Direito Civil Comentado – Art.
1.583
Da Proteção da Pessoa dos Filhos - VARGAS, Paulo S. R.
-
Parte Especial – Livro
IV – Do Direito de Família –
Capítulo
XI – Da Proteção da Pessoa dos Filhos
– (Art.
1.583 a 1.590) - digitadorvargas@outlook.com
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Art. 1.583. A guarda será
unilateral ou compartilhada. Caput com redação dada pela Lei n. 11.698, de
13.06.2008.
§
Iº
Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a
alguém que o substitua (CC 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a
responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe
que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos
comuns. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.
§
2º
Na guarda unilateral compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser
dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as
condições fáticas e os interesses dos filhos: (Redação dada pela Lei n. 13.058,
de 2.014).
I
–
(Revogado) (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014).
II
-
(Revogado) (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014).
III
-
(Revogado) (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014).
§
3º
Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será
aquela que melhor atender aos interesses dos filhos (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014).
§
4º (VETADO). Incluído pela Lei n.
11.698, de 2008).
§
5º A
guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os
interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos
genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação
de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou
indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos
(Revogado) (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014).
Este
comentário de Milton Paulo de Carvalho Filho, feito antes das modificações
feitas pelas Leis n. 11.698/2008 que
alteraram consubstancialmente o artigo, que passou a regular a guarda
unilateral e a compartilhada, introduzindo, pela primeira vez, previsão sobre
esta no direito brasileiro; a Lei n. 13.058/2014, alterou os §§ 2º e 3º e
incluiu o § 5º com o escopo de dar preferência à adoção da guarda
compartilhada. Então, antes das reformas, o artigo em comento se apresentava
dessa forma:
Art.
1.583.
A guarda será unilateral ou compartilhada. Caput com redação dada pela Lei
n. 11.698, de 13.06.2008.
§
Iº
Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a
alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização
conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob
o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. Parágrafo
acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.
§
2º
A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições
para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os
seguintes fatores:
I
-
afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; Inciso acrescentado
pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.
II
-
saúde e segurança; Inciso acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.
III
-
educação. Inciso acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.
§
3º
A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os
interesses dos filhos. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.
A
visão de Milton Paulo de Carvalho Filho, antes das novidades era essa: Por ocasião
da separação, do divórcio, da anulação de casamento e da dissolução da união
estável, o casal poderá acordar sobre a guarda de seus filhos e disciplinar as
visitas a eles. Caso assim não procedam, a decisão competirá ao juiz do
processo. Em ambas as hipóteses, sempre se decidirá tendo-se em vista os
interesses dos menores, podendo, por esta razão, ser modificada a decisão a
qualquer tempo, desde que a ocorrência de fato relevante e grave a justifique.
Esta guarda não se confunde com aquela do ECA, destinada a colocação dos
menores em família substituta, pressupondo a perda do poder familiar dos pais.
Por força dos requisitos exigidos pelo disposto no art. 1.124-A do CPC/1973, a
norma contida no artigo ora comentado só se aplica à separação e ao divórcio
consensuais judiciais e não aos extrajudiciais.
A
guarda poderá ser unilateral (materna, paterna ou de terceiro) ou conjunta (
compartilhada) (§ Iº). A guarda unilateral é exercida com exclusividade por um
dos pais - aquele que revele melhores condições para exercê-la (§2°) (segundo o
Enunciado n. 102 do Conselho da Justiça Federal a expressão “melhores
condições” no exercício da guarda, significa atender ao melhor interesse da
criança), e que mais aptidão tenha para propiciar aos filhos afeto nas relações
com ele e com o grupo familiar, saúde, segurança e educação (incisos I a III) -
ou por terceiro (veja comentário do § 5º do art. 1.584 desta Lei). Na
atribuição do exercício da guarda deve-se ter em vista o equilíbrio entre dois
elementos da mesma equação: as necessidades dos filhos e as possibilidades
(objetivas e subjetivas) dos pais (veja FACHIN , Luiz Edson. Código Civil comentado - direito
de família. São Paulo, Atlas, 2003, v. XV ). Nessa modalidade de guarda, a
lei obriga o pai ou a mãe que não a detenha de supervisionar os interesses dos
filhos (§ 3º). A supervisão diz respeito a tudo o que envolve as necessidades
vitais do filho, como nutrição adequada, cuidados com a saúde física e mental,
lazer, brinquedos. A fiscalização abrange não apenas o efetivo emprego dos
valores correspondentes aos alimentos, cuja obrigação assumiu o não guardião,
mas o que compete ao guardião, de acordo com os rendimentos deste (cf. LOBO, Paulo, RBDFS 6/30,
Magister) (v. c/c o CC 1.589, a seguir, e sua jurisprudência relativa à
prestação de contas sobre os alimentos administrados pelo guardião).
