Direito Civil Comentado – Art. 1.878, 1.879, 1.880
Do Testamento Particular - VARGAS, Paulo S. R.
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Sucessões - Título III – Da Sucessão Testamentária – Capítulo III
– Das Formas Ordinárias do Testamento - Seção IV:
Do Testamento Particular (Art. 1.876 a 1.880)
Art.
1.878. Se as testemunhas forem contestes sobre o
fato da disposição, ou, ao menos, sobre a sua leitura perante elas, e se
reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a do testador, o testamento
será confirmado.
Parágrafo
único. Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência , e
se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado, se, a
critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade.
Em arquivo, este
artigo corresponde ao art. 1.930 do Projeto de Lei n. 634/75. O parágrafo único
corresponde ao art. 1.931 do mesmo projeto, mas sua localização e redação foram
determinadas pela emenda n. 482- r, do Senador Josaphat Marinho. Ver arts.
1.647 e 1.648 do Código Civil de 1916.
As
testemunhas do testamento particular são inquiridas pelo juiz. Se forem
contestes, acordes, sobre o fato da disposição, ou, ao menos, sobre a sua
leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a
do testador, o testamento será confirmado.
O
testamento particular é válido, se observados os requisitos do CC 1.876. Mas
não é eficaz com a morte do testador, o que ocorre tratando-se das demais
formas de testamento. Após a morte do testador, as exigências dos arts. 1.877 e
1.878, caput, têm o objetivo de confirmar o testamento, comprovar sua
autenticidade, dar-lhe executoriedade, conferir-lhe eficácia, através do
cumpra-se do juiz (cf. arts. 1.130 a 1.133 do CPC/1973 – v. CPC/2015, art. 737,
§ 2º). Mas as testemunhas podem faltar, por morte ou ausência. Aliás, a falta
pode ocorrer por outros motivos, como a doença grave, a perda das faculdades
mentais. Porém, se pelo menos uma das testemunhas o reconhecer, o testamento
poderá (faculdade!) ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova
suficiente de sua veracidade.
Ora, se há
prova suficiente da veracidade do testamento, inquirir as testemunhas para quê?
Enfim, esse procedimento judicial, após o falecimento do testador, que pode
redundar na ineficácia do testamento, e submeter a sucessão aos ditames da lei,
quando o de cujus quis dispor dos seus bens, quiçá beneficiando alguém
com sua metade disponível, ou fazendo legados, ou excluindo da herança os
colaterais, é um dos maiores inconvenientes, um risco flagrante do testamento
hológrafo, residindo aí a razão principal de sua quase nenhuma utilização em
nosso pais. (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 977-978, CC 1.878, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 18/08/2021, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Para Silvio Venosa, em
artigo publicado, intitulado “O testamento particular no Código Civil de
2002”, site genjuridico.com.br, datado de 29/12/2015, Essa forma de testamento,
também denominado hológrafo (admite-se também a grafia ológrafo), prescinde, em sua elaboração, da intervenção
do funcionário do Estado. Nunca foi muito utilizado, principalmente porque há
sempre o risco de perda ou desaparecimento da cártula, não bastassem a série de
formalidades.
O presente Código
Civil procurou simplificá-lo, pois no sistema de 1916 foi a modalidade menos
utilizada principalmente porque, além de sofrer os mesmos riscos de perda do
testamento cerrado, exigia o Código antigo, para sua execução, que pelo menos
três testemunhas comparecessem após a morte do testador, para confirmá-lo.
Ademais, nesse ato de última vontade, eram mais difíceis de controlar as
pressões dos interessados.
Em seu favor, pode
ser mencionada sua rapidez de elaboração, facilidade e gratuidade. A nosso ver,
no entanto, a simplificação de suas formalidades no Código de 2002 foi em certo
aspecto além do que seria de desejar e pode abrir muitos flancos para a fraude.
A atual lei estatui
que o testamento pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo
mecânico. Não é admitida a assinatura a rogo. Vem aqui novamente à baila a
possibilidade da utilização de meios eletrônicos para sua redação. Não havia
disposição pertinente no Código de 1916.
A jurisprudência,
com divergência, admitira o uso da datilografia no testamento particular ao
contrário do Código de 2002, que segue o mesmo princípio do Código italiano e
do Código suíço, exigindo agora que o testamento particular seja feito de
próprio punho ou por meio mecânico. O direito de 1916 exigia apenas que
fosse escrito e assinado pelo testador.
