segunda-feira, 22 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.583 Da Proteção da Pessoa dos Filhos - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.583

Da Proteção da Pessoa dos Filhos - VARGAS, Paulo S. R.

-  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Capítulo XI – Da Proteção da Pessoa dos Filhos

– (Art. 1.583 a 1.590) - digitadorvargas@outlook.com  

- vargasdigitador.blogpot.com

 Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. Caput com redação dada pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

§ Iº Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (CC 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

§ 2º Na guarda unilateral compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos: (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014).

I – (Revogado) (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014).

II - (Revogado) (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014).

III - (Revogado) (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014).

§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos  (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014).

§ 4º (VETADO).  Incluído pela Lei n. 11.698, de 2008). 

§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos (Revogado) (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014). 

Este comentário de Milton Paulo de Carvalho Filho, feito antes das modificações feitas pelas Leis n. 11.698/2008 que alteraram consubstancialmente o artigo, que passou a regular a guarda unilateral e a compartilhada, introduzindo, pela primeira vez, previsão sobre esta no direito brasileiro; a Lei n. 13.058/2014, alterou os §§ 2º e 3º e incluiu o § 5º com o escopo de dar preferência à adoção da guarda compartilhada. Então, antes das reformas, o artigo em comento se apresentava dessa forma:

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. Caput com redação dada pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

§ Iº Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008. 

§ 2º A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores:

I - afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; Inciso acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

II - saúde e segurança; Inciso acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

III - educação. Inciso acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

§ 3º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008. 

A visão de Milton Paulo de Carvalho Filho, antes das novidades era essa: Por ocasião da separação, do divórcio, da anulação de casamento e da dissolução da união estável, o casal poderá acordar sobre a guarda de seus filhos e disciplinar as visitas a eles. Caso assim não procedam, a decisão competirá ao juiz do processo. Em ambas as hipóteses, sempre se decidirá tendo-se em vista os interesses dos menores, podendo, por esta razão, ser modificada a decisão a qualquer tempo, desde que a ocorrência de fato relevante e grave a justifique. Esta guarda não se confunde com aquela do ECA, destinada a colocação dos menores em família substituta, pressupondo a perda do poder familiar dos pais. Por força dos requisitos exigidos pelo disposto no art. 1.124-A do CPC/1973, a norma contida no artigo ora comentado só se aplica à separação e ao divórcio consensuais judiciais e não aos extrajudiciais.

A guarda poderá ser unilateral (materna, paterna ou de terceiro) ou conjunta ( compartilhada) (§ Iº). A guarda unilateral é exercida com exclusividade por um dos pais - aquele que revele melhores condições para exercê-la (§2°) (segundo o Enunciado n. 102 do Conselho da Justiça Federal a expressão “melhores condições” no exercício da guarda, significa atender ao melhor interesse da criança), e que mais aptidão tenha para propiciar aos filhos afeto nas relações com ele e com o grupo familiar, saúde, segurança e educação (incisos I a III) - ou por terceiro (veja comentário do § 5º do art. 1.584 desta Lei). Na atribuição do exercício da guarda deve-se ter em vista o equilíbrio entre dois elementos da mesma equação: as necessidades dos filhos e as possibilidades (objetivas e subjetivas) dos pais (veja FACHIN , Luiz Edson. Código Civil comentado - direito de família. São Paulo, Atlas, 2003, v. XV ). Nessa modalidade de guarda, a lei obriga o pai ou a mãe que não a detenha de supervisionar os interesses dos filhos (§ 3º). A supervisão diz respeito a tudo o que envolve as necessidades vitais do filho, como nutrição adequada, cuidados com a saúde física e mental, lazer, brinquedos. A fiscalização abrange não apenas o efetivo emprego dos valores correspondentes aos alimentos, cuja obrigação assumiu o não guardião, mas o que compete ao guardião, de acordo com os rendimentos deste (cf. LOBO, Paulo, RBDFS 6/30, Magister) (v. c/c o CC 1.589, a seguir, e sua jurisprudência relativa à prestação de contas sobre os alimentos administrados pelo guardião).

Na guarda conjunta, ambos os pais participam da convivência, da educação e dos demais deveres inerentes ao poder parental (veja SILVA , Regina Beatriz Tavares da. Novo Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2002). Haverá, portanto, a responsabilização conjunta, bem como o exercício de direitos e deveres dos pais, concernentes ao poder familiar dos filhos. Essa guarda é a mais recomendada para os casos em que os pais tenham moradias próximas - e que, portanto, não vivam sob o mesmo teto -, compreensão e diálogo. Na guarda compartilhada os pais têm responsabilidade conjunta na tomada das decisões e igual responsabilidade legal sobre os filhos. Ambos têm a guarda jurídica, apesar de um deles ter a guarda material. Há presença física da criança no lar de um dos genitores, tendo o outro o direito de visitá-la periodicamente, mas a responsabilidade legal sobre o filho e pela sua educação deve ser bilateral, ou seja, do pai e da mãe. O poder familiar é exercido por ambos, que tomarão conjuntamente as decisões do dia a dia. A guarda conjunta é, na verdade, o exercício comum do poder familiar. Desaparece o casal conjugal e surge o casal parental, que decidirá sobre os estudos, a educação religiosa, as férias, as viagens, o lazer e as práticas desportivas da prole (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil - direito de família. São Paulo, Saraiva, 2002). 

A lei recomenda que, em não havendo acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, seja aplicada pelo juiz, sempre que possível - portanto, diante das peculiaridades do caso concreto e sempre considerando o interesse do menor - a guarda compartilhada (cf. § 2º do CC 1.584). Como se vê, o legislador instituiu a preferência pela guarda compartilhada, que somente deve ser afastada quando o melhor interesse dos filhos recomendar a guarda unilateral (v. c/c o artigo seguinte).

A guarda compartilhada, que agora passou a ter previsão legal, já era admitida pela doutrina e pela jurisprudência na preservação dos interesses dos filhos. No Enunciado n. 101 da I Jornada de Direito Civil, ficou assentado, ainda sob a égide da redação anterior do artigo, que: “sem prejuízos dos deveres que compõem a esfera do poder familiar, a expressão ‘guarda dos filhos’, à luz do CC 1.583, pode compreender tanto a guarda unilateral quanto a compartilhada em entendimento ao princípio do melhor interesse da criança”. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.727-29.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 22/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Em Material consultado junto aos comentários de Marco Túlio de Carvalho Rocha: Direito anterior: Na redação original do Código Civil, o dispositivo consagrava o direito de os pais decidirem sobre a guarda dos filhos quando a separação ou o divórcio fossem consensuais; a Lei n. 11.698/2008 alterou o artigo, que passou a regular a guarda unilateral e a compartilhada, introduzindo, pela primeira vez, previsão sobre esta no direito brasileiro; a Lei n. 13.058/2014, alterou os §§ 2º e 3º e incluiu o § 5º com o escopo de dar preferência à adoção da guarda compartilhada.

Referências normativas: Maior interesse da criança: art. 227 da Constituição da República; parentalidade responsável: art. 227, § 7º, da CF; igualdade entre homens e mulheres: art. 5º, inciso I da CF; igualdade dos cônjuges: art. 226, § 5º da CF; poder familiar após o divórcio: CC 1.579; poder familiar independente do estado civil dos pais: CC 1.634; poder familiar após novas núpcias: CC 1.636; direito de visitas: CC 1.589; direito de ter o filho em sua companhia: CC 1.632; arts. 33 a 35 da Lei n. 8.069 (Estatuto da Criança e do Adolescente); alienação parental: Lei n. 12.138/10; ação de exigir contas: arts. 550 a 552 do Código de Processo Civil.

1. Da proteção da pessoa dos filhos. O título do capítulo é uma reminiscência do que dispunha o Código Civil de 1916 a respeito da guarda dos filhos em decorrência do desquite (separação judicial). Uma vez que a situação dos filhos em relação aos pais não mais depende do estado civil destes, correto seria que todas as disposições sobre guarda fossem reunidas no capítulo relativo ao poder familiar (CC 1.630 a 1.638), pois a guarda dos filhos dele decorre.

2. Espécies de guarda. Guarda é a função i.é, um conjunto de direitos e deveres, que a lei atribui a uma pessoa capaz para zelar pelos interesses de um incapaz. A guarda dos filhos pelos pais decorre do poder familiar.

Todas as possíveis combinações do exercício da guarda de filhos relativamente aos pais ou a alguém que os substitua foram classificadas pelo CC 1.583, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.998/2008, em duas espécies: a guarda unilateral e a compartilhada. A guarda compartilhada, em contraposição à unilateral, deveria ser a que tem por titular mais de uma pessoa. O § 2º ressalvou, no entanto, que nessa espécie de guarda os guardiães não vivem sob o mesmo teto. Desse modo, extraem-se a partir deste dispositivo não duas, mas três espécies de guarda, conforme a situação jurídica de seus titulares:

a) Unilateral (guarda dividida, sole custody): guarda exercida por apenas um dos pais ou por terceiro que os substitua (§ 1º); 

b) Compartilhada (joint Custody): guarda atribuída simultaneamente a mais de uma pessoa, que habitem em locais distintos (§ 1º, in fine); 

c) Conjunta: guarda exercida por pais que coabitam (CC 1,634, II). 

