo 271 do Código Comercial: “o contrato de penhor, pelo qual o devedor ou um terceiro por ele entrega ao credor uma coisa móvel em segurança e garantia de obrigação comercial, só pode provar-se por escrito assinado por quem recebe o penhor”.

Obrigação mercantil é a que decorre de ato praticado por comerciante no exercício de sua profissão ou de ato que a lei reputa comercial. Assim sendo, se o comerciante, profissional que exercita habitualmente atos de intermediação com intuito de lucros, contrai penhor em função do exercício dessa profissão, o penhor será considerado mercantil. Comercial é a obrigação garantida e não o objeto que é entregue ao credor pelo devedor. O penhor é contrato acessório, que toma a natureza da obrigação a que serve de garantia, de acordo com a regra de que o acessório segue a natureza do principal.

A matéria hoje é tratada pelo CC 1.431 que reza: “Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação”.

Tinha-se da leitura do artigo 271 do Código Comercial revogado os elementos necessários à constituição do penhor: a) Um objeto móvel, capaz de garantir a obrigação assumida pelo devedor em favor do credor. Objetos imóveis não poderão ser empenhados, podendo o objeto não ser necessariamente de propriedade do devedor; b) Que esse objeto passe à posse do credor, pela tradição efetiva, já que o penhor é contrato real. Para Fran Martins (obra citada, pág. 415) não será admitido o penhor pelo constituto possessório, com a posse da coisa pelo devedor, a não ser nos casos expressamente mencionados por lei; c) Que haja um vínculo submetendo a coisa empenhada ao pagamento da dívida. O penhor é contrato de garantia e o objeto deve justamente reforçar a segurança da solvência da obrigação assumida pelo devedor; d) Que seja o contrato feito por escrito, contendo enumeração precisa, como se lê do artigo 272 do Código Comercial, e transcrito no Cartório competente, conforme o caso, não valendo contra terceiro se lhe faltarem as especificações mencionadas na lei.

O artigo 272 do Código Comercial foi revogado. Em seu lugar tem-se o artigo 1.432 do Código Civil de 2002: “O instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer dos contratantes; o do penhor comum será registrado no Cartório de Títulos e Documentos”.

É direito do credor a retenção da coisa empenhada até que seja pago de todas as despesas que houver feito com esta, desde que estas despesas não tenham sido ocasionadas por culpa sua. Cabe ao credor exigir a satisfação, por parte do devedor, dos prejuízos que houver sofrido por vício da coisa empenhada. O credor, ao receber a coisa empenhada, assume o papel de depositário. Sendo frugífera  a coisa empenhada, a restituição será acompanhada dos seus frutos naturais e civis, que não tiverem sido ainda percebidos pelo devedor na pendência do contrato. Objeto da garantia é a coisa, cabendo os frutos ao proprietário.

Os bens móveis suscetíveis de alienação podem ser mercantilmente empenhados. A alienação de bens alheios é ineficaz, tal é o penhor de bens alheios. Quaisquer direitos mercantis podem ser garantidos por penhor mercantil, ainda que esteja prescrita a pretensão ou ação. 

Disse Pontes de Miranda (obra citada, pág. 111) que quanto à posse, nem todo direito de penhor mercantil supõe ter havido constituto possessório, ou ter o empenhante transferido ao titular de direito de penhor, por outro meio, somente a posse mediata. Penhor mercantil também há com a transmissão da posse imediata ao outorgado.

Tudo o que pode ser objeto de penhor civil pode ser objeto de penhor mercantil (bens corpóreos, bens incorpóreos dominicais, créditos hipotecários ou pignoratícios, créditos quirografários, títulos ainda não integrados, ações de sociedades, bens fungíveis, pretensões e ações alienáveis, separadamente dos créditos ou direitos). Disse ainda Pontes de Miranda (obra citada, pág. 112): “Posto que, de regra, o impenhorável não seja empenhável, conforme já se expôs (sem razão, J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial, VI, Livro IV, Parte II, 645)”.

Ainda para Pontes de Miranda (obra citada, pág. 114), “o constituinte do penhor que tem a posse mediata das mercadorias, por estar com a posse imediata qualquer transportador, pode transferir essa posse mediata por simples acordo, ainda que o transportador haja de entrega-las ao constituinte do penhor; porque só lhe transfere a posse imediata. No acordo de constituição pode-se prever-se que o constituinte receberá a posse imediata como depositário (sob o Código comercial, cf o derrogado art. 281) e o negócio jurídico de depósito fosse perfeito com a tradição pelo transportador e recibo assinado pelo constituinte do penhor”.

Ensinou ainda Pontes de Miranda (obra citada, pág. 120) que não se adquire o direito de penhor sem que a posse passe ao outorgado. Se houve o acordo de constituição e não se deu a transferência da posse, conforme das espécies existentes, há acordo de constituição vinculativo, cuja infração pode dar ensejo à indenização, porém não direito de penhor. O acordo, por si só, não confere prioridade. 

O Código Comercial, a teor do revogado artigo 271, tratava o penhor mercantil como  contrato, todavia o  Código Civil inclui o penhor entre os direitos reais de garantia, sem que tenha procedido à substancial modificação em sua disciplina. Com efeito, em que pese o Diploma civilista não dispor textualmente acerca da possibilidade de fazer-se a tradição simbólica, isso ressai nítido da leitura de seu CC 1.431, parágrafo único, que estabelece que no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, "as coisas empenhadas continuam em poder do devedor", como se lê do julgamento do REsp 1377908 / RJ. (Rogério Tadeu Romano, em julho de 2019, artigo intitulado “O penhor mercantil”, no site Jus.com.br, acessado em 04.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).