quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.485, 1.486, 1.487, 1.488 DA HIPOTECA – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.485, 1.486, 1.487, 1.488

DA HIPOTECA – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo III – DA HIPOTECA

Seção I – Disposições Gerais –(Art. 1.473 a 1.488) –

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 Art. 1.485. Mediante simples averbação , requerida por ambas as partes, poderá prorrogar-se a hipoteca, até perfazer vinte anos, da data do contrato. Desde que perfaça esse prazo, só poderá subsistir o contrato de hipoteca, reconstituindo-se por novo título e novo registro; e, nesse caso, lhe será mantida a precedência , que então lhe competir. Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004).

Como alerta Loureiro, note-se que o preceito já foi mudado após a vigência do Código Civil de 2002. O texto original do CC 1.485 previa prazo de perempção de vinte anos, estendido para trinta anos por força da Lei n. 10.931/2004.

Podem as partes convencionar livremente o prazo da hipoteca, desde que não supere o limite cogente de trinta anos. Como ensina Caio Mário da Silva Pereira, não convém à estabilidade dos negócios e ao interesse social o estabelecimento de garantia real perpétua ou demasiado prolongada (instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. IV, p. 389). Escoado o prazo trintenário, com termo inicial na data do contrato e não do registro da garantia real, pois a lei expressamente assim estabelece, dá-se a perempção, ou usucapião da liberdade (usucapio libertatis) da garantia real. A obrigação subsiste, mas a garantia real perime.

Nada impede que, estabelecida a hipoteca por prazo inferior, possa ser esta prorrogada, sem limitação do número de vezes, desde que não ultrapasse o limite de trinta anos imposto por norma cogente. A prorrogação se faz por simples requerimento escrito das partes, tal como diz lei, devidamente averbado no registro imobiliário, sem necessidade de escritura pública ou de novo título de hipoteca, constituindo exceção à regra geral do art. 108 do Código Civil. Deve ser convencionada antes do prazo trintenário fatal, pois após o seu decurso exige-se a constituição de nova garantia. Não afeta direito de terceiros, de modo a não atingir a execução iniciada pelo credor da segunda hipoteca, depois de vencida a primeira.

O prazo de trinta anos é de natureza decadencial, de modo que não se aplicam as causas impeditivas, suspensivas e interruptivas aplicáveis à prescrição. Escoado o prazo, a hipoteca se extingue de pleno direito, ainda antes do cancelamento junto ao registro imobiliário, cujo efeito é meramente regularizatório, a ser pedido pelo interessado ao oficial. Não se confundem perempção da hipoteca com prescrição da pretensão da obrigação garantida. Disso decorre a possibilidade da perempção da garantia ocorrer antes da prescrição da obrigação garantida, que se converterá em quirografária. A regra somente vale para as hipotecas convencionais, não se estendendo às legais ou judiciárias, que perduram enquanto se prolongar a situação jurídica que elas visam a acautelar (Monteiro , Washington de Barros. Curso de direito civil, 37. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. III, p. 417). 

Ultrapassado o prazo fatal de trinta anos, somente subsiste a garantia real mediante novo contrato de hipoteca e novo registro imobiliário. Diz a lei que a hipoteca, em tal caso, reconstitui-se, mantendo a ordem de preferência que lhe competir. Superado se encontra antigo dissídio doutrinário sobre a interpretação do termo “preferência que lhe competir”, se a originária ou a do momento da nova inscrição. Parece claro que se a hipoteca reconstitui-se, confirma-se, consolida-se e mantém a ordem de preferência, somente tem sentido a norma se for a ordem originária. O art. 238 da Lei n. 6.015/73, explicita o alcance da regra, ao dispor: “O registro da hipoteca convencional valerá pelo prazo de 30 (trinta anos), findo o qual só será mantido o número anterior se reconstituída por novo título e novo registro”.

Assinala com razão Tupinambá Miguel Castro do Nascimento que a manutenção da ordem original de preferência somente ocorrerá “se a reconstituição por novo título e novo registro for tempestiva, ou seja, antes de decorridos os trinta anos da data do contrato hipotecário que antecedeu a reinscrição” (Hipoteca. Rio de Janeiro, Aide, 1996, p. 113). Não fosse assim, poderia o terceiro credor de boa-fé ser surpreendido pela reconstituição de hipoteca já extinta com manutenção da preferência original, em autêntica subversão da garantia e da segurança das relações negociais e dos direitos reais. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.590-91.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 03/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Dizendo Guimarães e Mezzalira, as partes podem prorrogar a hipoteca, desde que observado o limite legal, mediante simples averbação na inscrição. Atingido o limite, não caberá nova prorrogação, restando configurada a perempção. As partes poderão, contudo, mediante novo instrumento, submetido a outro registro, preservar o número de ordem. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.485, acessado em 03.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Buscou-se com Humberto Theodoro Júnior, em seu artigo impresso no site direito.ufmg.br/, “A extinção da hipoteca pelo decurso do tempo no regime do Código Civil de 2002”: Um  problema  de  direito  intertemporal  em  relação  ao  prazo  de  extinção  da  hipoteca  surgiu  como  consequência  das  mudanças  legislativas  ocorridas  com  o  advento  do  Código  Civil  de  2002,  especificamente seu art. 1.485 e, posteriormente, com a Lei nº 10.931, de 02.08.2004. Criou-se um embaraço sobre o prazo a ser aplicado aos contratos aperfeiçoados no regime do Código de 1916 e àquelas hipotecas  constituídas  na  vigência  do  Código  de  2002,  antes  da  reforma de 2004. O prazo peremptório da hipoteca é decadencial, integrando  a  própria  substância  do  direito  potestativo  a  que  adere  e não sofrendo efeitos de leis supervenientes que o altere. Desta forma, as hipotecas contratas sob o regime do Código Civil de 1916 continuam sujeitas ao prazo de perempção de trinta anos, previsto em seu art. 817, mesmo que seu termo final se dê na vigência do Código de 2002. Igualmente se dá com as hipotecas pactuadas na vigência do Código Civil de 2002, antes da reforma do art. 1.485 pela Lei nº 10. 931/2004, que se extinguirão em vinte anos, de acordo com a lei do tempo de sua constituição, já que as inovações legislativas não afetam os direitos sujeitos a prazo de decadência.

Em estudo anterior sobre o prazo de extinção da hipoteca previsto no CC 1.485, registrou-se que a nova codificação havia reduzido o lapso em questão, de trinta para vinte anos, criando, com isso, um problema de direito intertemporal em relação aos contratos aperfeiçoados ainda no regime do Código de 1916.

A Lei n. 10.931, de 02.08.2004, por seu turno, alterou o novo Código, fazendo com que o prazo de extinção ou perempção da hipoteca voltasse ao antigo limite de trinta anos, outrora fixado pelo art. 817 revogado. Com isso, um outro problema de direito intertemporal se criou. Trata-se de saber que prazo prevalecerá para as hipotecas constituídas na vigência do Código de 2.002, antes da reforma de 2004. Analise-se, pois:

A hipoteca é direito real acessório que adere a um direito, geralmente pessoal ou de crédito, de sorte que o respectivo titular conta, após o gravame hipotecário com duas pretensões: uma pessoal; outra real, que é a de excutir a garantia hipotecária, caso não se dê o adimplemento da dívida.

No plano do direito real, da hipoteca nasce para o credor o direito de, não cumprida voluntariamente a obrigação pelo devedor, após o seu vencimento, vender forçadamente o bem dado em garantia, apurar o preço e se pagar com preferência em relação a todos os demais credores ao devedor comum (“O credor hipotecário, como titular de um direito real, que consiste em obter o pagamento de seu crédito por meio do preço obtido na venda forçada do imóvel hipotecado (na falta de pagamento voluntário ajustado) tem o direito fundamental de promover a venda pelos meios legais” (Espínola, Eduardo. Os direitos reais limitados ou  Direitos sobre a coisa alheia e os direitos reais de garantia no Direito Civil Brasileiro. Rido de Janeiro. Conquista, 1958, n. 279, p. 431-432). 

No caso da hipoteca, a ação que a assegura tem um significado de direito material e não apenas processual. Explica Pontes de Miranda que a propositura da excussão hipotecária corresponde a “uma pretensão de direito material”, exatamente “oriunda do direito material” engendrado por esta especial modalidade de garantia real. 

Ensina ainda, Pontes de Miranda que “toda obrigação tende à execução”. Em regra, porém, a execução forçada é simples tutela processual, por meio da qual se aplica sanção ao inadimplemento cometido pelo devedor. No caso da hipoteca, diversamente, pode-se divisar na ação executiva, que lhe corresponde, mais do que simples remédio processual. Há realmente uma ação de direito material, visto que o conteúdo mesmo do direito do credor consiste no poder de excutir o bem garantidor de seu crédito. Em outros termos, a hipoteca não é outra coisa senão o direito de vender judicialmente o imóvel gravado, caso não se dê o pagamento da obrigação garantida. Daí a advertência de Pontes de Miranda de que existe, in casu, uma “ação executiva (de direito material)”. Segundo sua lição, “não se pode eliminar a pretensão de direito material, que há por parte do titular do direito real de garantia (...)”. Assim “o que há, a mais, na ação executiva pignoratícia, ou executiva hipotecária, é exatamente oriundo do direito material” (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado.. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, s/d, tomo XX, § 2.417, p; 21).

Nesse sentido é, aliás, o disposto no CC 1.422, onde se lê: “O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro”. Eis por que lícito é dizer que, na espécie, “pretensão à execução é de direito material” (MIRANDA, Pontes de, ob. cit., §2.426, p. 36).

A relação obrigacional trava-se entre devedor e credor. A relação jurídica real da hipoteca, no entanto, “é entre titular do direito de hipoteca e todos. Todos têm o mesmo dever de abstenção”. Desta maneira, “quando o titular do direito de hipoteca pede a tutela jurídica e se inicia a ação executiva, não é o crédito que ele executa: é a hipoteca” (MIRANDA, Pontes de, ob. cit., §2.426, p. 61). E essa pretensão, nascida do direito real, “por isso mesmo, não se dirige somente contra adquirentes do domínio: dirige-se contra todos e, processualmente, contra quem está com o domínio ou com o domínio e a posse do bem gravado, ou apenas com a posse” (MIRANDA, Pontes de, ob. cit., §2.426, p. 63-64).