Assim, segundo a classificação legal adotada pelo Código Civil, é espécie de guarda compartilhada a guarda alternada (divided custody), i.é, a atribuída a pessoas domiciliadas em locais distintos, e que tem o filho menor, separadamente, por períodos iguais alternados. 

No common law, há dois tipos de guarda compartilhada: a) Legal ou jurídica; b) Física,

A guarda compartilhada jurídica atribui a ambos os pais separados a responsabilidade pelos direitos e deveres decorrente do poder familiar. A manutenção dos direitos e deveres decorrentes d poder familiar em caso de divórcio (CC 1.579) ou de novas núpcias do titular do poder familiar (CC 1.636) é da tradição do direito brasileiro. Vale dizer, no Brasil, os direitos e deveres inerentes ao poder familiar decorrem deste e pouco são tocados com a alteração da guarda. Com a vênia dos autores de uma das melhores monografias sobre o tema (MADALENO, Rafael; MADALENO, Rolf. Guarda compartilhada: física e jurídica. 2.ed. São Paulo: RT, 2016, p. 173 e ss.), que sustentam posição contrária, ao instituir a guarda compartilhada, a Lei n. 11.698/2008 não criou a guarda compartilhada jurídica, pois o compartilhamento da responsabilidade parental sempre existiu na ordem jurídica pátria.

A guarda compartilhada física, diferentemente, é a delineada pela divisão equilibrada do tempo de convívio dos pais com os filhos, conforme prescreve o § 2º do CC 1.583. Foi ela o objeto de ambas as lei especiais que alteraram o dispositivo ora comentado. 

3. Da guarda compartilhada. Na Inglaterra, até o século XIX, o pai tinha direito de propriedade sobre os filhos menores. A Revolução Industrial provocou profundas alterações no modo de organização das famílias: o distanciamento entre os locais de trabalho e de residência, a especialização das funções familiares; o reconhecimento do papel da mulher na sociedade e de sua importância no desenvolvimento da criança. Tais fatores levaram os tribunais ingleses a consagrar o princípio do best intesrest of child e a dar preferencia às mães na atribuição da guarda dos filhos menores em caso de separação (FOLBERG, jay, Custody & shared parenting, 2. ed. New York: The Guilford Press, 1991, p. e). 

A guarda compartilhada (joint custody, shared parenting, joint parenting, co-custody, concurrent custody, shared custody, co-parenting) foi também uma criação jurisprudencial que resultou do princípio da igualdade entre homem e mulher. Na segunda metade do século XX, o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho implicou maior participação dos homens nos cuidados dos filhos e o consequente abrandamento da presunção de que conferir a guarda à mãe significa maior continuidade e estabilidade para os filhos. Estudo enfatizaram a importância da presença da figura paterna para o desenvolvimento da criança. Segundo EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE, os tribunais ingleses pretenderam alcançar o equilíbrio, inicialmente, com a atribuição ao pai de parte dos poderes que até então eram concentrados na mãe titular da guarda: Como a guarda confere ao seu titular poderes muito amplos sobre a pessoa do filho, a perda deste direito do pai se revelou injusta e os Tribunais procuraram minorar os efeitos de não atribuição, através, da split order (i.é, guarda compartilhada) que nada mais é, senão, um fracionamento do exercício do direito de guarda entre ambos os genitores. Enquanto a mãe se encarrega dos cuidados cotidianos da criança, care and control (i.é, “cuidado e controle”), ao pai retorna o poder de dirigir a vida do menor, custody (custódia). (Famílias monoparentais, 2. Ed., São Paulo: RT, 2003, p. 265).

Segundo o mesmo autor a guarda compartilhada foi determinada pela primeira vez, de forma inequívoca, no julgamento do Caso Clissold, em 1964, e foi adotada como padrão pela Court d’Appel, no julgamento do Caso Dipper v. Dipper, em 1980 (Op. cit., loc. cit).

Nos Estados Unidos, uma lei da Carolina do Norte de 1957 autorizou a guarda compartilhada após o divórcio mediante a demonstração de que ela atenderia ao maior interesse da criança. Mais de 40 Estados norte-americanos regulamentaram o instituto. Na França, depois de ser adotada jurisprudencialmente, a guar compartilhada (autorité parentale conointe) foi regulada pela Lei n. 87.570 (Lei Malhuret), de 1987, e pela Lei n. 2002-305, de 4 de março de 2002, que modificaram os arts. 373 e ss, do Código Civil, tornando-a padrão. No direito alemão, a redação original do Código Civil (BGB) estabelecia que em caso de divórcio a guarda fosse atribuída ao cônjuge que não houvesse sido responsabilizado por ele (§ 1.635); após as reformas de 1980 e de 1997, a separação conjugal não mais implica alteração da responsabilidade parental (Elterliche Sorge). Nos termos do § 1.671 do BGB, um dos pais somente pode excluir a responsabilidade parental do outro se houver mútuo consentimento, ressalvado ao filho maior de 14 anos o direito de manifestar discordância e impedir o acordo. Também pode haver a exclusão da responsabilidade parental se se demonstrar que é necessária ao maior interesse da criança (§ 1.671, BGB). Na Itália, o affidamento condiviso foi introduzido pela Lei n. 54, de 2006, que o estabeleceu como padrão para pais separados, e foi modificado pelo Decreto Legislativo n. 154, de 28 de dezembro de 2013, que consolidou as alterações nos artigos 337 bis e ss do Código Civil. Em Portugal, a responsabilidade parental conjunta dos filhos de casais separados foi estabelecida como padrão segundo o art. 1.906º do Código Civil conforme a Lei n. 61/2008.

Como se vê, o legislador brasileiro ao estabelecer com a Lei n. 11.698/2008 a possibilidade de implementação da guarda compartilhada e ao torna-la o padrão a ser adotado preferencialmente segundo o § 2º do CC 1.584, com a redação que lhe deu a Lei n. 13.058/2014, nada mais fez do que acompanhar um amplo movimento da cultura jurídica ocidental. A rápida expansão do modelo o faz ser ainda alvo de resistências. 

4. Argumentos favoráveis e contrários à guarda compartilhada. A guarda de filhos nas separações matrimoniais evoluiu historicamente de forma pendular: após milênios de supremacia patriarcal, seguiu-se a positivação de critérios que favoreceram a atribuição da guarda à mãe, até se chegar à guarda compartilhada, uma tentativa de equilíbrio de participação de pais separados na vida dos filhos.

O psicanalista SÉRGIO EDUARDO NICK sintetizou a crise do modelo tradicional de guarda, que leva ao afastamento de um dos pais:

“Sabemos hoje que as visitas quinzenais típicas dos arranjos jurídicos quanto à guarda frequentemente têm efeito pernicioso sobre o relacionamentos pais-filhos, uma vez que propicia um afastamento grande (tanto no sentido físico, como no emocional), devido a angústias frente aos encontros e separações, levando a um desinteresse defensivo de estabelecer contato com as crianças (Cowan, 1982; Dolto, 1989). A visitação regular é um fator significativo na explicação de padrões de ajustamento escolar positivo nas crianças após o divórcio (Pearson e Thoennes, 1990; Bisnaire, Firestone e Rynard, 1990). (NICK, Sérgio Eduardo. Guarda compartilhada: um novo enfoque no cuidado aos filhos de pais separados ou divorciados. In: A nova família; problemas e perspectivas. Vicente Barretto (org.), Rio de Janeiro; Renovar, 1997, p. 127-168, espec. p. 131)”. 

EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE enumerou estudos que afirmam a importância do compartilhamento da guarda para a preservação dos laços pater-filiais e o equilíbrio emocional dos filhos:

“São Wallerstein e Kelly que afirmam, pela primeira vez, que 2/3 (dois terços) das crianças entrevistadas oriundas de famílias monoparentais, lamentavam a ausência do genitor não-guardião (pai no caso); que existe uma correlação entre o estado depressivo da criança e a ausência de contatos com o pai não-guardião; que a segurança, a confiança e a estabilidade da criança estão diretamente vinculadas à manutenção das relações pais-filhos. (...) Existe evidência em nossas descobertas que, na falta de previsão legal para participar das decisões sobre aspectos importantes da vida dos filhos, muitos pais sem custódia afastaram-see dos filhos com tristeza e frustração. Este afastamento foi sentido pelos filhos como rejeição e sobre eles teve um impacto prejudicial ((WALLERSTEIN, J. S. e KELLY, J. B. Surviving the breakup. How childen and parentes cope with divorce. New York: Basic Books, 1980, p. 311, apud LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais, 2. ed. São Paulo: RT: 2003, p. 279). 

[...]

Folberg e Graham, já haviam acentuado, no seu estudo, o caráter de cooperação provocado pela guarda conjunta. Segundo eles, “o vencedor tem direito a tudo nas decisões da custódia que tendem ao exacerbamento das diferenças paternas e causam disputas previsíveis no após divórcio, como pais tentando obter de volta a custódia (que lhes foi negada) e a última palavra”. E concluem os autores: “A obtenção da custódia conjunta cria motivação para uma maior cooperação porque o rompimento do acordo resultará, provavelmente, na obtenção de uma custódia única ao genitor que não provou o fracasso” (FOLBERG, H.J. e GRAHAM, M. Joint custody of children following divorce, 12v. of. C. Davis 523, 1979, p. 536-551 apud LEITE, Eduardo de Oliveira. Op. cit., p. 281).

