quinta-feira, 4 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.548, 1.549, 1.550 Da Invalidade do Casamento - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.548, 1.549, 1.550

Da Invalidade do Casamento - VARGAS, Paulo S. R.

 -  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Título I – Do Direito Pessoal – Subtítulo I – Do casamento –

Capítulo VIII – Da Invalidade do Casamento – (Art. 1.548 a 1.564) -  

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 Art. 1.548. É nulo o casamento contraído:

I – pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

II – por infringência de impedimento.

Dando inicio ao Capítulo do Código que trata da invalidade do casamento, Milton Paulo de Carvalho Filho, crê ter o legislador mantido a distinção entre os vícios que geram a nulidade ou a anulabilidade do casamento, estabelecendo como diferença essencial entre eles a sua maior ou menor gravidade. O Código cuidou especificamente de apenas duas das espécies de casamento inválido, do nulo e do anulável, deixando de disciplinar expressamente o casamento inexistente, admitido pela doutrina.

O casamento será nulo quando celebrado sob as infrações estabelecidas pela ordem legal e por motivos fundados em interesse público. Será anulável o casamento quando realizado com observância de quaisquer das circunstâncias previstas no CC 1.550 deste Código.

As diferenças principais entre o casamento nulo e o anulável são: a) no primeiro caso, a nulidade é decretada no interesse de toda a coletividade; no segundo, a nulidade relativa tem em vista o interesse privado ou individual da vítima ou de um grupo de pessoas; b) o primeiro não gera efeito algum, o segundo pode gerar efeitos; c) o segundo é passível de ratificação e o primeiro não; d) no primeiro caso, qualquer interessado ou o Ministério Público pode alegar a nulidade do casamento; no segundo, a anulabilidade só pode ser arguida por quem tiver interesse nessa solução ou pelo Ministério Público; e, por fim, e) são imprescritíveis as ações que buscam a nulidade do casamento, porque o casamento nulo não se convalida, ao passo que o prazo decadencial estabelecido pela lei para que sejam arguidas nulidades relativas é curto.

O casamento inexistente é aquele realizado sem os requisitos exigidos pela lei, que são a diversidade de sexo, o consentimento e a celebração na forma da lei. Portanto, como se vê, a existência refere-se à presença dos elementos estruturais do negócio jurídico, não podendo, pois, ser confundida com a validade, já que esta diz respeito às qualidades desses elementos estruturais. Esse casamento não produz nenhum efeito, nem mesmo os efeitos do casamen­to putativo. O reconhecimento da inexistência do casamento pode ocorrer a qualquer tempo, não estando sujeito a prescrição ou decadência.

Dispõe o inciso I deste artigo que será nulo o casamento contraído por “enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil”. Os enfermos tratados neste artigo são aqueles referidos no inciso II do art. 3º deste Código, considerados absolutamente incapazes. E, embora a lei não faça referência ao deficiente mental, ele deverá ser considerado incluído nesse dispositivo legal. Aquele que não pode compreender o ato que está praticando ou as suas consequências, por absoluta ausência de discernimento - permanente e duradoura -, não pode contrair casamento. Portanto, a lei está se referindo ao incapaz absolutamente, que não tem momentos de lucidez, esteja ele interditado ou ainda não. De outra parte, aquele que se casou quando se encontrava com reduzida capacidade de discernimento ou com discernimento parcial, ou que manifestou de forma inequívoca o seu desejo de contrair o casamento, pode ter o negócio jurídico confirmado ou convalescida a invalidade pelo decurso do prazo de 180 dias (art. 1.560,1). Nesse caso, ter-se-á o casamento anulável, previsto no art. 1.550, IV (v. comentário), e não o casamento nulo ora referido.

Será também considerado nulo o casamento realizado por infringência de impedimento (inciso II). Os impedimentos dirimentes referidos no inciso II são aqueles previstos no art. 1.521, I a VII, para cujos comentários remete-se o leitor. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.662-63.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 04/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

O analista Marco Túlio de Carvalho Rocha, fala da invalidade do casamento e da superação da teoria da inexistência. Aqui, referindo-se ao todo, que trata do artigo em comento (CC.1948), que engloba aos demais CC 1.949 e 1.550. Para um entendimento mais apurado na forma como ele desenvolve, o Código civil prevê casos de nulidade (CC 1.548) e de sua anulabilidade (CC 1.550) do casamento. O casamento, diferentemente de qualquer outra matéria do direito privado tem, portanto, sistema próprio de nulidades.

Deve-se questionar se a existência do referido sistema especial afasta as regras sobre nulidades estabelecidas na Parte Geral do Código Civil (CC 138 a CC 184). Não há regra em nenhum dos dois sentidos. A doutrina e a jurisprudência brasileiras negam a aplicabilidade do sistema de nulidades da Parte Geral ao casamento, com algumas exceções. O entendimento é de que os textos dos CC 1.548 e 1.550 são taxativos, conformam um sistema e exaurem as hipóteses de nulidades matrimoniais.

Essa era, igualmente, a doutrina francesa do século XIX que negava a existência de nulidades virtuais em matéria matrimonial: em matière de mariage pas de nullité sans texte. Tal doutrina está, no entanto, superada naquele país, onde se admite a existência de nulidades virtuais em todos os ramos do direito privado, inclusive na matéria matrimonial.

A adoção da doutrina francesa a respeito de nulidades matrimoniais no Brasil, desconsiderou que o código Civil brasileiro, ao contrário do Código Civil francês, possui Parte Geral, cujas normas são aplicáveis a todos os ramos do Direito Privado.

A melhor interpretação, portanto, é a de que os artigos 1.548 e 1.550 não contêm uma enumeração fechada dos casos de nulidade podendo-se incluir entre as causas desta todas as da Parte Geral que forem compatíveis com os CC 1.548 a CC 1.564.

A aplicabilidade do sistema de nulidades da Parte geral ao matrimonio permite que sejam tratados como de nulidade casos que a doutrina familiarista brasileira predica como causas de inexistência: a ausência de consentimento e a incompetência absoluta da autoridade celebrante. A teoria da inexistência dos atos jurídicos foi criada pelo alemão ZACHARIAE VON LINGENTHAL (1769-1843) que distinguiu os elementos necessários à existência do casamento (quaestio facti) dos elementos necessários à sua validade (quaestio juris). Surgiu para justificar a não subsistência do vínculo matrimonial no direito francês, nesses casos não previstos na legislação. O ato seria, mais do que nulo, inexistente, faltando-lhe mesmo a aparência de regularidade.

No direito francês, a admissibilidade de nulidades virtuais tornou superada a teoria da inexistência dos atos jurídicos, por desnecessária. A Lei de 19 de fevereiro de 1933, introduziu no art. 184 do Code, que cuida das nulidades matrimoniais, remissão ao art. 146, tido como base legal da teoria da inexistência. A ausência de consentimento, que era tida como causa de inexistência passou a ser considerada causa de nulidade. A teoria da inexistência, no entanto, subsiste em outros sistemas. A doutrina alemã admite as categorias do “não-negócio jurídico” (Nicht-Ehe) com o sentido que a teoria da inexistência dá aos atos jurídicos inexistentes. O artigo 1.628 do Código Civil português expressamente cuida do casamento inexistente (cf. OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Direito de família: direito matrimonial. Porto Alegre: Fabris, 1990, p. 209-215).

No Brasil, a teoria da inexistência dos atos jurídicos teve a adesão de PONTES DE MIRANDA e ainda é aceita para a desconsideração do vínculo matrimonial nos casos mencionados.

