sábado, 10 de dezembro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 59 Da Aplicação da Pena – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 

Comentários ao Código Penal – Art. 59
Da Aplicação da Pena – VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com –
digitadorvargas@outlook.com

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Parte GeralTítulo V – Das Penas –
Capítulo III – Da Aplicação da Pena

 

Fixação da pena (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)

 

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação a prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)

I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)

II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)

III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)

IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984).

Da Individualização da Pena, segundo a apreciação de Rogério Greco, Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários à: “Da Fixação da pena” – Art. 59 do CP, p.153-157, o autor inicia com um julgado que leva em consideração os parâmetros delineados no tipo penal em que o paciente foi condenado e tendo em vista a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, quais sejam, a culpabilidade, a personalidade, as circunstâncias e consequências do  crime, bem como o comportamento da vítima, não se revela desproporcional ou imotivada a majoração da pena-base acima do mínimo legal, tal como feita pelo juízo sentenciante (STJ, HC 139000/ES, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª T., Dje 01/12/2010).

Apoiado por outro julgado, o autor crê que o julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja necessária e suficiente para reprovação do crime. Não pode o magistrado sentenciante majorar a pena-base fundando-se, tão somente, em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a exasperação (STJ, HC 81949, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T., Dje 08/2/2010).

Consideração sobre a consciência da ilicitude da conduta - Ao decidir pela condenação do paciente em razão da prática dos crimes de estupro, subentende-se que o Julgador já teria considerado a consciência da ilicitude de sua conduta, independentemente da pena que lhe seria aplicada, de modo que se revela inadequada a majoração da pena-base com fundamento em aspecto que integra a própria estrutura do crime (STJ, HC 63 759/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 23/10/2006, p. 342).

Das Circunstâncias judiciais: O caput do art. 59 do Código Penal prevê as chamadas circunstâncias judiciais, que deverão ser analisadas quando da fixação da pena-base pelo julgador, atendendo, assim, a determinação contida no art. 68 do mesmo diploma repressivo.

Quando como no Habeas Corpus seguinte, as circunstâncias previstas no art. 59 do Cód. Penal forem favoráveis ao réu, não é possível o estabelecimento de regime mais rigoroso com base tão somente na gravidade do delito. Tratando-se de réu primário e possuidor de bons antecedentes, daí ter o próprio juiz fixado a pena no seu mínimo, tem o condenado direito a iniciar o cumprimento da pena no regime legalmente adequado. Precedentes do STJ (STJ, HC I14604/SP, Rel. Min. Nilson Naves, 6ª T., DJe 13/4/2009).

Na sequência, segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal, a elevação da pena-base acima do mínimo legal deve ser fundamentada em aspectos concretos, sendo insuficiente a simples transcrição das circunstâncias jurídicas do art. 59 do CP. Outrossim, é inviável se utilizar de elementos intrínsecos ao tipo para a referida majoração. Precedente citado: HC 48.124-RJ, DJ 5/2/2007 (STJ, HC 90.022/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 7/10/2008).

No exame das circunstâncias judiciais (CP, art. 59) impõe-se a observância do princípio constitucional da individualização da pena, sendo inadmissível que seja levado a efeito de forma conjunta, englobando vários réus num único ato (STJ, HC 1-8694/ RS, Rel. Min. Edson Vidigal, 5ª T., DJ 25/2/2002, p. 422).

Da Pena desproporcional: Tratando-se de réu tecnicamente primário, condenado à pena de 2 anos de reclusão, pela prática de delito que não envolve violência ou grave ameaça a pessoa, a fixação do regime fechado para o início do cumprimento da reprimenda mostra-se desproporcional. Ordem parcialmente concedida a fim de fixar o regime semiaberto para o início do cumprimento da reprimenda (STJ, HC 124396/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., DJe 30/3/2009).

Não pode o magistrado sentenciante majorar a pena-base na metade, de forma desproporcional, tão somente em razão do reconhecimento de apenas uma circunstância judicial desfavorável, dentre oito legalmente previstas, fundando-se, tão somente, em referências vagas sobre a personalidade do condenado (STJ, HC 80892/RJ, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T„ DJe 9/3/2009).