Na mesma linha, observa Darcy Bessone que a “a ação hipotecária permite ao credor promover a penhora da coisa sem considerar as mutações materiais ou jurídicas posteriores à constituição do vínculo real”. “A pretensão à execução, que tem o titular do direito de hipoteca, no tocante ao bem gravado, resulta do direito real, e não do direito garantido” (MIRANDA, Pontes de, ob. cit., §2.438, p. 63). 

Na mesma linha, observa Darcy Bessone, que “a ação hipotecária permite ao credor promover a penhora da coisa sem considerar as mutações materiais ou jurídicas posteriores à constituição do vínculo real” (BESSONE, Darcy. Direitos reais. São Paulo: Saraiva, 1988, n. 293, p. 399). E isto se dá justamente porque o seu titular detém um direito oponível erga omnes.

(...)

Segundo adverte a Comissão Revisora do Projeto que se converteu no atual Código), “ocorre a decadência quando um direito potestativo não é exercido, extrajudicialmente ou judicialmente... dentro do prazo para exercê-lo, o que provoca a decadência desse direito potestativo” (MOREIRA, Alves. A Parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 155.). 

De fato, se “os direitos potestativos são direitos sem pretensão, pois são insuscetíveis de violação, já que a eles não se opõe um dever de quem quer que seja, mas uma sujeição de alguém”, não há lugar para pensar-se em prescrição de um direito da espécie. (MOREIRA, Alves, ob. cit., loc. cit.). Tudo se há de reger pelas regras da decadência. Quando assim se estipula, na lei ou no contrato, um prazo determinado para que a parte exerça um direito, a própria aquisição deste direito restou condicionada ao dado temporal. A decadência se insere na estrutura formativa do próprio direito. É o caso do direito de renovação ou reconstituição da hipoteca ao final do prazo legal de perempção (CC 1.485).

Regras, portanto, que cuidam do regime de direito intertemporal e se aplicam naturalmente aos prazos prescricionais não podem ter a mesma incidência quando o prazo se refira à decadência de um direito potestativo. Por afetar diretamente o direito subjetivo, e não apenas a pretensão, a decadência, nos casos de inovação legislativa quanto aos prazos, não observa as mesmas regras aplicáveis à prescrição. Estas incidem desde logo, para encurtar ou ampliar os prazos prescricionais em curso. (ROUBIER, Paul. Lê droit transitoire (conflits des lois dans le temps). 2. ed. Paris: Dalloz et Sirey, 1960, n. 64, p. 297.).  Já para a decadência, as regras do direito intertemporal são as próprias do direito de ação, já que esse tipo de direito e o prazo para exercê-lo se consideram inseparáveis. (MAXIMILIANO, Carlos. Direito intertemporal ou teoria da retroatividade das leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, n. 221, p. 258.).

Os prazos prescricionais podem ser alterados e aplicados imediatamente a fatos pretéritos porque não se referem ao direito material da parte, mas apenas ao remédio processual utilizável para reagir contra a violação do direito, de sorte que alterá-lo implicaria “ofender direito adquirido”, direito que nasceu e se consolidou antes da nova lei. Qualquer redução do prazo, em termos de decadência, no direito brasileiro “seria inconstitucional”, em face do art. 5º, XXXVI, da CF. 

A decadência, portanto, do direito nascido no regime da lei velha continua por ela regida, ainda que o prazo só venha a se consumar sob o império da lei nova. (MAXIMILIANO, Carlos, ob. cit., n. 221, p. 259.). Esse tema já foi enfrentado em campo de direito processual quando se reduziu o prazo da ação rescisória de cinco para dois anos. (Segundo  BARBOSA  MOREIRA,  “o  direito  potestativo    rescisão,  no  caso)    nascido para alguém, desde a ocorrência do fato que o gerou, fica imune (inclusive quanto ao lapso de tempo em que é exercitável, e que o integra como elemento essencial) a lei superveniente – no ordenamento pátrio, até por força de regra constitucional” (Comentários ao Código de Processo Civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, v. V, p. 219). 

Em tal perspectiva, é forçoso concluir que a alteração do prazo para reconstituição da hipoteca, operada pelo CC 1485, em nada afetou os contratos ajustados sob o regime do art. 817 do Código Anterior. Isto porque “todo direito potestativo adquirido antes de lei inovadora de seu prazo decadencial da lei do tempo de sua constituição, aplicando-se o prazo da lei nova apenas àqueles aperfeiçoados após a vigência desta” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo Código Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, n. 404, t. II, v. III, p. 360; MOREIRA, Barbosa, ob. cit., loc. cit.. Há, todavia, quem não faça distinção entre prazos de prescrição e decadência, para efeito de aplicação da regra de direito intertemporal do art. 2.028 do novo Código Civil, entendimento que, data vênia, não acatamos (DINIZ, Maria Helena. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 22, p. 32-67).

(...)

(Humberto Theodoro Júnior, seu artigo impresso no site direito.ufmg.br/, “A extinção da hipoteca pelo decurso do tempo no regime do Código Civil de 2002”, Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 53, p. 165-176, jul./dez. 2008, acessado em 03.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.486. Podem o credor e o devedor, no ato constitutivo da hipoteca, autorizar a emissão da correspondente cédula hipotecária, na forma e para os fins previstos em lei especial.

Esclarecendo com Loureiro, a cédula hipotecária é um título de crédito que o credor hipotecário, desde que legitimado por lei (em especial instituições financeiras) e com base em hipoteca já constituída e inscrita, emite e lança à circulação. É um título representativo do crédito hipotecário, não podendo ultrapassar jamais o seu valor, com a finalidade de facilitar a circulação e o desconto em mercado secundário.

Não se confunde a cédula hipotecária com a hipoteca cedular. A primeira não constitui hipoteca, mas é emitida, com características cambiais, em razão de hipoteca já constituída. A segunda é uma modalidade de hipoteca convencional, uma forma simplificada de contrato hipotecário, mediante preenchimento de modelos previstos em lei especial, sem necessidade de escritura pública. São títulos para a constituição da hipoteca que se convertem em direito real de garantia, se levados ao registro imobiliário.

Diversas leis especiais regulam a emissão de cédulas de crédito, hipotecárias ou pignoratícias (Decreto-lei n. 70/66; Decreto-lei n. 167/67; Decreto-lei n. 413/69; Lei n. 5.741/71; Lei n. 8.929/94; Medida Provisória n. 2.160-25/2001), não alteradas pelo atual Código Civil. 

As cédulas hipotecárias, reguladas por leis especiais, têm restrições ratione personae e ratione materiae. Somente podem ser emitidas por instituições financeiras e em certas operações de crédito.

O artigo em exame não estendeu a prerrogativa de emissão de cédulas de crédito a todos os credores hipotecários, pois remete à “forma e para os fins previstos em lei especial”. Sem a edição de nova lei, o regime continua a ser idêntico ao vigente antes do Código Civil de 2002. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.592.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 03/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entender de Guimarães e Mezzalira, a cédula hipotecária não é tida como uma espécie propriamente dita de hipoteca e sim como uma modalidade de hipoteca convencional, objetivando dinamizar a hipoteca como titulo cambial. O CC 1.486 admite a emissão de cédula hipotecária, “na forma e para os fins previstos em lei especial” constituindo-se, pois,, num título de crédito que traz em si o valor do débito hipotecário.

Muito embora considerada como um título de crédito, objetivando a circulação de riquezas, a cédula hipotecaria exige regulamentação legal para que possa ser instituída, como prevê o próprio dispositivo em questão. 

No sistema brasileiro, encontra-se a cédula hipotecária para financiamento de bens junto ao Sistema Financeiro de Habitação, SFH (Decreto-Lei n. 70/1966); a cédula hipotecária rural (Decreto-Lei n. 167/1967) e a cédula hipotecária industrial (Decreto-Lei n. 413/1969). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.486, acessado em 03.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

No dizer de Ricardo Fiuza, em sua doutrina, este dispositivo faculta ao credor e devedor, na escritura de hipoteca, autorizar a emissão de cédula hipotecária, que é o instrumento hábil para representação do crédito hipotecário, principalmente nos casos que envolvem o Sistema Financeiro da Habitação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 752, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 03/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.487. A hipoteca pode ser constituída para garantia de dívida futura ou condicionada, desde que determinado o valor máximo do crédito a ser garantido. 

§ 1º Nos casos deste artigo, a execução da hipoteca dependerá de prévia e expressa concordância do devedor quanto à verificação da condição , ou ao montante da dívida.

§ 2º Havendo divergência entre o credor e o devedor, caberá àquele fazer prova de seu crédito. Reconhecido este, o devedor responderá, inclusive, por perdas e danos, em razão da superveniente desvalorização do imóvel.

Corroborando em seus comentários Loureiro, esse artigo positiva entendimento prevalecente na doutrina e na jurisprudência. Sempre se afirmou poderem ser garantidas por hipoteca todas as obrigações de ordem econômica, de dar, fazer, ou não fazer, simples ou condicionais, líquidas ou ilíquidas.

Admite-se também hipoteca sobre obrigações sujeitas à condição ou mesmo futuras, com ou sem base em uma relação jurídica preexistente. O mais comum é que embora ainda não tenha nascido a obrigação, já exista uma relação jurídica anterior, que dê sustento à hipoteca como garantia de dívida que eventualmente se formará. É o que ocorre, por exemplo, no caso de hipoteca legal sobre os bens dos responsáveis por gestão de rendas públicas, ou, ainda, nos contratos de abertura de crédito rotativo, que permitem ao mutuário sacar até um determinado limite em um certo prazo. Diversos outros contratos de execução diferida ou continuada comportam a hipoteca como garantia de crédito eventual, como os de agência, distribuição, comissão, ou fornecimento continuado de mercadorias. Segundo Gladston Mamede, “é lícito instituir a garantia antes da existência da dívida e pela eventualidade de ela constituir-se” (Código Civil comentado, São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 409).