No mesmo sentido, a conclusão de Dontigny: “As crianças vivendo uma guarda partilhada (entre o pai e a mãe) manifestam a mais elevada taxa de satisfação, o fato de permanecer em contato com os dois genitores se revelando a grande vantagem desta fórmula, enquanto as crianças vivendo uma guarda exclusiva (só com a mãe, ou só com o pai) se queixam da perda de contato com um ou com o outro de seus genitores” (DONTGNY, D. Parents pour la vie” In: Contact 20, 1988, apud LEITE, Eduardo de Oliveira Leite, op. cit., loc. cit).”

São duas as principais críticas à guarda compartilhada e nenhuma delas se opõe ao instituto como um todo, mas apenas a determinado modo de aplicação ou à sua aplicação em dada circunstância.

A primeira refere-se à insegurança e consequente mal-estar para o filho em razão de constantes alternâncias de domicílios. Esta crítica tem como alvo uma das formas de compartilhamento da guarda que é alternada. A fim de se evitar esse risco, caso os pais não consigam conciliar de outro modo a questão, podem estabelecer uma residência habitual, como se infere do § 3º do CC 1.583, ao prever, expressamente, que o filho terá uma cidade considerada “base de moradia”. Se houver desacordo, o juiz pode fixar a residência habitual e os período de convívio.

A segunda é contra a fixação em caso de litígio entre os pais. ROLF MADALENO afirma que a guarda compartilhada pressupõe consenso:

“Não obstante as Leis 11.698/2008 e 13.058/2014 facultem impor a guarda compartilhada jurídica e física, ainda assim é preciso reconhecer ser de fundamental relevância apurar a boa intenção e o espaço para diálogo dos pais, porque, em contrário, provavelmente uma guarda forçada por decreto judicial terminará ascendendo novos e indesejados conflitos que colocarão a criança e o adolescente no centro de um turbilhão de desentendimentos e no surgimento de subsequentes demandas que levarão à redução das prerrogativas conferidas aos pais, além de submeterem seus filhos a uma indesejada rotina de alternância do domicilio, em um movimento pendular. (MADALENO, Rolf. A lei da guarda compartilhada. In: Guarda compartilhada. Antônio Carlos Mathias Coltro; Mário Luiz Delgado (orgs.). 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 301-316, espec. p. 310).”

Esta crítica é parcial, pois somente recusa o compartilhamento da guarda em situações de litígio. Ela estabelece presunção em desacordo com o § 2º do CC 1.584, que expressamente determina a fixação da guarda compartilhada quando as partes mantêm conflito em relação a ela. O Código Civil, por sua vez, está em consonância com a legislação estrangeira como visto. O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido da adoção preferencial da guarda compartilhada:

1. A instituição da guarda compartilhada de filho não se sujeita à transigência dos genitores ou à existência de naturais desavenças entre cônjuges separados.

2. A guarda compartilhada é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, conforme disposto no CC 1.584, em face da redação estabelecida pelas Leis 11.698/2008 e 13.058/2014, ressalvadas eventuais peculiaridades do caso concreto aptas a inviabilizar a sua implementação, porquanto às partes é concedida a possibilidade de demonstrar a existência de impedimento insuperável ao seu exercício, o que não ocorreu na hipótese dos autos. (STJ, REsp n. 1.591.161-SE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva).

A recusa de aplicação do comando legal, em sua literalidade, deflui da dificuldade do intérprete em conceber um bom funcionamento do instituto em litígios o que é inteiramente possível.

5. do exercício da guarda compartilhada. A maior polêmica em relação à guarda compartilhada diz respeito à sua utilização em casos litigiosos. A solução do problema está na própria compreensão do instituto, de sua finalidade e de suas raízes históricas.

A guarda compartilhada surgiu da conjugação dos princípios jurídicos da igualdade de gêneros e do maior interesse da criança, como meio de se evitar ou de se atenuar os danos frequentemente suportados por crianças e adolescentes decorrentes da guarda unilateral: a síndrome da alienação parental (SAP) – identificada por Richard Gardner, em 1985 – e o abandono afetivo.

O compartilhamento da guarda tem a função de assegurar a maior proteção dos interesses dos filhos menores mediante a igualdade entre o pai e a mãe na relação com a prole.

Assim, a guarda compartilhada é inspirada na ideia de se buscar no caso concreto a maximização da igualdade de gêneros visando ao bem-estar da criança e do adolescente. Ao contrário do que afirma a crítica à guarda compartilhada, não é a paz e a ausência de litígio entre as partes que a autorizam, mas a sua instituição que colabora para que esse ideal venha a ser buscado no exercício do poder familiar, como afirmou a Ministra Nancy Andrighi em julgamento que consagrou a preferência que deve ser reconhecida ao instituto:

“1. A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais. 

2. A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial.

3. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso.

4. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole.

5. A imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta.

6. A guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta – sempre que possível – como sua efetiva expressão. (STJ, Recurso Especial n. 1.428.596-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 03.06.2014).” 

Como se vê, a guarda compartilhada surgiu para incentivar a responsabilidade parental e não como um possível fruto da harmonia de partes que vivem separadas. Ela visa a incentivar a colaboração, a cooperação. Quer romper a lógica concorrencial e beligerante que transforma os filhos em prêmio àquele que sofre a menor redução moral durante o processo. É um fomento, um incentivo à concórdia, embora possa existir sem ela.

A própria inovação terminológica colabora para que esse modelo de guarda contribua para a maior efetividade dos princípios da igualdade de gêneros e do maior interesse da criança. É da tradição do Direito de Família o abandono de certos termos quando se pretende evitar a carga ideológica negativa a eles associada. São números os exemplos de tais substituições: desquite por separação judicial; homossexual por homoafetivo; concubinato por união estável, entre tantos outros. Do mesmo modo, a expressão guarda compartilhada induz uma superioridade ética em relação à expressão guarda unilateral.

A inovação vai além do léxico. Por ser “compartilhada”, a guarda não mais toca, separadamente, ao pai ou à mãe: ambos, mesmo separados, são guardiães. Não há, neste modelo a capitis diminutio, a perda da condição de guardião para o pai ou para a mãe que durante décadas foi uma sanção ao responsável pela dissolução do casamento. Na guarda compartilhada, um dos pais somente não está, momentaneamente, na companhia dos filhos pela impossibilidade ou pela inconveniência de coabitação com o outro genitor. É notória e relevante a alteração do escopo, embora, fisicamente, a situação possa se assemelhar à da guarda unilateral.

Da permanência da guarda decorre sua incompatibilidade com o direito de visita (CC 1.589); na guarda compartilhada os guardiães possuem tempo de convívio (§ 2º do CC 1.583). Neste ponto vislumbra-se igualmente a superioridade do modelo. Pais, ordinariamente, não visitam filhos menores; pais não têm filhos em sua companhia. Pais, vivem ou convivem com seus filhos, como, acertadamente consta na literalidade da lei. Os períodos de convívio e a residência habitual dos filhos podem ser livres ou prefixados. Não há determinação legal de que sejam estabelecidos judicialmente. A omissão, no caso, é um silêncio eloquente da lei, que não apenas homenageia a autonomia privada dos pais e dos próprios filhos menores, como atende às dificuldades práticas de se regular judicialmente matéria pouco “justiciável”, ou seja, matéria para a qual os instrumentos estatais mostram-se frequentemente inadequados e ineficazes à satisfação das necessidades das partes em situações que se contam em horas, minutos, não têm turno, nem férias, nem feriados. 

A fixação de período de convivência e da residência habitual tem lugar diante do interesse de qualquer das partes ou dos filhos menores, o que ocorre, ordinariamente, na presença de litígio. Os parâmetros não são os mesmos tradicionalmente adotados para a fixação do direito de visitas na guarda unilateral pois, como prevê o dispositivo, a divisão de tempo de convívio deve ser estabelecida “de forma equilibrada”. Equilibrada em matéria de guarda compartilhada é a divisão que assegura àquele que não seja o detentor da residência habitual tempo de convivência não inferior a 35% do tempo total dos filhos, o que se pode realizar mediante a concessão de um período maior de convívio com os filhos durante os finais de semana e nos períodos de férias. Se na guarda unilateral é comum que ao pai seja deferido o direito de visitas de 15 em 15 dias, o compartilhamento da guarda deve representar um aumento desse tempo de contato, com a convivência em dias da semana ou, nos fins de semana, de sexta a segunda-feira, ao invés da tradicional visita de sábado e domingo. 

A compensação também pode ocorrer nos período de férias, assegurando-se àquele que não é o guardião titular da residência habitual um período de convivência maior com os filhos, de até dois terços do período das férias.