A admissão de nulidades virtuais em matéria matrimonial, com base no sistema geral de nulidades adaptado segundo as prescrições expressas do Direito de Família (CC 1.548 a 1.564) justifica tratar como nulos os casos tratados como de inexistência e permite que os efeitos de tais casamentos sejam respeitados em benefício do cônjuge de boa-fé em caso de putatividade. A admissão de nulidades virtuais permite a nulificação de casamento simulado, como o realizado somente no intuito de conferir cidadania a um dos cônjuges. A tese tem sido acolhida por alguns tribunais para a nulificação de casamentos contraídos com finalidade previdenciária: “Ao atos jurídicos stricto sensu, tal como o casamento, podem ser anulados com base na simulação, por interpretação da norma extensiva do artigo 185 do Código Civil. Verificada simulação no casamento, com o fim de auferir apenas os efeitos secundários benefícios previdenciários é possível a declaração de nulidade (TJRS, 8ª Comarca Cível, Ap. C. n. 70009974346, rel. des. Rui Portanova, j. 3.03.2005).

A nulidade do casamento pode ser arguida a qualquer tempo, mesmo depois de o casamento ter sido desfeito pelo divórcio ou pela morte dos cônjuges. Em tais casos poderá haver interesses relativos à partilha, aos alimentos ou à herança que justifiquem a declaração.

A invalidação retroage ao momento da celebração (efeitos ex tunc), salvo em caso de putatividade, em que se protegem os interesses do cônjuge de boa-fé (CC 1.561).

O comentário do autor Marco Túlio de Carvalho Rocha, vai além, sobre casamento de deficiente mental sem o necessário desenvolvimento para a vida civil. Na vigência do Código Civil de 1916, o casamento dos incapazes de consentir era anulável (art. 183, inciso IX, cominado com o art. 209).

Na redação original do Código Civil de 2002, eram duas as causas de nulidade absoluta do casamento: o casamento de enfermos mentais sem o necessário desenvolvimento para a vida civil (absolutamente incapazes, portanto) e o casamento realizado com infração a impedimentos.

A primeira causa foi suprimida pela Lei n. 13.146/15, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a fim de adaptar a legislação brasileira à Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), de 2006, ratificada pelo Brasil e aprovada pelo congresso Nacional mediante o Decreto Legislativo n. 186/2008, conforme o procedimento do § 3º do art. 5º da Constituição, que lhe atribuiu força de emenda constitucional.

A referida Convenção Internacional teve o objetivo de restringir o menos possível a capacidade dos enfermos mentais para os atos da vida civil. O número 2 do artigo 12 estabelece que “Os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida.” 

Especificamente, sobre o direito de se casar, o artigo 23 estabelece: 1. Os Estados Partes tomarão medidas efetivas e apropriadas para eliminar a discriminação contra pessoas com deficiência, em todos os aspectos relativos a casamento, família, paternidade e relacionamentos, em igualdade de condições com as demais pessoas, de modo a assegurar que: a) seja reconhecido o direito das pessoas com deficiência em idade de contrair matrimonio, de casar-se e estabelecer família, com base no livre e pleno consentimento dos pretendentes; (...).

Desse modo, a lei não apenas deixou de negar o direito de o portador de doença mental se casar, como passou a assegurá-lo no § 2º do CC 1.550 e no art. 6º, inciso I da Lei n. 13.146/15.

A referida autorização expressa não dispensa o consentimento. A letra a do artigo 23 estabelece o direito de se casar a pessoa com deficiência “com base no livre e pleno consentimento dos pretendentes”.

Por consequência, os limites ao casamento segundo a capacidade mental dos contraentes passaram a ser dados pelo fato de poderem ou não expressar livre e pleno consentimento ao ato.

Na vigência do Código Civil de 1916 PONTES DE MIRANDA defendia ser anulável o casamento realizado pelo incapaz de consentir com fundamento no inciso IX do art. 183 do Código Civil de 1916, por ter havido a celebração e, portanto, existir a aparência do ato; EDUARDO ESPÍNOLA e J. M. CARVALHO SANTOS opinavam pela inexistência: “Matrimoniun nos existens é apenas o casamento em que não há homem e mulher, ou em que não houve celebração seguida de registro. Não se recebe, no direito matrimonial, a solução da Parte Geral sobre a vis absoluta. Claro é, porém, que se exige a presença, ainda que por procurador.

Para se ver a que absurdo chegaria, no direito brasileiro, a opinião de EDUARDO ESPÍNOLA, seguida por J. M. CARVALHO SANTOS, basta pensar-se em que, celebrado o casamento sem o consentimento de um dos nubentes, ou de ambos, a simples declaração de inexistência, que dispensa qualquer rito processual, não atenderia a que vontade posterior poderia ter ligado os cônjuges, que sem consentimento se casaram, o que estabeleceria a plena validade do matrimonio. Ora, não há sanação de casamento inexistente, porque o que não existe não se sana: só se sana o que tem defeito, só se sana o que não está são, o que está eivado de algum vício sanável” (PNTES DE MIRANDA, Tratado de direito privado, v. VII, 4. ed. São Paulo: RT 1983, p. 369-370). 

A redação original do artigo em comento tinha, pois, a nobre finalidade de pacificar o entendimento sobre a matéria, estabelecendo a nulidade absoluta do casamento do incapaz de consentir.

Embora o inciso I tenha sido revogado, não se pode considerar válido o casamento realizado por aquele ou em nome daquele que não tenha plena compreensão do ato e de suas consequências. Uma vez que o consentimento é essencial ao casamento, não é concebível que ele seja contraído validamente na sua falta.

A ausência do consentimento pode ser total – i.é, sem que nenhuma expressão do nubente tenha sido colhida, como no enlace realizado por falso procurador – caso em que o matrimonio será inexistente ou nulo, conforme adote ou não o intérprete a teoria das inexistência. Se o nubente portador de deficiência mental manifestou o intuito de se casar, será necessário verificar sua consciência no momento da manifestação da vontade. Se a deficiência mental é de um tipo que impeça permanentemente a compreensão necessária ao ato, a vontade juridicamente relevante não existiu e, portanto, também neste caso o casamento será inexistente ou nulo.

A grande alteração de fundo imposta pela Lei n. 13.146/15 foi quando aos enfermos mentais sujeitos a intervalos lúcidos, que podiam ser considerados absolutamente incapazes e definitivamente impedidos de contrair casamento válido. Uma vez que a alteração legal não permite mais que sejam considerados absolutamente incapazes e que lhes assegurou o direito de se casar, necessário será averiguar se estavam lúcidos no momento em que exprimiram suas vontades.

Se, no entanto, se provar a inconsciência do nubente, há de se excluir a juridicidade da declaração e considerar-se o casamento inexistentes ou nulo, conforme se entenda aplicável ou não a referida teoria da inexistência.

E ainda continua o autor Marco Túlio de Carvalho Rocha, a respeito da nulidade por infração a impedimentos matrimoniais. Que os impedimentos matrimoniais encontram-se taxativamente enumerados no CC 1.521. O casamento contraído com infração a qualquer deles é nulo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.549, acessado em 03.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em defesa da Doutrina de Ricardo Fiuza, o Relator do Projeto, trata o artigo em comento de nulidade do casamento, que estava prevista no código de 1916 nos arts. 207 e 208. O Casamento quando a consequência dos vícios e imperfeições pode ser nulo, anulável ou inexistente. A Fixação dos casos de nulidade ou anulabilidade obedece a política legislativa, mas a regra é ser nulidade sanção imposta a infrações mais graves, em que existe a preponderância do interesse publico, e anulabilidade a defeitos menores, cujo objetivo é a proteção do interesse das partes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 781, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 04/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.549. A decretação de nulidade de casamento, pelos motivos previstos no artigo antecedente, pode ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público. 