Note-se ser a hipoteca acessória à obrigação que garante. Apesar disso, enquanto a obrigação se encontra em estado meramente potencial, a hipoteca já pode existir e é válida, inclusive mediante ingresso no registro imobiliário, mas somente ganha eficácia quando a obrigação se forma. A hipoteca antecede a obrigação que vai garantir. Sua preferência resulta da data do registro, dando ciência a terceiros de que existe o gravame para a eventualidade do nascimento do crédito. A data do nascimento da obrigação não interfere na ordem de preferência. No dizer de Clóvis Bevilaqua, “a sua existência é meramente formal. Completar-se-á com a constituição da dívida. Mas essa constituição, imposta pelas necessidades da vida, acomoda-se melhor, com os princípios do direito hipotecário” (Direito das coisas. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. II, p 151).

A lei cria uma restrição à hipoteca sobre dívidas ilíquidas, sob condição, ou futuras: seja determinado o valor máximo ou estimado do crédito a ser garantido. A regra integra a especialização dos direitos reais de garantia, requisito formal de sua eficácia, nos termos do art. 1.424 do Código Civil, anteriormente comentado, cujo inciso I contém: “o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo”.

O § 1" dispõe que somente as hipotecas garantidoras de obrigações líquidas podem ser executadas. No caso de dívidas futuras ou condicionais, diz o preceito que a execução dependerá de prévia e expressa concordância do devedor quanto à verificação da condição, ou ao montante da dívida. A regra merece interpretação cuidadosa. A anuência do devedor ao montante da dívida deve ser expressa, mas não necessariamente posterior ao vencimento. Perfeitamente possível, por exemplo, o reconhecimento mediante anotação no canhoto do recebimento de mercadorias vendidas a prazo, ou o de acordo de extratos de conta corrente, no momento do nascimento da obrigação. Nada impede, é óbvio, que o reconhecimento se faça também por instrumento de confissão de dívida ou de transação.

De igual modo, o implemento de condição somente depende de prévia concordância do devedor quando depender da aferição de foto não notório. Se o evento é notório ou demonstrado por prova documental concludente, não se vê razão para subordinar a execução da hipoteca à prévia concordância do devedor.

O § 2º tentou compensar a redação demasiado restritiva da regra do § Iº, impondo ao devedor uma sanção, caso divirja do valor do crédito, comprovado a final pelo credor em sede de processo de conhecimento ou ação monitoria. Deslocou para o devedor os riscos decorrentes da desvalorização superveniente do imóvel objeto da hipoteca. A regra é de pouca valia e de duvidosa constitucionalidade. Se realmente o crédito era ilíquido e dependia de comprovação, o regular exercício de um direito de defesa não pode provocar a imposição de pena ao devedor. Se houve abuso de direito ou litigância de má-fé, os próprios CC (art. 187) e CPC (art. 80) já preveem sanções adequadas. Diga-se, mais, que se o bem objeto da garantia real se depreciou, remanescerá crédito quirografário, a ser satisfeito sobre outros bens do devedor. Não se vê, assim, como dar concretude a perdas e danos previstos pelo legislador, uma vez que o patrimônio do devedor sempre responderá pelo saldo apurado após a excussão do bem dado cm garantia. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.592.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 03/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na fala de Guimarães e Mezzalira, a hipoteca poderá servir de garantia a uma dívida futura, bem como poderá ser submetida a um evento futuro e incerto para a constituição da obrigação principal. Permite-se que o credor, ao celebrar um contrato de empréstimo em que ainda não tem condições de fixar o quantum debeatur e nem se haverá inadimplemento, se proteja mediante a hipoteca sobre determinado bem imóvel do devedor ou de terceiro (Marco Aurélio Bezerra de Melo, Direito das Coisas, Atlas, 2015, p. 499).

A execução da hipoteca dependerá da prévia e expressa concordância do devedor que, ao criar obstáculo infundado, responderá por perdas e danos e assumirá o risco de desvalorização do imóvel. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.487, acessado em 03.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Tem-se em artigo de Fabio Rocha Pinto e Silva, “Garantias hipotecária e fiduciária imobiliária em contratos não habitacionais – Limites da sua aplicação prática e inadequação do direito positivo”, como tese de mestrado em 2013, FDUSP, onde o autor, em seu capítulo 2.1.4.1. às p. 65 em diante, fala da Hipoteca de valor máximo: garantia de dívida futura ou condicional, positivada no CC 1.487, tendo sido anteriormente sugerida por Clóvis do Couto e Silva (Hipoteca no Direito Comparado..., cit., p. 148): “Nosso Código civil não normatizou as hipotecas pelo valor máximo, ou de importância não determinada, mas a praxe tem admitido o registro de tais hipotecas, exigindo-se, entretanto, um regramento dessa figura”.

Na vigência do Código civil de 1916, TITO FULGÊNCIO (Direito Real de Hipoteca..., cit., p. 10) e SERPA LOPES ( MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES, Tratado dos Registros Públicos..., cit., vol. II, pp. 317-20), já defendiam a possibilidade de que a hipoteca fosse convencionada em relação à dívida eventual ou futura, desde que o quantum garantido fosse conhecido, ao menos, em seu limite máximo. Tal hipoteca não perde a simultaneidade com a dívida garantia e não se trata, portando, de hipoteca abstrata. (TUPINAMBÁ M. CASTRO DO NASCIMENTO, Hipoteca..., cit., p. 12.).

De acordo com a nova norma, é possível garantir por hipoteca obrigações futuras ou condicionadas, cujo valor ainda não seja possível dimensionar. O principal exemplo de uso desse modelo de garantia são os contratos de abertura de crédito e os contratos de conta corrente, em que uma única hipoteca é criada para garantir a relação futura entre credor e devedor, prevendo a existência de uma série de desembolsos ou dívidas a serem contratadas, respeitando regras predeterminadas.

(...)

Para atender ao princípio da especialização, no tocante à dívida, a lei brasileira determina que nesses casos seja estabelecido na escritura de hipoteca o valor máximo ou estimado a ser garantido. Não obstante, discute-se a validade da referida disposição face à natureza acessória da hipoteca, uma vez que se permitiu a constituição da hipoteca F.  anteriormente à constituição da obrigação garantida. Nesse sentido, pondera F. C. ALMEIDA SANTOS, Direito do promitente comprador e direitos reais de garantia ..., cit., p. 83): “A questão gera outras controvérsias quando a abertura de crédito em conta corrente é garantida por hipoteca, penhor ou anticrese. Assim, por exemplo, discute-se se é válido ou não o contrato de garantia, porque quando da assinatura do contrato principal ainda não existe a dívida, ou a partir de quando deve o contrato acessório produzir seus efeitos, a partir da data do contrato, de seu registro, ou a partir da primeira utilização do crédito posto à disposição do garantidor. Há, até, quem entenda, no caso, cuidar-se de uma promessa de garantia”.

O mesmo autor, entretanto, conclui ser possível a constituição da hipoteca antes de ser dimensionado o quantum da dívida, sendo aplicável também à garantia de obrigações de fazer, não fazer ou entrega de coisa, em que o valor devido só será determinado no momento da execução, quando a obrigação for resolvida em perdas e danos.

A compatibilidade da garantia de dívidas futuras ou condicionadas com os requisitos da especialização e acessoriedade tem sido objeto de consenso na jurisprudência do TJ-SP, em especial para garantia de contratos de abertura de crédito. (Fabio Rocha Pinto e Silva, “Garantias hipotecária e fiduciária imobiliária em contratos não habitacionais – Limites da sua aplicação prática e inadequação do direito positivo”, como tese de mestrado em 2013, FDUSP, site teses.usp.br., acessado em 03.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.488. Se o imóvel, dado em garantia hipotecária, vier a ser loteado, ou se nele se constituir condomínio edilício, poderá o ônus ser dividido, gravando cada lote ou unidade autônoma, se o requererem ao juiz o credor, o devedor ou os donos, obedecida a proporção entre o valor de cada um deles e o crédito. 

§ Iº O credor só poderá se opor ao pedido de desmembramento do ônus, provando que o mesmo importa em diminuição de sua garantia. 

§ 2º Salvo convenção em contrário, todas as despesas judiciais ou extrajudiciais necessárias ao desmembramento do ônus correm por conta de quem o requerer. 

§ 3º O desmembramento do ônus não exonera o devedor originário da responsabilidade a que se refere o art. 1.430, salvo anuência do credor.

No entender de Loureiro, este artigo constitui exceção ao princípio da indivisibilidade do direito real de garantia, examinado no CC 1.428. Tal princípio se compreende em dois sentidos. No primeiro, significa sua adesão ao bem por inteiro e em cada uma de suas partes. O devedor não consegue eximir a coisa do ônus, sob argumento de excesso de garantia. No segundo sentido, significa que persiste a garantia real integralmente sobre o bem onerado, no caso de pagamento parcial da dívida, ainda que compreenda vários bens.

O proprietário da coisa dada em garantia não perde o ius disponendi, como vimos no CC 1.475. A alienação é, a princípio, indiferente ao credor hipotecário, em razão da aderência da garantia real, produto da sequela. Pode também o imóvel onerado ser loteado - ou desmembrado - ou submetido ao regime de condomínio edilício, com atribuição de unidades autônomas. A hipoteca gravará, a princípio, cada lote ou unidade autônoma produto do negócio jurídico.

Confere a norma em exame, como exceção ao princípio da indivisibilidade da garantia real, o direito potestativo do credor, do devedor, do terceiro prestador, ou do adquirente da coisa dada em garantia, de divisão do ônus real, gravando cada lote ou unidade autônoma de acordo com a proporção entre o valor de cada um deles e o valor do crédito. Em vista da natureza potestativa do direito, não há prazo prescricional para o seu exercício, podendo a divisão ser exigida enquanto perdurar a hipoteca.