6. Residência habitual dos filhos. O § 3º do CC 1.583 tem significado mais amplo do que sua expressão literal. Na guarda compartilhada e comum, embora não seja necessário, a fixação de uma residência habitual para os filhos, mesmo quando ambos os pais residam na mesma cidade. De outra lado, a residência habitual dos filhos pode não ser a residência na mesma cidade. De outro lado, a residência dos pais, como caso de estudo em internatos, intercâmbios culturais, residência em lar de parente e situações semelhantes. Desse modo, a localização das residências dos pais deve ser levada em conta para efeito de fixação da residência habitual, podendo ser até mesmo em cidade diversa daquela em que tenham sido domiciliados os filhos. A mudança de domicilio dos filhos que implique mudança de município exige a anuência de ambos os pais detentores do poder familiar (CC 1.634, V), caso em que a recusa pode ser judicialmente suprida se for reputada injusta.

7. Direitos e deveres na guarda unilateral. Tradicionalmente, ao detentor do poder familiar destituído da guarda a lei conferia o direito de fiscalizar o exercício desta (CC 1.589). A redação dada pela Lei n. 13.058/2014 ao § 5º do CC 1.583, estabeleceu dever complementar ao direito de fiscalização: o dever de supervisão, que reforçou a responsabilidade parental do seu titular. Para tanto, conferiu-lhe poderes e legitimidade para exigir informações e prestação de contas. Esta última faculdade veio corrigir entendimento jurisprudencial anterior, que repelia a possibilidade de o alimentante requerer prestação de contas do titular da guarda, sob a justificativa de suposta maior amplitude do direito de fiscalização, a exemplo do que decidiu em 2012 o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 970.147-SP (Rel. Min. Marco Buzzi, j. 4/09/2012. A incongruência é visível: como um direito supostamente maior, como é o de fiscalização, poderia não incluir um direito supostamente menor que seria o de exigir prestação de contas? A alteração legislativa, ao conferir ao pai ou à mãe não-guardião o direito de obter informações e prestação de contas deixou clara a possibilidade de manejo da ação de exigir contas prevista nos artigos 550 a 553 do Código de Processo Civil. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.583, acessado em 22.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 19 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.580, 1.581, 1.582 Da Dissolução da Sociedade e Do Vínculo Conjugal - VARGAS, Paulo S. R. -

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.580, 1.581, 1.582

Da Dissolução da Sociedade e Do Vínculo Conjugal

 - VARGAS, Paulo S. R. -  Parte Especial –  Livro IV

Do Direito de Família – Título I – Do Direito Pessoal –

Subtítulo I – Do casamento – Capítulo X – Da Dissolução

Da Sociedade e do Vínculo Conjugal – (Art. 1.571 a 1.582)

- digitadorvargas@outlook.com  - vargasdigitador.blogspot.com

fb.me/DireitoVargas – m.me/DireitoVargas

 Art. 1.580. Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio. 

§ 1º A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou. 

§ 2º O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos.

Seguindo o entendimento expresso na doutrina de Ricardo Fiuza, a extinção do princípio da indissolubilidade do casamento e a instituição do divórcio no direito brasileiro foram realizadas pela Emenda Constitucional n. 9, de 28 de junho de 1977. A referida emenda constitucional também estatuiu os parâmetros da dissolução do vínculo conjugal, o que, a rigor, seria matéria de legislação ordinária, possibilitando-a nos casos de prévia separação judicial por mais de três anos e nas hipóteses de separação de fato pelo prazo mínimo de cinco anos, desde que anterior à data de sua publicação. Com a promulgação da Constituição da República de 1988, foi ampliada a possibilidade de dissolução do casamento, diante da separação de fato por dois anos contínuos, independentemente da data de seu início, e diminuído o prazo de separação judicial ,que passou a ser de um ano (Art. 226, § 6º ). Assim, duas são as espécies de divórcio: por conversão da separação judicial e pela separação de fato.

• Divórcio conversão: também denominado doutrinariamente divórcio indireto, o divórcio conversão rompe o vínculo conjugal, cujo relaxamento já havia ocorrido pela separação judicial (v. Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 16. Art., São Paulo, SMaiva, 2001, v. 5, p. 242-6; e Yussef Said Cahali, Divórcio e separação, 9. cd., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 1008). A decretação do divórcio não ocorre ope legis, pelo decurso do prazo estabelecido, exigindo a manifestação da vontade dos cônjuges, por pedido conjunto ou de um deles. Embora o dispositivo em tela não se refira explicitamente à conversão consensual, a essa omissão não pode ser atribuído o sentido de sua inadmissibilidade, sendo que, sob a égide da legislação anterior que já continha regra idêntica, não havia qualquer questionamento sobre tal forma de dissolução do vínculo conjugal, a qual é pacificamente admitida, sob o procedimento previsto nos arts. 1.120 a 1.124 do Código de Processo Civil de 1973, hoje correspondendo ao art. 731 a 733 no CPC/2015. Nesta espécie de divórcio, tido como procedimento de jurisdição voluntária, os divorciandos podem manter as cláusulas estabelecidas na separação judicial, ou modificá-las no tocante aos alimentos entre eles, à pensão alimentícia destinada aos filhos, à guarda e à regulamentação das visitas referentes à prole e, até mesmo, aos aspectos patrimoniais. A conversão da separação judicial em divórcio, por pedido de um dos cônjuges em face do outro, assume a forma litigiosa, sendo procedimento de jurisdição contenciosa. 

• Divórcio direto: anteriormente à Constituição da República de 1988, o art. 40 da Lei do Divórcio 6.515 fl 7 —, em sua redação original, estabelecia que, “No caso de separação de fato, com início anterior a 28 de junho de 1977, e desde que completados cinco anos, poderá ser promovida ação de divórcio, na qual se deverão provar o decurso do tempo da separação e sua causa”, dispondo seu § 1º que “o divórcio, com base neste artigo, só poderá ser fundado nas mesmas causas previstas nos arts. 4º e 5º e seus parágrafos”. Assim, existiam as seguintes espécies de divórcio direto: consensual (LD, art. 4º) e litigioso, fundado em causa culposa (LD, art. 5º , copia) ou em causa não culposa — ruptura da vida em comum (LD, Art. 5º, § 1º) ou doença mental do cônjuge (LD, Art. 5º, § 2º). A Lei n. 7.841, de 17 de outubro de 1989, que adaptou o art. 40 da Lei n. 6.515/77 ao novo texto constitucional, estatuiu que, “No caso de separação de fato, e desde que completados 2 (dois) anos consecutivos, poderá ser promovida ação de divórcio, na qual deverá ser comprovado o decurso do tempo da separação”, e revogou expressamente o § 1º daquele artigo. Desse modo, no divórcio direto deixou de caber a demonstração de sua causa, bastando, apenas, a prova da duração da separação de fato, com a eliminação do divórcio sanção em nosso direito. O artigo em análise segue esse mesmo princípio.

• A emenda do Senado já cuidava de atender, em princípio, ao contido no Art. 226, § 6º, da Constituição Federal, ao tratar da dissolução do casamento civil pelo divórcio, nas duas hipóteses ali contempladas (divórcio conversão, diante de separação judicial por mais de um ano, e divórcio direto, diante de separação de fato por mais de dois anos). No entanto, havia falha técnica, ao referir o dispositivo a conversão da separação de fato em divórcio, corrigida na redação final do artigo. Também na fase final de tramitação do projeto, consoante nossas sugestões (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 106 e 107), o artigo foi ajustado à legislação superveniente (Lei n. 6.515/77, Art. 25, caput), que autoriza o início da contagem do prazo para a conversão judicial da separação judicial a partir da medida cautelar de separação de corpos, quando houver , e não só do trânsito em julgado da sentença que decretou a separação judicial, como já estabelecia a legislação anterior. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 802-03, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 19/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Remanescendo Milton Paulo de Carvalho Filho, como se viu (art. 1.571, IV e § Iº), o divórcio é uma das causas de dissolução do casamento válido. Com ele rompe-se o vínculo matrimonial ou conjugal. Somente após a sua decretação por sentença judicial ou por escritura pública (Lei n. 11.441/2007) é que estão os ex-cônjuges autorizados a convolar novas núpcias. Há duas modalidades de divórcio previstas em lei: (a) o divórcio-direto e (b) o divórcio indireto. O art. 226, § 6º, da Constituição da República também dispõe sobre o divórcio. Tanto o divórcio-direto consensual como o divórcio-indireto (conversão) consensual podem ocorrer administrativamente, mediante escritura pública, na forma disposta na Lei n. 11.441/2007. 

O divórcio indireto, previsto no caput e no § Iº do artigo ora comentado, além de estar disciplinado na primeira parte do § 6º do art. 226 da CF, também conhecido por divórcio-conversão, que pode ocorrer de forma consensual (requerido por ambas as partes) e litigiosa, será decretado quando o casal já estiver separado judicialmente - requisito previsto no § 1° -, tendo já decorrido o prazo de um ano a contar-se do trânsito em julgado da sentença que julgou a separação ou um ano da data da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos. 

O divórcio-conversão consensual também poderá se dar de forma extrajudicial, e ainda que o casal tenha se separado judicialmente (inexiste óbice constitucional para tanto). O interessado deverá comprovar a separação anterior por intermédio da apresentação da certidão de casamento com a dissolução da sociedade conjugal devidamente averbada ou com a outorga da escritura há mais de um ano. O prazo para a conversão poderá ser contado também da data em que estabelecida extrajudicialmente a separação de corpos consensual (ver comentário ao CC 1.562). 