Se a pena é fixada de forma desproporcional às circunstâncias judiciais, necessária é sua redução (TJMG, AC 1.0479.06.106 644-1/001, Rel. Des. Pedro Vergara, DJ 10/2/2007).

Em relação à culpabilidade: A culpabilidade, como juízo de reprovação que recai sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente, é um dos elementos integrantes do conceito tripartido de crime. Assim, concluindo pela prática da infração penal, afirmando ter o réu praticado um fato típico, ilícito e culpável, o juiz passará a aplicar a pena. Percebe-se, portanto, que a condenação somente foi possível após ter sido afirmada a culpabilidade do agente. Agora, passando à fase seguinte, terá o julgador de encontrar a pena justa a ser aplicada. Logo no primeiro momento, quando irá determinar a pena-base, o art. 59 do Código Penal impõe ao julgador, por mais uma vez, a análise da culpabilidade. Temos de realizar, dessa forma, uma dupla análise da culpabilidade: na primeira, dirigida à configuração da infração penal, quando se afirmará que o agente que praticou o fato típico e ilícito era imputável, que tinha conhecimento sobre a ilicitude do fato que cometia e, por fim, que lhe era exigível um comportamento diverso; na segunda, a culpabilidade será aferida com o escopo de influenciar na fixação da pena-base. A censurabilidade do ato terá como função fazer com que a pena percorra os limites estabelecidos no preceito secundário do tipo penal incriminador.

Há ilegalidade na fixação da pena-base acima do mínimo legal quando o magistrado considera como desfavoráveis circunstâncias inerentes ao próprio tipo penal, inquéritos e ações penais em andamento, bem como quando utiliza a potencial consciência da ilicitude, um dos pressupostos da culpabilidade, como circunstância judicial elencada no art. 59 do Código Penal (STJ, REsp. 1048574/GO, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., DJe 30/3/2009).

A circunstância judicial da culpabilidade deve ser aferida levando-se em conta a reprovabilidade da conduta do agente, mostrando-se inadmissível considerá-la maculada tão somente em função de ele possuir plena consciência da ilicitude do fato. Não há que se confundir a culpabilidade como elemento do crime com a medida da culpabilidade do agente, sendo que apenas esta última encontra previsão no art. 59 do Código Penal (STJ. HC 107795/RS, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª T., DJe 2/3/2009).

A culpabilidade arrolada no art. 59 do CP não se confunde com aquela necessária para a caracterização do crime; na verdade, ela diz respeito à maior reprovação que o fato ou o autor ensejam no caso concreto (TJMG, Processo 1.0024.98.135297-4/001 [1], Rel. Alexandre Victor de Carvalho, DJ 6/10/2006).

A circunstância judicial da culpabilidade deve, hoje, ser entendida e concretamente fundamentada na reprovação social que o crime e o autor do fato merecem (STJ, HC 50331/PB, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T., DJe 6/8/2007, p. 550).

Dos antecedentes: Os antecedentes dizem respeito ao histórico criminal do agente que não se preste para efeitos de reincidência. Entendemos que, em virtude do princípio constitucional da presunção de inocência, somente as condenações anteriores com trânsito em julgado, que não sirvam para forjar a reincidência, é que poderão ser consideradas em prejuízo do sentenciado, fazendo com que a sua pena-base comece a caminhar nos limites estabelecidos pela lei penal.

O STJ, com acerto, no DJe de 13 de maio de 2010, fez publicar a Súmula na 444, que diz:

Súmula 444. É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.

Infelizmente, no STF, que deveria ser o guardião de nossa Constituição Federai, tem havido posições contraditórias com relação ao tema, conforme se verifica pelas ementas abaixo transcritas:

Em respeito ao princípio da presunção de inocência, inquéritos e ações penais em andamento, por si, não podem ser considerados como maus antecedentes, sendo inadequada sua valoração em sede de conduta sociai para fins de exacerbação da pena-base (STJ, HC 141.898, Proc. 2009/0136554-6, SC, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, Julgado em 19/11/2009, DJe 01/02/ 2010).