Podíamos entender
que, provado que fosse o próprio testador quem datilografara ou digitara o documento,
o requisito estaria preenchido. Não era a melhor solução, nem a solução
pretendida, com certeza, pelo legislador de 1916, quando começavam a surgir as
máquinas de escrever. Hoje, com a eletrônica e a informática, outros meios de
grafia podem ser utilizados. Desse modo, o novel Código suplanta o problema ao
admitir a escrita de próprio punho ou por meio mecânico, com a assinatura do
testador. Melhor seria que a lei mencionasse meios eletrônicos, pois estamos
muito além dos meios exclusivamente mecânicos.
O testamento
particular é presa fácil de falsificações, vícios de vontade e outras fraudes.
A perícia técnica para apurar se foi determinada pessoa quem datilografou um
documento já era muito difícil. Muito mais se se tratar de modernos
equipamentos impressores da informática. A prova testemunhal em matéria
testamentária é sujeita mais ainda às instabilidades e incertezas conhecidas.
Destarte, se partíssemos da premissa de que a lei não proibia a datilografia no
testamento particular, toda a prova seria no sentido de afirmar que fora o
próprio testador quem acionara o meio mecânico ou eletrônico.
A doutrina
tradicional mais antiga era peremptória no sentido de que esse testamento devia
ser manuscrito, não admitindo nem mesmo o manuscrito em letra de imprensa. Deve
ser redigido em papel. Materiais estranhos à escrita normal tornam suspeita a
disposição. Na época atual, não havia mesmo que se repelir a elaboração desse
testamento por meio mecânico, como inclusive dava a entender o projeto original
do mais recente Código, embora as garantias maiores de higidez da cédula
decorram mesmo do manuscrito.
Se elaborado por
meio mecânico, a lei adverte que o testamento particular não pode conter
rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de
lido na presença de pelo menos três
testemunhas, que o subscreverão. Se escrito de próprio punho, entende-se que as
entrelinhas e rasuras devem ser devidamente ressalvadas no texto para que o
negócio não perca a validade.
Nessa modalidade de
testamento, seja de próprio punho, seja por meio mecânico como diz a lei, como
se percebe, o Código estabelece o número mínimo de três testemunhas. O testador
poderá inserir quantas testemunhas desejar. Como há necessidade de confirmação
desse testamento pelas testemunhas, o número maior representa, em tese, maior
segurança. Contudo, esse número superior aumenta o risco de serem trazidas
testemunhas impedidas, que poderão macular o ato.
O testamento
inteiro deve, em princípio, ser redigido pelo testador. Não vicia o ato o fato
de ter sido copiado de minuta, rascunho ou anotações. Se não há controle de
linguagem, o testador redige como bem quiser, com erros, contradições,
linguagem grosseira, borrões, entrelinhas etc. O trabalho depois será do
intérprete, do juiz.
O testamento
particular pode ser redigido em língua estrangeira, contanto que as testemunhas
a compreendam (art. 1.880; antigo, art. 1.649). Todas as testemunhas devem
conhecer a língua utilizada pelo testador. Uma única que não o saiba torna o
negócio nulo. A data também aqui não é requisito essencial, embora seja útil e
deva ser colocada. Em sua ausência, caberá à prova fixá-la. Também a lei não
exige o reconhecimento de firma ou de letra do testador, nem o depósito
oficial. Não há também como defender-se a necessidade de unidade de tempo e
lugar na elaboração do testamento. Há que ser exigido que exista unidade de
contexto, com as mesmas testemunhas e mesmas formalidades. A assinatura do
testador é essencial. Mesmo manuscrito, sem sua assinatura, não haverá
testamento.
Assim, para que o
ato tenha validade, exigem-se a redação e a assinatura do testador, a leitura e
a assinatura das testemunhas. A leitura, de acordo com o atual Código, será
feita pelo testador. Na lei anterior, como não havia especificação, admitia-se
a leitura por uma das testemunhas, pelo testador e até mesmo por um estranho ao
ato. O vigente Código foi expresso no sentido de que a leitura seja sempre
feita pelo disponente, nos parágrafos do art. 1.876.