Na
guarda conjunta, ambos os pais participam da convivência, da educação e dos
demais deveres inerentes ao poder parental (veja SILVA , Regina Beatriz Tavares da. Novo Código
Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2002). Haverá, portanto, a
responsabilização conjunta, bem como o exercício de direitos e deveres dos
pais, concernentes ao poder familiar dos filhos. Essa guarda é a mais recomendada
para os casos em que os pais tenham moradias próximas - e que, portanto, não
vivam sob o mesmo teto -, compreensão e diálogo. Na guarda compartilhada os
pais têm responsabilidade conjunta na tomada das decisões e igual
responsabilidade legal sobre os filhos. Ambos têm a guarda jurídica, apesar de
um deles ter a guarda material. Há presença física da criança no lar de um dos
genitores, tendo o outro o direito de visitá-la periodicamente, mas a
responsabilidade legal sobre o filho e pela sua educação deve ser bilateral, ou
seja, do pai e da mãe. O poder familiar é exercido por ambos, que tomarão
conjuntamente as decisões do dia a dia. A guarda conjunta é, na verdade, o
exercício comum do poder familiar. Desaparece o casal conjugal e surge o casal
parental, que decidirá sobre os estudos, a educação religiosa, as férias, as
viagens, o lazer e as práticas desportivas da prole (DINIZ, Maria Helena. Curso
de direito civil - direito de família. São Paulo, Saraiva, 2002).
A
lei recomenda que, em não havendo acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do
filho, seja aplicada pelo juiz, sempre que possível - portanto, diante das
peculiaridades do caso concreto e sempre considerando o interesse do menor - a
guarda compartilhada (cf. § 2º do CC 1.584). Como se vê, o legislador instituiu
a preferência pela guarda compartilhada, que somente deve ser afastada quando o
melhor interesse dos filhos recomendar a guarda unilateral (v. c/c o artigo
seguinte).
A guarda
compartilhada, que agora passou a ter previsão legal, já era admitida pela
doutrina e pela jurisprudência na preservação dos interesses dos filhos. No
Enunciado n. 101 da I Jornada de Direito Civil, ficou assentado, ainda sob a
égide da redação anterior do artigo, que: “sem prejuízos dos deveres que
compõem a esfera do poder familiar, a expressão ‘guarda dos filhos’, à luz do CC
1.583, pode compreender tanto a guarda unilateral quanto a compartilhada em
entendimento ao princípio do melhor interesse da criança”. (Milton Paulo de
Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.727-29. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 22/03/2021.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Em Material
consultado junto aos comentários de Marco
Túlio de Carvalho Rocha: Direito anterior: Na redação original do Código Civil,
o dispositivo consagrava o direito de os pais decidirem sobre a guarda dos
filhos quando a separação ou o divórcio fossem consensuais; a Lei n.
11.698/2008 alterou o artigo, que passou a regular a guarda unilateral e a
compartilhada, introduzindo, pela primeira vez, previsão sobre esta no direito
brasileiro; a Lei n. 13.058/2014, alterou os §§ 2º e 3º e incluiu o § 5º com o
escopo de dar preferência à adoção da guarda compartilhada.
Referências normativas: Maior interesse da criança: art.