Inquéritos policiais e ações penais em andamento configuram, desde que devidamente fundamentados, maus antecedentes para efeito da fixação da pena-base, sem que, com isso, reste ofendido o princípio da presunção de não-culpabilidade (AI 604041 AgRg/RS, Rio Grande do Sul, AgRg. de Instrumento, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª T., publicado no DJ 31/08/ 2007, p. 30).

A só existência de inquéritos policiais ou de processos penais, quer em andamento, quer arquivados, desde que ausente condenação penal irrecorrível - além de não permitir que, com base neles, se formule qualquer juízo de maus antecedentes -, também não pode autorizar, na dosimetria da pena, o agravamento do status poenalis do réu, nem dar suporte legitimador à privação cautelar da liberdade do indiciado ou do acusado, sob pena de transgressão ao postulado constitucional da não-culpabilidade, inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamentai da República (HC 84687/MS, Habeas Corpus Rel. Min. Celso de Mello; 2ª T., DJ 27/10/2006, p. 63).

As condenações com trânsito em julgado fora do quinquídio legal, embora não possam mais ser consideradas como agravante da reincidência, nos termos do art. 64, I, do Código Penal, devem ser valoradas a título de maus antecedentes criminais (STJ, REsp. 809697/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 6/8/2007 p. 648).

A só existência de inquéritos policiais ou de processos penais, quer em andamento, quer arquivados, desde que ausente condenação penal irrecorrível — além de não permitir que, com base neles, se formule qualquer juízo de maus antecedentes -, também não pode autorizar, na dosimetria da pena, o agravamento do status poenalis do réu, nem dar suporte legitimador à privação cautelar da liberdade do indiciado ou do acusado, sob pena de transgressão ao postulado constitucional da não culpabilidade, inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamental da República (STF, HC 84687/MS. Rel. Min. Celso de Mello. 2ª T., DJ 27/10/2006, p. 279).

Da conduta social: Por conduta social quer a lei traduzir o comportamento do agente perante a sociedade. Verifica-se o seu relacionamento com seus pares, procura-se descobrir o seu temperamento, se calmo ou agressivo, se possui algum vício, a exemplo de jogos ou bebidas, enfim, tenta-se saber como é o seu comportamento social, que poderá ou não ter influenciado no cometimento da infração penal.

Importante salientar que conduta social não se confunde com antecedentes penais, razão pela qual determinou a lei a análise delas em momentos distintos.

Não há como se reputar desfavorável o vetor referente à conduta social no cálculo da primeira fase, tão somente em razão de o acusado possuir processos crimes em andamento, haja vista que, conforme a orientação sumular nº 444, do STJ ‘é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base’ (vide HC 106089/MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 3/1 1/2009) (TJSC, ACr 2009.024655-5, Relª. Desª. Salete Silva Sommariva, DJSC 21/7/2010, p. 389).

A conduta social do agente deve ser sopesada em relação à sua situação nos diversos papéis desempenhados junto à comunidade, tais como suas atividades relativas ao trabalho e à vida familiar, dentre outros, não se confundindo com os antecedentes criminais, mas como verdadeiros antecedentes sociais do condenado (STJ, HC 107795/RS, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª T., DJe 2/3/2009).

A conduta social e a personalidade do agente somente podem ser valoradas favoravelmente, sob pena de se ferir o princípio constitucional da legalidade (TJMG, Processo 1.0024 .98. 13529 7-4/001(1), Rel. Alexandre Victor de Carvalho, DJ 6/10/2006).

Da personalidade do agente: Conforme destacou Ney Moura Teles, "a personalidade não é um conceito jurídico. mas do âmbito de outras ciências – da psicologia, psiquiatria, antropologia — e deve ser entendida como um complexo de características individuais próprias, adquiridas, que determinam ou influenciam o comportamento do sujeito”. (TELES, Ney Moura. Direito penal - Parte geral, v. II, p. 125-126).

