terça-feira, 30 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.596, 1.597, 1.598 Da Filiação - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.596, 1.597, 1.598

Da Filiação - VARGAS, Paulo S. R.

-  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Subtítulo II – Das Relações de Parentesco – Capítulo II

Da Filiação -  (Art. 1.596 a 1.606) –

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 Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. 

Iniciando o Capítulo II -  “Da Filiação” -, nas palavras de Marco Túlio de Carvalho Rocha: A filiação é fenômeno cultural complexo relacionado a vínculos biológicos, socioafetivos e jurídicos. 

O vínculo socioafetivo coincide com a posse de estado de filho quando aquele não resulta de fraude ou de violência. O “filho de criação” e o enteado não entram na posse de estado de filho, pois a inexistência do vínculo de filiação é notória (fato obstativo da posse). O enteado pode acrescer o sobrenome do padrasto ou madrasta se houver anuência destes (art. 57, § 8º, da Lei n. 6.015/73, com a redação dada pela Lei n. 11.924/09). 

Com a descoberta da técnica de exame do DNA, ganhou força na jurisprudência a concepção “biologista”, segundo a qual a filiação é determinada exclusivamente pelos vínculos biológicos. Posteriormente, a jurisprudência passou a admitir que vínculos socioafetivos servem à constituição da filiação.

No tocante ao estabelecimento do vínculo, o Código Civil de 1916 continha restrições aos meios probatórios que foram consideradas revogadas pela Constituição de 1988, ao instituir a igualdade dos filhos (art. 227, § 6º). As repetidas pelo Código Civil de 2002 devem ser consideradas arbitrárias e, portanto, inconstitucionais, em razão do surgimento da técnica de exame do DNA (cf. CC 1.605, I e II; BOSCARO, Márcio Antonio, Direito de filiação, São Paulo: RT, 2002, p. 164). 

As ações de filiação não têm natureza dúplice: de desconstituição e de constituição dos vínculos. O art. 348 do Código Civil de 1916 (correspondente ao CC 1.604, vigente) foi interpretado durante muito tempo como proibição de se ajuizar ação de investigação da filiação antes de se ter impugnado a filiação preexistente (WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 14. ed. são Paulo: Saraiva, 2002, p. 202). Atualmente, contudo, os tribunais têm admitido, por economia processual, a propositura concomitante das ações e até, impropriamente, a cumulação de pedidos (VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 101-103). 

Embora sejam, tradicionalmente, consideradas declaratórias, as ações de estado são constitutivas (positivas ou negativas), podendo ter efeitos retroativos ou não (AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, v. 300, p. 7-37, out. 1960, espec. p. 30-31). 

Princípios constitucionais de maior relevância sobre a filiação: 1. a) Proteção estatal à família (art. 226, caput, CF); 2. b) Maior interesse da criança (art. 227, caput, CF); 3. c) Igualdade dos filhos (art. 227, § 6º, CF; CC 1.596); 4. d) Liberdade de planejamento familiar (art. 227, § 7º, CF).

Classificação da filiação: 1 a) Quanto ao estado civil dos pais: matrimonial (CC 1.597) ou não-matrimonial. 2 b) Quanto ao vínculo: natural ou civil (por adoção ou inseminação heteróloga). Entende-se que somente esta distinção é admissível no direito brasileiro, porque: b 1) a igualdade entre os filhos, diferentemente do que ocorre em outros países, é, no direito brasileiro, um direito fundamental que, como tal, deve ser interpretado no sentido da maior eficácia; b 2) a igualação atende melhor ao princípio da subsidiariedade, que assegura menor interferência estatal na família; b 3) não há mais a necessidade moral de se impedir o questionamento por terceiros dos filhos nascidos de pessoa casada; b 4) a igualação torna o direito mais operativo, evitando o choque da presunção pater is est com a presunção advinda do registro, em situações em que este é feito por outrem que não o marido da mulher; b 5)o art. 337 do Código Civil de 1916, que obrigava a regra pater is est, foi expressamente revogado pela Lei n. 8.560/92 e não foi reproduzido no Código Civil de 2002. 

Classificação antiga: filhos legítimos, ilegítimos, naturais, espúrios, incestuosos e adulterinos a patre e a matre. Esta classificação tem valor histórico e encontra-se superada pelo princípio da igualdade dos filhos. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.596, acessado em 30.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Lecionando Milton Paulo de Carvalho Filho, A disposição em exame corresponde ao § 6º do art. 227 da Constituição Federal e tem por objetivo eliminar as distinções que se faziam entre filhos legítimos e ilegítimos. Entre os filhos havidos ou não do casamento e os adotivos há distinções, mas elas não autorizam divergência de direitos e efeitos. Também não se admitem discriminações entre uns e outros. Sílvio Rodrigues, porém, pondera a respeito do tema o seguinte: “Assim é que, para os filhos originados de uma relação conjugal, a lei estabelece uma presunção de paternidade e a forma de sua impugnação; para os havidos fora do casamento, criam-se critérios para o reconhecimento, judicial ou voluntário; e, por fim, para os adotados, são estabelecidos requisitos e procedimento para a perfilhação” (Direito civil. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 340, v. VI).

O conceito de entidade familiar foi reformulado na nova ordem constitucional, especialmente com base na doutrina moderna que define a família sob a visão das pessoas que dela fazem parte. Em estrita observância ao princípio da dignidade da pessoa humana e considerando exclusivamente os integrantes da família e os laços de afetividade que os envolvem, foram reconhecidos expressamente pela Constituição Federal de 1988 outros modelos de entidade familiar, além daquele decorrente do casamento: o núcleo formado pela união estável e a denominada família monoparental constituída por um dos genitores e seus filhos. Com referência às relações familiares e, especialmente, no tocante à filiação, identifica-se no Brasil de hoje a plena observância ao princípio da afetividade como uma espécie do princípio geral da dignidade da pessoa humana, que privilegia os laços sociais e afetivos, em contraposição aos vínculos de origem biológica ou genética, que eram, em outros tempos, os únicos critérios considerados para a constatação da filiação. Paulo Lobo assevera que a doutrina jurídica brasileira tem vislumbrado aplicação do princípio da afetividade em variadas situações do direito de família, nas dimensões: a) da solidariedade e da cooperação; b) da concepção eudemonista; c) da funcionalização da família para o desenvolvimento da personalidade de seus membros; d) do redirecionamento dos papéis masculino e feminino e da relação entre legalidade e subjetividade; e) dos efeitos jurídicos da reprodução humana medicamente assistida; f) da colisão de direitos fundamentais; g) da primazia do estado de filiação, independentemente da origem biológica ou não biológica (RBDFS 5/12-13, Magister).