Como já afirmado em comentários ao artigo antecedente, afirma Milton Paulo de Carvalho Filho, a nulidade do casamento sempre será decretada no interesse de toda a coletividade. Isso porque o vínculo está envolvido em um princípio dirimente público absoluto. Em razão da inércia da jurisdição (art. 2º do CPC) e da ausência de poder das nulidades para atuarem de pleno direito, a declaração de nulidade do casamento realizado com os vícios insanáveis referidos nos incisos do CC 1.548 deverá ser pleiteada no Poder Judiciário, conferindo o presente dispositivo legal legitimidade ativa tanto a qualquer interessado como ao Ministério Público. O primeiro terá legitimidade para a ação quando, por motivos de ordem privada, manifestar seu interesse - econômico ou moral - na declaração de nulidade do ato jurídico. Poderá a ação ser proposta, nessa hipótese, pelo próprio participante do ato, por seus ascendentes, descendentes, irmãos, cunhados, por herdeiros necessários, pelos tutores e curadores, pelos credores dos cônjuges e pelos adquirentes de seus bens, bem como pela companheira, segundo seus interesses morais ou econômicos. Também o cônjuge sobrevivo terá legitimidade para a ação de nulidade, para excluir os efeitos do casamento, inclusive quanto aos bens. Até mesmo o cônjuge que agiu de má-fé (p. ex., o bígamo) pode, fundado em interesse exclusivamente moral, pleitear a nulidade de seu casamento. Quando a ação se assentar em motivos de ordem pública, como ofensa a princípios que envolvam a natureza jurídica constitutiva da família, protegida pela Constituição Federal, poderá ser ajuizada pelo Ministério Público, guardião dos interesses dos incapazes e fiscal da lei. A nulidade do casamento só pode ser declarada em ação específica e não incidentalmente, como as nulidades em geral. Essa ação de nulidade é imprescritível, porque o ato nulo não se convalida. É ação de estado e versa sobre direitos indisponíveis, motivos pelos quais tem incidência o disposto nos arts. 178 com todos os seus incisos e parágrafo único, e 179 e incisos I e II, no parágrafo único do art. 341 e no inciso II do art. 344, todos do Código de Processo Civil de 2015. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.664-65.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 04/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

O histórico do artigo em comento diz no texto originalmente elaborado por Clóvis do Couto , do dispositivo era a seguinte: “A decretação da nulidade de casamento, no caso do item lI do artigo anterior, pode ser promovida, mediante ação direta, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público”. No Senado Federal, o então Senador Fernando Henrique Cardoso apresentou emenda que deu ao artigo a redação atual.

Na Doutrina do Relator Ricardo Fiuza, a emenda senatorial levou em consideração o caráter de ordem pública das normas de proteção aos interesses dos absolutamente incapazes. Por esse motivo, não se justificava a limitação de legitimidade ativa do Ministério Público apenas nas ações declaratórias de nulidade de casamento por inobservância de impedimento. A Câmara acolheu a redação dada pela emenda do Senado, e, em ambos os casos previstos no artigo anterior, qualquer interessado ou o Ministério Público tem legitimidade para propor ação de nulidade. 

Realizado o casamento, o Estado tem de defender a sua manutenção e validade. A legitimação para a propositura da ação ordinária de nulidade é de quem apresente legítimo interesse ou do Ministério Público, sendo, portanto, mais restrita que a legitimação para oposição dos impedimentos. 

“Ainda que de ordem pública, as nulidades do casamento não actuam de pleno direito. Devem ser pronunciadas pelo Juiz provocado por quem o Código autoriza a requerer a nulidade” (cf. Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil commentado, Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1917, v. 2, p. 66). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 781, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 04/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

De acordo com o Mestre e Doutor Marco Túlio de Carvalho Rocha, referindo-se ao direito anterior: art. 208, parágrafo único, incisos I e II, do Código civil de 1916; referencias normativas: permissão para que a lei confira ao Ministério Público competência para atos compatíveis com sua finalidade: art. 129, inciso IX da constituição da República; reconhecimento da legitimidade do Ministério Público para propor ações com base na constituição: art. 177 do Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), o dispositivo tem dois núcleos: exige que a nulidade do casamento somente seja tratada em ação direta e estabelece a legitimidade do Ministério `Público para ajuizar a referida ação.

A exigência de ação direta impede o reconhecimento incidental de nulidade do casamento. Assim, o juiz não pode declará-la de ofício nem ela pode ser declarada em processo que tenha outro objeto, por exemplo, o divórcio. Por “ação direta” entende-se que a nulidade deve ser arguida em ação própria, que a tenha como objeto principal, o que inclui a via do pedido contraposto. Não há que se excluir, no entanto, os pedidos cumulativos sucessivos para que, por exemplo, o juiz declare a nulidade ou o divórcio, caso aquela não seja declarada.

O dispositivo reconhece a legitimidade para a causa a “qualquer interessado”, em conformidade com o art. 17 do Código de Processo Civil.

O interesse jurídico é um proveito patrimonial ou moral que se possa obter com o resultado do julgamento da causa que legitima os próprios cônjuges, seus eventuais consortes, companheiros, herdeiros, credores dos cônjuges, adquirentes de seus bens etc. A má fé, citada no art. 80 do CPC não deslegitima a parte ara requerer a nulidade, tendo-se em vista a gravidade dos interesses em causa. 

A legitimidade ativa do Ministério Público para a matéria sempre foi pacificada na vigência do Código de Processo Civil de 1973, cujo art. 81 lhe atribuía legitimidade para o exercício do direito de ação “nos casos previstos em lei”. Na qualidade de fiscal da lei, sua interveniência era obrigatória nas ações de estado e nas concernentes a casamento (inciso II do art. 82). 

O Código de Processo Civil de 2015 alterou essas regras. Relativamente ao direito de ação, mandou que se observassem as atribuições constitucionais (art. 177); de outro lado, não previu sua atuação como fiscal da lei na generalidade das ações de estado, nem tampouco nas ações concernentes a casamento. 

Resta, pois, verificar se a legitimidade do Ministério Público estabelecida pelo dispositivo é compatível com suas atribuições constitucionais, que são arroladas no art. 129 da Constituição.

Nenhuma legitimidade é conferida ao Ministério Público para o exercício de ação civil em nome e no interesse de particulares. Ao contrário, o inciso III do referido dispositivo legitima o Ministério Público somente para ações civis públicas que tenham como objeto interesses públicos ou coletivos. Uma vez que a incapacidade civil não é mais causa de nulidade matrimonial, a referida legitimidade tampouco tem respaldo na atuação em benefício do interesse de incapazes que é tradicional.

Desse modo, é de se concluir que a legitimação conferida pelo dispositivo ao Ministério Público para a ação civil de nulidade de casamento é inconstitucional. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.549, acessado em 04.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.550. É anulável o casamento: 

I – de quem não completou a idade mínima para casar; 

II – do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;

III – por vício de vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;

IV – do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;

V – realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; 

VI – por incompetência da autoridade celebrante.

§ 1º. Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada.

§ 2º. A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimonio,  expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador (incluído pela Lei n. 13.146, de 2015).