Acreditamos que o julgador não possui capacidade técnica necessária para a aferição de personalidade do agente, incapaz de ser por ele avaliada sem uma análise detida e apropriada de toda a sua vida, a começar pela infância. Somente os profissionais de

saúde (psicólogos, psiquiatras, terapeutas, etc.), é que, talvez, tenham condições de avaliar essa circunstância judicial. Dessa forma, entendemos que o juiz não deverá levá-la em consideração no momento da fixação da pena-base.

Merece ser frisado, ainda, que a consideração da personalidade é ofensiva ao chamado direito penal do fato, pois prioriza análise das características pessoais do seu autor.

Esta Corte de Justiça já se posicionou no sentido de que a personalidade do criminoso não pode ser valorada negativamente se não existem, nos autos, elementos suficientes para sua efetiva e segura aferição pelo julgador (STJ, HC 133800/MS, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T., Dje 28/6/2010).

Esta Corte Superior já pacificou o entendimento segundo o qual a existência de condenações anteriores não se presta a fundamentar uma personalidade voltada para o crime. Precedente do STJ (STJ, HC 89321/MS, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T., Dje 6/4/2009).

Quanto à personalidade, devem ser lembradas as qualidades morais do agente, a sua boa ou a má índole, o sentido moral do criminoso, bem como sua agressividade e o antagonismo em relação à ordem social e seu temperamento, também não devendo

ser desprezadas as oportunidades que teve ao longo de sua vida e consideradas em seu favor uma vida miserável, reduzida instrução e deficiências pessoais que tenham impedido o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade. (STJ, HC 10795/RS, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª T., Dje 2/3/2009).

A personalidade, negativamente valorada, deve ser entendida como a agressividade, a insensibilidade acentuada, a maldade, a ambição, a desonestidade e perversidade demonstrada e utilizada pelo criminoso na consecução do delito (STJ, HC 50331 /PB, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T., DJ 6/8/2007, p. 550).

Revela-se imprópria a fundamentação relativa à natureza dos crimes praticados para fins de valorar negativamente a personalidade do réu, porquanto o legislador já levou em consideração tais aspectos quando da fixação do preceito secundário do tipo penal violado (STJ, //C 63759/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 23/10/2006, p. 342).

Diferença entre personalidade e antecedentes criminais: Personalidade e antecedentes criminais, precisamente por serem conceitos distintos e, como tais, considerados circunstâncias judiciais autônomas, não podem ser valorados com base no mesmo fundamento fático. Assim não sendo, sempre que o acusado registrar maus antecedentes, sua personalidade seria considerada, automaticamente, destorcida, o que, evidentemente, atenta contra o próprio art. 59 do Código Penal (TJRS, Ap. Crim. 70012350963, 8ª Câm. Crim., Rel. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, j. 28/9/2005).

Dos motivos: Os motivos são as razões que antecederam e levaram o agente a cometer a infração penal. Nas lições de Pedro Vergara, “os motivos determinantes da ação constituem toda a soma dos fatores que integram a personalidade humana e são suscitados por uma representação cuja idoneidade tem o poder de fazer convergir, para uma só direção dinâmica, todas as nossas forças psíquicas”. (VERGARA, Pedro. Dos motivos determinantes no direito penal, p. 563-564).

Das circunstâncias: Na definição de Alberto Silva Franco, “circunstâncias são elementos acidentais que não participam da estrutura própria de cada tipo, mas que, embora estranhas à configuração típica, influem sobre a quantidade punitiva para efeito de agravá-la ou abrandá-la. As circunstâncias apontadas em lei são as circunstâncias legais (atenuantes e agravantes) que estão enumeradas nos arts. 61, 62 e 65 da PG/84 e são de cogente

incidência. As circunstâncias inominadas são as circunstâncias judiciais a que se refere o art. 59 da PG/84 e, apesar de não especificadas em nenhum texto legal, podem, de acordo com uma avaliação discricionária do juiz, acarretar um aumento ou uma diminuição de pena. Entre tais circunstâncias, podem ser incluídos o lugar do crime, o tempo de sua duração, o relacionamento existente entre o autor e vítima, a atitude assumida pelo delinquente no decorrer da realização do fato criminoso etc.” (SILVA FRANCO, Alberto. Código penal e sua interpretação jurisprudencial, V. I, t. I, p. 900).

