Direito Civil Comentado – Art.
1.545, 1.546, 1.547
Das Provas do Casamento - VARGAS, Paulo S. R.
- Parte Especial – Livro IV – Do Direito de Família –
Título I
– Do Direito Pessoal – Subtítulo I – Do casamento –
Capítulo VII – Das Provas do Casamento – (Art. 1.543 a 1.547) -
Ao se pronunciar Milton Paulo de Carvalho Filho, assente o presente artigo tratar-se da posse do estado de casados. A posse, como sabido, é a situação de fato e, quando ela se refere à convivência de um casal como marido e mulher, exterioriza o casamento. Washington de Barros Monteiro conceitua a posse do estado de casados como a situação de duas pessoas que sempre se comportaram, privada e publicamente, como marido e mulher, que sempre se encontraram no gozo recíproco da situação de esposos; como tais se apresentaram perante a sociedade e no círculo familiar; consideram-nos todos como marido e mulher (Curso de direito civil - direito de família. São Paulo, Saraiva, 1994, v. II).
A posse do estado de casados compreende os seguintes elementos: nomem, que significa a utilização por um dos companheiros do patronímico do outro; tractatus, que consiste no tratamento recíproco de ambos como se casados fossem; e, finalmente, fama, que implica o reconhecimento geral, por parte da sociedade, da condição de cônjuges.
A posse do estado de casados é prova indireta do casamento, como afirmado em comentário ao CC 1.543. E o que o artigo visa a evitar é que o casamento provado dessa forma, cujos cônjuges faleceram, ou, se vivos, não conseguem manifestar vontade, seja contestado quando em prejuízo de prole comum. Contudo, a norma, que buscava ver cessada a discriminação nas relações de filiação (distinção entre filhos legítimos e ilegítimos), vinculando a legitimidade ao casamento, acabou por perder a finalidade, em razão da isonomia hoje existente entre os filhos, imposta tanto pela Constituição Federal (art. 227, § 6º) como decorrente do disposto nos CC 1.596 e CC 1.723. Edson Fachin assevera que, entretanto, o artigo deve ter leitura diversa, devendo ser informada, necessariamente, pelo disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Constituição Federal, já que a proteção da prole deve atentar para o princípio do melhor interesse da criança e não se limitar ao aspecto patrimonialista (Código Civil comentado, São Paulo, Atlas, 2003, v. XV).
A presunção de casamento que decorre da posse do estado de casados só pode ser afastada por rigorosa impugnação, em face da existência de casamento anterior, a ser comprovado mediante a exibição da certidão de casamento. Essa prova indireta do casamento também valerá para as pessoas que não possam manifestar vontade, como aquelas atingidas por moléstia mental, as ausentes, assim reconhecidas por sentença, e os incapazes (art. 3º), desde que representados por curador. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.660-61. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 03/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).
Acompanhando os comentários sobre a Doutrina de Ricardo Fiuza:
• A redação do artigo é praticamente a mesma da contida no Código Civil de 1916. Não houve modificação de conteúdo. Acrescentou-se apenas a possibilidade de aplicação do dispositivo na hipótese de pessoas vivas, mas que não possam manifestar vontade. Essa modificação atendeu a posição largamente difundida na doutrina, porque em ambos os casos não há a possibilidade de indicação de onde se acha registrado o assento de casamento.
• A posse do estado de casado é a situação de duas pessoas que vivem, publicamente, como marido e mulher, sendo como tais, geralmente, considerados na sociedade (cf. Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Rio de Janeiro, Livr. Francisco Alves, 1917, v. 2, p. 60 e 61). Resulta, portanto, de três elementos: a) nomen; b) tractatus; c) fama. O primeiro é o fato de se denominarem marido e mulher; o segundo, de se tratarem nessa qualidade, e o terceiro é o reconhecimento público da situação de casados.
• Inadmite-se presunção de casamento. A posse do estado de casado será, entretanto, relevante em situação de falta da certidão do registro do casamento e na impossibilidade de sua demonstração por outra prova supletória. Não se admite, contudo, a alegação do estado se houver prova do casamento de qualquer das pessoas, mediante certidão.
• O disposto neste artigo perde força ante a igualdade dos filhos estabelecida no CC 1.596 deste Código, em atendimento ao mandamento constitucional do § 6~ do art. 227, e ao reconhecimento de efeitos jurídicos à união estável, CC 1.723 e ss do novo Código Civil. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 780, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 03/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Para a visão lúcida de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo restringe a possibilidade de nulificação de casamentos de pessoas que já tenham falecido ou que tenham se tornado incapazes se, em ambos os casos, estivessem ou estejam na posse de estado de casadas e se da nulificação decorrer prejuízo para os filhos comuns. Em tal caso, a impugnação do casamento somente pode ocorrer em razão de bigamia, i.é, se houver prova de que algum dos cônjuges já era casado ao tempo em que contraiu o casamento impugnado.