O preceito se insere no capítulo da hipoteca, mas positiva o princípio maior de natureza cogente - função social do contrato. Justifica-se pela possibilidade do titular do bem onerado dar-lhe função econômica e social, mediante parcelamento do solo ou edificação de unidades autônomas, podendo aliená-las a terceiros, sem o risco de arcarem estes com o pagamento integral da dívida. Disso decorre sua extensão aos demais direitos reais de garantia, pois não importa prejuízo ao credor e vem em benefício do proprietário e adquirentes de bens onerados. Decorre também sua aplicabilidade imediata aos direitos reais de garantia constituídos em data anterior ao Código Civil. Como assentou o Superior Tribunal de Justiça, “o art. 1.488 do CC/2002, que regula a possibilidade de fracionamento da hipoteca, consubstancia uma das hipóteses de materialização do princípio da função social dos contratos, aplicando-se, portanto, imediatamente às relações jurídicas em curso, nos termos do art. 2.035 do CC/2002” (STJ, REsp n. 691.738, rel. Min. Nancy Andrighi). 

O desmembramento da hipoteca pode dar-se na via negociai ou judicial. Na via negociai, deve haver manifestação cio dono do imóvel gravado - ou adquirente - e do credor, por escritura pública levada ao registro imobiliário.

Na via judicial, podem requerer a medida, em processo de conhecimento, o credor, o devedor e o proprietário do imóvel gravado, ou seu adquirente, aí incluído o promitente comprador, titular de direito real de aquisição. Pode o credor em contestação alegar e provar que o desmembramento provoca a diminuição da garantia real. Note-se que o desmembramento far-se-á obedecida a proporção entre o valor de cada um dos lotes ou unidades e o valor total do crédito. A divisão, portanto, não é feita pro rata e nem pelo tamanho de cada unidade, mas pelos respectivos valores que, no caso de discordância, pode exigir avaliação judicial, na fase de conhecimento ou em liquidação por arbitramento. 

O § 2º do artigo em estudo contém regra a ser interpretada com cautela. Diz que salvo convenção em contrário, todas as despesas judiciais e extrajudiciais do desmembramento correm por conta de quem o requerer. A regra, de natureza dispositiva, é justa quanto às despesas extrajudiciais com avaliações, escrituras e registros. Não, porém, com os honorários advocatícios, caso haja resistência do credor, vencido a final. Segundo Gladston Mamede, “vencido o credor que resistiu, por meio de contestação, ao pedido de divisão do encargo, a ele competem as despesas judiciais, fruto de sua sucumbência, às quais será condenado na forma do Código Processual. De qualquer sorte, as despesas extrajudiciais necessárias ao desmembramento do ônus, independentemente de vitória no processo judicial, são, sim, daquele que requerer a divisão do ônus, cuidando-se de despesas civis” (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 416).

O § 3º reza que o devedor hipotecário não se exonera de sua obrigação em razão do desmembramento do objeto da garantia. No caso de insuficiência do produto da alienação judicial das unidades ou dos lotes, responde pelo débito remanescente. A mesma regra vale para a hipótese de remição dos adquirentes, que se sub-rogam no valor do crédito.

Finalmente, vale destacar a inteira compatibilidade entre o artigo em estudo e a Súmula n. 308 do STJ, do seguinte teor: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. O direito do adquirente de exigir o desmembramento do objeto da garantia não elide o direito de pleitear a extinção da hipoteca, caso o preço tenha sido inteiramente pago à construtora, cm condições tais que a instituição financeira credora conhecia ou deveria conhecer. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.593-94.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 03/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Em sua Doutrina, Ricardo Fiuza comenta timidamente este artigo inovar ao permitir o loteamento ou a constituição de condomínio edilício em imóvel hipotecado. Prevê, de modo claro e exaustivo, no caput e em seus parágrafos, as hipóteses de sua constituição, sua forma e garantia do devedor e do credor. (No entanto, há ainda muito o que se falar em relação à compatibilidade do artigo em comento e a adesão da  Súmula n. 308 do STJ, do seguinte teor: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. O direito do adquirente de exigir o desmembramento do objeto da garantia não elide o direito de pleitear a extinção da hipoteca, caso o preço tenha sido inteiramente pago à construtora, em condições tais que a instituição financeira credora conhecia ou deveria conhecer, comentada anteriormente por Francisco Eduardo Loureiro – Grifo VD). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 753, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 03/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Na visão de Guimarães e Mezzalira, como inovação do Código civil de 2002, o dispositivo traz uma exceção ao princípio da indivisibilidade da hipoteca, na hipótese de o imóvel dado em garantia vir a ser loteado ou nele seja constituído condomínio edilício, permitindo aos interessados (credor, devedor ou donos) a formulação de requerimento ao juiz para a divisão do ônus, de forma proporcional ao valor de cada uma das partes, não podendo o credor opor-se ao desmembramento, caso a sua garantia não seja reduzida (Carlos roberto Gonçalves, 2010, p. 628). 

Com o progresso e desenvolvimento da construção civil, tornou-se comum que construtor e loteador recorram a empréstimos bancários para a realização do empreendimento, ofertando o imóvel a ser loteado ou no qual será construído o edifício como garantia hipotecária, gravame que se estenderá sobre os lotes ou unidades autônomas.

Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.488, acessado em 03.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.482, 1.483, 1.484 DA HIPOTECA – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.482, 1.483, 1.484

DA HIPOTECA – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo III – DA HIPOTECA

Seção I – Disposições Gerais –(Art. 1.473 a 1.488) –

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 Art. 1.482. Realizada a praça, o executado poderá, até a assinatura do auto de arrematação ou até que seja publicada a sentença de adjudicação, remir o imóvel hipotecado, oferecendo preço igual ao da avaliação, se não tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido. Igual direito caberá ao cônjuge, aos descendentes ou ascendentes do executado. 

Para a visão clara de Loureiro, o objetivo da remição conferida ao devedor e seus parentes é o de evitar os efeitos nefastos da excussão, sem lesar interesse dos credores. Têm legitimidade o próprio devedor, seu cônjuge, ascendente ou descendente. Estende-se o rol também, embora não diga de modo expresso a lei, ao terceiro prestador da garantia, com nítido interesse em resgatar a hipoteca, assim como seu cônjuge, ascendente ou descendente (RTFR 119/28). Cabe também o direito de remir ao companheiro, cujo interesse em preservar bem de raiz não discrepa daquele conferido ao cônjuge. É mais amplo que o art. 787 do Código de Processo Civil (Revogado pela Lei nº 11.382, de 2006), porque confere legitimidade também ao próprio devedor. 

Note-se que o art. 787 do Código de Processo Civil, que tratava da mesma matéria, foi revogado pela Lei n. 11.382/2006. Admite-se atualmente a remição pelo próprio devedor, nos moldes do art. 651 do CPC/1973, e posteriormente correspondendo ao art. 826 do CPC/2015, e a adjudicação, por preço não inferior à avaliação, pelo cônjuge, pelos descendentes ou ascendentes do executado, nos moldes do art. 685-A, § 2º, do CPC/1973, correspondendo atualmente ao art. 876, § 5º no CPC/2015. Embora controverso o tema, possível defender que persiste ainda, regulada pelo artigo em estudo, a remição da hipoteca, instituto de nítida natureza material, que tem o objetivo não somente extinguir a execução, mas liberar o patrimônio do ônus real. 

Nas execuções de créditos quirografários, o regime é o do CPC, de modo que a remição é facultada apenas ao devedor, devendo seus parentes utilizarem-se da adjudicação. Já nas execuções hipotecárias ainda se admite a remição da hipoteca não somente pelo devedor, como também por seus parentes. 

Persiste acesa controvérsia na jurisprudência sobre a possibilidade de remissão por acionista, sócio, ou seus parentes, de bem pertencente à pessoa jurídica, ou vice-versa (contra, RJTJESP 129/331; JTA 60/103; a favor, STJ, RT 681/617, 721/302 e 742/229; RSTJ 37/323, 62/250 e 69/386). A tendência é a de estender a remição ao sócio, em vista de seu caráter pietatis e da ausência de prejuízo ao credor. 

No caso de vários parentes do executado pretenderem exercer a remição, observar-se-á o critério de preferência estabelecido no art. 789 do Código de Processo Civil (Revogado pela Lei nº 11.382, de 2006). Parece claro que, embora não previsto no art. 789 (Revogado pela Lei nº 11.382, de 2006). O executado é o maior interessado na remição de bem próprio levado à hasta pública e por isso deve ter a primeira preferência.

Questão difícil é a de saber se podem o credor hipotecário, pelo saldo, ou outros credores penhorarem o imóvel remido pelo próprio executado, por seu cônjuge ou companheiro, quando se tratar de bem comum do casal. A jurisprudência vacila, mas o entendimento predominante é no sentido de que a remição equivale à arrematação, de modo que os credores se sub-rogam no produto da alienação, deixando o bem remido livre de ônus e constrições. Na lição de Caio Mário da Silva Pereira, há um tríplice fundamento a sustentar tal conclusão: “a) se fosse possível ao exequente perseguir o bem hipotecado após a remição, seria esta uma inutilidade; b) se o devedor continuasse a responder com o imóvel pelo remanescente da dívida, a remição que foi criada para favorecer o devedor e sua família acabaria por converter-se em sistema protetor do credor, proporcionando-lhe desde logo um pagamento parcial com a operação remissiva, e recolocaria o bem ao alcance da execução pelo saldo da dívida; c) se fosse possível ao credor prosseguir contra o executado, fácil seria este remir por interposta pessoa (cônjuge, ascendente, descendente) e, então, consagraria a própria lei a burla aos seus princípios, permitindo que se fizesse por via travessa, o que pela direta não lograria o devedor” (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. IV, p. 399).

Disso decorre que, encerrada a remição pelo devedor ou por terceira pessoa, pode haver crédito remanescente, podendo prosseguir a execução, mas sem incidência de penhora sobre o bem remido.