Com efeito, do registro de nascimento constarão todas as informações apontadas como obrigatórias no art. 54 da Lei de Registros Públicos e anotadas de acordo com as declarações prestadas pelo pai da criança, sendo este o declarante. A filiação e o conteúdo das demais informações constantes do assento de nascimento são dotadas de presunção de veracidade, nos termos dos CC 1.603 e CC 1.604. Ao Estado e à sociedade interessam que o vínculo registrai seja mantido por ser o principal gerador de direitos e deveres, em razão da lei e da publicidade de que é revestido. Contudo, em alguns casos, ele poderá ser alterado, em razão do vínculo socioafetivo que, para ser reconhecido, necessita de ampla dilação probatória. A despeito da presunção de veracidade de que todos os dados existentes no assento de nascimento são dotados, a verdade registrai poderá não coincidir com a verdade biológica.

A parentalidade biológica é identificada pela herança genética recebida pela criança que foi gerada após a fecundação do óvulo pelo espermatozoide. O vínculo biológico surge, portanto, já no início da vida da criança ao receber os genes da mãe e do pai, por meio da união dos respectivos gametas. A paternidade genética pode hoje, pois, ser identificada por intermédio da utilização de avançadas técnicas científicas e de modernos exames laboratoriais que rastreiam e esclarecem a verdade biológica, muitas vezes, contrariando as informações existentes no registro de nascimento. 

A parentalidade socioafetiva, por sua vez, não decorre de uma declaração, nem tampouco, de um fato biológico. Ela surge em razão da existência de estreitos laços afetivos e sociais que unem determinadas pessoas que se relacionam como entidade familiar, independentemente da correspondência com a verdade biológica ou aquela constante do assento de nascimento. A posse do estado de filho, como também é denominado o relacionamento socioafetivo, é reconhecida pela própria sociedade que identifica o vínculo parental pela observação daquele núcleo familiar que possui uma relação verdadeira entre pais e filhos ligados pelo amor, carinho, consideração, respeito e cumplicidade, importando direitos e deveres. A opção do legislador pela filiação socioafetiva se manifesta nos arts. 1.593,1.596, 1.597, V, 1.605 e 1.614 deste Código.

É possível concluir que a nossa legislação estabelece quatro tipos de estados de filiação, decorrentes das seguintes origens: 1) por consanguinidade; 2) por adoção; 3) por inseminação artificial heteróloga; 4) em virtude de posse de estado de filiação. Paulo Lobo ensina que a consanguinidade, a mais ampla de todas, faz presumir o estado de filiação quando os pais são casados ou vivem em união estável, ou ainda na hipótese de família monoparental, e que o direito brasileiro não permite que os estados de filiação não consanguíneos (itens 2, 3 e 4 acima) sejam contraditados por investigação de paternidade, com fundamento na ausência de origem biológica, pois são irreversíveis e invioláveis, no interesse do filho (ob. cit., p. 14).

No histórico consta do artigo em referência “preservam-se os direitos dos filhos concebidos na constância do, casamento, mesmo anulado ou nulo, independentemente da boa-fé ou da má-fé dos seus pais”. Retomando, em seguida, o projeto à Câmara, promoveu o Deputado Ricardo Fiuza reformulação no dispositivo, que restou acolhida em definitivo.

Ficando da seguinte forma grafado na Doutrina • O presente artigo repete, na íntegra, o disposto no Art. 227, § 6º , da Constituição da República de 1988, que, em preservação da dignidade da pessoa humana, veda as desigualdades entre os filhos.

• Esse preceito coroou uma longa e árdua evolução da sociedade e do direito, já que, durante muito tempo, filhos havidos fora do casamento não tinham os mesmos direitos dos oriundos de matrimônio civil, sendo excluídos da “cidadania jurídica”, em favor de uma falsa harmonia nas relações matrimoniais (cf. Luiz Edson Fachin, Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 15; e Zeno Veloso, Direito brasileiro da filiação e paternidade, São Paulo, Malheiros Ed., 1997, p. 7-1 1). 

• No Código Civil anterior, classificava-se a filiação em legítima (resultante de casamento) e ilegítima (oriunda de relação extramatrimonial), sendo esta última natural (decorrente de relação extramatrimonial entre pessoas sem impedimento matrimonial), espúria (resultante de relação com impedimento matrimonial), adulterina (originária de relação entre pessoa casada com terceiro) e incestuosa (proveniente de relação entre parentes próximos).

• É vedada a classificação da filiação, feita no regime anterior, por ser discriminatória. 

• Todos os filhos, independentemente de sua origem, têm os mesmos direitos. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 812-13, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: 

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; 

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; 

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. 

É entendimento de Milton Paulo de Carvalho Filho, que a regra em exame tem por objeto fixar critérios para tornar certa a filiação. O dispositivo foi alterado significativamente em relação ao Código Civil revogado, na medida em que não se restringiu às hipóteses de relação sexual. José de Oliveira Ascensão criticou o dispositivo ao afirmar que ele traz mais dúvidas do que soluções, uma vez que os seus incisos não tratam propriamente da filiação, mas de presunções de vínculos decorrentes do casamento.

O período da gravidez se inicia com a concepção e se encerra com o nascimento. Desse modo, de acordo com o inciso I do dispositivo em exame, os nascidos seis meses após o estabelecimento da convivência conjugal presumem-se concebidos durante o casamento. Esse prazo é o mínimo para o desenvolvimento da gestação. De todo modo, Arnaldo Rizzardo observa que “inexistindo impugnação de parte do marido da mãe, firma-se a paternidade” (Direito de família. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 416).

O sistema legal, por outro lado, afasta a presunção se o nascimento ocorrer antes do decurso do prazo de 180 dias contados do estabelecimento da convivência conjugal. Também se estabelece presunção de que a concepção se verificou na constância do casamento quando o filho nasceu menos de dez meses após sua dissolução (inciso II). O marco inicial para a fluência desse prazo deve ser a separação de fato. Tais presunções, contudo, não prevalecem em face da constatação biológica em sentido diverso. Tratando-se de presunção relativa, e levando em conta a evolução da ciência contemporânea a respeito do tema, haverá de prevalecer a constatação técnica a propósito da paternidade.