Os comentários trazidos pelo Mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, fundamentam-se no direito anterior: arts. 208 e 209 do Código Civil de 1916; arts. 63 e 108 do Dec. n. 181/1890, bem como nas referências normativas: CC 1.517, 1.518, 1.520, 1.550, 1.551, 1.553, 1.556, 1.557, 1.558, 1.561 e 1.781 distribuídos em 7 (sete) tópicos, a seguir:

1. Idade mínima para casar. A idade núbil é  de 16 anos (CC 1.517). O menor de 16 anos pode se casar mediante autorização judicial se a mulher estiver grávida (CC 1.520). Consentâneo com essas regras, o CC 1.551 impede a anulação do casamento por defeito de idade se do casamento tiver resultado prole. 

Os demais atos da vida civil praticados por menor de 16 anos são nulos; o matrimonio é anulável. O tratamento diferenciado baseia-se no princípio da conservação do casamento, que facilita sua regularização. Tem-se em conta que o defeito de idade, em ato que se pretende valer para toda a vida e de graves repercussões sociais, é sanável.

Nesse sentido, a impugnação do casamento de menor de 16 anos somente pode ser arguida pelo próprio menor, por seus representantes legais ou por seus ascendentes, sendo o prazo de 180 dias a contar do matrimonio (CC 1.560, § 1º). 

2. Menor em idade núbil não autorizado por seu representante legal. O menor de 18 anos e maior de 16 anos tem o direito de se casar. Deve obter, no entanto, autorização de seus representantes legais que a podem recusar em razão de motivo justo. Representantes legais, no caso, são os pais ou o tutor. Ao menor de 18 anos sob curatela aplica-se o inciso IV deste mesmo artigo. 

Se não houver motivo justo para a recusa, pode o menor recorrer à justiça visando ao suprimento judicial. Admite-se que o representante legal confirme o ato, que fica excluído, desse modo, da anulabilidade (CC 1.553). 

Se, no entanto, o casamento for realizado sem a autorização de algum dos representantes legais e sem o respectivo suprimento judicial o casamento será anulável. Nesse caso, em atenção ao princípio da conservação do casamento, a impugnação somente pode ser arguida pelo próprio menor, por seus representantes legais ou por seus ascendentes, sendo o prazo de 180 dias a contar do matrimonio (CC 1.555, § 1º). 

3. Por vício da vontade. O dispositivo reduz aos casos de erro e de coação a possibilidade de anulação do casamento por vício de consentimento. 

Vícios de consentimento dizem respeito a uma má representação da realidade (erro e dolo) ou a deturpações da expressão da vontade em razão de ameaças (coação). O inciso e suas remissões resultam na impossibilidade de se requerer a anulação do casamento em caso de dolo. Deve-se ter em conta, no entanto, que em todo dolo há indução a erro. Assim, nas situações em que o erro sobre características essenciais da pessoa resultar de dolo, o casamento estará sujeito à anulação.

O CC 1.557 enumera os casos de erro essencial sobre a pessoa do cônjuge. A enumeração é taxativa.

O CC 1.558 dispões sobre a anulabilidade do casamento por coação.

4. Do incapaz de consentir ou de manifestar o consentimento. O incapaz de consentir ou de manifestar, de modo inequívoco, o consentimento é relativamente incapaz (art. 4º). O art. 6º, inciso I, da Lei n. 13.146/2015 e o § 2º do artigo em comento reconheceram a todos os deficientes o direito de se casar. Relativamente ao casamento de incapazes de consentir ou de manifestar o consentimento podem ocorrer as seguintes situações:

a) se não for apto a expressar sua vontade para o matrimonio, o casamento será inexistente ou nulo, por ausência de consentimento, conforme se adote ou não a teoria da inexistência dos atos jurídicos (cf. comentários ao CC 1.548);

b) se se tratar de relativamente incapaz não interditado que tenha manifestado vontade sem possuir plena capacidade de compreensão das consequências de seu ato, o casamento é passível de anulação, com base neste dispositivo; 

c) se o relativamente incapaz tiver sido interditado o casamento será válido se tiver sido autorizado pelo curador e pelo juiz da curatela (cf. CC 1.518 e 1.781);

d) se o relativamente incapaz tiver sido interditado, mas o casamento tiver sido realizado sem a devida autorização do curador ou do juiz será anulável com base no presente dispositivo. 

5. Realizado por mandatário tendo sido revogada a procuração. O § 1º do CC 1.542 quebrou o sistema do Código Civil ao prever a eficácia da revogação do mandato antes da notificação do mandatário. A revogação é, ordinariamente, declaração de vontade receptícia, que só cumpre seus efeitos uma quando chega ao conhecimento do declaratário (CC 689). Com essa exceção injustificável, o legislador estabeleceu a anulabilidade do casamento feito por meio de mandatário, após a revogação que ainda não lhe tenha sido notificada.

O ato que sem como perfeito no momento em que se realiza fica, desse modo, sujeito à impugnação por anulabilidade, salvo se sobrevier coabitação entre os cônjuges. 

O termo “coabitação” neste contexto pode designar a residência em comum ou, como é da tradição do Direito de Família, a conjunção carnal. Uma interpretação teleológica, voltada para o princípio da conservação do casamento e à evolução dos costumes, pode tomar em conta qualquer um desses fatos: a fixação da residência comum ou a conjunção carnal, aquele que ocorrer primeiro.

O parágrafo 1º do dispositivo equipara à revogação a invalidade do mandato declarada judicialmente. O referido parágrafo não distingue se a invalidade que atinge o mandato é absoluta ou relativa. Não se deve incluir na incidência do parágrafo a hipótese de nulidade por ausência de consentimento, que é absoluta e implica a nulidade absoluta ou a inexistência do casamento, pois a lei não pode convalidar o que não existiu, somente o que existiu de modo imperfeito.

6. Por incompetência da autoridade celebrante. A autoridade celebrante deve possuir competência em razão da matéria (ratione materiae), em razão do lugar (ratione loci) e em razão das pessoas (ratione personarum).

Se lhe falta competência em razão da matéria, i.é, se não for juiz de paz o celebrante de casamento civil ou se não for autoridade religiosa a presidir o casamento religioso o casamento será nulo (inexistente para os que adotam a teoria da inexistência).

A incompetência a que se refere o dispositivo é a incompetência ratione loci, por estar o celebrante fora de sua circunscrição ou ratione personarum, por estarem os nubentes fora do domicílio de qualquer deles. Em tais casos, o registro convalida o ato (CC 1.554).

7. Expressão de vontade por meio de curador ou de outro representante legal. Onde se lê “núbia”, entenda-se “núbil”, por evidente erro de grafia da lei. O ato de interdição do curatelado poderá estabelecer, excepcionalmente, a necessidade de o curatelado ser representado no ato matrimonial. Nesse caso, a representação se faz pelo responsável ou curador. O dispositivo não autoriza o suprimento da vontade do nubente que não seja capaz de expressá-la por não possuir aptidão para tanto. O casamento exige manifestação de vontade livre e consciente por parte do nubente. Somente poderá ser representado pelo curador o nubente que tenha discernimento para o ato e com ele concorde, ainda que, por algum motivo, não seja capaz de manifestar diretamente esse intuito. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.550, acessado em 04.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão do Desembargador Milton Paulo de Carvalho Filho, o artigo enumera os casos em que o casamento pode ser anulado por decisão judicial. 

No inciso I, tem-se como causa da nulidade a inobservância da idade legal mínima para o casamento. Como já salientado em comentários ao CC 1.517, a lei exige a idade mínima de dezesseis anos para que se possa contrair o casamento. Aos dezesseis anos a pessoa atinge a idade núbil. Antes dessa idade, o casamento só será autorizado diante das situações excepcionais tratadas no CC 1.520 (v. comentário). A lei exige que a pessoa tenha atingido a maioridade (18 anos) para que possa casar-se sem a autorização dos pais ou representantes legais. Os nubentes dependerão de autorização de seus responsáveis, portanto, durante o período de dois anos que medeia os dezesseis e os dezoito anos (inciso II). O casamento contraído por menor de dezesseis anos ou por aquele que atingiu a idade núbil sem autorização é anulável (incisos I e II). Sobre a anulabilidade do casamento por defeito de idade, remete-se o leitor aos comentários dos CC 1.517, 1.519, 1.520, 1.551, 1.552, 1.553, 1.555 e 1.560, § Iº.