Não há razão para se restringir à medida cautelar de separação de corpos o início do prazo para que se obtenha o divórcio-conversão, pois o que se deve ter em vista é a existência de um marco que evidencie que houve a falência do casamento e que a reconciliação será inviável. Presumir-se-á, destarte, a separação de foto do casal da data em que concedida medida cautelar de arrolamento de bens, de busca e apreensão de filho, de entrega de bens de uso pessoal ao cônjuge, de regulamentação do regime de visitas, entre outras. Quando consensual o pedido de divórcio indireto judicial, é lícito às partes convencionarem sobre alterações pretendidas nas cláusulas anteriormente estabelecidas na separação, como aquelas relacionadas com a guarda dos filhos, pensão, visitas, entre outras. Bastando apenas a demonstração do tempo exigido pela lei, independentemente, portanto, de culpa de quem quer que seja, ao cônjuge resistente não restará motivo para a impugnação do pedido, sendo, destarte, objeto de contestação unicamente a questão relativa ao prazo legal. Não mais subsiste, como aliás já vinha entendendo a jurisprudência de nossos tribunais, em razão do disposto no art. 226, § 6º, da Constituição da República, a possibilidade de o cônjuge resistente invocar o descumprimento das obrigações assumidas por ocasião da separação judicial (Lei do Divórcio, art. 36, II), ora revogado, pois o ex-cônjuge pode exigir o cumprimento delas por intermédio da via própria, não sendo coerente e justo que se obste a satisfação da pretensão do requerente por tal motivo.

Quando o casal estiver separado de fato por mais de dois anos, o juiz poderá decretar o divórcio de que trata o § 2º do presente artigo e a segunda parte do § 6º do art. 226 da CF, que se denomina divórcio direto. O dispositivo exige que seja comprovado apenas o lapso temporal para que os cônjuges tenham direito ao divórcio. Encontros eventuais não serão considerados interruptivos do período de dois anos exigido pela lei, de modo a concluir pela intenção de restabelecimento do convívio permanente. O divórcio direto também pode ser consensual, quando requerido por ambas as partes, e litigioso, quando ausente esse consenso. O divórcio direto consensual poderá ocorrer de forma judicial ou extrajudicial, este segundo disposto no art. 1.124-A do CPC/1973, correspondendo ao art. 733 no CPC/2015, com já visto acima (Nota VD). Para a decretação do divórcio direto, somente bastará também a demonstração do tempo exigido pela lei, não se questionando a culpa dos cônjuges. Na hipótese do divórcio direto consensual extrajudicial a prova da separação de fato perante o tabelião deverá ser feita por documentos, e testemunhas a serem ouvidas por ele, que consignará a declaração na própria escritura pública, não bastando a mera declaração das partes, ainda que sob as penas da lei, sobre o real tempo de separação. De outra parte, havendo a necessidade de definir outras questões que envolvem a dissolução do casamento, como o direito de alimentos do divorciando (veja comentário ao CC 1.704), o uso do nome (veja comentários aos CC 1.571 e 1.578) e eventual indenização por danos morais (veja comentário ao CC 1.572), a discussão sobre a culpa poderá voltar à tona, não impedindo, em qualquer caso, a decretação do divórcio. Já no divórcio conversão e no direto, realizados de forma consensual extrajudicialmente, as partes deverão observar as regras do art. 1.124-A/, CPC/1973 correspondendo ao art. 733 no CPC/2015, com já visto acima (Nota VD) no que diz respeito à partilha dos bens comuns, à pensão alimentícia e ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou manutenção do nome adotado quando se deu o casamento, já referidos em comentário ao CC 1.574, podendo manter, no divórcio conversão, o que foi convencionado na separação anterior. Não se olvide também que no divórcio extrajudicial não há a necessidade de que a partilha de bens deva ser prévia (veja comentário ao CC 1.581). Por fim, dispõe o § Iº do CC 1.580 que em ambas as modalidades de divórcio não se discutirá a causa que determinou tanto a separação judicial como a separação de fato, aplicando-se a mesma regra no caso do divórcio extrajudicial. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.720-21.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 19/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Baseando-se o estre Marco Túlio de Carvalho Rocha, no direito anterior: arts. 25 e 40 da Lei n. 6.515 (Lei do Divórcio). Referências normativas: arts. 226, § 6º, e 227 da Constituição da República; art. 731 do Código de Processo Civil, faz o seguinte comentário:

O artigo 1.580 está derrogada na parte em que submete o pedido de divórcio a prazos de separação judicial, de corpos ou de fato. O art. 226, § 6º, da constituição da República, com a redação que lhe foi dada pela Emenda constitucional n. 76/2010 permitiu o divórcio direito, independentemente de prazo. O divórcio pode ser requerido a qualquer tempo, por ambos ou por um só dos cônjuges.

É ultrapassada, igualmente, a discussão sobre a inviabilidade da conversão da separação em divórcio por descumprimento de obrigações assumidas na sentença ou no acordo de separação. Nem a Constituição, nem o Código Civil, tampouco o Código de Processo Civil o exigem. Além disso, a satisfação de créditos tem meio de execução próprios.

É necessário, no entanto, observar os requisitos do artigo 731 do CPC/2015, notadamente os que dizem respeito aos filhos incapazes, que têm fundamento no art. 227 da Constituição da República. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.580, acessado em 19.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.581.  O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.

Embasando-se no direito anterior: art. 31 da Lei n. 6.515 (Lei do Divórcio). Referências normativas: rt. 226, § 6º, da Constituição da República; desacordo sobre a partilha: parágrafo único do art. 731 do Código de Processo Civil, eis o comentário do Mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha:

O dispositivo repetiu integralmente a Súmula n. 197 do Superior Tribunal de Justiça, que consagrou o entendimento de que o artigo 31 da Lei n. 6.515 (Lei do Divórcio) fora revogado pela Constituição da República de 1988.

A partilha: não é necessária para a homologação do divórcio. Se não houver acorde, deve ser feita após a decretação deste (artigo 731, parágrafo único, do Código de Processo Civil). 

Com a facilitação do divórcio, em razão da criação da forma administrativa e da extinção de prazos que o condicionam, a questão que surge é quanto à constitucionalidade das condições impostas pelo CPC 731 para a sua realização, especialmente, o acordo sobre a guarda, as visitas e os alimentos devidos aos filhos incapazes.

Embora o texto constitucional não contemple tais exigências para o divórcio, a primazia conferida aos interesses das crianças e adolescentes pelo artigo 227 da constituição é fundamento suficiente para assegurar a constitucionalidade dessas condições. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.581, acessado em 19.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na mesma linha de raciocínio aquiesce Milton Paulo de Carvalho Filho: Ao contrário do que exigia a lei anterior, o Código Civil de 2002 afastou a necessidade da prévia partilha dos bens do casal para que possa se divorciar. A autorização legal atende aos anseios da doutrina e da jurisprudência, que entendiam não se justificar a restrição, especialmente nos casos em que os cônjuges já se encontravam separados de fato há mais de dois anos. O Superior Tribunal de Justiça já havia cristalizado o entendimento de que o divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia separação de bens (veja Súmula n. 197 do STJ). Assim, poderá o divórcio, tanto o direto, como o de conversão, por não existirem motivos para tratamento diferenciado entre eles em relação à partilha, ser concedido sem que haja prévia partilha de bens (veja a alteração proposta no Projeto de Lei n. 276/2007, que faz referência expressa às duas modalidades de divórcio). Como referido em comentário ao artigo antecedente e no CC 1.574, no caso do divórcio consensual extrajudicial (conversão ou direto), a partilha de bens poderá ou não ser realizada na mesma escritura pública, pois não teria sentido exigir para o procedimento administrativo mais rigor que o judicial. A escritura pública poderá conter partilha parcial efetuada pelos cônjuges, ficando para a sobrepartilha a discussão e a decisão sobre os bens litigiosos. Convém lembrar que a falta de partilha dos bens do casal impede que o divorciado se case novamente, conforme disposto no CC 1.523, III, do Código Civil. Optando o casal por realizar a partilha, na escritura se distinguirá o que é do patrimônio individual de cada cônjuge, se houver, do que é do patrimônio comum do casal, conforme o regime de bens, constando isto do seu corpo. A partilha em escritura pública de divórcio consensual se fará conforme as regras da partilha em inventário extrajudicial, no que couber, com as adaptações necessárias. A escritura constituirá título hábil para a transferência da titularidade dos bens móveis e imóveis partilhados. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.724.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 19/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Rebuscando o histórico que antecede a doutrina, • O presente dispositivo, inexistente no texto original do projeto, foi inserido, em primeira votação, pela Câmara dos Deputados com a seguinte redação: “Não se decretará o divórcio se ainda não houver sentença definitiva de separação judicial, ou se esta não tiver decidido sobre a partilha dos bens”. Durante a passagem do projeto pelo Senado Federal foi emendado e passou a redigir-se: “Não se decretará o divórcio estando pendente a partilha”. Retomando o projeto à Câmara, propôs o Deputado Ricardo Fiuza nova redação ao dispositivo, que foi acolhida em definitivo. 

Doutrina • Este artigo adota posicionamento jurisprudencial expresso na Súmula 197 do Superior Tribunal de Justiça, que permite a decretação do divórcio direto sem prévia partilha de bens (“O divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia separação dos bens”). Segundo a legislação anterior, somente no divórcio conversão era exigida a partilha de bens prévia (Lei n. 6.515/77, art. 31), disposição esta que não é repetida no novo Código. 