No inciso III do presente artigo, cuida-se da fecundação artificial homóloga, correspondente àquela que resulta da manipulação de gametas do marido (sêmen) e da mulher (óvulo). Tal procedimento depende do consentimento do marido enquanto ele viver (Lobo, Paulo Luiz Netto. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XV I, p. 50). Diversamente do que ocorre com a presunção prevista no inciso II do presente artigo, nessa hipótese a fecundação pode ocorrer mais de trezentos dias da dissolução do casamento. Nesses casos, será indispensável o consentimento expresso do marido.

Segundo o Enunciado n. 106 da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, “para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte”.

A hipótese tratada no inciso IV cuida dos embriões excedentários, i.é, aqueles que foram manipulados geneticamente, mas encontram-se armazenados sem, ainda, terem sido introduzidos no útero materno. A concepção de embriões excedentários só é admitida nos casos de fecundação homóloga, ou seja, em que os gametas sejam de pessoas casadas ou que vivam em união estável (Lobo, Paulo Luiz Netto. Código Civil comentado, v. XVI. São Paulo, Atlas, 2003, p. 52). Descumprida essa regra, o filho será juridicamente da mulher em cujo útero ele foi instalado e do marido dela, se ela for casada (idem). “Finda a sociedade conjugal, na forma do CC 1.571, a regra do inciso IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges, para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões” (Enunciado n. 107 da I Jornada de Direito Civil). 

Finalmente, a última hipótese - inciso V - disciplina a inseminação heteróloga - aquela em que o gameta não é do marido -, possibilidade condicionada exclusivamente à autorização prévia deste. O dispositivo não exige nem mesmo que a autorização seja dada por escrito, bastando que seja prévia. Comprovada a autorização, o marido não poderá negar a paternidade, prevalecendo, mais uma vez, a paternidade socioafetiva. Note-se, ainda, que, embora o dispositivo faça referência expressa ao casamento, deve ser aplicado integralmente à união estável ( Lobo, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 59, v. XV I). 

Sobre o presente dispositivo legal, as I e III Jornadas de Direito Civil do Centro de Estudos antes referido estabeleceram os seguintes Enunciados: n. 104: “no âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) de vontade no curso do casamento”; n. 105: “as expressões 'fecundação artificial’, ‘concepção artificial’ e ‘inseminação artificial’ constantes, respectivamente, dos incisos III, IV e V do CC 1.597 deverão ser interpretadas como ‘técnica de reprodução assistida’”; n. 257: “as expressões ‘fecundação artificial’, ‘concepção artificial’ e ‘inseminação artificial’, constantes, respectivamente, dos incisos III, IV e V do CC 1.597 do Código Civil, devem ser interpretadas restritivamente, não abrangendo a utilização de óvulos doados e a gestação de substituição”.

A doutrina prevê que a Lei de Biossegurança, n. 11.105/2005, trará inúmeros questionamentos acerca da filiação decorrente de inseminação artificial heteróloga, entre outros, o relativo à autorização de utilização de células-tronco pelos genitores do embrião (art. 5º, § Iº). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.753-54.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Partindo-se do histórico, a primeira versão deste artigo aprovada pela Câmara dos Deputados mantinha praticamente o mesmo texto dó projeto, com apenas dois incisos, e dizia: “presumem-se concebidos na constância da sociedade conjugal : I — os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal. II — os nascidos dentro nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial ou anulação”. Durante a tramitação no Senado, o dispositivo foi emendado, passando a redigir-se: “presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I — nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; lI — nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal; III — havidos por inseminação artificial, desde que tenha prévia autorização do marido”. Retornando, em seguida, o projeto à Câmara, promoveu o Deputado Ricardo Fiuza reformulação no dispositivo, que restou acolhida em definitivo.

Dessa forma, a Doutrina - o casamento gera a presunção da paternidade — pater is est quem nuptiae demonstrant — por presunção da coabitação e da fidelidade da mulher, ou, por outras palavras, porque a lei supõe relações sexuais entre os cônjuges e que a mulher as tenha tido somente com o marido (cf. Yussef Said Cahali, Dos alimentos, 3. cd., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 595).

• No entanto, a presunção constante do inciso II não faz qualquer sentido. A uma, porque a separação judicial, a nulidade do casamento e a anulação do casamento são, via de rega, precedidas de separação de fato entre os cônjuges , de modo que não podem os tenham havidos trezentos dias após as sentenças respectivas ser havidos presumivelmente como sendo do marido. A duas, porque, se o cônjuge simplesmente separado de fato pode constituir união estável (CC 1.723 § 1º) o filho havido da nova relação da mulher, nestas circunstâncias e diante deste dispositivo, será tido presumivelmente como de seu marido. Somente devem permanecer as presunções constantes dos incisos I, III, IV e V, com a sua devida renumeração. A presunção da paternidade em reprodução assistida é adequada aos avanços da ciência ocorridos nesta área. A palavra “fecundação” vem do latim — fecundatio, proveniente do verbo fecundare, que significa “fertilizar” —, sendo entendida como a fase de reprodução consistente na fertilização do óvulo pelo esperma. A palavra “inseminação” tem origem no verbo inseminare, composto por in — dentro — e semen — semente, de modo que significa a colocação do sêmen ou do óvulo fecundado na mulher No entanto, fecundação e inseminação, por meios artificiais, são utilizadas como expressões sinônimas. A fecundação ou inseminação homóloga é realizada com sêmen originário do marido, e a fecundação ou inseminação heteróloga é feita com sêmen de terceira pessoa. A fecundação ou inseminação artificial post mortem é aquela realizada com sêmen ou embrião conservado por meio de técnicas especiais, após a morte do doador do sêmen (v. Regina Beatriz Tavares da Silva, Responsabilidade civil do médico na inseminação artificial, in Responsabilidade civil médica, odontológica e hospitalar, coord. Carlos Alberto Bittar, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 33-57). Embrião é o ser oriundo da junção de gametas humanos, sendo que há basicamente dois métodos de reprodução artificial: método ZIFT, consistente na realização da fecundação fora do corpo da mulher (in vitm), e método GIFT, consistente na introdução de gameta. por meio artificial, no corpo da mulher, esperando-se que a própria natureza faça a fecundação. O embrião é excedentário quando é fecundado fora do corpo (in vitro) e não é introduzido prontamente na mulher, sendo armazenado por técnicas especiais (v. Mônica Sartori Scarparo, Fertilização assistida, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1991, p. 8-17; e Joaquim José de Souza Diniz, Filiação resultante da fecundação artificial humana, in Direitos de família e do menor, Belo Horizonte, DeI Rey, 1993, p. 46). O dispositivo traz solução às situações em que o filho é oriundo de fecundação ou inseminação artificial homóloga e heteróloga, inclusive após a morte do doador. Na fecundação homóloga considera-se, por presunção, filho do marido aquele concebido após a sua morte e aquele concebido a qualquer tempo sendo embrião (sedentário, e na fecundação heteróloga presume-se a filiação do marido desde que tenha havido o seu consentimento. Como acentua Zeno Veloso, “Seria antijurídico, injusto, além de imoral e torpe, que o marido pudesse desdizer-se e, por sua vontade, ao seu arbítrio, de fazer um vínculo tão significativo, para o qual aderiu, consciente e voluntariamente (Zeno Veloso, Direito brasileiro da filiação e da paternidade, São Nulo, Malheiros Ed., 1997, p. 151). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 813-14, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nas considerações gerais, apostas por Marco Túlio de Carvalho Rocha, o anteprojeto do Código Civil foi elaborado numa época em que o Direito de Família ocupava-se essencialmente do casamento. As demais formas de família eram marginais. Essa diferenciação resultou em verdadeira discriminação da lei, ao considerar a filiação sob o prisma matrimonial.