A posse de estado foi criada pelos romanos, para o reconhecimento e a estabilização de vínculos matrimoniais e filiais, mas sua sistematização foi feita pelos canonistas, que distinguiram seus elementos: nomen, Tractatus e fama. Segundo CARBONIER, o nome, diferentemente de seu significado atual, referia-se a uma nominativo pelo pai o pelo marido: o fato de o pai designar o filho ou a mulher como tais; o tratactus era o reconhecimento voluntário da filiação ou do casamento; a fama, o reconhecimento público. (CARBONIER, Jean. Droit Civil: la Famille: l’entant, le couple. 21. ed. Paris: PUF, 2002, p. 215).
O instituto perdeu importância no período que se seguiu ao Concílio de Trento, com o surgimento dos registros paroquiais, mas voltou a ter relevância a partir de 1685, na França, para efeito de reconhecimento de casamentos e vínculos de filiação de não-católicos.
Com a Revolução Francesa, a posse de estado passou à condição de prova do estado de filiação prevista na Lei de 2 de Brumário, ano II. Depois, o Código civil de 1804 tornou-a elemento de prova do casamento (Arts. 195 a 197) e da filiação legítima (art. 322).
Com origem no Código Civil de 1916, o dispositivo visava a proteção do vínculo matrimonial e leva em consideração a impossibilidade de os cônjuges defenderem o vínculo, em razão de incapacidade ou de falecimento.
Atualmente, tornou-se ineficaz. O enunciado condiciona a restrição à possibilidade de prejuízo para os filhos comuns do casal cujo casamento é impugnado. Tais prejuízos advinham, na ordem jurídica revogada, do distinto tratamento concedido a filhos matrimoniais e não-matrimoniais, que chegava à exclusão destes de direitos hereditários. A Constituição de 1988, como se sabe, estabeleceu a igualdade jurídica entre os filhos, independentemente do relacionamento existente entre os pais. Desse modo, não há hipótese de “prejuízo” para a “prole comum”, se o casamento dos pais vier a ser nulificado e, portanto, a regra é ineficaz, não tem como ser aplicada, no direito brasileiro vigente. É inócua. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud Direito.com, comentários ao CC 1.545, acessado em 03.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.546. Quando a prova da celebração legal do casamento resultar de processo judicial, o registro da sentença no livro do Registro Civil produzirá, tanto no que toca aos cônjuges como no que respeita aos filhos, todos os efeitos civis desde a data do casamento.
No dizer de Milton Paulo de Carvalho Filho, o artigo se estabelece a partir de que momento a sentença que reconhece a existência do casamento produz efeitos. Provada a celebração legal do casamento em processo judicial (ação declaratória), deverá a sentença ser registrada no livro do Registro Civil para que produza efeitos, tanto relativamente aos cônjuges quanto aos filhos. Esses efeitos decorrentes do registro da decisão retroagirão à data do casamento, não podendo, contudo, prejudicar terceiros. Como ressalta Silvio Rodrigues (Comentários ao Código Civil. São Paulo, Saraiva, 2003, v. XVII), a regra tinha importância maior no passado que atualmente, pois a retroatividade beneficiava os filhos já nascidos, que eram legítimos desde a data de celebração. Com a superveniência da regra constitucional que estabelece igualdade entre todos os filhos (art. 227, § 6º, da CF), o artigo perdeu parte de seu alcance. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.661. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 03/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).
Lecionando Marco Túlio de Carvalho Rocha, a prova da celebração do casamento resulta de processo judicial quando o casamento é nuncupativo (CC 1.540 e CC 1.541), se o ato da celebração tiver sido extraviado antes de registrado ou se tiver havido a perda do registro (parágrafo único do CC 1.543).
Em todos esses casos, os efeitos civis retroagem à data da celebração. A retroação não prejudica direitos adquiridos por terceiros de boa-fé. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud Direito.com, comentários ao CC 1.546, acessado em 03.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.547. Na dúvida entre as provas favoráveis e contrárias, julgar-se-á pelo casamento, se os cônjuges, cujo casamento se impugna, viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados.