O prazo preclusivo para o exercício da remição está previsto de modo expresso no preceito: até a assinatura do auto de arrematação ou até que seja publicada a sentença de adjudicação. Os prazos são mais longos do que os previstos no art. 788 do Código de Processo Civil (Revogado pela Lei nº 11.382, de 2006), e devem prevalecer, no caso de execução hipotecária, por se tratar de lei posterior. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.586-87.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 02/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

No dizer de Ricardo Fiuza em sua doutrina, o artigo confere ao executado a possibilidade de renhir o imóvel hipotecado. Para tanto deverá, antes de assinado o auto de arrematação, depositar o valor da avaliação; em havendo licitante, o valor do maior lance oferecido. Esse direito também pode ser exercido pelo cônjuge, ascendente ou descendente do devedor. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 751, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 02/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

O Desembargador Alexandre Freitas Câmara, em 08 de setembro de 2015, em artigo “O novo CPC e a Revogação de alguns dispositivos do Código Civil – parte 2”, continuando a série de textos destinados a examinar as revogações de dispositivos do Código Civil expressamente feitas pelo CPC de 2015, é hora de tratar do art. 456 daquele diploma. 

Tal dispositivo estava assim redigido: “[p]ara poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo”. Há, ainda, ali um parágrafo único segundo o qual “[n]ão atendendo o alienante à denunciação da lide, e sendo manifesta a procedência da evicção, pode o adquirente deixar de oferecer contestação, ou usar de recursos”. 

É absolutamente fora de dúvida que o dispositivo tratava de um instituto de direito processual civil, a denunciação da lide. Isto se confirma pela leitura do parágrafo, onde essa modalidade de intervenção de terceiro é expressamente mencionada. E isto, por si só, já é motivo suficiente para se celebrar a revogação. Afinal, não deve estar no Código Civil um dispositivo que trata de matéria processual. 

Não é só por isso, porém, que se deve considerar positiva esta revogação. É que o art. 456 do CC dava a entender ser possível uma denunciação da lide per saltum que não faz qualquer sentido no sistema processual brasileiro. 

Perceba-se bem este ponto: pelo texto do art. 456 do CC, parece ser possível ao adquirente de um bem, para exercer o direito que resulta da evicção, denunciar a lide ao alienante imediato ou a qualquer dos anteriores. Isto permitiria a ele, então, ajuizar demanda regressiva (pois a denunciação da lide nada mais é do que isto, uma demanda regressiva condicional) em face de alguém com quem não contratou e, por isso, não tem qualquer relação jurídica. Imagine-se a seguinte situação: A aliena um bem para B, que aliena para C, que aliena para D, que aliena para E. Tendo sido proposta em face de E uma demanda de reivindicação do bem por alguém que afirma ser titular de direito sobre o mesmo desde antes de E o ter adquirido, o réu, vendo-se na iminência de sofrer a evicção, poderia denunciar a lide a D ou a qualquer dos que o antecederam na cadeia dominial. 

Ocorre que, pelo sistema do CPC de 1973 (e que era corroborado pelo próprio art. 456 do CC), o direito resultante da evicção só poderia ser exercido através de denunciação da lide (daí o art. 70, I, do CPC de 1973 dizer que neste caso a denunciação da lide ter de ser feita “a fim de que [se] possa exercer o direito que da evicção lhe resulta”). Agora imagine-se o problema que haveria se o réu, ao fazer uma denunciação per saltum, “saltasse” longe demais (por exemplo, se E denunciasse a lide a B e depois se verificasse que o direito do autor sobre o bem surgiu quando o bem estava no patrimônio de C). Ora, neste caso evidentemente não se poderia julgar procedente a denunciação da lide formulada em face de B (pois este alienou o bem sem qualquer vício), nem poderia depois E demandar em face de qualquer outro alienante, nem mesmo em face de D, já que o direito resultante da evicção só poderia ser exercido mediante a denunciação da lide (que em face deste não foi formulada). 

A denunciação da lide per saltum, porém, era apenas uma possibilidade aparente. A rigor, o art. 456 do CC não a autorizava verdadeiramente. É que o texto daquele dispositivo muito claramente estabelecia que a denunciação seria feita, ao alienante imediato ou a qualquer dos anteriores, “quando e como [determinassem] as leis do processo”, e o CPC de 1973 não permitia a denunciação per saltum mas, tão somente, a denunciação em face do alienante imediato, ficando este autorizado, por sua vez, a formular denunciação sucessiva em face de quem a ele tivesse alienado o bem (art. 73 do CPC de 1973).

Pois o CPC de 2015 eliminou, de vez, qualquer possibilidade de se admitir a denunciação per saltum. Estabelece ele, muito claramente, no art. 125, I, que a denunciação da lide deve ser promovida “ao alienante imediato” e este, por sua vez, pode fazer a denunciação sucessiva contra seu antecessor imediato na cadeia dominial (art. 125, § 2º). E o art. 125, § 1º deixa claro que se a denunciação da lide não for feita, o direito regressivo pode ser exercido por demanda autônoma. Fica claro, assim, que o novo sistema é absolutamente incompatível com o art. 456 do CC.

Há, porém, um ponto a examinar. É que alguns civilistas vinham dando ao art. 456 do CC uma interpretação data venia equivocada. É que se vinha encontrando na doutrina do Direito Civil a afirmação de que o art. 456 do CC teria estabelecido um caso de aplicação da “eficácia externa da função social do contrato”. “Daí extraem os civilistas que haveria, por força do aludido artigo do CC, uma solidariedade entre todos os integrantes da cadeia dominial”. (TARTUCE, Flavio. Direito civil, vol. 3. São Paulo: Gen-Método, 9ª Ed., 2014, pág. 216.) “Este entendimento, porém, era absolutamente inaceitável, e isto por uma razão muito simples: é que se tivesse a lei civil criado, ali, um caso de solidariedade – como entenderam vários civilistas – não haveria qualquer sentido em se prever o cabimento de denunciação da lide (como expressamente consta do texto do parágrafo único do art. 456” (MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Curso de direito civil, vol. III, tomo I. São Paulo: Atlas, 2015, pág. 307.). É que nos casos de solidariedade a modalidade adequada de intervenção forçada de terceiro é o chamamento ao processo (art. 77, III, do CPC de 1973; art. 130, III, do CPC de 2015). Essa interpretação, portanto, era completamente incompatível com o sistema processual. 

De toda sorte, agora não há mais o que discutir. Está revogado o art. 456 do Código Civil, e nos casos de evicção a denunciação da lide só poderá ser feita em face do alienante imediato, o qual poderá, por sua vez, formular denunciação sucessiva ao seu antecedente na cadeia dominial.

Também foram revogados pelo CPC de 2015 os arts. 1.482 (“[r]ealizada a praça, o executado poderá, até a assinatura do auto de arrematação ou até que seja publicada a sentença de adjudicação, remir o imóvel hipotecado, oferecendo preço igual ao da avaliação, se não tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido. Igual direito caberá ao cônjuge, aos descendentes ou ascendentes do executado”) e 1.483 (“[n]o caso de falência, ou insolvência, do devedor hipotecário, o direito de remição defere-se à massa, ou aos credores em concurso, não podendo o credor recusar o preço da avaliação do imóvel”). Essas revogações, porém, resultam tão somente do fato de que as normas resultantes da interpretação desses dispositivos foram incorporadas ao sistema do CPC de 2015. Assim é que, nos termos do art. 877, § 3º, do novo CPC, “[n]o caso de penhora de bem hipotecado, o executado poderá remi-lo até a assinatura do auto de adjudicação, oferecendo preço igual ao da avaliação, se não tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido”. Já o § 4º do mesmo art. 877 estatui que “[n]a hipótese de falência ou de insolvência do devedor hipotecário, o direito de remição previsto no § 3º será deferido à massa ou aos credores em concurso, não podendo o exequente recusar o preço da avaliação do imóvel”. (Alexandre Freitas Câmara, é Professor Emérito da EMERJ (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro). É Desembargador no TJRJ, em 08 de setembro de 2015, em seu artigo “O novo CPC e a Revogação de alguns dispositivos do Código Civil – parte 2”, publicado no site Justificando.com. Acessado 02/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.483. No caso de falência, ou insolvência, do devedor hipotecário, o direito de remição defere-se à massa, ou aos credores em concurso, não podendo o credor recusar o preço da avaliação do imóvel.

Parágrafo único. Pode o credor hipotecário, para pagamento de seu crédito, requerer a adjudicação do imóvel avaliado em quantia inferior àquele, desde que dê quitação pela sua totalidade.

Na hipótese de Loureiro, caso o devedor hipotecário venha a falir ou tornar-se insolvente, o direito de remição defere-se à massa ou aos credores em concurso. Não mais persiste, em tal caso, o direito de remissão do devedor falido ou insolvente, nem de seus parentes.

Se existirem créditos dotados de privilégio legal (CC 1.422), estes terão preferência na satisfação, restando apenas o saldo ser entregue ao credor hipotecário. 

A peculiaridade da remição nas execuções coletivas está no valor, correspondente à avaliação do bem hipotecado, sem necessidade de levá-lo à hasta pública.