No sistema de 1916,
mesmo válido o documento, para que o testamento ganhasse eficácia, havia
necessidade da confirmação do ato por pelo menos três testemunhas (arts. 1.647
e 1.648). Doravante, conforme o CC 1.878 do presente Código, as testemunhas
testamentárias devem ser convocadas para confirmar o negócio testamentário ou,
pelo menos, sobre sua leitura perante elas, e se reconhecem as próprias
assinaturas, assim como a do testador. Pela regra, todas as testemunhas que
participaram do ato devem ser convocadas. Contudo, a importante inovação vem
expressa no parágrafo único do art. 1.878:
“Se faltarem
testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o
testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova
suficiente de sua veracidade.”
Embora não caiba ao
jurista raciocinar sobre fraudes, nesse caso a simplificação, abre larga margem
de dúvidas. O testamento, qualquer que seja sua modalidade, é um dos negócios
mais suscetíveis a fraudes e a ataques de nulidade. Toda a carga da responsabilidade,
nesse caso, é transferida ao juiz, nessa disposição legal aberta, o qual poderá
confirmar o testamento perante apenas uma das testemunhas.
Como se tem sempre
sustentado, quando há uma cláusula aberta, caberá aos interessados apontar os
caminhos ao magistrado. Melhor seria que a lei simplesmente dispensasse essa
formalidade das testemunhas confirmatórias. Por outro lado, devem ser esgotadas
as possibilidades de localização das testemunhas não encontradas.
Nesses processos
avulta de importância o papel do Ministério Público. Não há que se entender a
ausência das testemunhas mencionada na lei como a ausência técnica, definida
nos arts. 22 e seguintes, mas como impossibilidade de sua localização.
É conveniente que o testador descreva
todos os atos realizados. As testemunhas devem ouvir a leitura. Suas
assinaturas devem ser lançadas na presença do testador. Se houver mais de uma
folha, é conveniente que testador e testemunhas assinem todas as folhas, com
numeração. As testemunhas não necessitam recordar com particularidades as
disposições, mas delas terão conhecimento. Tal é importante para o ato de
confirmação após a morte do disponente. Perante tantos óbices impostos pela
lei, nada impede que o testador faça várias vias de igual teor do testamento,
todas com assinatura, sua e das testemunhas. Se houver diferença entre os
exemplares, haverá mais que um documento e portanto testamentos plúrimos.
Caberá o exame à prova, altamente complexa nessa seara. (Silvio
Venosa, em artigo publicado, intitulado “O testamento particular no Código
Civil de 2002”, site genjuridico.com.br, datado de 29/12/2015, Juiz aposentando do
Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Membro da Academia Paulista de
Magistrados, comentários ao CC 1.878, acessado em 18/08/2021, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Na versão de Guimarães e Mezzalira,
o juiz ouvirá as testemunhas, perguntando-lhe se o testador cumpriu as
solenidades legais, i.é, redigiu o texto e o leu para as três testemunhas ao
mesmo tempo. Reconhecendo suas assinaturas, mesmo que somente uma só esteja
viva, o juiz aprovará o testamento, mandando-o registrar da forma usual.
Note-se que somente o testamento particular exige três (3) testemunhas.
Destaca-se sempre ser preciso
chamar testemunhas idôneas, que provavelmente, estarão vivas nos próximos anos.
Fazer testamento e não serem encontradas as testemunhas instrumentárias para
poderem depor em juízo, é perda de tempo.
Jurisprudência: Civil e processual civil. Testamento
particular. Assinado por quatro testemunhas e confirmado em audiência por três
delas. Validade do ato. interpretação consentânea com a doutrina e com o novo
Código Civil, art. 1.876, §§ 1º e 2º. Recurso Especial conhecido e provido. 1.
Testamento particular. Artigo 1.645, II do CPC. Interpretação: Ainda que seja
imprescindível o cumprimento das formalidades legais a fim de preservar a
segurança, a veracidade e legitimidade do ato praticado, deve se interpretar o
texto legal com vistas à finalidade por ele colimada. Na hipótese vertente, o
testamento particular foi digitado e assinado por quatro testemunhas, das quais
três o confirmaram em audiência de instrução e julgamento. Não há, pois, motivo
para tê-lo por inválido. 2. Interpretação consentânea com a doutrina e
como o novo código civil artigo 1.876,
§§ 1º e 2º. A leitura dos preceitos insertos nos artigos 1.133 do CPC e 1.648
CC/1916 deve conduzir a uma exegese mais flexível do artigo 1.645 do CC/1916,
confirmada inclusive, pelo Novo Código civil cujo artigo 1.876, §§ 1º e 2º,
dispõe: “O testamento, ato de disposição de última vontade, não pode ser
invalidade sob alegativa de preterição de formalidade essencial, pois não pairam
dúvidas que o documento foi firmado pela testadora de forma consciente e no uso
pleno de sua capacidade mental”. Precedentes deste STJ. 3. Recurso especial
conhecido e provido. (STJ – REsp 701.917/SP, rel. Ministro Luís Felipe
Salomão, 4ª T, J 02/02/2010, DJe 01/03/2010). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.878,
acessado em 18/08/2021, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Art.