Dando sentido à sua visão, Milton Paulo de Carvalho Filho entende que quando a prova sobre a existência do casamento deixar dúvidas, autoriza a lei que o julgador decida em favor do casamento. A regra do in dubio pro matrimonio é tratada neste artigo. Poderá ser aplicada quando a prova sobre a celebração do casamento se apresentar duvidosa (não convincente) ou contraditória (conflitante). Penderá sempre em favor de sua comprovação se os cônjuges vivem ou tiverem vivido na posse do estado de casados. Segundo ensina Washington de Barros Monteiro, reportando-se à lição de Clóvis Bevilaqua, esse princípio se funda em duas fortes razões: a) nas sociedades cultas, os casamentos devem ser tratados com benevolência, porque constituem o alicerce das famílias e, portanto, da própria sociedade; b) a segunda razão inspira-se na equidade, que recomenda, em caso de dúvida, se oriente o aplicador da lei pela solução mais benigna. Iníquo seria, efetivamente, que, num caso duvidoso, se preferisse solução contrária à legitimidade ou à existência do casamento (Curso de direito civil - direito de família. São Paulo, Saraiva, 1994, v. II). Ressalte-se, por fim, que essa regra tem aplicação limitada às questões relativas à prova do casamento, em razão da falta ou perda do registro, não tendo incidência nas questões referentes à validade ou invalidade do casamento, já que estas são tratadas pelo disposto nos arts. 1.548 a 1.564. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.661-62. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 03/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).
“A família decorrente do casamento e sua repercussão no código Civil de 2002. Esta é a tese apresentada à banca examinadora do PUC/SP, por Oswaldo Peregrina Rodrigues, no ano de 2005, para obtenção do título de Doutor. Nesse texto legal, encontra-se outra situação na qual se pode demonstrar a existência de um relacionamento como conjugal, ainda que se descartem princípios e formalidades essenciais, como fito de proteger a família, ou seja, entre aqueles e esta, prefere-se a opção pelo vínculo familial. Daí, outra consideração que se fará é a decorrente do CC1.546 vigente, que assim estatui: “Quando a prova da celebração legal do casamento resultar de processo judicial, o registro da sentença no livro do Registro Civil produzirá, tanto no que toca aos cônjuges como no que respeita aos filhos, todos os efeitos civis desde a data do casamento”. Mais uma exceção à regra geral determinada no CC 1.543, caput do mesmo Códex, possibilitada por eu próprio parágrafo único.
Sobre isso discorre Eduardo de Oliveira Leite: “O artigo consagra os efeitos da retroação sentencial mas, mais que isso, chancela a dimensão do afeto em detrimento do puro estéril formalismo”; é a preferência pelo afeto e pela dignidade dos parceiros, afastando meras formalidades legais.
A última situação a ser considerada é a relacionada ao artigo 1.547 da Lei Civil de 2002, que estabelece o princípio do in dubio pro matrimonio. “(...) que se aplica quanto à dúvida sobre existência de celebração, vale dizer, se foi ou não efetivada a cerimonia de que não se apresenta registro, ou impossível se mostra a consecução da prova correspondente. Não se discute, pois, nesse plano, validade de casamento, mas apenas existência”.
Como alerta Silvio rodrigues, “(...) é pressuposto para a aplicação do texto ocorrer litigio sobre a existência do casamento, sem que haja prova convincente de um ou de outro lado. Efetivamente, assim o é, pois expressa o sobredito CC 1.547: “Na dúvida entre as provas favoráveis e contrárias, julgar-se-á pelo casamento, se os cônjuges, cujo casamento se impugna, viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados”.
Assim sendo, controvertidas as provas coligidas aos autos em que se debate a existência ou não de um matrimonio, o magistrado deverá inclinar-se pela primeira, ou seja, in dubio pro matrimonio; novamente, prevalece a família constituída, em face de formalidades matrimoniais. (Oswaldo Peregrina Rodrigues “A família decorrente do casamento e sua repercussão no código Civil de 2002. Tese apresentada à banca examinadora da PUC/SP, no ano de 2005, para obtenção do título de Doutor. Acessado comentários Item 4.9 O registro do casamento, às pp. 228-29 em 03.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No dizer do Mestre Carvalho Rocha, a regra concretiza o princípio da conservação do casamento. Dúvida sobre a existência válida do casamento decorre da falta ou da perda do registro (CC 1.543, parágrafo único). No processo de justificação, que visa a suprir a falta da certidão do registro, as provas podem ser contraditórias. Se as contradições forem tais que não permitam ao juiz concluir pela existência ou não do casamento, deverá observar se o supostos cônjuges vivem ou viveram na posse de estado de casados. Em caso afirmativo, deverá julgar pela existência do casamento. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud Direito.com, comentários ao CC 1.547, acessado em 03.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No encerramento do Capítulo VIII –
Das Provas do Casamento – apresenta-se a Doutrina do relator Ricardo Fiuza, na
íntegra: “O Artigo 206. do Código Civil de 1916 tem idêntica disposição. A
Posse do estado de casado pode ser invocada como fator decisivo quando as
pessoas favoráveis e contrárias ao casamento estiverem em grau de equivalência.
Nesse caso, decidir-se-á em favor do casamento (in favore matrimonii).
Nada mais se disse (nota VG). (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 780, apud Maria Helena Diniz Código
Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 03/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
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