O inciso III do artigo refere-se à anulabilidade do casamento por vício de vontade, seja decorrente de erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge, seja em virtude de coação. A anulação do casamento por vício de vontade é minuciosamente tratada em comentários aos CC 1.556, 1.557 e 1.558, para os quais remete-se o leitor.

Também será anulado o casamento do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento (inciso IV ). Consoante afirmado em comentários ao inciso I do CC 1.548, será nulo o casamento daquele que não pôde compreender o ato que praticou ou as suas consequências, por permanente e duradoura ausência de discernimento. Agora a lei define como anulável o casamento daquele que, gozando de momentos de lucidez, o realizou quando se encontrava com reduzida capacidade de discernimento ou com discernimento parcial, ou pôde manifestar, de forma inequívoca, seu desejo de contrair o casamento. Na primeira hipótese, tratada no inciso I do CC 1.548, referia-se aos absolutamente incapazes, definidos no art. 3º deste Código. Na segunda, tratada neste dispositivo, aos relativamente incapazes, mencionados no art. 4º  do Código. Nos casos de incapacidade relativa, o casamento será válido desde que autorizado pelos assistentes legais do relativamente incapaz. O negócio jurídico realizado pelo relativamente incapaz poderá ser confirmado ou ter convalescida sua invalidade pelo decurso do prazo de 180 dias (CC 1.560, I). O legislador quis, a bem da verdade, tentar preservar o casamento realizado em tais circunstâncias.

O inciso V trata da anulabilidade do casamento realizado pelo mandatário quando o mandato já tenha sido revogado. Conforme já observado em comentários ao CC 1.542, a procuração conferida ao mandatário, com poderes especiais para contrair casamento, poderá ser revogada até o momento da celebração do ato nupcial e essa revogação só poderá ocorrer se for por instrumento público (§ 4° do CC 1.542). A revogação do mandato não precisa chegar ao conhecimento do mandatário para produzir efeitos. Contudo, o mandante deverá cientificar o mandatário e o outro contraente da revogação, porquanto, celebrado o casamento sem que eles tenham ciência dessa revogação, responderá o mandante, comprovada sua culpa, por perdas e danos que vier a causar a ambos, inclusive de natureza extrapatrimonial (§ Iº do mesmo artigo). O artigo ora comentado impõe que, além das consequências antes apontadas decorrentes do casamento realizado sem a ciência da revogação do mandato, seja ele também declarado anulado. Ou seja, o casamento realizado com a utilização de instrumento de mandato revogado sem o conhecimento dos interessados - o que pressupõe a boa-fé do mandatário - é anulável, desde que não sobrevenha coabitação entre os cônjuges, pois nessa hipótese o casamento estaria convalidado, já que a coabitação posterior ratifica o casamento realizado nessas condições. Confirmadas as núpcias ou decorrido o prazo de 180 dias contados da ciência do mandante da ocorrência da celebração (CC 1.560, § 2º), também ter-se-á por convalescida a invalidade.

O parágrafo único do artigo equipara a invalidade do mandato, quando esta for judicialmente decretada, à revogação. Segundo Silvio Rodrigues (Comentários ao Código Civil. São Paulo, Saraiva, 2003, v. X V II),“o preceito, de raríssima aplicação, é, de certo modo, supérfluo. Isso porque só tem legitimação para propor a ação judicial, visando a revogar a procuração, o próprio mandante, ou seu representante legal, se menor ou interdito. Ora, no primeiro caso, mais fácil ao mandante revogar o mandato, e, no caso de seu representante legal, mais conveniente ser-lhe-á denegar seu consentimento para o referido matrimônio”. 

Por fim, estabelece a lei a anulabilidade do casamento quando celebrado por autoridade incompetente (inciso VI). Trata-se de incompetência ratione loci, ou seja, em razão do lugar da celebração, ou da incompetência ratione personarum, em razão das pessoas dos nubentes, quanto a seus domicílios. O ato nupcial considera-se válido apenas quando celebrado por juiz do distrito em que se processou a habilitação de casamento. Já a incompetência tratada no CC 1.554 é a ratione materiae, como adiante se verá. A incompetência do celebrante deve ser alegada dentro do prazo decadencial de dois anos (CC 1.560, II). Decorridos, o casamento convalesce do vício e não pode mais ser infirmado. Ao conferir a essa hipótese a qualidade de nulidade relativa, buscou o legislador prestigiar os interesses dos filhos e a boa-fé dos cônjuges. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.665-66.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 04/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Diante da Doutrina escapulária do relator Ricardo Fiuza, o Código Civil de 1916 indicava as hipóteses de anulação do casamento em seus arts. 209, 213 e 218. Foram acrescentadas às causas anteriormente previstas as referidas nos incisos V e VI. O inciso V trata do casamento realizado por procuração, quando, à época da celebração, o mandato já estava revogado sem o conhecimento do mandatário e do outro contraente, desde que não tenha sobrevindo coabitação. A coabitação posterior ratifica o casamento realizado nessas condições. O disposto no inciso VI, ou seja, a incompetência da autoridade celebrante, era causa de nulidade; agora, de anulabilidade. 

• O artigo estruturou de maneira coerente as hipóteses de anulação do casamento, apresentando uma sequência lógica. Os incisos I e II referem-se à anulabilidade em virtude da incapacidade em razão da idade. Os incisos III e IV dizem respeito ao vício e ao defeito na manifestação da vontade. O inciso V trata da não-incidência da revogação do mandato, e o último, inciso VI, indica celebração por autoridade incompetente.

• O parágrafo único equipara a decretação da invalidade do mandato judicial à revogação, esta prevista no inciso V. Por via de consequência, mesmo decretada judicialmente, a invalidade do mandato só anulará o casamento se não sobrevier coabitação entre os cônjuges. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 782, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 04/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 3 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.545, 1.546, 1.547 Das Provas do Casamento - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.545, 1.546, 1.547

Das Provas do Casamento - VARGAS, Paulo S. R.

 -  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Título I – Do Direito Pessoal – Subtítulo I – Do casamento –

Capítulo VII – Das Provas do Casamento – (Art. 1.543 a 1.547) - 

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 Art. 1.545. O casamento de pessoas que, na posse do estado de casadas, não possam manifestar vontade, ou tenham falecido, não se pode contestar em prejuízo da prole comum, salvo mediante certidão do Registro Civil que prove que já era casada alguma delas, quando contraiu o casamento impugnado.

Ao se pronunciar Milton Paulo de Carvalho Filho, assente o presente artigo tratar-se da posse do estado de casados. A posse, como sabido, é a situação de fato e, quando ela se refere à convivência de um casal como marido e mulher, exterioriza o casamento. Washington de Barros Monteiro conceitua a posse do estado de casados como a situação de duas pessoas que sempre se comportaram, privada e publicamente, como marido e mulher, que sempre se encontraram no gozo recíproco da situação de esposos; como tais se apresentaram perante a sociedade e no círculo familiar; consideram-nos todos como marido e mulher (Curso de direito civil - direito de família. São Paulo, Saraiva, 1994, v. II).