• Sugestão legislativa: Diante da lacuna existente quanto ao divórcio conversão e da inexistência de razão para o estabelecimento de regras diferentes sobre a partilha de bens nesta espécie e no divórcio direto, ofereceu-se ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão legislativa: Art. 1.581. O divórcio direto e por conversão podem ser concedidos sem que haja prévia partilha de bens. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 803, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 19/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.582. O pedido de divórcio somente competirá aos cônjuges.

Parágrafo único. Se o cônjuge for incapaz para propor a ação ou defender-se, poderá fazê-lo o curador, o ascendente ou o irmão.

O Direito anterior: art. 24 da Lei n. 6.515 (Lei do Divórcio). Referências normativas: Legitimidade para propor a separação judicial: parágrafo único do CC 1.576, forma-se o comentário de  Marco Túlio de Carvalho Rocha:

O divórcio pode ser requerido pelos cônjuges, conjunta ou separadamente, a qualquer tempo. A legitimidade para requerê-lo é personalíssima, ressalvado o disposto no parágrafo único do CC 1.582.

O dispositivo reconhece a legitimação ordinária do cônjuge, que age por si ou por seu curador, caso seja interditado. Permite, igualmente, que a ação seja proposta por ascendente ou por irmão do cônjuge. Nestes casos, a legitimação é extraordinária (cf. art. 18 do Código de Processo Civil) e visa a atender situações emergenciais em que a parte tenha interesse no divórcio, mas não possa agir diretamente, não tenha ainda curador nomeado ou, tendo, se for curador o próprio cônjuge de quem quer se divorciar. Obviamente, o irmão ou o ascendente deve agir no interesse do cônjuge que pretende representar. Se não o fizer, i.é, se agir por conta própria e sem consultar o interesse da parte, cometerá abuso do direito e ficará sujeito a indenizar os prejuízos que vier a causar. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.582, acessado em 19.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 De acordo com as anotações de Milton Paulo de Carvalho Filho, o artigo refere-se ao caráter personalíssimo do pedido de divórcio. Quanto à separação, já foi objeto de análise no CC 1.576, parágrafo único. Essa é a regra, que comporta a exceção prevista no parágrafo único do mesmo artigo citado, ao autorizar que a ação de divórcio seja proposta ou contestada por curador, ascendente ou irmão do cônjuge que apresente incapacidade. Como já mencionado no CC 1.576, trata-se de verdadeira legitimação extraordinária autorizada por lei. A lei não estabeleceu a espécie de incapacidade exigida para que se autorize a substituição processual, estendendo-se além da absoluta, ao autorizar a intervenção do ascendente, parente em linha reta de primeiro grau, e do irmão, parente colateral de segundo grau. O certo, no entanto, é que se trata de incapacidade mental - que deve ser reconhecida por decisão judicial - e não a relativa à menoridade, pois desta não há cogitar-se em face do disposto no art. 5º, II, que trata da emancipação pelo casamento. A não referência aos descendentes do cônjuge decorre de eventual interesse pessoal que possam vir a ter, em prejuízo do incapaz. Já o divórcio consensual extrajudicial poderá ser requerido pelos cônjuges pessoalmente que, contudo, poderão se fazer representar por mandatário constituído, desde que por instrumento público com poderes especiais, descrição das cláusulas essenciais e prazo de validade de trinta dias (Resolução n. 35 do CNJ, art. 36). Isto porque, como afirmado em comentário ao CC 1.576, não existe nenhum óbice legal a que tal ato consensual seja praticado por procurador, além do que a exigência de procuração por instrumento público, com os requisitos antes referidos, faz com que se mantenha a solenidade do ato. Ademais, se a lei autoriza a representação por procuração para a habilitação e a celebração do casamento, não há por que impedi-la para a hipótese do divórcio consensual extrajudicial, sendo, inclusive, admitida a representação de ambos os divorciandos pelo mesmo mandatário, ante a inexistência de conflito de interesses. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.726.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 19/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Finalizando este Capítulo X com Ricardo Fiuza, foi-se buscar o histórico relativo ao artigo em comento.

Histórico • O dispositivo em tela, inexistente no projeto, foi acrescentado pela Câmara no período inicial de tramitação do projeto. Posteriormente não foi mais atingido por qualquer espécie de modificação, no Senado e na Câmara, no período final da tramitação. 

Quanto à Doutrina • A ação de divórcio tem caráter pessoal, razão pela qual a legitimidade em sua propositura é atribuída aos cônjuges, com exclusividade, como já dispunha o art. 24, parágrafo único, da Lei n. 6.515/77. Já que o casamento vincula os cônjuges, o interesse em dissolvê-lo somente a eles compete, cabendo-lhes avaliar a conveniência ou não da sua manutenção. Somente na hipótese de incapacidade, que deve ser mental, já que a incapacidade por menoridade deixa de existir pelo casamento, que opera a emancipação (Art. 52, II), é estabelecida a possibilidade de representação pelo curador, ascendente ou irmão (v. Yussef Said Cabali, Divórcio e separação, 9. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 1004-6). 

Acresce-se uma Bibliografia referente a todo o Capítulo X sobre todos os artigos aqui comentados:

• Álvaro Villaça Azevedo e Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Sugestões ao projeto de Código Civil. Direito de família, RT 730/32; Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Dever de assistência material entre cônjuges, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990; Reparação civil na separação e no divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999; Yussef Said Cahali, Divórcio e separação, 9. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000; João de Matos Antunes Varela, Dissolução da sociedade conjugal, Rio de Janeiro, Forense, 1980; Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1999; Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 16. cd., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 5.  (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 803-04, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 19/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 18 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.577, 1.578, 1.579 Da Dissolução da Sociedade e Do Vínculo Conjugal - VARGAS, Paulo S. R. -

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.577, 1.578, 1.579

Da Dissolução da Sociedade e Do Vínculo Conjugal

 - VARGAS, Paulo S. R. -  Parte Especial –  Livro IV

Do Direito de Família – Título I – Do Direito Pessoal –

Subtítulo I – Do casamento – Capítulo X – Da Dissolução

Da Sociedade e do Vínculo Conjugal – (Art. 1.571 a 1.582)

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 Art. 1.577. Seja qual for a causa da separação judicial e o modo como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular em juízo.

Parágrafo único. A reconciliação em nada prejudicará o direito de terceiros, adquirido antes e durante o estado de separado, seja qual for o regime de bens.

De acordo com o histórico, o texto original era o seguinte: : “Seja qual for a causa do desquite, e o modo como este se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer a todo o tempo a sociedade conjugal, nos termos em que fora constituída, contanto que o façam por ato regular em juízo, averbando o regime de bens no registro competente. A reconciliação em nada prejudicará o direito de terceiros, adquirido antes e durante o desquite, seja qual for o regime de bens”. Durante a primeira passagem pela Câmara dos Deputados, o dispositivo foi emendado no caput, mantido o parágrafo único, passando a redigir-se: “Seja qual for a causa da separação judicial, e o modo como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer a todo o tempo a sociedade conjugal, nos termos em que fora constituída, contanto que o façam por ato regular em juízo”. Durante a tramitação no Senado Federal, foi retirada a exigência de que o restabelecimento da sociedade conjugal se faça “nos termos em que fora constituída”.

Ricardo Fiuza, em sua Doutrina como relator, discrimina a seguinte situação: Este dispositivo procura estimular as reconciliações entre ex-cônjuges, que podem, desde que conjuntamente e por meio de simples petição nos autos da separação judicial, desconstituir os efeitos da sentença de separação judicial litigiosa ou consensual (v. Yussef Said Caliali, Divórcio e separação, 9. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 713-24). A exigência que constava do texto anterior do projeto e da legislação anterior (Lei n. 6.515/77, Art. 46) não tinha sentido, uma vez que o parágrafo único do dispositivo em tela e da referida lei que faziam a ressalva legal, ao garantir proteção aos direitos de terceiros, além da obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público, que o ato de reconciliação diz respeito ao estado da pessoa (CPC/1973, art. 82. II, hoje elencado no art. 178, II no CPC/2015, nota VD). Efetivamente, o comando restritivo, a impedir que na reconciliação os cônjuges pudessem estabelecer a sociedade em outros termos, tomou-se descabido, ainda mais que o próprio Código admite a alteração do regime de bens, ressalvados os direitos de terceiros (CC 1.639, § 2º). A supressão dessa exigência está, portanto, de acordo com o Código, que extingue o anacrônico sistema de imutabilidade do regime de bens. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 800, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 18/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Dirimindo dúvidas, explica Milton Paulo de Carvalho Filho, a lei autoriza os cônjuges a restabelecerem a sociedade conjugal a qualquer tempo, mediante simples requerimento conjunto formulado ao juiz, permitindo, ainda, que não o façam nos mesmos termos e condições em que foi constituída, v.g., modificando o regime de bens do casamento adotado anteriormente, obviamente desde que preenchidos os requisitos legais (CC 1.639, § 2º). Já no caso de cônjuges divorciados, o restabelecimento da sociedade conjugal dar-se-á somente mediante novo casamento (Lei do Divórcio, art. 33). 