A interpretação da lei, levando-se em conta os princípios constitucionais, deve partir do estabelecimento da maternidade, a respeito do qual o Código é omisso. Presume-se que a mãe seja sempre conhecida: mater semper certa est. É crime abandonar filho (arts. 133, 134 e 243 do Código Penal), mas a mãe pode entregar a criança, ao nascer, à Vara da Infância e da Juventude (art. 13. ECA).

O parto anônimo já foi uma prática comum: entre 1825 e 1950, 4.696 bebês foram deixados na roda dos expostos na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (Turismo hospitalar. Folha de São Paulo, 12.12.2010, Caderno Saúde, p. 13). O parto anônimo é lícito na França:

“Verdade que o CC 56 exige que todo nascimento seja objeto de uma declaração junto ao oficial do estado civil no prazo de três dias. No entanto, por certo não é necessário indicar o nome da mãe e, por consequência, o nome do pai (CC 57, I c/c CC 323, I). O oficial do estado civil não pode empreender investigações de ofício. Em tal caso, o recém-nascido será inscrito no registo de nascimento, como nascido de pais desconhecidos. O Código da família e de ajuda social prevê regras particulares para a mãe que deseja conservar de modo durável seu ‘segredo de maternidade’ (CC 41, III) e entregar, em seguida sempre de maneira anônima, seu filho à assistência pública” (Frank, Rainer. La signification differente attachée a la filiation par se sang em Droit Allemand et Français de la famille, p. 637). A maternidade é estabelecida mediante: 

1 a) Declaração ao Oficial do Registro Civil (CC 1.603). É costume exigir-se do declarante a apresentação da “Declaração de Nascido Vivo” (DN), que as instituições de saúde estão obrigadas a fornecer ao Ministério da Saúde por força do art. 10, IV, do ECA. Tal documento, no entanto, não é legalmente necessário para o registro;  2 b) adoção; 3 c) Investigação judicial. O CC 1615 menciona essa possibilidade. O art. 364 do Código Civil de 1916, que cerceava a ação de investigação de maternidade não tem correspondente no Código Civil de 2002. Prazo de registro do nascimento: 15 dias (que pode ser ampliado até 3 meses e acrescido de 45 dias; art. 50 c/c art. 52, Lei n. 6.015 – Lei dos Registros Públicos). 

Ordem dos declarantes (art. 52): 1º) pai; 2º) mãe; 3º) parente mais próximo; 4º médicos e administradores de hospitais; 5º) pessoa idônea; 6º) pessoas encarregadas da guarda do menor.

O oficial pode verificar a existência do recém-nascido, diretamente ou por meio de atestado médico ou de testemunhas. Após o prazo de declaração, o oficial pode requerer ao juiz o esclarecimento do fato (art. 52, § 1º e § 2º, Lei n. 6015).

Se a mãe não for conhecida aplicam-se à criança as medidas de proteção previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90, arts. 98, 101, 90-97, 102).

Tradicionalmente, presume-se que o filho matrimonial tem como pai o marido de sua mãe: pater is est quem nuptiae demonstrant  ou simplesmente pater is est. 

No entanto, como assinala Luiz Felipe Brasil Santos, a Lei n. 8.560/92 revogou o art. 337 do CC/1916, que consagrava a presunção pater is est e não há no CC/2002 nenhum dispositivo equivalente ao art. 337 do CC/1916, razão pela qual entendeu o autor que a presunção está revogada (Santos, Luiz Felipe Brasil. A incerteza da paternidade (certa): a presunção pater es está abolida. Boletim IBDFam, n. 31, ano 5, mar/abr. 2005, p. 5).

A presunção de que o filho é matrimonial possibilita o registro do filho em nome do marido da mulher, independentemente de manifestação deste. Se se admitir a revogação da regra, como se impõe, os filhos matrimoniais, tal como os não-matrimoniais somente devem ter o reconhecimento da paternidade mediante reconhecimento voluntário ou forçado. 

2. Favor matrimonialis. O legislador parte da presunção de que o prazo mínimo de gravidez viável é de 180 dias. Portanto, se uma mulher dá à luz 180 dias após ter se caso é possível que o filho tenha sido concebido durante o casamento. Na ultrapassada tradição que inspirou o Código civil, o legislador dá a este filho a condição de filho matrimonial (favor matrimonialis).

3. 300 dias é o tempo máximo de gravidez admitido pelo legislador. Assim, se um filho nasce da mulher até o referido limite temporal após a dissolução da sociedade conjugal, é possível que a concepção tenha ocorrido dentro do casamento. Por esse motivo, o legislador estende a ele a presunção de filho matrimonial.

4. Filhos provenientes de fecundação homóloga. Fecundação homóloga é a realizada com o material genético do próprio casal. Óvulo e espermatozoides pertencem ao próprio casal. Filho nascido em tais condições é considerado filho do casal. O dispositivo é falho. Ele se situa em artigo relativo à presunção da paternidade matrimonial. Sobre filho concebido em circunstâncias, no entanto, nenhuma presunção pode ser estabelecida. Presunção é forma de raciocínio que permite afirmar uma realidade desconhecida a partir de uma realidade conhecida. Nascida uma criança, quanto mais depois de morto o marido, ultrapassado o prazo de 300 dias do inciso anterior, nenhuma presunção se pode estabelecer quanto a ser o falecido seu genitor. Será necessário exame genético que comprove o vínculo. Portanto, presunção não haverá. 