1.879. Em circunstâncias excepcionais
declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo
testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.
Segundo
histórico, este artigo, sugerido pelo Prof. Miguel Reale, foi
introduzido pela emenda n. 483-R, do Senador Josaphat Marinho. Não há preceito
correspondente no Projeto de Lei n. 634/75, nem no Código Civil de 1916.
Atento à
doutrina o relator, este artigo traz uma inovação, e muito importante. O que
regula, na verdade, é uma outra forma de testamento especial. Trata-se de um
testamento elaborado “em circunstâncias excepcionais”, que impedem ou
dificultam extremamente o testador de se utilizar de outra forma de testar, ou
do próprio testamento particular em sua configuração normal. Essas
circunstâncias excepcionais, extraordinárias, de emergência, precisam estar
mencionadas na cédula. Se o documento foi redigido de próprio punho e está
assinado pelo testador, embora não tenha testemunhas, poderá ser confirmado, a
critério do juiz.
As
circunstâncias excepcionais, que justificam essa forma simplificada de
testamento particular, podem ser as mais diversas: o testador está num prédio
que se incendeia, e escreve o testamento, jogando o papel pela janela; o
testador está sem comunicação, num Lugar isolado, perdido; o testador foi sequestrado,
e, temendo que seja assassinado, escreve e assina o testamento; o testador está
internado na UTI do hospital e, sentindo a proximidade da morte, redige o
testamento.
O direito
alemão prevê o Nottestament — testamento de emergência —, quando há o
perigo de o testador morrer antes que seja possível realizar um testamento
perante o notário, ou se a pessoa está em local isolado, em consequência de
circunstâncias extraordinárias (13GB, arts. 2.449 e 2450). O Código Civil
francês, art. 985; o suíço, art. 506; o espanhol, arts. 700 e 701; o italiano,
art. 609; o português, art. 2.220; o chileno, art. 1.035; o paraguaio, art.
2.666; o mexicano, art. 1.565; e o argentino, art. 3.689, admitem, igualmente,
testamentos com redução de formalidades, se o testador se acha em risco
iminente de morte ou submetido a situações anormais, de calamidade pública
(como terremoto, inundação, seca, epidemia, desastre, conturbação popular,
revolução), enfim, diante de motivos de força maior, que impedem ou dificultam
extremamente a utilização de alguma forma ordinária de testamento. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– p. 978, CC 1.879, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acessado em 18/08/2021,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na continuação Silvio Venosa, no item 2 Testamento Particular
Excepcional - Nosso Código de 1916 não admitia o testamento nuncupativo, a não
ser como modalidade do testamento militar. O direito anterior a 1916 admitia o
testamento nuncupativo como forma ordinária. Nessa modalidade, chegava-se mesmo
a possibilitar o testamento oral, quando o testador, em perigo de vida, não
tinha tempo de fazer testamento escrito. Exigia-se, no entanto, a presença de
seis testemunhas.
Em disposição
surpreendente que certamente trará celeumas doutrinárias e infindáveis
contendas, o Código de 2002 introduz modalidade de testamento que açambarca a
hipótese do testamento nuncupativo e outras situações extremas. Trata-se,
realmente, de outra modalidade de testamento. Dispõe o art. 1.879:
“Em circunstâncias
excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e
assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do
juiz.”
Esse dispositivo
não constava originalmente no Projeto do atual Código. O artigo foi sugerido
pelo Professor Miguel Reale, tendo sido introduzido pela Emenda nº 483-r, do
Senador Josaphat Marinho. Mais uma vez, a carga de responsabilidade pela
confirmação desse testamento excepcionalíssimo será do juiz, com tudo aquilo
que se sustenta em torno das chamadas disposições abertas.