O parágrafo único complementa o preceito, conferindo ao credor mecanismo de proteção contra avaliações inexatas. Permite-lhe adjudicar o bem, desde que o valor de avaliação seja inferior ao valor da dívida garantida e dê total quitação. Somente se aplica tal prerrogativa nos casos de falência ou insolvência, lembrando que a adjudicação prejudica o pedido de remição. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.588.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 02/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Diz a doutrina de Ricardo Fiuza que, nos casos de falência ou insolvência, o direito de remir devolve-se à massa, não podendo nem o falido ou seus parentes remir o imóvel nem o credor recusar o preço encontrado pela avaliação do bem. Avaliado este, por preço inferior à dívida, o credor hipotecário poderá impedir a remição pelos demais credores, requerendo a adjudicação pela totalidade do crédito, que importará em quitação plena. • Este artigo equipara-se aos arts. 821 e 822 do Código Civil de 1916. conjugando-os com sensível melhora redacional. Deve, portanto, receber o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 751, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 02/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

O Desembargador Alexandre Freitas Câmara, em 08 de setembro de 2015, em artigo “O novo CPC e a Revogação de alguns dispositivos do Código Civil – parte 2”, continuando a série de textos destinados a examinar as revogações de dispositivos do Código Civil expressamente feitas pelo CPC de 2015, quando alude ao ”foram revogados pelo CPC de 2015 os arts. 1.482 (“[r]ealizada a praça, o executado poderá, até a assinatura do auto de arrematação ou até que seja publicada a sentença de adjudicação, remir o imóvel hipotecado, oferecendo preço igual ao da avaliação, se não tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido. Menciona,  igual direito caberá ao cônjuge, aos descendentes ou ascendentes do executado”) e 1.483 (“[n]o caso de falência, ou insolvência, do devedor hipotecário, o direito de remição defere-se à massa, ou aos credores em concurso, não podendo o credor recusar o preço da avaliação do imóvel”). Essas revogações, porém, resultam tão somente do fato de que as normas resultantes da interpretação desses dispositivos foram incorporadas ao sistema do CPC de 2015. Assim é que, nos termos do art. 877, § 3º, do novo CPC, “[n]o caso de penhora de bem hipotecado, o executado poderá remi-lo até a assinatura do auto de adjudicação, oferecendo preço igual ao da avaliação, se não tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido”. (Alexandre Freitas Câmara, é Professor Emérito da EMERJ (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro). É Desembargador no TJRJ, em 08 de setembro de 2015, em seu artigo “O novo CPC e a Revogação de alguns dispositivos do Código Civil – parte 2”, publicado no site Justificando.com. Acessado 02/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.484. É licito aos interessados fazer constar das escrituras o valor entre si ajustado dos imóveis hipotecados, o qual, devidamente atualizado, será a base para as arrematações, adjudicações e remições, dispensada a avaliação.

Atento ao assunto, como menciona Loureiro, houve a supressão da parte final do antigo preceito (art. 818 do CC/1916), que limitava as remições ao período entre a primeira praça e a assinatura do auto de arrematação. Como vimos, a remição, em suas diversas hipóteses, tem prazos distintos de exercício. Além disso, há menção na redação atual sobre a atualização do valor convencionado. 

Permite o preceito a fixação pelas partes do valor do bem hipotecado, no momento da constituição da hipoteca, com fundamento na autonomia privada. O valor acordado dispensa a avaliação e serve de base para arrematação, adjudicação e remição. A liberdade de estipulação, porém, encontra limites nas normas cogentes tanto no Código de Defesa do Consumidor como do Código Civil, que consagram os princípios da boa-fé objetiva, do equilíbrio contratual e da função social do contrato. O valor contratual do bem hipotecado deve corresponder sempre ao seu valor de mercado, evitando a ocorrência de danos ao próprio credor, pela remição, ou especialmente ao devedor, pela arrematação ou adjudicação por valor vil. 

Não se aceita a afirmação de Carvalho Santos, para quem podem as partes estipular que o valor pelo qual será o bem levado à hasta pública corresponderá ao valor da dívida (Código Civil brasileiro interpretado, 11. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1972, v. X, p. 369). O descompasso entre o valor do débito e o valor de mercado do bem dado em garantia pode provocar sérios prejuízos ao credor ou ao devedor, incompatíveis com os princípios contratuais cogentes acima referidos.

A convenção atribuindo valor determinado ao bem hipotecado vincula não somente as partes contratantes. Levada a escritura - ou o contrato - ao registro, nasce direito real de garantia, oponível contra todos. A cláusula integra o negócio jurídico - ao lado da especialização - e também ganha realidade. Desde que compatível com o valor de mercado do bem hipotecado, vincula terceiros interessados ou que pretendam remir o imóvel.

Tentou o atual Código Civil contornar a necessidade de avaliação, dispondo que a excussão e a remição se farão por valor atualizado. Não basta, porém, a singela correção monetária do valor convencionado, caso se mostre insuficiente para atingir o valor real de mercado. Na boa lição de Marco Aurélio S. Viana, “devemos entender a expressão valor atualizado, que a regra legal utiliza na disposição do artigo em comento, como a possibilidade de se estabelecer o preço real, no momento da execução” (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, p. 820).

No dizer de Araken de Assis, a técnica de certame estimula os pretendentes a atingir o maior e melhor preço, se mostrando justo, nesse caso, a apropriação pelo executado da diferença favorável entre o valor da dívida e do imóvel, pois a mais-valia integra seu patrimônio e cabe restituí-la (Manual do processo de execução, 6. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 793).

Em resumo, o artigo em exame tem finalidade de evitar, no caso de inadimplemento, a fase de avaliação do bem penhorado. Recebe, porém, interpretação restritiva, somente alcançando o seu escopo se a avaliação corresponder ao valor de mercado do bem dado em garantia. 

Note-se que a nova redação dada ao art. 684 do CPC,/1973 pela Lei n. 11.382/2006, correspondendo hoje ao art. 871 no CPC/2015, não altera o que foi acima dito. Diz o preceito que não se procederá à avaliação, se o exequente aceitar a estimativa feita pelo executado, na hipótese do art. 668, parágrafo único, V, ou seja, quando houver pedido de substituição do bem penhorado, caso em que o devedor atribuirá valor ao bem ofertado. A atribuição é feita pelo próprio devedor no curso da execução, e não no momento da celebração do negócio, ou da constituição da garantia. São hipóteses inconfundíveis e distintas. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.588-89.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 02/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo Guimarães e Mezzalira, as partes contratantes têm a faculdade de prefixar o valor do imóvel hipotecado para fins de arrematação, adjudicação e remição, com o que dispensam a avaliação do bem no caso de eventual execução. 

O valor prefixado do bem deve ser atualizado monetariamente. Se, por ocasião da execução, o valor, apesar de atualizado, mostrar-se ínfimo ou excessivo, nada impede que seja realizada uma avaliação atual dos bens, afastando-se a estimativa, em respeito à teoria da imprevisão (Carlos Roberto Gonçalves, Volume V, 2010, p. 627) (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.484, acessado em 02.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

O artigo apresentado por Guilherme Cézar Vieira, no site rotajurica.com.br, intitulado “A possibilidade de nova avaliação do imóvel hipotecado”, publicado em 21 de fevereiro de 2018, conforme já comentado pelo autor em artigo anterior, é possível e necessário em certos casos, a reavaliação de um imóvel penhorado em um processo de execução pelo disposto no artigo 873 do Código de Processo Civil (Art. 873.  É admitida nova avaliação quando: II – se verificar, posteriormente à avaliação, que houve majoração ou diminuição no valor do bem); tem-se, aqui, o objetivo de analisar a possibilidade de ser realizada a avaliação do imóvel hipotecado, nos autos do processo de execução caso seja penhorado. Inobstante pareça algo óbvio, existem entendimentos equivocados, notadamente no Poder Judiciário, de que, uma vez definido no contrato de constituição da hipoteca, o valor do imóvel, este valor deverá impreterivelmente ser utilizado como parâmetro para a alienação judicial do referido bem, quer seja pela via da adjudicação ou do leilão judicial.

 

Portanto, antes de adentrar no tema específico é necessário apresentar uma breve exposição da hipoteca. Tal instituto é um direito real de garantia sobre bens imóveis, ou seja, a hipoteca é a garantia sobre coisa (imóvel) alheia que assegurará o adimplemento da parte que dá o bem em hipoteca, caso este não pague a dívida garantida.

 

A primeira parte do art. 1.484 do Código Civil/2002, dispõe que é lícito aos interessados fazer constar do contrato que constitui a hipoteca, o valor do imóvel hipotecado para ser utilizado como parâmetro para sua venda, em eventual processo de execução, caso não seja cumprida a obrigação, valor este que é definido pelas partes. Formalizado a constituição da garantia hipotecária e sobrevindo o seu inadimplemento o credor poderá exercer seu direito de cobrança e penhorar o imóvel hipotecado em um processo de execução para satisfazer seu crédito. 

Desta feita, é necessário analisar toda estrutura do artigo 1.484 do CC/02, sendo que na sua parte final é possível verificar que o valor estabelecido ao imóvel será devidamente atualizado, o qual será base para as arrematações, adjudicações e remições, sendo dispensada a avaliação, sendo neste momento o nascituro de toda celeuma.

No artigo anterior, foi demonstrado que, nos termos do art. 873, II do CPC, caso ocorresse a avaliação de um imóvel penhorado em um processo de execução, e quando da realização do leilão decorresse um espaço longo de tempo que ensejasse a oscilação do seu valor de mercado, seria direito do executado e dever do magistrado, realizar nova avaliação do bem penhorado, para que sua venda judicial fosse realizada com base no seu valor real e de mercado, o que será mais benéfico ao executado – art. 805 do CPC. No caso do imóvel hipotecado, parte-se do mesmo princípio, ou seja, se houver sua penhora na execução, para que seja procedida sua venda judicial deve ser adotado como parâmetro seu valor de mercado naquele momento.

Os contratos que envolvem a hipoteca, em sua maioria, possuem um grande prazo para pagamento, geralmente mais de 5 anos. Ademais, o lapso temporal que envolve a assinatura do contrato (no qual as partes estabelecem o valor do imóvel para fins de leilão) e o exercício do credor do seu direito creditício, com o ajuizamento da execução, costuma-se transcorrer um grande prazo, o que pode significar uma flutuação considerável no valor real do imóvel hipotecado, em regra, ocorrendo sua majoração.

Deste modo, como a lei determina a “atualização” do valor do imóvel definido no contrato, o Poder Judiciário (“O art. 818 do Código Civil então em vigor, reproduzida no art. 1.484 do Novo Código, estabelece que, sendo ajustado entre as partes o valor do bem quando da constituição da hipoteca, esse será a base para as arrematações, adjudicações e remissões, dispensada a avaliação.” (TRF-2 – AG: 122831 RJ 2004.02.01.000900-1, Relator: Desembargador Federal SERGIO SCHWAITZER, Data de Julgamento: 26/03/2008, SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU –14/04/2008 – p. 135/136), por vezes, aplica apenas a correção monetária do valor estipulado contratualmente, rejeitando o pedido de nova avaliação, o que prejudicava em muito o devedor e o credor, posto que os índices de inflação monetária não refletem adequadamente as oscilações de mercados dos imóveis, ensejando por vezes, a venda do imóvel por valor inferior ao seu valor de mercado. Razão, pela qual, imprescindível se faz uma nova avaliação do imóvel hipotecado, nos autos da execução.), por vezes, aplica apenas a correção monetária do valor estipulado contratualmente, rejeitando o pedido de nova avaliação, o que prejudicava em muito o devedor e o credor, posto que os índices de inflação monetária não refletem adequadamente as oscilações de mercados dos imóveis, ensejando por vezes, a venda do imóvel por valor inferior ao seu valor de mercado. Razão, pela qual, imprescindível se faz uma nova avaliação do imóvel hipotecado, nos autos da execução.