5. O dispositivo é duplamente falho. A “concepção artificial homóloga” deve ser provada, o que afasta a presunção. Além disso, a hipótese está incluída na do inciso III, que, igualmente, é írrita, por não traduzir nenhuma hipótese de presunção. 

6. Filhos provenientes de reprodução assistida heteróloga. A reprodução heteróloga ocorre com a utilização de material genético de terceiro: a doação de óvulo ou de sêmen, uma vez que a doação seja aceita pelo casal, marido e mulher assumem a condição de pais. Não é, tampouco, caso de “presunção”, mas decorrência da autonomia da vontade legalmente reconhecida. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.597, acessado em 30.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.598. Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do CC 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1.597.

Não endossando o artigo em comento, Marco Túlio de Carvalho Rocha comenta  que a presunção de que os nascidos durante o casamento são filhos do marido da mulher possibilita que haja um choque quando ocorra a contração de novo vínculo matrimonial pouco tempo após a extinção do matrimonio anterior.

Se uma mulher torna-se viúva, vem a se casar com menos de 300 dias do casamento anterior e dá à luz criança após o matrimonio completar 180 dias as presunções de filiação em favor do primeiro e do segundo maridos se chocam. O primeiro será, presumivelmente, o pai, porque, o filho terá nascido antes de 300 dias da dissolução do casamento (CC 1.597, II); o segundo será presumivelmente o pai, porque terá nascido após mais de 180 dias do início de seu casamento (CC 1.597, I).

A esse choque de presunções dá-se o nome de turbatio sanguinis, ou confusão de sangue. O CC 1.598 visa estabelecer critério para solucionar esse conflito: a filiação será atribuída ao primeiro marido se não ultrapassados os 300 dias desde a dissolução do primeiro casamento.

A solução legal coaduna com a causa suspensiva do casamento prevista no CC 1.523, II, que tem justamente a finalidade de impedir a confusão de sangue, tanto que o parágrafo único deste artigo permite o casamento mediante prova de não-gravidez ou do nascimento de filho.

As presunções de paternidade previstas nos incisos I e II do CC 1.597 têm por base o estabelecimento do vínculo de filiação segundo o parâmetro biológico. A facilidade de verificação do liame biológico mediante teste de DNA tornou esse sistema de presunções arcaico. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.598, acessado em 30.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Igualmente a dúvida de Milton Paulo de Carvalho Filho, ao comentar o CC 1.598. O dispositivo visa estabelecer presunções que solucionem eventual conflito a respeito da paternidade de criança nascida de mulher viúva ou separada judicialmente que volte a se casar. Se a mulher se casar novamente antes de dez meses contados de sua viuvez, anulação ou declaração de nulidade (art. 1.523, II, do CC), presumir-se-á que o filho que vier a ter é de seu primeiro marido, se nascer dentro de trezentos dias posteriores ao falecimento deste. Caso venha a nascer após esse prazo, e ultrapassados 180 dias do estabelecimento da nova convivência conjugal (CC 1.597, I), a presunção será de que o filho é do segundo marido. Embora o dispositivo só mencione a presunção de paternidade no caso de nascimento posterior a trezentos dias do falecimento do primeiro marido, como o CC 1.523, II, que também se refere à separação, é de se considerar excluída a presunção também se tratar de invalidação. 

Não se pode deixar de notar que o sistema de presunção não prevalecerá diante da prova técnica, que, nos tempos atuais, permite com segurança identificar a paternidade sem necessidade de partir de critérios meramente originados de presunção. A investigação do DNA, por exemplo, pode conferir praticamente 100% - mais exatamente 99,99% - de certeza ao reconhecimento ou à exclusão da paternidade, conforme observa Arnaldo Rizzardo (Direito de família. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 489). No mesmo sentido é a lição de Quo Mário da Silva Pereira: “Quer dizer: não poderá ser admitida a relação jurídica da paternidade em face de concluir a prova científica pela impossibilidade da filiação biológica” (Reconhecimento de paternidade e seus efeitos, 3. ed. Rio de Janeiro, Forense, p. 125). Arnaldo Rizzardo também observa com acerto que “o Código de 2002, primando pela objetividade, dá ensejo à prova da impossibilidade da concepção através da relação com o marido ou o companheiro porque inexistia a união na época, ou porque presente qualquer fator impossibilitante da relação sexual” (op. cit., p. 425).

A presunção oriunda desse dispositivo não incide nos casos de fecundação artificial homóloga, com a utilização do sêmen do primeiro marido, nos casos em que ela se verificar após trezentos dias contados de sua morte. Do mesmo modo, não se aplica aos casos em que a concepção se dá após trezentos dias da dissolução da sociedade conjugal com embriões excedentários. A norma em exame deve ser aplicada em relação às uniões estáveis, na medida em que elas também podem dar origem ao conflito de paternidades entre duas uniões, ou entre uma união posterior a um casamento, ou a um casamento posterior a uma união. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.758.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua Tese “Da prova dos negócios jurídicos”, Gilmar Ferreira Mendes, atesta as presunções legais dividirem-se em presunção relativa ou presunção absoluta: no primeiro caso, também chamada presunção iuris tantum, admite-se a prova em sentido contrário; no segundo, também denominada presunção iuris et de jure, não se afigura suscetível de refutação. O art. 1597 do Código Civil consagra regras relativas à presunção de paternidade, estabelecendo que presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos (a) nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; (b) nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação de casamento; (c) havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; (d) havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga; (e) havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. O CC 1598 estabelece, ainda, que “salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do CC 1.523 -- dez meses --, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo marido, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do CC 1.597 -- cento e oitenta dias.” Os artigos 1.599, 1.600 e 1.602 contêm, igualmente, normas ligadas à presunção da paternidade e à sua eventual superação: -- A prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da concepção, ilide a presunção de paternidade (CC 1.509); -- Não basta o adultério da mulher , ainda que confessado para ilidir a presunção legal de paternidade (CC 1.600); -- Não basta a confissão materna para excluir a paternidade (CC 1.602). Outras vezes, a lei, mediante norma de caráter interpretativo, consagra a negação da presunção. É o que se verifica no CC 265, segundo o qual a “solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”.