A primeira questão
que aflora é definir quais seriam essas circunstâncias excepcionais que podem
ensejar forma tão simplificada de testamento. Exige também a lei que essa
excepcionalidade seja declarada na cédula. Não se admite que essa cédula
testamentária seja redigida por meios mecânicos. Nem há que se pensar,
portanto, na possibilidade de utilização de meios eletrônicos. Esse testamento,
mais do que qualquer outro, há de obedecer à legalidade, ou seja, à tipicidade
estrita.
A primeira situação
excepcional que vem à mente é justamente a proximidade da morte do disponente e
a impossibilidade de ele recorrer às formas ordinárias. Alerte-se, contudo, que
esse testamento não se confunde com os testamentos especiais. Em princípio,
quando estiver aberta a possibilidade de testar sob a forma de testamento
marítimo, aeronáutico ou militar, não é de ser admitido o testamento
excepcional.
Outra questão que
deve ser lembrada diz respeito à cessação das condições excepcionais e à
possibilidade de o testador ratificar o testamento anterior ou elaborar novo
testamento pelas vias ordinárias. Se o disponente usa da faculdade do art.
1.879 por entender que está à beira da morte, mas depois sobrevive dias, meses
ou outro período que lhe permitia testar sob a forma ordinária, não pode ser
dada validade ao testamento excepcional. Toda essa série de aspectos fáticos
deve ser examinada pelo juiz.
O Código deveria
ter previsto um prazo após a cessação da excepcionalidade para que novo
testamento fosse elaborado sob pena de caducidade do excepcional, como faz no
testamento marítimo (art. 1.891). Nesse caso, se o testador não morrer na
viagem, nem nos 90 dias subsequentes a seu desembarque em terra, onde possa
fazer, na forma ordinária, outro testamento, o testamento marítimo e o
aeronáutico caducarão.
O ordenamento
italiano, em situação semelhante, no testamento lavrado em estado de calamidade
pública, assina um prazo de eficácia de três meses depois da cessação da causa,
para que o testamento perca sua eficácia. Parece que a lacuna em nossa lei a
esse respeito é injustificável e nem o Projeto nº 6.960, se apercebeu da falha.
Uma das principais características do testamento excepcional é a efemeridade,
sua curta eficácia temporal. O exame desse importante aspecto nesse testamento,
como se nota, ficará relegado ao critério da jurisprudência no caso concreto,
mas não pode ser dispensado.
Aliás, o testamento
aeronáutico parece ser um paradoxo, pois não é crível que, numa aeronave em
perigo, tenha seu comandante tempo e disponibilidade de preocupar-se com o
testamento de um passageiro ou tripulante (art. 1.889). No entanto, aqui, sem
dúvida, poderá estar presente uma situação excepcional que autorize o
testamento de próprio punho, assim declarado pelo testador, conforme o art.
1.879.
Tomando exemplos da legislação
comparada, pode-se imaginar outras circunstâncias excepcionais, como estar o
disponente tomado de moléstia considerada contagiosa, impedindo o contato com
terceiros; em local isolado por inundação ou outra intempérie, ou ainda, local
em estado de calamidade pública. Em algumas dessas situações excepcionais,
revive-se, de certa forma, o testamento tempore pestis do
passado remoto. Em todas as situações, porém, o que deve ser analisado pelo
juiz é o fato de o testador estar impossibilitado de se utilizar das
formas ordinárias ou mesmo especiais de testamento. Essa deve ser a
primeira preocupação do juiz. De qualquer forma, o testamento em estado de
necessidade ou em circunstâncias excepcionais, como diz a lei, encontrará seu
espaço, nas hipóteses nas quais os testamentos especiais não são aplicáveis. Somente
o futuro dirá se andou bem o legislador ao quebrar o sistema formalista e
introduzir essa modalidade tão simplificada de testamento. (Silvio
Venosa, em artigo publicado, intitulado “O testamento particular no Código
Civil de 2002”, site genjuridico.com.br, datado de 29/12/2015, Juiz aposentando do
Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Membro da Academia Paulista de
Magistrados, comentários ao CC 1.879, acessado em 18/08/2021, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Na toada de
Guimarães e Mezzalira, o artigo visa proteger pessoas que tenham sido
sequestradas, que estejam presas em ferragens, por desmoronamento de prédio,
que, acidentadas, fiquem impossibilitados de ser transportadas e receio de
morrer de fome etc., enfim, uma circunstância não regular ou normal, sem
condições de pedir a presença de testemunhas para a sua manifestação de
vontade.