Caio Vilário da Silva Pereira ensina que “a sociedade conjugal fica automaticamente restabelecida, nas mesmas condições em que se constituíra, independentemente de aprovação judicial. É contudo essencial, a par do elemento psicológico ou perdão, consubstanciado na intenção dos cônjuges, o elemento material, que é a retomada da vida em comum.

A matéria, que é de interesse prático evidente, exige esta observação: não há reconciliação sem o restabelecimento da vida em comum, ainda que se prove o perdão manifestado pelo cônjuge inocente. Daí dizer-se que a reconciliação é sempre ato bilateral. Além disto, não comporta seja subordinada à condição, embora possa resultar das circunstâncias” (Instituições de direito civil v. V, “Direito de família”, 16. ed., p. 274).

O parágrafo único põe a salvo os direitos dos terceiros de boa-fé, para os atos praticados antes e durante a separação (eficácia jurídica da separação anterior). Assim, não se invalidam atos efetuados pelos ex-cônjuges, e nem se impede a produção de efeitos mesmo durante a reconciliação (veja RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. Rio de Janeiro, Forense, 2004). O restabelecimento da sociedade conjugal também poderá ser feito por escritura pública, ainda que a separação tenha sido judicial - não há qualquer restrição para tanto -, bastando, nessa hipótese, que a parte apresente certidão da sentença de separação ou da averbação da separação no assento de casamento. Nesse caso, a sociedade conjugal não pode ser restabelecida com modificações, salvo no que se refere ao uso do nome. Isto porque a mudança do regime de bens, prevista no art. 1.639, § 2o citado, exige a intervenção judicial. Na escritura pública de restabelecimento também deve constar expressamente que em nada prejudicará o direito de terceiros, adquirido antes e durante o estado de separado, seja qual for o regime de bens. Será ainda admissível o restabelecimento por procuração, se por instrumento público e com poderes especiais. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.714-15.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 18/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

O Mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, partindo do Direito anterior: art. 46 da Lei n. 6.515/77 (Lei do Divórcio); art. 323 do Código Civil de 1916; art. 89 do Dec. n. 181/1890. Referências normativas: Averbação do ato de restabelecimento da sociedade conjugal: art. 101 da Lei n. 6.015 (Lei de Registros Públicos), leciona:

A possibilidade de reconciliação é característica que distingue a separação conjugal do divórcio. O fato de a separação não extinguir o vínculo matrimonial permite o restabelecimento pleno da vida em comum mediante acordo entre os cônjuges. O ato é formal, i.é, a mera conciliação fática entre cônjuges separados judicial ou administrativamente, pode representar a formação de uma união estável, mas não o restabelecimento do casamento (neste sentido: TJRS, AI n. 70.029.296.506, Rel. Des. André Luiz Planella Vilarinho, j. 10/06/2009). A reconciliação pode ser judicial ainda que a separação tenha sido administrativa, pois o artigo expressamente estabelece essa possibilidade (“seja qual for... o modo”). Analogamente, pode ser por escritura pública a reconciliação de cônjuges separados judicialmente. Nada obsta que se faça por intermédio de mandatário, com poderes específicos, uma vez que o ato não se refere à administração ordinária. 

Se o pedido é feito judicialmente, nada obsta que seja conhecido mesmo que uma das partes venha a falecer antes de prolatada a sentença homologatória, pois o interesse de agir persiste (neste sendo: TJRS, Ap. Cív. N. 70010995686, rel. Des. Antonio Carlos Stangler Pereira. J. 02/06/2005).

A reconciliação opera retroativamente. Embora a lei seja omissa, a reconciliação anula os efeitos da separação conjugal relativamente ao regime de bens, i.é, eventuais bens adquiridos durante o período de separação passam à condição de bens comuns, se o regime de bens for o de comunhão. Isto ocorre, porque a reconciliação é uma espécie de distrato: um ato que visa ao desfazimento do ato anterior, no caso o ato da separação conjugal; ela não inaugura um novo vínculo, não é um novo casamento, mas a retomada do casamento preexistente mediante ato de vontade de ambos os cônjuges. Nada obsta, no entanto, que os cônjuges requeiram judicialmente a alteração do regime de bens (§ 2º do CC 1.639).

Pelo fato de a reconciliação ter natureza desconstitutiva do ato de separação, com efeitos retroativos, houve por bem o legislador explicitar a relatividade dos efeitos dela no sentido de não prejudicar terceiros de boa-fé. Desse modo, se qualquer dos cônjuges tiver realizado sozinho, durante o período de separação, um dos atos para os quais o CC 1.647 exige outorga conjugal, o referido ato será válido e não ficará sujeito à anulação, uma vez que terceiro não pode ser prejudicado pelo ato de reconciliação do qual, evidentemente, não terá participado. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.577, acessado em 18.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:

I – evidente prejuízo para a sua identificação;

II – manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;

III – dano grave reconhecido na decisão judicial.

§ 1º.  O cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome de outro.

§ 2º. Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado.

No lecionar de Milton Paulo de Carvalho Filho, a perda do direito de usar o sobrenome (ou patronímico) do outro cônjuge é sanção imposta ao que foi reconhecido culpado na ação de separação litigiosa. A regra terá incidência na hipótese de culpa de qualquer dos nubentes (mulher ou marido), quando qualquer deles tiver se valido da faculdade contida no CC 1.565, § Iº. Além dessa perda, o cônjuge culpado também perderá o direito de receber alimentos do outro, exceto os naturais, na hipótese dos arts. 1.694, § 2º, e 1.704, parágrafo único, do Código Civil (veja comentários aos arts. 1.702 e 1.704).

Na separação consensual, seja judicial ou extrajudicial, o cônjuge decide livremente a respeito do uso do sobrenome do outro (§ 2º e art. 1.124-A do CPC/1973, correspondendo atualmente ao art. 733 no CPC/2015 (Nota VG). Caso o cônjuge opte pelo nome de solteiro, não poderá reclamar no futuro a retomada do de casado. Se mantiver o de casado, a qualquer tempo, unilateralmente, poderá optar pelo de solteiro. Somente motivos muito graves e devidamente comprovados podem acarretar a perda do direito ao uso do sobrenome do outro, se o cônjuge não renunciou a ele na separação. Poderá o cônjuge ainda voltar a usar o nome de casamento anterior, conservado por opção ou na viuvez (sobre a alteração de nome na separação consensual extrajudicial, ver comentário ao CC 1.574).

Na separação litigiosa, o cônjuge só volta a usar o nome de solteiro - a regra é a conservação - desde que preenchidos os requisitos cumulativos: (a) tenha sido vencido na separação (declarado culpado); (b) tenha sido requerido expressamente pelo vencedor; e (c) não prevista qualquer das hipóteses dos incisos I, II e III do artigo comentado.

Já o cônjuge inocente pode optar por conservar o sobrenome do outro, podendo ainda renunciar ao seu uso a qualquer tempo (§ Iº).

Quanto à exceção prevista no inciso I, evidente prejuízo para a identificação do cônjuge, o fato de privá-lo de usar o sobrenome com o qual adquiriu notoriedade, até mesmo profissionalmente, gera desrespeito ao direito da personalidade dele, inclusive de valor econômico, como se retirasse parte de seu patrimônio. Já a hipótese tratada no inciso II, que se refere à distinção entre o nome de família do cônjuge e dos filhos havidos da união dissolvida, permite que o culpado seja identificado como pertencente à mesma família de sua prole, evitando-se situações de constrangimento aos filhos da união dissolvida.

Quanto ao disposto no inciso III, o dano grave ali referido é aquele decorrente da própria decisão da separação judicial e não de outra ação. O conceito vago “dano grave”, que concede certo poder discricionário ao juiz, não se refere à identidade profissional do cônjuge, porque ela está tratada no inciso I, mas a qualquer dano moral ou material que a exclusão do nome vier a causar, tanto ao cônjuge culpado, como ao inocente. Carlos Roberto Gonçalves (Direito de família. São Paulo, Saraiva, 2002) ressalta que o uso do nome do outro cônjuge, nos casos especificados, não é, entretanto, absoluto. Se a mulher, por exemplo, após a separação, mesmo vitoriosa na ação de separação, passa a ter conduta imoral ou desonrosa, agindo de modo a enxovalhar o nome do ex-marido, este poderá ajuizar ação ordinária para cessar esse direito, pela superveniente alteração das circunstâncias.

Nas demais modalidades de separação judicial (ruptura e remédio) terá incidência a regra do § 2º. O Código Civil de 2002 não traz proibição com relação à continuação do uso do sobrenome do outro cônjuge após a decretação do divórcio, como o fazia a Lei do Divórcio. Assim, ao ex-consorte divorciado é permitido manter o sobrenome de casado, até mesmo após novo matrimônio, se a sentença de separação judicial não dispuser em sentido diverso. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.716-17.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 18/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

No histórico que antecede a doutrina do relator, Ricardo Fiuza descreve-se, a  redação deste artigo tal como aprovado em primeira votação pela Câmara dos Deputados era a seguinte: “A mulher condenada na ação de separação judicial perde o direito a usar o nome do marido. §1º Aplica-se, ainda, o disposto neste artigo quando é da mulher a iniciativa da separação judicial com fundamento nos § lº e 2º do CC 1.575. § 2º Nos demais casos caberá à mulher a opção pela conservação do nome de casada. § 3º Condenado o marido na ação de separação judicial, poderá a mulher renunciar, a qualquer momento, ao direito a usar o nome do marido”. Durante a tramitação no Senado Federal foi emendado por iniciativa do Senador Álvaro Dias e passou a redigir-se: “A mulher, vencida na ação de separação judicial, perde o direito a usar o nome do marido. § 1º Aplica-se o disposto neste artigo quando é da mulher a iniciativa da separação judicial com fundamento nos § 1º e 2º do Art. 1.576. § 2º Nos demais casos caberá à mulher a opção pela conservação do nome de casada. § 3º Vencido o marido na ação de separação judicial, poderá a mulher renunciar, a qualquer momento, ao direito a usar o nome do marido.