Como se pode depreender, o novo Código Civil brasileiro manteve a tradição da disciplina da matéria relativa às provas também no direito material. É inegável que o direito civil continua a ter, na expressão de Konrad Hesse, significado especial para a preservação e a garantia da personalidade do homem, para sua autodeterminação e responsabilidade própria. É certo, porém, que esses valores desenvolvem-se hodiernamente dentro de marcos institucionais muito mais claros, como princípio da dignidade humana, o devido processo legal, a liberdade de exercício profissional, o direito de não se incriminar e outros. Tal como observa Hesse, a autonomia privada e sua manifestação mais importante - a liberdade de contratar -, encontram seus fundamentos e seus limites na própria ideia de personalidade. Elas pressupõem a igualdade jurídica e fática dos interessados. Na ausência desses pressupostos, a autonomia privada de um conduz à falta de liberdade do outro. Assim, cabe à regulação estatal especial e à própria interpretação estabelecerem o necessário equilíbrio entre polos em eventual ou inevitável tensão dialética. Parece inegável que a disciplina sobre as provas do negócio jurídico no Código oferece rara oportunidade ao intérprete de buscar a aplicação equilibrada dos diversos princípios em jogo. (Gilmar Ferreira Mendes, tese defendida em slides “Da prova dos negócios jurídicos”, no site www.portaldeperiod cos.idp.edu.br comentário relativo ao CC 1.598,  acessado em 30.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 29 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.594, 1.595 Das Relações de Parentesco - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.594, 1.595

Das Relações de Parentesco - VARGAS, Paulo S. R.

-  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Subtítulo II – Das Relações de Parentesco – Capítulo I

Disposições Gerais -  (Art. 1.591 a 1.595) –

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 Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pela número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente.

Como leciona Milton Paulo de Carvalho Filho, o modo de contagem de graus de parentesco é esclarecido neste artigo. A contagem é relevante em matéria sucessória (CC 1.839), em matéria de casamento (CC 1.521, IV) e em matéria de legitimidade para as medidas previstas no parágrafo único do CC 12, a cujo comentário nos reportamos. A linha reta ascendente ou descendente é infinita, mas o direito limita o parentesco na linha colateral até o quarto grau (CC 1.592). Na linha reta, conta-se uma geração do filho para os pais e assim sucessivamente, na linha ascendente ou descendente. Forma-se, então, a linha ascendente paterna ou materna. Do mesmo modo, no parentesco em linha reta descendente, conta-se um grau dos pais aos filhos, outro aos netos e assim sucessivamente. Na linha lateral, para a contagem dos graus, parte-se da pessoa indicada até o ascendente comum em relação ao parente cujo grau se pretende conhecer. Não há parentes colaterais em primeiro grau, porque tal será sempre um parentesco na linha reta ascendente. Irmãos são parentes em segundo grau, contando-se um grau até os pais (ascendentes comuns) e outro, dos pais ao irmão. Dessa forma, tios, tias e sobrinhos e sobrinhas serão parentes em terceiro grau. Em quarto grau estão tio-avô, sobrinho-neto, primo e seus correspondentes femininos. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.749.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 29/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua doutrina, como aponta Ricardo Fiuza • O parentesco é contado por grau, que é “a distância que vai de uma geração a outra” (cf. Orlando Gomes, Direito de família, 11. cd., Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 312).

• O grau de parentesco na linha reta é contado pelo número de gerações, sendo que geração é a “relação existente entre o genitor e o gerado” (cf. Orlando Comes, Direito de família , cit., p. 312). Logo, cada geração corresponde a um grau. Entre o pai e o filho há uma geração, entre o avô e o neto há duas gerações e entre o bisavô e o bisneto há três gerações. 

• O grau no parentesco em linha colateral também é contado pelo número de gerações, devendo-se, no entanto, para saber o número de graus, subir de um dos parentes até o ascendente comum e, depois, descer até encontrar o outro parente. Dessa forma, o parentesco entre irmãos é colateral em segundo grau, entre tios e sobrinhos é de terceiro grau e entre primos o parentesco colateral é de quarto grau. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 811, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 29/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

O mesmo entendimento para Marco Túlio de Carvalho Rocha. Grau de parentesco é o número de gerações que separam os parentes. O parente mais próximo é o de primeiro grau: o pai, a mãe, o filho. O de segundo grau na linha ascendente é o avô e, na linha descendente, o neto e assim sucessivamente. Colaterais são aqueles que se ligam por um ancestral comum e que não são parentes em linha reta: o tio é parente de 3º grau e o primo é parente colateral de 4º grau. Ambos descendem do avô da pessoa tomada como referência. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.594, acessado em 29.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. 

§ 1º. O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.

§ 2º. Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. 

Como sempre, há um histórico, na medida que o artigo seja remanescente de Código anterior. Histórico • O presente dispositivo, no texto original do projeto, mantido inicialmente pela Câmara dos Deputados, correspondia a dois artigos: “Art. 1.599. Cada cônjuge é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade” e Art. 1.600. A afinidade, na linha reta, não se extingue com a dissolução da sociedade conjugal”. Durante a passagem pelo Senado Federal foi acrescentado um parágrafo ao então Art. 1.599 e transformado o Art. 1.600 em parágrafo do 1.599, passando a redigir-se o dispositivo fundido da seguinte forma: “O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge. § 2°. Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução da sociedade conjugal”. Posteriormente, quando do retomo do projeto à Câmara, o Deputado Ricardo Fiuza propôs, e foi acolhida, a substituição da expressão “sociedade conjugal” pela palavra “casamento”, além da inclusão da união estável como geradora do parentesco por afinidade.

Dessa forma é o que mostra a Doutrina • A emenda senatorial acrescentou a limitação do instituto da afinidade aos parentes em linha reta e ao segundo grau de parentesco na Linha colateral, que não havia no texto primitivo.