Assim, imperioso trazer os ensinamentos de Araken de Assis, in verbis: “O Reajuste monetário, permitido no art. 1.484 do Código Civil, não resolve a distorção. Impõe-se, conseguintemente, a reavaliação do bem hipotecado.” Neste sentido se manifestou o STJ, realçando a necessidade de o edital conter “dados suficientes para esclarecimentos dos possíveis interessados, o que inclui a avaliação do imóvel praceado.” 

Quanto à inadequação da mera atualização monetária do valor definido no contrato ao imóvel hipotecado, para fins de venda judicial, imaginemos a situação em que 10 anos após a constituição da hipoteca, seja utilizado o valor histórico dado ao imóvel situado na Avenida Paulista em São Paulo, meramente atualizado monetariamente pelo INPC, para se realizar o leilão judicial, se, neste mesmo exemplo, o imóvel em análise estiver localizado no interior do Acre, o índice de atualização do valor do imóvel será o mesmo, conquanto seja óbvio que a oscilação do valor de mercado, de cada imóvel, se deu de forma absolutamente diferente. Portanto, em um como noutro caso, o valor real atualizado do imóvel somente será aferível adequadamente através de sua nova avaliação, nos autos do processo de execução.

Neste ponto, é o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A atualização do valor da avaliação deve observar as oscilações de mercado no preço do bem penhorado, sendo inaplicáveis para tanto os índices contratuais ou legais utilizados especificamente na atualização do crédito exequendo” (STJ-3ª T., REsp 864.873, Min. Gomes de Barros, j. 6.3.08, DJU 1.4.08)”. 

O autor destaca, por fim, que não há conflito entre o disposto no CC 1.484 e o art. 805 do CPC, sendo perfeitamente possível a aplicação de forma harmoniosa das duas regras jurídicas, atentando-se todavia, as peculiaridades de cada caso (“EMENTA: AÇÃO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. CÉDULA RURAL HIPOTECÁRIA. VALOR DO IMÓVEL AJUSTADO NO TÍTULO. ART. 1.484 DO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. – Nos termos do art. 1.484, do Código Civil, é lícito aos interessados fazer constar das escrituras o valor entre si ajustado dos imóveis hipotecados, o qual, devidamente atualizado, será a base para as arrematações, adjudicações e remições, dispensada a avaliação. 2. – A interpretação do art. 1.484, do Código Civil, deve ser restritiva, podendo o Juiz de Direito determinar a realização de avaliação do bem objeto da garantia hipotecária, quando houver indícios de que o valor ajustado no título diverge em muito do valor venal. 3. – Recurso desprovido.” (TJ-ES – AI: 00040433720138080030, Relator: DAIR JOSÉ BREGUNCE DE OLIVEIRA, 10/12/2013, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Publicação: 19/12/2013). 

Portanto, constatado o transcurso de considerável lapso de tempo entre a avaliação do imóvel definida pelas partes no contrato, e sua penhora no processo de execução, e, verificado que a mera atualização monetária pelos índices definidos no contrato, foi insuficiente a refletir a efetiva valorização do imóvel, será necessário uma nova avaliação, desta feita, nos autos do processo de execução, a qual irá considerar inúmeros fatores, como a oscilação do valor real de mercado e inclusive eventuais novas benfeitorias que possam ter sido edificadas após a constituição da garantia. (Guilherme Cézar Vieira, no site rotajurica.com.br, intitulado “A possibilidade de nova avaliação do imóvel hipotecado”, publicado em 21 de fevereiro de 2018, acessado em 02.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.479, 1.480, 1.481 DA HIPOTECA – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.479, 1.480, 1.481

DA HIPOTECA – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo III – DA HIPOTECA

Seção I – Disposições Gerais –(Art. 1.473 a 1.488) –

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 Art. 1.479.  O adquirente do imóvel hipotecado, desde que não se tenha obrigado pessoalmente a pagar as dívidas aos credores hipotecários, poderá exonerar-se da hipoteca, abandando-lhes o imóvel.

Na análise de Loureiro o artigo em estudo merece interpretação cuidadosa. Confere ao adquirente de imóvel hipotecado o direito potestativo de exonerar-se da hipoteca, caso não deseje remi-la, abandonando o imóvel.

A norma alcança somente o terceiro adquirente não obrigado ao pagamento da obrigação garantida. Caso tenha se obrigado a solver a dívida, ainda que como garantidor, ou sucessor do obrigado, não pode usar da prerrogativa do abandono, mas apenas da remição. 

Usa a lei de modo impróprio o termo abandono, pois o que se faculta ao adquirente é a entrega do imóvel ao credor hipotecário ou a sua devolução ao alienante. Como alerta Marco Aurélio S. Viana, é impróprio falar em abandono em favor de alguém (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, p. 808). O que criou a lei foi um caso de resilição unilateral do negócio aquisitivo, mediante devolução ao alienante, ou de entrega ao credor, com o fito de extinguir a hipoteca.

Note-se que a entrega ao credor provoca a exoneração da hipoteca, não a extinção da obrigação garantida. O adquirente não é devedor, mas apenas proprietário de imóvel ou bem previsto no CC. 1.473 gravado por hipoteca e nessa qualidade deve ser citado na execução hipotecária (STJ, REsp n. 326.201/SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro). É dono de bem afetado ao cumprimento de uma obrigação e pode evitar a execução desfazendo o negócio aquisitivo, ou entregando a coisa ao credor hipotecário, de modo unilateral.

O abandono previsto nesse artigo não se dá mediante mera entrega da posse do bem hipotecado ao credor ou ao alienante, com o ânimo específico de exonerar-se da hipoteca. A entrega da posse por negócio jurídico solene ou mediante decisão judicial deve ser instrumentalizada e levada ao registro imobiliário.

Ao contrário do que defende parte da doutrina (Mamede, Gladston. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XV, p. 361), o preceito não se estende a todos os casos de terceiros prestadores de garantia, mas tão somente ao adquirente de bem hipotecado, como se deduz da leitura do artigo subsequente.

Remete-se o leitor ao comentário do CC 1.474. Os tribunais cada vez mais valorizam a posse do adquirente de boa-fé, em detrimento do credor hipotecário, especialmente se este se descurou dos deveres de cuidado e diligência. Merece destaque a Súmula n. 308 do STJ, do seguinte teor: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.583-84.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 01/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

De acordo com comentário de Guimarães e Mezzalira, no abandono liberatório, o adquirente do bem hipotecado poderá exonerar-se da hipoteca mediante o abandono do móvel em favor do credor, hipótese em que se sub-rogará nos direitos do credor, desde que não tenha assumido a obrigação de pagar os credores hipotecários. Trata-se de hipótese de extinção da hipoteca, embora não prevista no rol do CC 1.409. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.479, acessado em 01.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Considerando os: a) Princípios; b) Publicidade e c) Especialização, Sebastião de Assis Neto et al, conceituam a) a hipoteca, como os direitos reais de garantia em geral, demanda a confluência de dois princípios: o da publicidade e o da especialização; b) a publicidade é essencial para a oposição do direito do credor hipotecário a terceiros, reabilitando-se com a inscrição no Registro de Imóveis e c) a especialização é a necessidade de indicação precisa do bem que serve de objeto de garantia.sa do bem que serve de objeto de garantia.

Destarte, há de se concluir que a falta dos requisitos acima faz com que o negócio jurídico não tenha a eficácia de criar direito real em favor do credor. A consequência disto é a de que o negócio vale entre as partes, sujeitando o bem específico à quitação do débito, entretanto, não possui a oponibilidade erga omnes própria dos direitos reais, máxime em caso de ausência de registro. Não pode a garantia carente dos requisitos legais, portanto, ser oposta a terceiros.

Às páginas 1.607, os autores apõem no subtítulo 5.4., Regras, concernentes à aquisição do imóvel hipotecado. Sendo nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado, a coisa dada em hipoteca pode, livremente, ser adquirida por terceiro. Este, porém, sujeita-se ao ônus real dela decorrente. Embora não fique obrigado ao pagamento da dívida, pode ter a coisa adquirida tomada em função da excussão judicial. Assim, o CC 1.479 lhe dá solução para se exonerar da hipoteca: “O adquirente do imóvel hipotecado, desde que não se tenha obrigado pessoalmente a pagar as dívidas aos credores hipotecários, poderá exonerar-se da hipoteca, abandonando-lhes o imóvel”.

Para tanto, “o adquirente notificará o vendedor e os credores hipotecários, deferindo-lhes, conjuntamente, a posse do imóvel, ou o depositará em juízo” (CC 1.480). Assim, diz o parágrafo único que “poderá o adquirente exercer a faculdade de abandonar o imóvel hipotecado, até as vinte e quatro horas subsequentes à citação, com que se inicia o procedimento executivo”. (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel de Melo. Manual de Direito Civil, Volume único, p. 1.606-07, 6ª edição, 2017. Editora Juspodivm, consultada em 01/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.480. 0 adquirente notificará o vendedor e os credores hipotecários, deferindo-lhes, conjuntamente, a posse do imóvel, ou o depositará em juízo.

Parágrafo único. Poderá o adquirente exercer a faculdade de abandonar o imóvel hipotecado, até as vinte e quatro horas subsequentes à citação, com que se inicia o procedimento executivo. 