Na Doutrina, como aponta Ricardo Fiuza, • O nome é direito da personalidade, que, na expressão do saudoso Prof. Carlos Alberto Bittar, opera a “ligação entre o indivíduo e a sociedade em geral”, identificando a pessoa em suas relações profissionais e sociais (v. Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, 3. Art., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1999, p. 124). Sua aquisição dá-se pelo nascimento, com o respectivo registro, podendo ser modificado, com o casamento, por meio da aquisição do patronímico do cônjuge, na conformidade deste Código Civil (Art. 1.565, § 1º) A Constituição da República, em seu art. 5º, tutela os direitos da personalidade, estabelecendo sua inviolabilidade.

• Na legislação anterior era prevista, como efeito legal, independentemente de pedido expresso e sem qualquer exceção, a perda do sobrenome marital se a mulher fosse havida como culpada (Lei n. 6.515/17, Art. 17, caput e se fosse dela a iniciativa da separação judicial não culposa, fundada na separação de fato ou na doença mental (Lei n. 6.515/ 77, art. 17, § 19. Não fazia sentido punir o cônjuge com a perda do nome pelo simples fato de tornar a iniciativa da separação judicial não culposa, como alertou-se em estudos anteriores (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 124 e 125). Após a aquisição do sobrenome do cônjuge, sua perda, que era determinada pela legislação anterior, feria o referido direito da personalidade, e, por essa razão, o dispositivo era inconstitucional.

• O dispositivo, antes de ser corrigido por meio de emenda de redação, por nós proposta, ainda continha imperfeição, ao referir-se ao cônjuge vencido como aquele que deveria perder o nome, de modo que, na separação não culposa, o cônjuge demandado passaria a perder esse direito.

• Na redação atual, para que ocorra a perda do nome, é necessário que, além da decretação da culpa do cônjuge, seja feito pedido expresso pelo outro consorte. Também foram estabelecidas ressalvas à perda do nome, nos casos em que a alteração do sobrenome possa acarretar evidente prejuízo para a identificação, manifesta distinção entre o nome de família e os dos filhos havidos da união dissolvida ou, ainda, dano grave reconhecido em decisão judicial. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 801, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 18/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Direito anterior: arts. 17, 18 e 25 da Lei n. 6.515/77. Referências normativas: Direito ao nome: CC 16 e 17; CC 1.565, § 1º, CC 1.572 e 1.573; art. 226, § 6º, da Constituição Federal.

Segundo Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo cuida dos efeitos da separação judicial quanto ao sobrenome que qualquer dos cônjuges tiver assumido em virtude do casamento, como autorizado no CC 1.565, § 1º.

Tendo-se em vista o virtual desuso do instituto da separação judicial, conforme exposto nos comentários aos CC 1.572 e 1.573, tudo o que se extrai do dispositivo legal resume-se ao § 2º: “caberá opção pela conservação do nome de casado”.

Em suma, na separação judicial cabe ao cônjuge que tiver assumido o sobrenome do outro a opção por continuar a utilizá-lo ou não. O reconhecimento dessa faculdade à pessoa que adotou o sobrenome do cônjuge afina-se com a maior preponderância que a jurisprudência reconhece atualmente aos interesses da pessoa portadora do nome na solução de casos relativos à sua alteração, tendo-se em vista o princípio da dignidade da pessoa humana.

A mesma regra é aplicável, por analogia, ao divórcio. Ela apresenta solução oposta ao art. 25, parágrafo único, da Lei n. 6.515/77 (Lei do Divórcio), que determinava a perda do nome de casado quando do divórcio, salvo se houvesse prejuízo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.578, acessado em 18.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.579. O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos.

Parágrafo único. Novo casamento de qualquer dos pais, ou de ambos, não poderá importar restrições aos direitos e deveres previstos neste artigo.

Referente ao artigo em comento, Milton Paulo de Carvalho Filho, leciona que, estabelecidos na separação as obrigações e os direitos dos pais em relação a seus filhos, no que se refere a manutenção, guarda e visita, não sofrerão alteração por superveniência do divórcio, ou até mesmo de uma união estável de qualquer dos pais. O divórcio não dará ensejo à modificação dos direitos e deveres dos pais no concernente a seus filhos, até mesmo se um deles vier a contrair novo casamento, pois a lei continuará assegurando a estes últimos atenção e proteção jurídica. Situações excepcionais, no entanto, justificarão a alteração da guarda e dos alimentos anteriormente fixados, por exemplo eventual malefício que o novo cônjuge daquele que detém a guarda possa causar aos filhos do primeiro casamento e a existência de nova prole, a justificar a redução da pensão alimentícia antes estabelecida. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.719.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 18/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, o presente dispositivo, em sua redação original, por ser anterior à adoção do divórcio em nosso direito, não existia, vindo a ser acrescentado pela Câmara dos Deputados durante o período inicial de tramitação. 

Doutrinariamente, segundo Ricardo Fiuza, este dispositivo corresponde ao art. 27 da Lei 6.515, fl. 17. O poder familiar exercido pelos pais não é alterado pela separação judicial ou pelo divórcio, a não ser no que se refere ao exercício da guarda, que passa a pertencer a um deles, desde que não tenha sido fixada na forma compartilhada. Ao contrair novo casamento, o divorciado não perde o direito-dever de guarda dos filhos, a não ser que se comprove que há prejuízo ou inadequação aos interesses da prole (v. Yussef Said Cahali, Divórcio e separação, 9. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 1338 e 1339, e art. 1.584). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 801-02, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 18/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Valendo-se do Direito anterior: art. 27 da Lei n. 6.515/77 (Lei do Divórcio). Referências normativas: arts. 226, § 6º e 229 da Constituição da República; arts. 24 1 33 da Lei n. 6.151/77 (Lei do Divórcio); igualdade dos filhos: art. 227, § 6º da Constituição da República, art. 22 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); no mesmo sentido: CC 1.632, Marco Túlio de Carvalho Rocha baseia seu comentário. 

1. Formas de divórcio. Quando da elaboração do Anteprojeto do código Civil, em 1972, não havia divórcio no Brasil, que só veio a ser permitido com a emenda Constitucional n. 9, em 1977. Em razão disso, as disposições do Código Civil sobre o divórcio foram objeto de emendas parlamentares que visaram à atualização do Projeto. O resultado foi uma regulamentação desarmoniosa, reunida às regras da separação judicial, sem rigor técnico que dificulta averiguar quais dispositivos da Lei n. 6.515/77 (Lei do Divórcio) foram revogados. Apesar disso, a deselegância estética do texto não perturba a simplicidade da matéria.

O divórcio classifica-se em: 

a) Judicial (direto ou indireto);

a.1) Consensual;

a.2) Litigioso.

b) Administrativo (consensual; direto ou indireto; art. 733 do CPC/2015).

Se o divórcio for antecedido da separação judicial será indireto ou por conversão; em caso contrário, será direto. Pode ser consensual ou litigioso. o consensual pode ser judicial ou administrativo, mediante escritura pública. A via administrativa somente pode ser escolhida se a mulher não estiver grávida (“não havendo nascituro”) nem houver filhos incapazes (art. 733 do CPC).

O divórcio consensual tem como requisitos (art. 731 do CPC: 

a) Acordo sobre guarda e regime de visitas aos filhos incapazes comuns;

b) Deliberação sobre pensão alimentícia devida aos filhos;

c) acordo quanto à pensão alimentícia entre os cônjuges.

O divórcio não exige a prévia partilha dos bens (CC 1.581; parágrafo único do art. 731 do CPC), não implica a extinção dos alimentos (CC 1.708), nem exige a perda do sobrenome de casado (CC 1.571, § 2º). 

2. Direito e deveres dos pais divorciados em relação aos filhos. Pertence à história do direito o tempo em que o estado civil dos pais implicava a redução ou o aumento do direito dos filhos. A proclamação da igualdade de direito dos filhos, independentemente da origem, i.é, do estado civil dos pais (art. 227, § 6º, da Constituição), implica na impossibilidade de alteração dos direitos e dos deveres dos pais em relação aos filhos em razão do divórcio ou mesmo de separação judicial ou de dissolução de união estável, como dispõe, de forma mais ampla, o CC 1.632.

Embora a guarda compartilhada seja a regra (cf. CC 1.583 e 1.584) e o divórcio não altere os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, ocorre um abrandamento do poder familiar para aquele que não detenha a guarda se esta é fixada unilateralmente em favor de um dos pais. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.579, acessado em 18.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).