• A inclusão da união estável como geradora do vínculo da afinidade, por nós sugerida, na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, está de acordo com o princípio constitucional que atribui à união estável a natureza de entidade familiar (CF, Art. 226, § 3º ). Às relações de união estável é conferida proteção, com o estabelecimento de vários direitos e deveres (CC 1.723 a 1.727), sendo que, no regime anterior, não havia regra que determinasse a existência do vinculo de afinidade nessa entidade familiar. A nova regra tem apoio nos princípios morais que a inspiram, de modo a impedir a celebração de casamento ou a constituição de união estável entre parentes afins e em linha reta, como sogro e nora, sogra e genro, padrasto e enteada, madrasta e enteado, mesmo diante da extinção das relações que lhes deram origem (CC 1.521, III). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 812, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 29/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Segundo Fachin, a contagem de grau de parentesco estabelecida entre os parentes por afinidade “limita-se aos ascendentes, descendentes e irmãos do cônjuge ou companheiro somente em relação ao outro cônjuge, não configurando-se afins de um àqueles que são afins do outro, posto que a afinidade é um vínculo pessoal” (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XVIII, p. 33). Denomina-se afinidade o vínculo estabelecido entre o cônjuge ou companheiro e os parentes do outro, i.é, do seu cônjuge ou companheiro. Neste dispositivo estão compreendidos sogros, enteados e cunhados, pois, segundo o § Iº do mencionado dispositivo, a afinidade não alcança os demais parentes - como os colaterais de terceiro e quarto graus. Importa observar que o parentesco na linha reta - ascendentes e descen­dentes - não se extingue com a dissolução do casamento em razão da viuvez ou do divórcio. A permanência da afinidade impede o casamento entre eles, como resulta do disposto no CC 1.521, II, mas não autoriza o ascendente por afinidade a suceder (ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. X V III, p. 207-8). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.749-50.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 29/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Concluindo com Marco Túlio de Carvalho Rocha, o Capítulo I, Das Relações de Parentesco, afinidade é o vínculo legal que une uma pessoa aos parentes de seu cônjuge ou de seu companheiro (CC 1.595) na linha reta (afinidade em linha reta) e na colateral (afinidade na linha colateral) até o 2º grau (CC 1.595, § 1º). 

A afinidade na linha reta não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável (CC 1.595, § 2º).

Relevância: a) impedimentos matrimoniais (CC 1.521); b) impedimentos para testemunhar (CC 228, V; art. 447, § 2º, I, do CPC/2015 (Nota VG). (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.595, acessado em 29.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 26 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.591, 1.592, 1.593 Das Relações de Parentesco - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.591, 1.592, 1.593

Das Relações de Parentesco - VARGAS, Paulo S. R.

-  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Subtítulo II – Das Relações de Parentesco – Capítulo I

Disposições Gerais -  (Art. 1.591 a 1.595) –

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 Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes. 

De acordo com o Relator Ricardo Fiuza, parentesco é a relação que vincula pessoas que procedem de um tronco ancestral comum (natural ou consanguíneo), o cônjuge aos parentes do outro (afim) e o adotado ao adotante e respectivos parentes (civil). 

• O parentesco natural divide-se em linha reta e em linha colateral. O parentesco em linha reta é aquele em que as pessoas são ligadas umas às outras pelo vínculo de ascendência ou descendência. São parentes em linha reta o pai, o avô, o bisavô, o filho, o neto, o bisneto etc. O parentesco em linha reta não tem limitação (v. Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 5, p. 309-11). 

• Os efeitos do parentesco verificam-se no direito público e no direito privado. Dentre outros, citem-se os seguintes: no direito constitucional acarreta impedimentos de ordem política (CF, art. 14, *7*); no direito processual civil traz a suspeição em depoimento testemunhal (CPC/1973. Art. 405, § 2~, 1, correspondendo ao CPC/2015 ao art. 447, § 2º, I); no direito civil origina direitos sucessórios (CC 1.829 e ss.) e tem relevância especialmente no direito de família, com efeitos pessoais e patrimoniais, desde os impedimentos matrimoniais (CC 1.521, I a V) até a obrigação de alimentos (CC 1.694 e ss.) (v. Amoldo Wald, O novo direito de família, 13. ed., São Paulo, Saraiva, 2000. p. 35-7). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 810, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 26/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Endossado por Milton Paulo de Carvalho Filho, tem-se a lição de Maria Helena Diniz, “ parentesco é a relação jurídica vinculatória existente entre pessoas que descendem umas das outras ou de um mesmo tronco comum e entre um cônjuge e os parentes do outro e entre adotante e adotado” (Curso de direito civil brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2002, v. V, p. 361). No que se refere ao parentesco resultante da adoção, importa registrar que ele não se distingue do consanguíneo, a despeito da classificação distinta que lhe confere o CC 1.593, tendo em vista a regra do art. 227, § 6º, da Constituição Federal, que assegura igualdade de tratamento aos “ filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção”, vedando qualquer designação discriminatória.

O parentesco denominado natural ou consanguíneo compreende as pessoas descendentes de um mesmo tronco ancestral, ligadas, portanto, pelo mesmo sangue. É, a rigor, o único parentesco realmente existente, na medida em que o casamento “não traz parentesco entre o homem e a mulher. Eles são simplesmente afins” (RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 393).

A relação de parentesco tem reflexos jurídicos fundamentais: vocação hereditária (CC 1.829), impedimentos para o casamento (CC 1.521, I), dever alimentar (CC 1.696) etc. A linha de parentesco é estabelecida entre as pessoas a partir da identificação de um tronco comum. Essa linha pode ser reta ou colateral. No primeiro caso, ela se dirige de modo ascendente ou descendente, tal como consignado no dispositivo em exame. Compreende, pois, bisavós, avós, pais, filhos, netos, bisnetos etc. Na linha colateral, o parentesco se estabelece na linha transversal, dirigindo-se até o tronco comum, mas sem descenderem umas das outras. Tal definição está consignada no CC 1.592. A linha reta é dividida em graus, correspondente, cada um deles, a uma geração. Assim, pai e filho são parentes em primeiro grau; avô e neto, em segundo, como ensina Luiz Edson Facchin (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 13, v. XV III). O mesmo autor pondera que se o ponto de partida da contagem for o pai e a mãe, surgirão as linhas retas paterna e materna (idem). Na linha reta ascendente ou descendente, o parentesco é infinito. Paulo Luiz Netto Lobo observa que “a descendência não pode ser desfeita por ato de vontade” e que o parentesco, porém, será extinto no caso de adoção (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, p. 18-9, v. XVI). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.745-46.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 26/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conforme leciona o Mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, as linhas de parentesco tem-se: a) linha reta ou direta (CC 1.591). A linha reta se divide em descendente e ascendente. A linha ascendente se divide em paterna e materna. E Parentes na linha ascendente paterna: avô, bisavô, trisavô, tetravô ou tataravô: b) linha colateral ou transversal (CC 1.592; até o 4º grau). Parentes colaterais: irmãos, tios, primos, tios - avós. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.591, acessado em 26.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.