Das consequências do crime: As consequências do crime constituem um dado importante a ser observado quando da aplicação da pena-base. A morte de alguém casado e com filhos menores, de cujo trabalho todos dependiam para sobreviverem, ou a hipótese daquele que, imprudentemente, deixando de observar o seu necessário dever de cuidado, atropela uma pessoa que efetuava a travessia de uma avenida, fazendo com que a vítima viesse a perder os movimentos do corpo, tomando-se uma pessoa paralítica, são, efetivamente, dados que devem merecer a consideração do julgador no momento em que for encontrar a pena-base.

Evidenciando-se que as consequências do crime (marcas deixadas no corpo da vítima pelas agressões que sofrera) vão além do tipo penal sob enfoque (homicídio), ela se mostra apta a ser valorada negativamente no momento da fixação da pena-base do agente (STJ, HC 107795/RS, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª T., DJe 2/3/2009).

Do comportamento da vítima: Pode a vítima ter contribuído para o cometimento da infração penal pelo agente.

Em precisa colocação de Júlio Fabbrini Mirabete, “estudos de Vitimologia demonstram que as vítimas podem ser ‘colaboradoras’ do ato criminoso, chegando-se a falar em ‘vítimas natas' (personalidades insuportáveis, criadoras de casos, extremamente antipáticas, pessoas sarcásticas, irritantes, homossexuais e prostitutas etc.). Maridos verdugos e mulheres megeras são vítimas potenciais de cônjuges e filhos; homossexuais, prostitutas e marginais sofrem maiores riscos de violência diante da

psicologia doentia de neuróticos com falso entendimento de justiça própria". (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Direito penal - Parte geral, p. 294).

Das penas aplicáveis dentre as cominadas: As penas cominadas pelo Código Penal são as de reclusão, detenção e multa. Na Lei das Contravenções Penais existe, ainda, previsão para a pena de prisão simples.

Da quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos: Na Parte Especial do Código Penal, ao definir as infrações penais, os tipos penais incriminadores preveem, em seus preceitos

secundários, as penas mínima e máxima, sendo estes, portanto, os limites que nortearão o julgador quando da fixação da pena-base, não podendo, outrossim, aplicar, nesse primeiro momento, pena inferior ao mínimo previsto, ou superior ao máximo cominado.

Do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade: Ao fixar a pena, deverá o julgador determinar o regime inicial para seu cumprimento, observando-se o disposto no art. 33 do Código Penal.

A dosimetria da pena exige do julgador uma cuidadosa ponderação dos efeitos ético-sociais da sanção penal e das garantias

constitucionais, especialmente a garantia da individualização do castigo e da motivação das decisões judiciais. Garantias essas que alcançam a ulterior fase de fixação do regime inicial para o cumprimento da pena. Isto nos exatos termos do inciso III do art. 59 do Código Penal (STF, HC 96384/BA. Rel. Min. Carlos Britto, 1ª T., DJ 3/4/2009, p. 707).

Da substituição da pena privativa dê liberdade aplicada por outra

espécie de pena, se cabível: A substituição será cabível nos termos do art. 44 do Código Penal.