Como consta nos comentários de Loureiro, detalha o artigo, o exercício do direito potestativo de abandono - ou melhor, transferência - do bem hipotecado ao alienante ou ao credor hipotecário. A entrega do bem pode ocorrer antes da execução, mediante notificação ou consignação do adquirente. A notificação deve ser seguida de entrega da posse, instrumentalização e registro. A sentença que julga a consignação constitui título hábil ao registro.

Pode ocorrer também o abandono durante a execução da hipoteca, no prazo decadencial de vinte e quatro horas, contado da citação, mediante requerimento nos autos. Caso a entrega se faça nos autos da execução hipotecária, o juiz mandará imitir o credor na posse do imóvel, assim como determinará a transferência do imóvel hipotecado. A execução poderá prosseguir como quirografária contra o devedor, porque esgotada a garantia real. Em tal hipótese, abate-se da dívida o valor de aquisição do bem hipotecado, ou, caso seja inferior ou superior ao de mercado, o valor ajustado, nos moldes do art. 1.484 do Código Civil, ou se procederá à avaliação do imóvel.

Ressalta o preceito poder a consignação ser ajuizada em face também do alienante. A lei criou uma espécie de denúncia unilateral de contrato de venda e compra de imóvel hipotecado. Não diz a lei, no caso de disputa entre o credor hipotecário e o alienante, qual deles receberá o imóvel. Caso o preço tenha sido integralmente pago, é razoável que a preferência seja do credor. Caso contrário, a preferência de receber o imóvel abandonado será do alienante. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.585.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 01/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entender de Guimarães e Mezzalira, para o exercício do abandono, o adquirente deverá notificar o transmitente, que será o próprio devedor, caso não tenham ocorrido outras alienações, bem como os credores hipotecários. Na notificação, que pode ser feita extrajudicialmente, o adquirente assegurará a posse do imóvel aos interessados.

Por se tratar de direito potestativo do adquirente do imóvel, a negativa de recebimento do bem poderá ensejar a propositura de consignação em pagamento.  (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.480, acessado em 01.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No comentário da doutrina de Ricardo Fiuza, a devolução prevista no artigo anterior dar-se-á mediante notificação ou depósito judicial do bem, podendo o adquirente deixar o imóvel em vinte e quatro horas após a citação, iniciando-se a partir daí a execução da dívida. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 750, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.481. Dentro em trinta dias, contados do registro do título aquisitivo, tem o adquirente do imóvel hipotecado o direito de remi-lo, citando os credores hipotecários e propondo importância não inferior ao preço por que o adquiriu. 

§ 1º Se o credor impugnar o preço da aquisição ou a importância oferecida, realizar-se-á licitação, efetuando-se a venda judicial a quem oferecer maior preço, assegurada preferência ao adquirente do imóvel.

§ 2º Não impugnado pelo credor, o preço da aquisição ou o preço proposto pelo adquirente, haver-se-á por definitivamente fixado para a remissão do imóvel, que ficará livre de hipoteca, uma vez pago ou depositado o preço.

§ 3º Se o adquirente deixar de remir o imóvel, sujeitando-o a execução, ficará obrigado a ressarcir os credores hipotecários da desvalorização que, por sua culpa, o mesmo vier a sofrer, além das despesas judiciais da execução.

§ 4º Disporá de ação regressiva contra o vendedor o adquirente que ficar privado do imóvel em consequência de licitação ou penhora, o que pagar a hipoteca, o que, por causa de adjudicação ou licitação, desembolsar com o pagamento da hipoteca importância excedente à da compra e o que suportar custas e despesas judiciais.

Segundo Loureiro, trata da remição - ou resgate, ou purga, ou redenção da hipoteca - por adquirente do imóvel ou bem hipotecado, desde que o faça tempestivamente. Entende-se por adquirente todo aquele a quem for transmitido o imóvel, a título inter vivos ou causa mortis, desde que não seja parte na obrigação ou na hipoteca (Carvalho Santos, J. M. de. Código Civil interpretado, 11. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1972, v. X, p. 342). O preceito deve ser estendido ao promitente comprador, com título registrado, titular de direito real de aquisição.

Tem por objetivo, segundo Caio Mário da Silva Pereira, conciliar dois princípios: segurança para o credor e livre circulação dos bens (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. IV, p. 394). A hipoteca é dotada de sequela, que provoca aderência ao bem e segue a sua sorte em poder de quem se encontre. Pode não convir ao adquirente a manutenção do vínculo real do bem à solução de uma obrigação. A lei lhe confere o direito de remir a dívida, liberando o bem da garantia.

O direito de remição pode ser exercido pelo adquirente antes mesmo do vencimento do crédito hipotecário. O prazo decadencial a que está sujeito o adquirente é de trinta dias - contados do registro do título inter vivos ou do formal de partilha - para citar os credores hipotecários em ação própria. Não basta a notificação manifestando a intenção de remir; é exigido também o ajuizamento da ação judicial. Deve ofertar desde logo o preço de resgate (nunca inferior ao preço de aquisição), assim como o modo de pagamento. Se for adquirido por doação, o valor mínimo é o atribuído pelas partes ao negócio. Evidente que se o valor do bem supera o das dívidas garantidas, a remição se fará pelo valor das dívidas, pois o que interessa aos credores é a satisfação de seus créditos. O valor da dívida abrange juros e outros encargos, aplicando-se, porém, a regra do CC 1.426, quanto aos juros correspondentes ao período ainda não decorrido. 

Se o credor não impugnar o pedido, o valor ofertado pelo adquirente torna-se definitivo e, mediante depósito, será expedido mandado de cancelamento do registro da hipoteca. Eventual saldo credor poderá ser cobrado do devedor como quirografário. 

O credor pode impugnar o pedido de remição, alegando a ausência de seus requisitos (decadência, ausência de registro, obrigação do adquirente pelo pagamento da dívida garantida), ou apenas o preço ofertado, pois inferior ao de mercado. Estabelece a lei a instauração de uma licitação, com o objetivo de apurar o real valor do bem hipotecado. São duas as razões centrais da licitação: a) proporcionar ao credor a certeza de que o bem gravado se liberte com o pagamento do valor real, evitando o conluio e a venda por preço baixo, com o escopo de esvaziar a hipoteca; b) consolidar a situação do adquirente, que se expõe a uma licitação e não poderá ser posteriormente acusado de libertar o bem por valor inferior ao de mercado ( p e r e ir a , Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. IV, p. 397). A novidade está no fato de a licitação ser agora aberta a qualquer interessado, com o objetivo de aferir o real valor de mercado, e não mais limitada aos credores hipotecários, fiadores e adquirente. O adquirente tem preferência na licitação, igualando o maior lance do leilão. Se o maior lance for inferior ao da proposta inicial e da remição do adquirente, esta prevalece por ser vinculativa. 

Caso o adquirente não obtenha em licitação a remição, ainda assim faz jus à indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias que introduziu no imóvel, a fim de evitar o enriquecimento sem causa do credor, que a computou no preço de alienação a terceiros.

A remição extingue a hipoteca, mas não faz desaparecer o crédito. O adquirente se sub-roga no crédito contra o alienante, sem a hipoteca que se extinguiu, desde que a aquisição tenha se dado por negócio oneroso. A situação jurídica do adquirente do imóvel hipotecado é análoga à do evicto, pelo que se estende o regime da evicção (Pereira, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 397).

O direito de regresso do adquirente contra o alienante se dá nas seguintes hipóteses e limites, na lição de Marco Aurélio S. Viana: “a) em todos os casos, as despesas e custas judiciais; b) quando o adquirente já tiver pago o preço do imóvel, no todo ou em parte, aquilo que teve novamente de pagar aos credores; c) a diferença entre o preço da avaliação e o que tiver, efetivamente, desembolsado no pagamento dos credores, se ainda não tiver pago ao alienante; ou toda a soma despendida, se já tiver pago; d) se o imóvel lhe for adjudicado por quantia maior que a da aquisição, a diferença acrescida; e) se a outrem for adjudicado o imóvel, o que por ele recebeu o alienante” (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XVI, p. 817). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.585-86.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 01/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Depreende-se pelo dito por Guimarães e Mezzalira que, a remição da hipoteca pelo adquirente do imóvel ocorrerá ao pagar o preço integral da dívida hipotecária, liberando o bem do ônus e evitando que o mesmo se sujeite à venda judicial. Assim, uma vez que o direito real confere a prerrogativa de sequela, o novo adquirente poderá vir a perder o bem, salvo se remir a dívida hipotecária, pelo pagamento.

É pacífico que o credor subipotecário tem real interesse na remição da hipoteca, considerando que estará sujeito, de qualquer sorte, às sobras relativas à venda judicial do bem imóvel. Poderá ocorrer, de fato, a arrematação por preço insuficiente ao pagamento de seu crédito, vivenciando, pois, uma situação de efetivo risco. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.481, acessado em 01.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Historicamente, o presente dispositivo foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. No caput do artigo foram substituídas as expressões “em trinta dias” e “transcrição” para, respectivamente “dentro em trinta dias” e “registro”, esta última para adequar a redação do artigo à Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/ 73). Quanto aos §~1º e 2º , substituiu-se a palavra “quantia” por “preço”. 

Quanto à doutrina de Ricardo Fiuza, vide, quanto à palavra “remissão”, constante do §2º, nossos comentários ao CC 1.436. • O §1º trata da impugnação do preço pelo credor, hipótese em que se fará licitação por meio de hasta pública, sendo sempre assegurado o direito de preferência ao adquirente do bem. Quanto ao § 2º , não havendo impugnação do preço, e depositada a quantia, dar-se-á a remição do imóvel, levantando-se o ônus da hipoteca. No que concerne ao § 3º, não havendo remição e sendo o imóvel executado, o adquirente responderá perante todos os credores hipotecários por perdas e danos, havendo depreciação do bem, além de arcar com os ônus da sucumbência. Finalmente, o § 4º prevê a hipótese da actio in rem verso (ação de regresso). • O artigo equipara-se ao caput e ao § 1º do art. 815 do Código Civil de 1916, com considerável melhora em sua redação. No mais, deve ser aplicado à matéria o mesmo tratamento doutrinado dado ao dispositivo apontado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 750, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).