De um modo geral,
todos os testamentos devem ter testemunhas, ser lido para elas e assinado em
seguida. Ocorre que, em circunstâncias excepcionais, como, em caso de sequestro,
naufrágio, isolado no meio de uma estrada deserta, sem tráfego e ferido no
acidente do seu veículo, refém em mãos de criminosos, i.é, sempre em
circunstâncias excepcionais, a pessoa pode redigir seu testamento, de próprio
punho, declarando o momento difícil que atravessa de excepcionalidade, e redige
seu testamento.
Com sua morte,
encontrado o corpo e o testamento, alguém deve apresenta-lo para o juiz, que
analisará os fatos, a comprovação do isolamento e exceção. Considerando correto
o procedimento do testador, o magistrado poderá aprovar o testamento, mandando
registra-lo.
"Convém lembrar que
esse testamento, por ser especial, terá sua eficácia afastada se a morte do
testador não se der até 90 dias após a sua elaboração, aplicando-se por
interpretação extensiva, às normas atinentes à caducidade dos testamentos
especiais”. (Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 6: direito das sucessões. 28 ed. São Paulo: Saraiva,
2014, p 255).
Jurisprudência: Ementa: Apelação cível. Reconhecimento de declaração
de última vontade. Testamento particular. Art. 1.876, § 1º, do Código Civil
formalidades legais não atendidas. Ausência de testemunhas. Situação
excepcional. Não configurada. Art. 1.879, Código Civil. Recurso improvido. I.
Nos termos do art. 1.876, § 1º, do Código Civil, o testamento particular
escrito de próprio punho, para ser válido, deve ser lido na presença de pelo
menos três testemunhas e por elas assinado. Apenas em situações excepcionais
podem ser dispensadas as formalidades previstas no art. 1.876, do Código Civil.
II. A condição especial prevista no art. 1.879, do Código Civil, de
impossibilidade de convocação de testemunhas, deve ser cabalmente demonstrada
nos autos, hipótese que não se verifica no presente caso, o que impede o
reconhecimento da carta dispondo sobre a divisão dos bens da falecida, como
testamento particular excepcional. (TJMG – AC 1.0290.13.005724-0/001,
Relator: Des. Washington Ferreira, 7ª CV, J 25/08/2015. P de Súmula em 31/08/2015).
(Luiz
Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com,
nos comentários ao CC 1.879, acessado em 18/08/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1880. O testamento particular pode ser escrito em língua estrangeira,
contanto que as testemunhas a compreendam.
Segundo o histórico, este artigo corresponde ao art. 1.932 do
Projeto de Lei n. 634/75. Ver art. 1.649 do Código Civil de 1916.
Atento o Relator em sua doutrina, este artigo está deslocado. Devia
ser um parágrafo do art. 1.876, ou vir depois dele.
Todas as testemunhas devem entender a língua em que está redigido o
testamento, sob pena de nulidade, por vício de forma. O requisito da leitura
perante as testemunhas é substancial (art. 1.876), e, se elas não compreendem a
língua em que o documento foi escrito, não entendem o que se redigiu, não
haveria nenhuma utilidade de a leitura ser feita, porque ouvir o que outra
pessoa está dizendo em língua estrangeira, se o interlocutor não sabe falar
essa língua, é a mesma coisa que não ouvir. E nem poderiam as testemunhas, na
fase de confirmação do testamento, após a morte do testador (art. 1.878),
certificar ao juiz todo o ocorrido. Não se precisava dizer, tão óbvio é, que o
próprio testador deve conhecer a língua estrangeira em que escreve o seu
testamento.
Bibliografia
ao Capítulo III: Miguel Reale, O projeto
do novo Código Civil, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1999; Zeno Veloso,
Testamentos, 2. ed., Belém. Cejup. 1993. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 979, CC 1.880, apud Maria Helena
Diniz Código Civil Comentado já
impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 18/08/2021, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
No item 3 de seu artigo,
“Publicação e confirmação do Testamento Particular (Disposições Processuais), Silvio Venosa, O testamento particular,
seja ordinário ou excepcional, só pode ser executado, ainda que formalmente
válido, após sua publicação em juízo, com citação dos herdeiros legítimos (art.
1.877; antigo, art. 1.646).
O art. 1.130 do CPC
dá legitimidade ao herdeiro, legatário ou testamenteiro para requerer, depois
da morte do testador, a publicação do testamento. Serão inquiridas as
testemunhas do instrumento.