Do erro ou ilegalidade na dosimetria da pena: A orientação reiteradamente firmada nesta Corte é no sentido de que somente nas hipóteses de erro ou ilegalidade prontamente verificável na dosimetria da reprimenda, em flagrante afronta ao art. 59 do Código Penal, pode esta Corte reexaminar o decisum em tal aspecto (STJ, HC 74482/PR, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 6/8/2007 p. 575). (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários à: “Da Fixação da pena” – Art. 59 do CP, p.153-157. Editora Impetus.com.br, acessado em 10/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob a visão crítica de Rodolfo Ferreira Lavor Rodrigues da Cruz, em artigo muito especial, intitulado “A conduta social e a personalidade do agente (artigo 59 do Código Penal) sob a ótica da Constituição Federal), o autor insere suas ideias partindo da linha teórica positivista, em que pese, palavras dele, se encontrar ultrapassada, instituiu suas raízes em nosso ordenamento jurídico. Várias reminiscências da Escola Positiva ainda são identificadas em nossa legislação atual, sendo aplicadas sem muitos questionamentos por parte da doutrina e, sobretudo, pelos Tribunais.

O positivismo assim como o direito penal do autor, ofendem os princípios consagrados na Constituição Federal e norteadores do Direito Penal. Entretanto, ainda podemos encontrar resquícios de sua influência na legislação pátria, especialmente no art. 59 do Código Criminal.

Necessário se mostra, pois, a abordagem quanto à legitimidade dessas manifestações anacrônicas de positivismo e direito penal no autor, com todos os malefícios que lhe são inerentes.

O artigo 59 do Código Penal estipula os critérios que guiarão a fixação da pena-base, sendo denominados de circunstâncias judiciais. O objetivo dessas circunstâncias é possibilitar a formatação de penas individualizadas e proporcionais, de modo a se tornarem necessárias e suficientes para proporcionar a reprovação e a prevenção da conduta.

Neste artigo, em meio aos critérios assinalados pelo art. 59 do Código Penal, focalizaremos nossa atenção à conduta social e à personalidade do agente, procurando demonstrar a afronta que representam a inúmeros princípios constitucionais, assim como os resquícios que apresentam do temível direito penal do autor.

As Circunstâncias Judiciais do artigo 59 do Código Penal brasileiro:

Dosimetria da pena: Inicialmente, antes de abordarmos os critérios que orientam a fixação da pena-base, mostra-se necessário uma breve análise sobre a dosimetria da pena.

 

No seu artigo 68, o Código Penal Brasileiro adotou o critério trifásico para a fixação das penas cominadas. Assim, a pena do acusado será definida passando-se por três fases diferentes. A primeira fase diz respeito ao exame das circunstâncias judiciais delineadas no artigo 59 do CP, fixando-se ao final uma pena-base.

 

Após, analisa-se as circunstâncias legais, que são as agravantes (artigos 61 e 62 do CP) e as atenuantes (artigos 65 e 66 do mesmo diploma legal). Existindo qualquer uma delas, a pena será devidamente agravada ou atenuada, e uma nova pena será fixada, a provisória.

 

Na última fase, sobre a pena provisória incidirá as causas de aumento ou diminuição de pena, localizadas na parte geral e na parte especial do Código Penal. Portanto, ao fim da dosimetria, resultará a pena final e definitiva, a qual será cumprida pelo condenado.

 

É imperioso frisar que, inexistindo agravantes ou atenuantes, causas de aumento ou de diminuição, a primeira fase será a única analisada. Assim, a pena-base pode vir a se tornar a sanção definitiva do infrator.

 

Ao nosso artigo interessa o estudo da primeira fase, a qual corresponde à fixação da pena-base, onde serão abordadas as circunstâncias judiciais utilizadas para tal fim, procurando assinalar os resquícios do direito penal do autor, bem como a inconstitucionalidade de alguns de seus critérios. Essa análise só será possível com a estrita observância das circunstâncias do artigo 59 do Código Penal (BRASIL, 1940).

 

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

 

- as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

 

Estas circunstâncias são nomeadas de circunstâncias judiciais, visto que a lei não as define, tocando ao juiz da causa a incumbência de mensurá-las concretamente – tornando-se frutos de uma apreciação quase sempre muito subjetiva por parte do julgador. Entretanto, referida subjetividade não se confunde com arbítrio e alguns elementos devem ser perfeitamente elucidados.