227 da Constituição da República; parentalidade responsável: art. 227, § 7º, da
CF; igualdade entre homens e mulheres: art. 5º, inciso I da CF; igualdade dos
cônjuges: art. 226, § 5º da CF; poder familiar após o divórcio: CC 1.579; poder
familiar independente do estado civil dos pais: CC 1.634; poder familiar após
novas núpcias: CC 1.636; direito de visitas: CC 1.589; direito de ter o filho
em sua companhia: CC 1.632; arts. 33 a 35 da Lei n. 8.069 (Estatuto da Criança
e do Adolescente); alienação parental: Lei n. 12.138/10; ação de exigir contas:
arts. 550 a 552 do Código de Processo Civil.
1. Da
proteção da pessoa dos filhos. O título do capítulo é uma reminiscência do que
dispunha o Código Civil de 1916 a respeito da guarda dos filhos em decorrência
do desquite (separação judicial). Uma vez que a situação dos filhos em relação
aos pais não mais depende do estado civil destes, correto seria que todas as
disposições sobre guarda fossem reunidas no capítulo relativo ao poder familiar
(CC 1.630 a 1.638), pois a guarda dos filhos dele decorre.
2.
Espécies de guarda. Guarda é a função i.é, um conjunto de direitos e deveres,
que a lei atribui a uma pessoa capaz para zelar pelos interesses de um incapaz.
A guarda dos filhos pelos pais decorre do poder familiar.
Todas
as possíveis combinações do exercício da guarda de filhos relativamente aos
pais ou a alguém que os substitua foram classificadas pelo CC 1.583, com a
redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.998/2008, em duas espécies: a guarda
unilateral e a compartilhada. A guarda compartilhada, em contraposição à
unilateral, deveria ser a que tem por titular mais de uma pessoa. O § 2º
ressalvou, no entanto, que nessa espécie de guarda os guardiães não vivem sob o
mesmo teto. Desse modo, extraem-se a partir deste dispositivo não duas, mas
três espécies de guarda, conforme a situação jurídica de seus titulares:
a)
Unilateral (guarda dividida, sole custody): guarda exercida por apenas
um dos pais ou por terceiro que os substitua (§ 1º);
b)
Compartilhada (joint Custody): guarda atribuída simultaneamente a mais
de uma pessoa, que habitem em locais distintos (§ 1º, in fine);
c)
Conjunta: guarda exercida por pais que coabitam (CC 1,634, II).
Assim,
segundo a classificação legal adotada pelo Código Civil, é espécie de guarda
compartilhada a guarda alternada (divided custody), i.é, a atribuída a
pessoas domiciliadas em locais distintos, e que tem o filho menor,
separadamente, por períodos iguais alternados.
No
common law, há dois tipos de guarda compartilhada: a) Legal ou jurídica;
b) Física,
A guarda
compartilhada jurídica atribui a ambos os pais separados a responsabilidade
pelos direitos e deveres decorrente do poder familiar. A manutenção dos
direitos e deveres decorrentes d poder familiar em caso de divórcio (CC 1.579)
ou de novas núpcias do titular do poder familiar (CC 1.636) é da tradição do
direito brasileiro. Vale dizer, no Brasil, os direitos e deveres inerentes ao
poder familiar decorrem deste e pouco são tocados com a alteração da guarda.
Com a vênia dos autores de uma das melhores monografias sobre o tema (MADALENO,
Rafael; MADALENO, Rolf. Guarda compartilhada: física e jurídica. 2.ed.
São Paulo: RT, 2016, p. 173 e ss.), que sustentam posição contrária, ao
instituir a guarda compartilhada, a Lei n. 11.698/2008 não criou a guarda
compartilhada jurídica, pois o compartilhamento da responsabilidade
parental sempre existiu na ordem jurídica pátria.
A guarda compartilhada física, diferentemente, é a delineada pela divisão
equilibrada do tempo de convívio dos pais com os filhos, conforme prescreve o §
2º do CC 1.583. Foi ela o objeto de ambas as lei especiais que alteraram o
dispositivo ora comentado.