A posse do estado de casados compreende os seguintes elementos: nomem, que significa a utilização por um dos companheiros do patronímico do outro; tractatus, que consiste no tratamento recíproco de ambos como se casados fossem; e, finalmente, fama, que implica o reconhecimento geral, por parte da sociedade, da condição de cônjuges.

A posse do estado de casados é prova indireta do casamento, como afirmado em comentário ao CC 1.543. E o que o artigo visa a evitar é que o casamento provado dessa forma, cujos cônjuges faleceram, ou, se vivos, não conseguem manifestar vontade, seja contestado quando em prejuízo de prole comum. Contudo, a norma, que buscava ver cessada a discriminação nas relações de filiação (distinção entre filhos legítimos e ilegítimos), vinculando a legitimidade ao casamento, acabou por perder a finalidade, em razão da isonomia hoje existente entre os filhos, imposta tanto pela Constituição Federal (art. 227, § 6º) como decorrente do disposto nos CC 1.596 e CC 1.723. Edson Fachin assevera que, entretanto, o artigo deve ter leitura diversa, devendo ser informada, necessariamente, pelo disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Constituição Federal, já que a proteção da prole deve atentar para o princípio do melhor interesse da criança e não se limitar ao aspecto patrimonialista (Código Civil comentado, São Paulo, Atlas, 2003, v. XV). 

A presunção de casamento que decorre da posse do estado de casados só pode ser afastada por rigorosa impugnação, em face da existência de casamento anterior, a ser comprovado mediante a exibição da certidão de casamento. Essa prova indireta do casamento também valerá para as pessoas que não possam manifestar vontade, como aquelas atingidas por moléstia mental, as ausentes, assim reconhecidas por sentença, e os incapazes (art. 3º), desde que representados por curador. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.660-61.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 03/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Acompanhando os comentários sobre a Doutrina de Ricardo Fiuza:

• A redação do artigo é praticamente a mesma da contida no Código Civil de 1916. Não houve modificação de conteúdo. Acrescentou-se apenas a possibilidade de aplicação do dispositivo na hipótese de pessoas vivas, mas que não possam manifestar vontade. Essa modificação atendeu a posição largamente difundida na doutrina, porque em ambos os casos não há a possibilidade de indicação de onde se acha registrado o assento de casamento.

• A posse do estado de casado é a situação de duas pessoas que vivem, publicamente, como marido e mulher, sendo como tais, geralmente, considerados na sociedade (cf. Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Rio de Janeiro, Livr. Francisco Alves, 1917, v. 2, p. 60 e 61). Resulta, portanto, de três elementos: a) nomen; b) tractatus; c) fama. O primeiro é o fato de se denominarem marido e mulher; o segundo, de se tratarem nessa qualidade, e o terceiro é o reconhecimento público da situação de casados.

• Inadmite-se presunção de casamento. A posse do estado de casado será, entretanto, relevante em situação de falta da certidão do registro do casamento e na impossibilidade de sua demonstração por outra prova supletória. Não se admite, contudo, a alegação do estado se houver prova do casamento de qualquer das pessoas, mediante certidão.

• O disposto neste artigo perde força ante a igualdade dos filhos estabelecida no CC 1.596 deste Código, em atendimento ao mandamento constitucional do § 6~ do art. 227, e ao reconhecimento de efeitos jurídicos à união estável, CC 1.723 e ss do novo Código Civil. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 780, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 03/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para a visão lúcida de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo restringe a possibilidade de nulificação de casamentos de pessoas que já tenham falecido ou que tenham se tornado incapazes se, em ambos os casos, estivessem ou estejam na posse de estado de casadas e se da nulificação decorrer prejuízo para os filhos comuns. Em tal caso, a impugnação do casamento somente pode ocorrer em razão de bigamia, i.é, se houver prova de que algum dos cônjuges já era casado ao tempo em que contraiu o casamento impugnado.

A posse de estado foi criada pelos romanos, para o reconhecimento e a estabilização de vínculos matrimoniais e filiais, mas sua sistematização foi feita pelos canonistas, que distinguiram seus elementos: nomen, Tractatus e fama. Segundo CARBONIER, o nome, diferentemente de seu significado atual, referia-se a uma nominativo pelo pai o pelo marido: o fato de o pai designar o filho ou a mulher como tais; o tratactus era o reconhecimento voluntário da filiação ou do casamento; a fama, o reconhecimento público. (CARBONIER, Jean. Droit Civil: la Famille: l’entant, le couple. 21. ed. Paris: PUF, 2002, p. 215).

O instituto perdeu importância no período que se seguiu ao Concílio de Trento, com o surgimento dos registros paroquiais, mas voltou a ter relevância a partir de 1685, na França, para efeito de reconhecimento de casamentos e vínculos de filiação de não-católicos.

Com a Revolução Francesa, a posse de estado passou à condição de prova do estado de filiação prevista na Lei de 2 de Brumário, ano II. Depois, o Código civil de 1804 tornou-a elemento de prova do casamento (Arts. 195 a 197) e da filiação legítima (art. 322).

Com origem no Código Civil de 1916, o dispositivo visava a proteção do vínculo matrimonial e leva em consideração a impossibilidade de os cônjuges defenderem o vínculo, em razão de incapacidade ou de falecimento.

Atualmente, tornou-se ineficaz. O enunciado condiciona a restrição à possibilidade de prejuízo para os filhos comuns do casal cujo casamento é impugnado. Tais prejuízos advinham, na ordem jurídica revogada, do distinto tratamento concedido a filhos matrimoniais e não-matrimoniais, que chegava à exclusão destes de direitos hereditários. A Constituição de 1988, como se sabe, estabeleceu a igualdade jurídica entre os filhos, independentemente do relacionamento existente entre os pais. Desse modo, não há hipótese de “prejuízo” para a “prole comum”, se o casamento dos pais vier a ser nulificado e, portanto, a regra é ineficaz, não tem como ser aplicada, no direito brasileiro vigente. É inócua. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.545, acessado em 03.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.546. Quando a prova da celebração legal do casamento resultar de processo judicial, o registro da sentença no livro do Registro Civil produzirá, tanto no que toca aos cônjuges como no que respeita aos filhos, todos os efeitos civis desde a data do casamento.

No dizer de Milton Paulo de Carvalho Filho, o artigo se estabelece a partir de que momento a sentença que reconhece a existência do casamento produz efeitos. Provada a celebração legal do casamento em processo judicial (ação declaratória), deverá a sentença ser registrada no livro do Registro Civil para que produza efeitos, tanto relativamente aos cônjuges quanto aos filhos. Esses efeitos decorrentes do registro da decisão retroagirão à data do casamento, não podendo, contudo, prejudicar terceiros. Como ressalta Silvio Rodrigues (Comentários ao Código Civil. São Paulo, Saraiva, 2003, v. XVII), a regra tinha importância maior no passado que atualmente, pois a retroatividade beneficiava os filhos já nascidos, que eram legítimos desde a data de celebração. Com a superveniência da regra constitucional que estabelece igualdade entre todos os filhos (art. 227, § 6º, da CF), o artigo perdeu parte de seu alcance. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.661.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 03/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Lecionando Marco Túlio de Carvalho Rocha, a prova da celebração do casamento resulta de processo judicial quando o casamento é nuncupativo (CC 1.540 e CC 1.541), se o ato da celebração tiver sido extraviado antes de registrado ou se tiver havido a perda do registro (parágrafo único do CC 1.543).