As testemunhas
devem comparecer e reconhecer a autenticidade do documento (art. 1.878; antigo,
art. 1.648 do Código Civil e art. 1.133 do CPC/1973 cf. CPC/2015, art. 737, § 2º). Veja o que foi dito a respeito da
confirmação do testamento por uma única testemunha. Assim, o juiz ouve o
Ministério Público e confirma o testamento, aplicando os arts. 1.126 e 1.127 do
CPC/1973 atinentes às demais modalidades. Nesse procedimento, deverão ser
intimados para a inquirição das testemunhas (art. 1.131 do CPC/1973): “I – aqueles a quem caberia a sucessão legítima; II – o testamenteiro, os herdeiros e os legatários que não tiverem
requerido a publicação; III – O Ministério Público.”
Há que se entender
que o convivente deve também ser intimado, pois concorrerá na herança. Os não
encontrados serão intimados por edital. A oitiva é tão-só das testemunhas
instrumentárias. Após a audiência, os interessados terão cinco dias para
manifestarem-se sobre o testamento (art. 1.132 do CPC/1973). Os depoimentos das
testemunhas é que convencerão o juiz da autenticidade ou não do documento. No
sistema de 1916, como enfatizamos, se não localizadas pelo menos três
testemunhas, o testamento não podia ser executado. Devem-se esgotar, como visto,
os meios de localização. O cuidado do magistrado, quando se tratar da oitiva de
apenas uma testemunha no atual sistema, deve ser redobrado, como reiteramos.
A matéria pode
também ser discutida pelos meios processuais ordinários. Se o juiz tiver
dúvidas, deve remeter as partes às vias ordinárias, extinguindo o processo.
A exigência das
três testemunhas confirmatórias era o grande inconveniente do testamento particular
no Código de 1916. Se mais de duas tivessem falecido ou desaparecido,
tornava-se impossível executar o testamento. A possibilidade de confirmação por
uma única testemunha no Código de 2002 facilita e incentiva a elaboração desse
testamento, mas abre brechas de nulidade, conforme comentado. Além disso, o
depoimento testemunhal é falho, embora as testemunhas não devam se recordar das
disposições testamentárias, mas das formalidades do ato. Melhor seria, perante
essas premissas, que simplesmente fosse abolida a necessidade das testemunhas
confirmatórias.
O Anteprojeto de 1972 havia inovado
bastante no tocante a essa modalidade, tendo ocorrido profundas alterações no
Projeto de 1975, que se converteu no corrente Código Civil. Além da redução das
testemunhas de cinco para duas, o anteprojeto determinava o reconhecimento da
firma e da letra do testador e da firma das testemunhas, conforme direitos
estrangeiros. O oficial público lançaria nota de “apresentação” do testamento.
De qualquer forma, esse procedimento tornaria mais complexo o testamento
particular. (Silvio Venosa, em artigo publicado, intitulado “O testamento
particular no Código Civil de 2002”, site genjuridico.com.br, datado
de 29/12/2015, Juiz aposentando do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo,
Membro da Academia Paulista de Magistrados, comentários
ao CC 1.880, acessado em 18/08/2021, corrigido
e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na sequência de Guimarães e Mezzalira, et
al, o testamento particular pode ser escrito em qualquer língua
estrangeira, desde que as testemunhas tenham completo domínio desse idioma. Portanto,
o italiano poderá redigi-lo em sua língua natal, tendo como testemunhas pessoas
de nacionalidade italiana ou que dominem esse idioma. A escolha do idioma é, às
vezes, importante, para o estrangeiro, desejoso de fazer seu testamento longe
de sua “terrinha”.
Jurisprudência: Testamento particular elaborado no exterior.
Cumprimento no brasil. Determinação de remessa dos autos ao STF. Aplicabilidade
dos arts. 1.871 e 1.875 do CC. A legislação permite que o testamento seja
escrito em língua estrangeira, sem distinção quanto ao seu cumprimento, desde
que não se ache vício externo. Decisão reformada, para cumprimento dos artigos
1.126 do CPC/1973. Agravo provido. (TJSP- 0201011-03.2011.8.26.0000 – AI –
Relator: Miguel Brandi; Comarca: Atibaia. Órgão Julgador: 7ª CDP, DJ
08/02/2012/ DJe 14/02/2012). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al,
apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.880, acessado em 18/08/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).