3. Da guarda compartilhada. Na Inglaterra, até o
século XIX, o pai tinha direito de propriedade sobre os filhos menores. A
Revolução Industrial provocou profundas alterações no modo de organização das
famílias: o distanciamento entre os locais de trabalho e de residência, a
especialização das funções familiares; o reconhecimento do papel da mulher na
sociedade e de sua importância no desenvolvimento da criança. Tais fatores
levaram os tribunais ingleses a consagrar o princípio do best intesrest of child e a dar
preferencia às mães na atribuição da guarda dos filhos menores em caso de
separação (FOLBERG, jay, Custody & shared
parenting, 2. ed. New York: The Guilford Press, 1991, p. e).
A guarda compartilhada (joint
custody, shared parenting, joint parenting, co-custody, concurrent custody,
shared custody, co-parenting) foi também uma
criação jurisprudencial que resultou do princípio da igualdade entre homem e
mulher. Na segunda metade do século XX, o aumento da participação das mulheres
no mercado de trabalho implicou maior participação dos homens nos cuidados dos
filhos e o consequente abrandamento da presunção de que conferir a guarda à mãe
significa maior continuidade e estabilidade para os filhos. Estudo enfatizaram
a importância da presença da figura paterna para o desenvolvimento da criança.
Segundo EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE, os tribunais ingleses pretenderam alcançar o equilíbrio,
inicialmente, com a atribuição ao pai de parte dos poderes que até então eram
concentrados na mãe titular da guarda: Como a guarda confere ao seu titular
poderes muito amplos sobre a pessoa do filho, a perda deste direito do pai se
revelou injusta e os Tribunais procuraram minorar os efeitos de não atribuição,
através, da split order (i.é, guarda compartilhada) que nada mais é, senão, um fracionamento
do exercício do direito de guarda entre ambos os genitores. Enquanto a mãe se
encarrega dos cuidados cotidianos da criança, care and
control (i.é, “cuidado e controle”), ao pai retorna o poder
de dirigir a vida do menor, custody (custódia). (Famílias monoparentais, 2. Ed., São Paulo: RT, 2003, p. 265).
Segundo o mesmo autor a guarda compartilhada foi
determinada pela primeira vez, de forma inequívoca, no julgamento do Caso
Clissold, em 1964, e foi adotada como padrão pela Court d’Appel, no julgamento do Caso Dipper v. Dipper, em 1980 (Op. cit., loc. cit).
Nos Estados Unidos, uma lei da Carolina do Norte de
1957 autorizou a guarda compartilhada após o divórcio mediante a demonstração
de que ela atenderia ao maior interesse da criança. Mais de 40 Estados
norte-americanos regulamentaram o instituto. Na França, depois de ser adotada
jurisprudencialmente, a guar compartilhada (autorité
parentale conointe) foi regulada pela Lei n. 87.570 (Lei Malhuret), de 1987, e pela
Lei n. 2002-305, de 4 de março de 2002, que modificaram os arts. 373 e ss, do
Código Civil, tornando-a padrão. No direito alemão, a redação original do
Código Civil (BGB) estabelecia que em caso de divórcio a guarda fosse atribuída
ao cônjuge que não houvesse sido responsabilizado por ele (§ 1.635); após as
reformas de 1980 e de 1997, a separação conjugal não mais implica alteração da
responsabilidade parental (Elterliche Sorge). Nos termos do § 1.671 do BGB, um dos pais somente pode excluir a
responsabilidade parental do outro se houver mútuo consentimento, ressalvado ao
filho maior de 14 anos o direito de manifestar discordância e impedir o acordo.
Também pode haver a exclusão da responsabilidade parental se se demonstrar que
é necessária ao maior interesse da criança (§ 1.671, BGB). Na Itália, o affidamento condiviso foi
introduzido pela Lei n. 54, de 2006, que o estabeleceu como padrão para pais
separados, e foi modificado pelo Decreto Legislativo n. 154, de 28 de dezembro
de 2013, que consolidou as alterações nos artigos 337 bis e ss do Código Civil.