Em todos esses casos, os efeitos civis retroagem à data da celebração. A retroação não prejudica direitos adquiridos por terceiros de boa-fé.  (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.546, acessado em 03.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Defende Washington Santana em seu artigo intitulado “Responsabilidade Civil no Código Civil” subintitulado “Estudo acerca da responsabilidade Civil à luz do Novo Código Civil Brasileiro”, comentários ao CC 1.546, publicado em 10 de dezembro de 2002, no site direitonet.com.br., o ser humano é, por excelência, uma criatura racional. Tal atributo, necessariamente, gera efeitos múltiplos, dentre os quais aqueles que determinam a sua liberdade e o seu caráter socializante.

Historicamente, o desenvolvimento da civilização tem como cerne de sua existência uma ordem social fundada no regramento das condutas, exatamente porque a liberdade decorrente da racionalidade humana pode agir em desconformidade com a estabilidade social.

Destarte, a transgressão das regras de convívio exige o acionamento dos mecanismos de controle social, tal qual o direito, no sentido de promover a sanção adequada ao caso hipoteticamente previsto, a fim de restabelecer o equilíbrio e a ordem social.

A imposição de normas jurídicas urge como uma forma de se coibirem condutas contrárias à manutenção da estrutura das instituições sociais, revelando-se como um modo de restrição à liberdade de agir. O descumprimento de tais normas enseja ao infrator o ônus da reparação, caso seja apurada a sua responsabilidade civil ou criminal.

Na órbita do direito privado, a resposta ao cometimento de um ilícito pode ser obtida através de ação própria de reparação de danos, seguida dos adequados procedimentos atinentes ao devido processo legal, até final pronunciamento judicial, dado por sentença, declarando a culpa do réu. É a responsabilidade civil pela culpa aquiliana.

A apuração de tal responsabilidade visa devolver a vítima do evento nocivo ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito. É, inobstante a reparação das condutas danosas, um meio de se prevenir a proliferação das mesmas.

Decerto que o ressarcimento dos danos causados a alguém é fato plenamente assimilado no direito pátrio. Como decorrência da lógica jurídica aplicável às mais variadas condutas, foram estabelecidos alguns pressupostos responsáveis pela averiguação da responsabilidade civil e da obrigação de indenizar, quais sejam: a ação ou omissão do agente, a culpa ou o dolo do mesmo e o nexo de causalidade entre a conduta subjetiva e o fato danoso.

O nosso Código Civil, no artigo 159, assim dispõe:

"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".

A interpretação mais serena que se deve dar ao presente dispositivo gravita em torno da conduta levada a cabo da má-fé ou que contrarie a proibição legal (a ação), à não-realização de algo a que o agente estava obrigado, por dever legal, a fazê-lo (a negligência), bem como ao erro de profissional na realização de seu mister, gerando o prejuízo experimentado pela vítima (a imperícia).

Vê-se que o preceito evidenciado pelo Código Civil de 1916, atualmente em vigor, contempla a responsabilidade civil aquiliana, ou seja, aquela fundada na culpa. Em outras palavras, não são elementos bastantes para a apuração da responsabilidade civil apenas a verificação do dano e a comprovação da relação causa e efeito entre este e a conduta ilícita. A leitura do dispositivo supra exige, igualmente, a apuração da culpa do agente.

Apenas excepcionalmente é que se encontra disseminado em nosso ordenamento jurídico privado a responsabilidade objetiva, reportando-se a poucos casos prescritos em lei, considerando que os mesmos se enquadram em uma espécie de culpa presumida. É a chamada teoria do risco, segundo a qual todo dano deve ser indenizado, independentemente da culpa, e nas seguintes situações:

1 - queda ou lançamento de coisa em lugar indevido, na forma do artigo 1.546 do Código Civil;

2 - comportamento culposo de preposto de farmacêutico, na forma do artigo 1.546 do Código Civil;

3 - acidentes de trabalho, de acordo com a Lei 5.316, de 14- 9-1967, e Decreto n° 61.784, de 28.11.1967;

4 - acidentes em estradas de ferro, Lei n° 2.681, de 01-12-1912 e, por analogia, os acidentes em transportes coletivos;

5 - navegação aérea, Código Brasileiro do Ar, Lei 7.565, de 19.12.1986;

6 - acidentes causados por danos nucleares, artigo 21, XXIII, "c", da Constituição Federal.

Sem dúvida alguma, responsabilidade objetiva mostra-se extremamente benéfica ao cidadão comum, que não dispõe de meios de comprovar suas alegações em decorrência da dificuldade na obtenção da prova. Como exemplo, temos o atual Código de Defesa do Consumidor, em que está prevista a inversão do ônus da prova. É fabricante, por exemplo, que vai ter de demonstrar que seus produtos são confiáveis e que o defeito ocorreu em decorrência do mau uso do equipamento pelo próprio consumidor. É a evolução do Direito, tornando mais justa a produção da prova.

Importa observar que no regime de direito público, aplicável aos entes integrantes da administração pública direta e indireta, além de seus concessionários e permissionários, conforme o disposto no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, a averiguação da responsabilidade assume caráter objetivo, bastando, tão somente, a existência da relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato ilícito atributivo de competência estatal, para que surja a obrigação de indenizar.

Contudo, o advento do Novo Código Civil (lei 10.406/02) trouxe, para o direito privado, no tocante ao direito de indenizar, pelo menos aparentemente, a estrutura material instituída no regime público. A importância desta nova preceituação exige uma certa reflexão, posto que os instrumentos articulados em torno da responsabilidade civil deverão redimensionar os seus conceitos, inclusive em se tratando dos danos de caráter moral.

As bases de sustentação do direito à indenização relativa à prática de atos ilícitos, no direito civil, como já demonstrado, referem-se aos pressupostos inerentes à teoria da culpa aquiliana.

Assim sendo, o atual regime, salvo em casos especiais que admitem a teoria do risco, só reconhece o direito da pessoa lesada quando esta vier a provar a culpa do agente que cometeu o ilícito.

A evolução das relações jurídicas, porém, veio impulsionar a construção de uma nova estrutura capaz de coibir os abusos efetivamente praticados na esfera do direito privado. O clamor da sociedade por uma regulação menos defasada de seus tratos acabou por trazer a lúmen uma nova codificação, uma nova maneira de pensar o direito de indenizar.

GUILHERME COUTO DE CASTRO, com muita propriedade, justifica a necessidade da existência do instituto nas entranhas do nosso ordenamento, verbis: “Em vários casos, a opção legislativa será não a de pôr em relevo a falha de comportamento, mas sim o dano, atento primordialmente à necessidade reparatória. Em tais casos, pode o ato ser lícito ou ilícito, pode ou não haver conduta culposa, porém, aferido o necessário liame jurídico entre conduta e dano, existe obrigação de indenizar.”

Desta feita, surgiu o Novo Código Civil, já não tão de vanguarda em alguns de seus conceitos, contudo adotando posicionamentos mais condizentes com a moderna realidade.

Acerca da responsabilidade civil, assim disciplina o Novo Código:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Cabe, à guisa da menção aos artigos 186 e 187 do mesmo dispositivo, transcrevê-los:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Duas importantes inovações ao atual código devem ser consideradas: a primeira, concernente à adoção clara, em termos genéricos de conduta, a teoria da responsabilidade objetiva, pelo exposto no parágrafo único do art. 927, “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa”; a segunda, por estar o dano exclusivamente moral incluído no enquadramento legal, nos termos do art. 186, visto que desde há muito a matéria tem sido objeto de discussão jurisprudencial.