Aprendendo com Milton Paulo de Carvalho Filho, na linha colateral, o parentesco tem origem em um mesmo tronco ancestral, mas não se vincula em linha reta (ascendente ou descendente), mas sim de modo transversal. Nessas hipóteses, o parentesco se encerra no quarto grau: os filhos de nossos primos não são nossos parentes. Tal limite resulta do reconhecimento de que o parentesco longínquo afrouxa os laços de afeto e solidariedade que sustentam e devem caracterizar a entidade familiar.

Para contagem do grau de parentesco, contam-se os graus (gerações) até o ancestral comum dos parentes cujo grau se pretende apurar. Assim, de José ao pai de José, primeiro grau; em seguida, vai-se ao avô de José, segundo grau; do avô de José, vai-se ao tio paterno de José, terceiro grau; finalmente, alcança-se o primo de José, filho do tio paterno antes referido, quarto grau, encerrando-se assim, nessa linha, o parentesco.

A questão tem relevância em matéria sucessória (CC 1.839), em matéria de casamento (CC 1.521, IV) e em matéria de legitimidade para as medidas previstas no parágrafo único do art. 12 do Código Civil, a cujo comentário nos reportamos. Por outro lado, na legislação especial, a Lei n. 10.211, de 23.03.2001, admite que o parente colateral até segundo grau autorize o transplante de órgão de pessoa morta (LOBO, Paulo Luiz Netto. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XVI). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.746.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 26/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Juntamente com a Doutrina de Ricardo Fiuza, expõe-se aqui o histórico antecedente ao artigo em comento: Histórico • Da análise do texto original do projeto, mantido inicialmente pela Câmara dos Deputados — “são parentes em linha colateral ou transversal, até o sexto grau, as pessoas provenientes de um só único , sem descenderam uma da outra” —, em confronto com o texto aprovado pelo Senado Federal — “são parentes em linha colateral ou transversal, ate o quarto grau. as pessoas provenientes de um só tronco, sem descender uma da outra —, verifica-se ter havido redução de grau para caracterização de parentesco. Corresponde ao Art. 331 do Código Civil de 1916. com essa redução de grau. 

Doutrina • O parentesco em linha colateral, transversal ou oblíqua é uma das espécies do parentesco natural ou consanguíneo É colateral o parentesco existente entre as pessoas não descendentes uma das-outras, mas provenientes de um tronco comum (Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 5, p. 311).

• Ao contrário do parentesco em linha reta, o parentesco colateral é limitado e não há parentesco em primeiro grau.

• Os irmãos são parentes colaterais de segundo grau, os tios e os sobrinhos são colaterais de terceiro grau e os primos de quarto grau, conforme regra constante do CC 1.594.

• A proposta do Senado diminuiu a limitação do parentesco na linha colateral, previsto no Código Civil anterior (art. 331) e no projeto original deste Código, de “sexto” grau para “quarto” grau, compatibilizando-o com a linha sucessória no parentesco colateral, que vai até o quarto grau, como referido no CC 1.839: “Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no CC 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau”. Assim, foi acolhida a tendência à limitação dos laços familiares na sociedade moderna, já apontada por Clóvis Beviláqua (Projecto do Código Civil Brazileiro, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1902, v. 1, p. 46) e Orlando Gomes (Projeto de Código Civil — Comissão Revisora do Projeto apresentado pelo Prof. Orlando Gomes, Serviço de Reforma de Códigos, 1965). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 811, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 26/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na evidência de Marco Túlio de Carvalho Rocha, no Código Civil de 1916 a matéria era tratada nos artigos 330-395, especificamente arts. 333-336. O Decreto Lei n. 9.641, alterou o art. 1.612 do Código Civil de 1916 para reduzir o grau de parentesco colateral do 6º para o 4º grau.

Os parentes colaterais são os que possuem um ancestral comum, tal como o sobrinho e o tio, que têm em comum o avô do primeiro e pai do segundo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.592, acessado em 26.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. 

De acordo com o entendimento de Milton Paulo de Carvalho Filho, o dispositivo classifica o parentesco, distinguindo os que resultam da consanguinidade do que tenha outra origem. De acordo com a regra em exame, o parentesco civil é todo aquele que não tem origem biológica. Recorde-se, porém, que o art. 227, § 6º, da Constituição Federal assegura igualdade aos filhos havidos ou não do casamento. O termo “outra origem”, usado pelo legislador, admite como fontes de parentesco os casos de reprodução artificial e as relações socioafetivas, sem vínculo biológico ou de adoção.

A respeito do tema, a Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a 13 de setembro de 2002, editou o Enunciado n. 103: “o Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado do filho”.

Por seu turno, na III Jornada cristalizou-se o entendimento enunciado da seguinte forma: “a posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva), constitui modalidade de parentesco civil” (Enunciado n. 256). Sobre parentalidade socioafetiva, vide comentário ao CC 1.596. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.747.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 26/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a Doutrina do Relator Ricardo Fiuza, a Constituição da República de 1988, no Art. 227, § 62, em preservação da dignidade da pessoa humana, colocou, definitivamente, fim às desigualdades entre os filhos e, por conseguinte, entre relações de parentesco diversas, estatuindo que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Assim como não se pode mais classificar os filhos em legítimos e ilegítimos, termos  incestuosos, a classificação que existia, na redação anterior quanto ao parentesco legítimo ou ilegítimo passou a ser inconstitucional. 

• A substituição da expressão “ou adoção” pela expressão “ou outra origem” teve em vista alcançar as hipóteses de filhos havidos por reprodução assistida heteróloga, que não têm vínculo de consanguinidade com os pais. Em razão do Art. 227, § 62, da Constituição Federal, bem como da presunção de paternidade do marido que consente que sua esposa seja inseminada artificialmente com sêmen de terceiro, conforme o CC 1.591, inciso V, a pessoa oriunda de uma das técnicas de reprodução assistida deve ter vínculo de parentesco não só com os pais, mas, também, com os parentes destes, em linha reta e colateral. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 811, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 26/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Conclui  Marco Túlio de Carvalho Rocha, parentesco natural é o que se funda, presumidamente, em vínculo genético (consanguinidade). Parentesco civil é o que se dá por adoção ou por reprodução assistida heteróloga, sendo estas correspondentes à “outra origem” a que se refere o artigo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.593, acessado em 26.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).