Em Portugal, a responsabilidade parental conjunta dos filhos de casais
separados foi estabelecida como padrão segundo o art. 1.906º do Código Civil
conforme a Lei n. 61/2008.
Como se vê, o legislador brasileiro ao estabelecer
com a Lei n. 11.698/2008 a possibilidade de implementação da guarda
compartilhada e ao torna-la o padrão a ser adotado preferencialmente segundo o
§ 2º do CC 1.584, com a redação que lhe deu a Lei n. 13.058/2014, nada mais fez
do que acompanhar um amplo movimento da cultura jurídica ocidental. A rápida
expansão do modelo o faz ser ainda alvo de resistências.
4. Argumentos favoráveis e contrários à guarda
compartilhada. A guarda de filhos nas separações matrimoniais evoluiu
historicamente de forma pendular: após milênios de supremacia patriarcal,
seguiu-se a positivação de critérios que favoreceram a atribuição da guarda à
mãe, até se chegar à guarda compartilhada, uma tentativa de equilíbrio de
participação de pais separados na vida dos filhos.
O psicanalista SÉRGIO EDUARDO NICK sintetizou a crise do modelo tradicional de guarda, que leva ao
afastamento de um dos pais:
“Sabemos hoje que as visitas quinzenais típicas dos
arranjos jurídicos quanto à guarda frequentemente têm efeito pernicioso sobre o
relacionamentos pais-filhos, uma vez que propicia um afastamento grande (tanto
no sentido físico, como no emocional), devido a angústias frente aos encontros
e separações, levando a um desinteresse defensivo de estabelecer contato com as
crianças (Cowan, 1982; Dolto, 1989). A visitação regular é um fator
significativo na explicação de padrões de ajustamento escolar positivo nas
crianças após o divórcio (Pearson e Thoennes, 1990; Bisnaire, Firestone e
Rynard, 1990). (NICK, Sérgio Eduardo. Guarda compartilhada: um novo enfoque no
cuidado aos filhos de pais separados ou divorciados. In: A nova família; problemas e perspectivas. Vicente Barretto (org.), Rio de Janeiro; Renovar, 1997, p. 127-168,
espec. p. 131)”.
EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE enumerou estudos que afirmam a importância do compartilhamento da
guarda para a preservação dos laços pater-filiais e o equilíbrio emocional dos
filhos:
“São Wallerstein e Kelly que afirmam, pela primeira
vez, que 2/3 (dois terços) das crianças entrevistadas oriundas de famílias
monoparentais, lamentavam a ausência do genitor não-guardião (pai no caso); que
existe uma correlação entre o estado depressivo da criança e a ausência de
contatos com o pai não-guardião; que a segurança, a confiança e a estabilidade
da criança estão diretamente vinculadas à manutenção das relações pais-filhos.
(...) Existe evidência em nossas descobertas que, na falta de previsão legal
para participar das decisões sobre aspectos importantes da vida dos filhos,
muitos pais sem custódia afastaram-see dos filhos com tristeza e frustração.
Este afastamento foi sentido pelos filhos como rejeição e sobre eles teve um
impacto prejudicial ((WALLERSTEIN, J. S. e KELLY, J. B. Surviving the breakup. How
childen and parentes cope with divorce. New York: Basic Books, 1980, p. 311, apud LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais,
2. ed. São Paulo: RT: 2003, p. 279).
[...]
Folberg e Graham, já haviam acentuado, no seu
estudo, o caráter de cooperação provocado pela guarda conjunta. Segundo eles,
“o vencedor tem direito a tudo nas decisões da custódia que tendem ao
exacerbamento das diferenças paternas e causam disputas previsíveis no após
divórcio, como pais tentando obter de volta a custódia (que lhes foi negada) e
a última palavra”. E concluem os autores: “A obtenção da custódia conjunta cria
motivação para uma maior cooperação porque o rompimento do acordo resultará,
provavelmente, na obtenção de uma custódia única ao genitor que não provou o
fracasso” (FOLBERG, H.J. e GRAHAM, M. Joint custody of
children following divorce, 12v. of. C. Davis
523, 1979, p. 536-551 apud LEITE, Eduardo de Oliveira. Op. cit., p. 281).