A princípio, no que pertine à implantação da responsabilidade objetiva na órbita das relações privadas, ressalte-se que a intenção do legislador foi mesmo a de contemplar a teoria da culpa presumida, sendo suficiente para a sua constatação tão somente a ocorrência da lesão e a sua autoria. Entretanto, ao mesmo tempo que concede tal direito, o limita, quando estipula que o ilícito deve ser acobertado pelos ditames do Código, desde que o caso averiguado esteja definido em lei ou a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos a outrem. Por isso que tal normativo deve ser compreendido sob o aspecto da responsabilidade civil objetiva mitigada. A exemplo do que ocorre com o fenômeno das normas constitucionais programáticas, enquanto não viger lei específica sobre determinado ato ilícito, não poderá o julgador atuar conforme a nova ordem. Ademais, a conduta consubstanciada em atividades que implicam riscos não restou clarividente, o que leva a crer que tal imperativo deva ser regulamentado, sob pena de se configurarem hipóteses contrárias à manutenção da segurança jurídica necessária ao processo.

Em relação aos danos não patrimoniais, a questão é ainda mais complexa, porquanto tais hipóteses, se difíceis de tratar em um ambiente fundado na comprovação da culpa, muito menos quando se tem em mente um regime desagregado da mesma.

Com efeito, simples leitura do artigo 186 o faz em muito similar ao conteúdo do art. 159 do atual código. A rigor, a delimitação do que seja ato ilícito, contida naquele dispositivo, parece, a priori, expressar uma antinomia com o comando exarado no art. 927. Na realidade, a responsabilidade objetiva, como já dito, assume aspecto limitado, e, ao nosso ver, tal limitação implica uma exceção à regra geral da teoria da culpa civil. E, acompanhando essa tendência, é de se esperar que a reparação do dano moral se atenha mesmo à comprovação da culpa.

Pelo exposto, só está certo que os presentes normativos, ao se manifestarem restritivamente, devem ainda adiar a aplicação de seus preceitos, eis que condicionam o enquadramento dos atos ilícitos à sorte de lei específica que discrimine a matéria, ou pelo menos a direcione. Por enquanto, até que se efetive tal situação, continuará a ser aplicado o direito de indenizar que caduca, embora na vigência do novo código. (Washington Santana, em: “Responsabilidade Civil no Código Civil” subintitulado “Estudo acerca da responsabilidade Civil à luz do Novo Código Civil Brasileiro”, comentários ao CC 1.546, publicado em 10 de dezembro de 2002, no site direitonet.com.br., acessado em 03.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.547. Na dúvida entre as provas favoráveis e contrárias, julgar-se-á pelo casamento, se os cônjuges, cujo casamento se impugna, viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados.

Dando sentido à sua visão, Milton Paulo de Carvalho Filho entende que quando a prova sobre a existência do casamento deixar dúvidas, autoriza a lei que o julgador decida em favor do casamento. A regra do in dubio pro matrimonio é tratada neste artigo. Poderá ser aplicada quando a prova sobre a celebração do casamento se apresentar duvidosa (não convincente) ou contraditória (conflitante). Penderá sempre em favor de sua comprovação se os cônjuges vivem ou tiverem vivido na posse do estado de casados. Segundo ensina Washington de Barros Monteiro, reportando-se à lição de Clóvis Bevilaqua, esse princípio se funda em duas fortes razões: a) nas sociedades cultas, os casamentos devem ser tratados com benevolência, porque constituem o alicerce das famílias e, portanto, da própria sociedade; b) a segunda razão inspira-se na equidade, que recomenda, em caso de dúvida, se oriente o aplicador da lei pela solução mais benigna. Iníquo seria, efetivamente, que, num caso duvidoso, se preferisse solução contrária à legitimidade ou à existência do casamento (Curso de direito civil - direito de família. São Paulo, Saraiva, 1994, v. II). Ressalte-se, por fim, que essa regra tem aplicação limitada às questões relativas à prova do casamento, em razão da falta ou perda do registro, não tendo incidência nas questões referentes à validade ou invalidade do casamento, já que estas são tratadas pelo disposto nos arts. 1.548 a 1.564. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.661-62.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 03/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

“A família decorrente do casamento e sua repercussão no código Civil de 2002. Esta é a tese apresentada à banca examinadora do PUC/SP, por Oswaldo Peregrina Rodrigues, no ano de 2005, para obtenção do título de Doutor. Nesse texto legal, encontra-se outra situação na qual se pode demonstrar a existência de um relacionamento como conjugal, ainda que se descartem princípios e formalidades essenciais, como fito de proteger a família, ou seja, entre aqueles e esta, prefere-se a opção pelo vínculo familial. Daí, outra consideração que se fará é a decorrente do CC1.546 vigente, que assim estatui: “Quando a prova da celebração legal do casamento resultar de processo judicial, o registro da sentença no livro do Registro Civil produzirá, tanto no que toca aos cônjuges como no que respeita aos filhos, todos os efeitos civis desde a data do casamento”. Mais uma exceção à regra geral determinada no CC 1.543, caput do mesmo Códex, possibilitada por eu próprio parágrafo único.

Sobre isso discorre Eduardo de Oliveira Leite: “O artigo consagra os efeitos da retroação sentencial mas, mais que isso, chancela a dimensão do afeto em detrimento do puro estéril formalismo”; é a preferência pelo afeto e pela dignidade dos parceiros, afastando meras formalidades legais.

A última situação a ser considerada é a relacionada ao artigo 1.547 da Lei Civil de 2002, que estabelece o princípio do in dubio pro matrimonio. “(...) que se aplica quanto à dúvida sobre existência de celebração, vale dizer, se foi ou não efetivada a cerimonia de que não se apresenta registro, ou impossível se mostra a consecução da prova correspondente. Não se discute, pois, nesse plano, validade de casamento, mas apenas existência”.

Como alerta Silvio rodrigues, “(...) é pressuposto para a aplicação do texto ocorrer litigio sobre a existência do casamento, sem que haja prova convincente de um ou de outro lado. Efetivamente, assim o é, pois expressa o sobredito CC 1.547: “Na dúvida entre as provas favoráveis e contrárias, julgar-se-á pelo casamento, se os cônjuges, cujo casamento se impugna, viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados”.

Assim sendo, controvertidas as provas coligidas aos autos em que se debate a existência ou não de um matrimonio, o magistrado deverá inclinar-se pela primeira, ou seja, in dubio pro matrimonio; novamente, prevalece a família constituída, em face de formalidades matrimoniais. (Oswaldo Peregrina Rodrigues “A família decorrente do casamento e sua repercussão no código Civil de 2002. Tese apresentada à banca examinadora  da PUC/SP, no ano de 2005, para obtenção do título de Doutor. Acessado comentários Item 4.9 O registro do casamento, às pp. 228-29 em 03.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No dizer do Mestre Carvalho Rocha, a regra concretiza o princípio da conservação do casamento. Dúvida sobre a existência válida do casamento decorre da falta ou da perda do registro (CC 1.543, parágrafo único). No processo de justificação, que visa a suprir a falta da certidão do registro, as provas podem ser contraditórias. Se as contradições forem tais que não permitam ao juiz concluir pela existência ou não do casamento, deverá observar se o supostos cônjuges vivem ou viveram na posse de estado de casados. Em caso afirmativo, deverá julgar pela existência do casamento. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.547, acessado em 03.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No encerramento do Capítulo VIII – Das Provas do Casamento – apresenta-se a Doutrina do relator Ricardo Fiuza, na íntegra: “O Artigo 206. do Código Civil de 1916 tem idêntica disposição. A Posse do estado de casado pode ser invocada como fator decisivo quando as pessoas favoráveis e contrárias ao casamento estiverem em grau de equivalência. Nesse caso, decidir-se-á em favor do casamento (in favore matrimonii). Nada mais se disse (nota VG). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 780, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 03/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).