No mesmo sentido, a conclusão de Dontigny: “As
crianças vivendo uma guarda partilhada (entre o pai e a mãe) manifestam a mais
elevada taxa de satisfação, o fato de permanecer em contato com os dois
genitores se revelando a grande vantagem desta fórmula, enquanto as crianças
vivendo uma guarda exclusiva (só com a mãe, ou só com o pai) se queixam da
perda de contato com um ou com o outro de seus genitores” (DONTGNY, D. “Parents
pour la vie” In: Contact 20, 1988, apud LEITE, Eduardo de
Oliveira Leite, op. cit., loc. cit).”
São duas as principais críticas à guarda
compartilhada e nenhuma delas se opõe ao instituto como um todo, mas apenas a
determinado modo de aplicação ou à sua aplicação em dada circunstância.
A primeira refere-se à insegurança e consequente
mal-estar para o filho em razão de constantes alternâncias de domicílios. Esta
crítica tem como alvo uma das formas de compartilhamento da guarda que é
alternada. A fim de se evitar esse risco, caso os pais não consigam conciliar
de outro modo a questão, podem estabelecer uma residência habitual, como se
infere do § 3º do CC 1.583, ao prever, expressamente, que o filho terá uma
cidade considerada “base de moradia”. Se houver desacordo, o juiz pode fixar a residência habitual e os
período de convívio.
A segunda é contra a fixação em caso de litígio
entre os pais. ROLF MADALENO afirma que a guarda
compartilhada pressupõe consenso:
“Não obstante as Leis 11.698/2008 e 13.058/2014
facultem impor a guarda compartilhada jurídica e física, ainda assim é preciso
reconhecer ser de fundamental relevância apurar a boa intenção e o espaço para
diálogo dos pais, porque, em contrário, provavelmente uma guarda forçada por
decreto judicial terminará ascendendo novos e indesejados conflitos que
colocarão a criança e o adolescente no centro de um turbilhão de
desentendimentos e no surgimento de subsequentes demandas que levarão à redução
das prerrogativas conferidas aos pais, além de submeterem seus filhos a uma
indesejada rotina de alternância do domicilio, em um movimento pendular. (MADALENO, Rolf. A lei da guarda compartilhada. In: Guarda compartilhada. Antônio
Carlos Mathias Coltro; Mário Luiz Delgado (orgs.). 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2018, p. 301-316, espec. p. 310).”
Esta crítica é parcial, pois somente recusa o
compartilhamento da guarda em situações de litígio. Ela estabelece presunção em
desacordo com o § 2º do CC 1.584, que expressamente determina a fixação da
guarda compartilhada quando as partes mantêm conflito em relação a ela. O
Código Civil, por sua vez, está em consonância com a legislação estrangeira
como visto. O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido da
adoção preferencial da guarda compartilhada:
1. A instituição da guarda compartilhada de filho
não se sujeita à transigência dos genitores ou à existência de naturais
desavenças entre cônjuges separados.
2. A guarda compartilhada é a regra no ordenamento
jurídico brasileiro, conforme disposto no CC 1.584, em face da redação
estabelecida pelas Leis 11.698/2008 e 13.058/2014, ressalvadas eventuais
peculiaridades do caso concreto aptas a inviabilizar a sua implementação,
porquanto às partes é concedida a possibilidade de demonstrar a existência de
impedimento insuperável ao seu exercício, o que não ocorreu na hipótese dos
autos. (STJ, REsp n. 1.591.161-SE,
Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva).
A recusa de aplicação do comando legal, em sua
literalidade, deflui da dificuldade do intérprete em conceber um bom
funcionamento do instituto em litígios o que é inteiramente possível.
5. do exercício da guarda compartilhada. A maior
polêmica em relação à guarda compartilhada diz respeito à sua utilização em
casos litigiosos. A solução do problema está na própria compreensão do
instituto, de sua finalidade e de suas raízes históricas.
A guarda compartilhada surgiu da conjugação dos
princípios jurídicos da igualdade de gêneros e do maior interesse da criança,
como meio de se evitar ou de se atenuar os danos frequentemente suportados por
crianças e adolescentes decorrentes da guarda unilateral: a síndrome da
alienação parental (SAP) – identificada por Richard Gardner, em 1985 – e o
abandono afetivo.
O compartilhamento da guarda tem a função de
assegurar a maior proteção dos interesses dos filhos menores mediante a
igualdade entre o pai e a mãe na relação com a prole.
Assim, a guarda compartilhada é inspirada na ideia
de se buscar no caso concreto a maximização da igualdade de gêneros visando ao
bem-estar da criança e do adolescente. Ao contrário do que afirma a crítica à
guarda compartilhada, não é a paz e a ausência de litígio entre as partes que a
autorizam, mas a sua instituição que colabora para que esse ideal venha a ser
buscado no exercício do poder familiar, como afirmou a Ministra Nancy Andrighi
em julgamento que consagrou a preferência que deve ser reconhecida ao
instituto:
“1. A guarda compartilhada
busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito
mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim
das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais.
2. A guarda compartilhada é o ideal a
ser buscado no exercício do Poder familiar entre pais separados, mesmo que
demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus
filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo
referencial.
3. Apesar de a separação ou do divórcio
usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a
maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor,
ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na
hipótese de ausência de consenso.
4. A inviabilidade da guarda
compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma
potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária
ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole.
5. A imposição judicial das atribuições
de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda
compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à
implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra
morta.
6. A guarda compartilhada deve ser tida
como regra, e a custódia física conjunta – sempre que possível – como sua
efetiva expressão. (STJ, Recurso Especial n. 1.428.596-RS, Rel. Min.
Nancy Andrighi, j. 03.06.2014).”
Como se vê, a guarda compartilhada surgiu para
incentivar a responsabilidade parental e não como um possível fruto da harmonia
de partes que vivem separadas. Ela visa a incentivar a colaboração, a
cooperação. Quer romper a lógica concorrencial e beligerante que transforma os
filhos em prêmio àquele que sofre a menor redução moral durante o processo. É
um fomento, um incentivo à concórdia, embora possa existir sem ela.
A própria inovação terminológica colabora para que
esse modelo de guarda contribua para a maior efetividade dos princípios da
igualdade de gêneros e do maior interesse da criança. É da tradição do Direito
de Família o abandono de certos termos quando se pretende evitar a carga
ideológica negativa a eles associada. São números os exemplos de tais
substituições: desquite por separação
judicial; homossexual por homoafetivo; concubinato por união estável, entre
tantos outros. Do mesmo modo, a expressão guarda compartilhada induz uma
superioridade ética em relação à expressão guarda unilateral.
A inovação vai além do léxico. Por ser
“compartilhada”, a guarda não mais toca, separadamente, ao pai ou à mãe: ambos,
mesmo separados, são guardiães. Não há, neste modelo a capitis diminutio, a perda da
condição de guardião para o pai ou para a mãe que durante décadas foi uma
sanção ao responsável pela dissolução do casamento. Na guarda compartilhada, um
dos pais somente não está, momentaneamente, na companhia dos filhos pela
impossibilidade ou pela inconveniência de coabitação com o outro genitor. É
notória e relevante a alteração do escopo, embora, fisicamente, a situação
possa se assemelhar à da guarda unilateral.
Da permanência da guarda decorre sua
incompatibilidade com o direito de visita (CC 1.589); na guarda compartilhada os guardiães possuem tempo de convívio (§ 2º do CC 1.583).
Neste ponto vislumbra-se igualmente a superioridade do modelo. Pais,
ordinariamente, não visitam filhos menores; pais não têm filhos em sua
companhia. Pais, vivem ou convivem com
seus filhos, como, acertadamente consta na literalidade da
lei. Os períodos de convívio e a residência
habitual dos filhos podem ser livres ou prefixados. Não há
determinação legal de que sejam estabelecidos judicialmente. A omissão, no
caso, é um silêncio eloquente da lei, que não apenas homenageia a autonomia
privada dos pais e dos próprios filhos menores, como atende às dificuldades
práticas de se regular judicialmente matéria pouco “justiciável”, ou seja,
matéria para a qual os instrumentos estatais mostram-se frequentemente
inadequados e ineficazes à satisfação das necessidades das partes em situações
que se contam em horas, minutos, não têm turno, nem férias, nem feriados.
A fixação de período de convivência e da residência
habitual tem lugar diante do interesse de qualquer das partes ou dos filhos
menores, o que ocorre, ordinariamente, na presença de litígio. Os parâmetros
não são os mesmos tradicionalmente adotados para a fixação do direito de
visitas na guarda unilateral pois, como prevê o dispositivo, a divisão de tempo
de convívio deve ser estabelecida “de forma equilibrada”. Equilibrada em matéria de guarda compartilhada é a divisão que assegura
àquele que não seja o detentor da residência habitual tempo de convivência não
inferior a 35% do tempo total dos filhos, o que se pode realizar mediante a
concessão de um período maior de convívio com os filhos durante os finais de
semana e nos períodos de férias. Se na guarda unilateral é comum que ao pai
seja deferido o direito de visitas de 15 em 15 dias, o compartilhamento da
guarda deve representar um aumento desse tempo de contato, com a convivência em
dias da semana ou, nos fins de semana, de sexta a segunda-feira, ao invés da
tradicional visita de sábado e domingo.
A compensação também pode ocorrer nos período de
férias, assegurando-se àquele que não é o guardião titular da residência
habitual um período de convivência maior com os filhos, de até dois terços do
período das férias.
6. Residência habitual dos filhos. O § 3º do CC
1.583 tem significado mais amplo do que sua expressão literal. Na guarda
compartilhada e comum, embora não seja necessário, a fixação de uma residência
habitual para os filhos, mesmo quando ambos os pais residam na mesma cidade. De
outra lado, a residência habitual dos filhos pode não ser a residência na mesma
cidade. De outro lado, a residência dos pais, como caso de estudo em internatos,
intercâmbios culturais, residência em lar de parente e situações semelhantes.
Desse modo, a localização das residências dos pais deve ser levada em conta
para efeito de fixação da residência habitual, podendo ser até mesmo em cidade
diversa daquela em que tenham sido domiciliados os filhos. A mudança de
domicilio dos filhos que implique mudança de município exige a anuência de ambos
os pais detentores do poder familiar (CC 1.634, V), caso em que a recusa pode
ser judicialmente suprida se for reputada injusta.
7. Direitos e deveres na guarda unilateral.
Tradicionalmente, ao detentor do poder familiar destituído da guarda a lei
conferia o direito de fiscalizar o exercício desta (CC 1.589). A redação dada
pela Lei n. 13.058/2014 ao § 5º do CC 1.583, estabeleceu dever complementar ao
direito de fiscalização: o dever de supervisão, que reforçou a responsabilidade
parental do seu titular. Para tanto, conferiu-lhe poderes e legitimidade para
exigir informações e prestação de contas. Esta última faculdade veio corrigir
entendimento jurisprudencial anterior, que repelia a possibilidade de o
alimentante requerer prestação de contas do titular da guarda, sob a
justificativa de suposta maior amplitude do direito de fiscalização, a exemplo
do que decidiu em 2012 o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n.
970.147-SP (Rel. Min. Marco Buzzi, j. 4/09/2012. A incongruência é visível:
como um direito supostamente maior, como é o de fiscalização, poderia não
incluir um direito supostamente menor que seria o de exigir prestação de
contas? A alteração legislativa, ao conferir ao pai ou à mãe não-guardião o
direito de obter informações e prestação de contas deixou clara a possibilidade
de manejo da ação de exigir contas prevista nos artigos 550 a 553 do Código de
Processo Civil. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e
Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud Direito.com,
comentários ao CC 1.583, acessado em 22.03.2021, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).