 

Cumpre mencionar que a culpabilidade citada no art. 59 do CP não é a elementar constitutiva do tipo penal. Destarte, não se trata de uma inexigibilidade de conduta diversa, mas sim do grau de reprovabilidade social do desvio punível.

 

Desse modo, depois de uma sucinta explanação sobre a aplicação da pena-base, passamos a uma análise aprofundada sobre os seguintes critérios delineadores da pena em comento: a conduta social e a personalidade do agente.

 

Conduta social do agente: Um dos critérios de fixação da pena-base é a conduta social do agente, a qual está relacionada aos comportamentos do réu em seu meio social, às atividades concernentes ao trabalho, ao relacionamento familiar ou qualquer outra forma de relação social.

 

Assim, o juiz da causa deve se informar sobre a pessoa que está sob julgamento, sobre seus laços sociais e a maneira como os conduz, com o intuito de apurar indícios de merecimento de uma maior ou menor censura. Percebe-se que o referido critério se ampara em uma culpabilidade de caráter ou, melhor dizendo, em uma culpabilidade pelos fatos da vida que possui, conspurcando notadamente o princípio da culpabilidade, o qual reza por um direito penal do fato.

 

Essa apreciação será conseguida por meio do trabalho cognoscitivo dos julgadores, que obterão provas através de perguntas realizadas no interrogatório e nos depoimentos das testemunhas, e se alicerçará em três pilares principais: família, trabalho e religião. Almeida (2002, p. 74) delineia exemplos do parâmetro perseguido, dentre os quais:

 

A vocação do acusado para o trabalho ou para a ociosidade; a afetividade do mesmo para com os membros que integram a sua família, ou o desprezo e indiferença que nutre por seus parentes; o prestígio e a respeitabilidade de que goza perante as pessoas do seu bairro ou da sua cidade, bem como o índice de rejeição de que desfruta entre os que o conhecem socialmente; o seu entretenimento predileto (…) ou se prefere a companhia constante de pessoas de comportamento suspeito e frequenta, com habitualidade, locais de concentração de delinquentes, casas de tolerância, lupanares ou congêneres; o seu grau de escolaridade, tal como a assiduidade e a abnegação pelo estudo ou o desinteresse pelo mesmo, assim como o respeito e o relacionamento com funcionários, professores e diretores do estabelecimento escolar.

 

Verifica-se que alguns dos exemplos elencados pela doutrina como de boa conduta social são típicos, tendo por base a realidade brasileira, de um segmento social economicamente favorecido. Portanto, em muitos casos, ao analisar a conduta social do réu, o magistrado utiliza como critérios os valores da classe social à qual pertence, que ordinariamente corresponde àqueles mais abastados economicamente. Essa postura fatalmente dirige o julgamento a ser mais severo com os acusados integrantes dos grupos sociais diametralmente opostos ao do julgador.

 

Observa-se que a conduta social traz a adoção de estereótipos sociais. E isso ocorre com respaldo na influência positivista, a qual tem a tendência de visualizar indivíduos como delinquentes em função do meio em que vivem. Portanto, morar em uma favela, por exemplo, pode ser visto como uma circunstância que aproxima o crime ao agente, o que não é obrigatoriamente verdade. Mostra-se presente, assim, o labelling approach, i.é, a teoria do etiquetamento de indivíduos que possuem estigmas sociais. Nessa direção, José Ricardo Ramalho (apud BARREIROS, 2006, p. 2) ensina que:

 

O delinquente é identificado pelo fato de ser favelado antes de sê-lo pelo ato de que é acusado. Na favela, habita boa parte das populações pobres dos grandes centros urbanos e que de forma alguma é composta por delinquentes. Não se pode negar que a maior parte dos presos procede de periferias, favelas, bairros pobres, mas a sutileza da argumentação está no fato de que isto não significa que haja uma relação necessária e natural entre ser favelado e ser delinquente: a relação é social. Na sua grande maioria, os moradores das favelas não são delinquentes, mas são tratados enquanto tais pela polícia e pela justiça.

 

O cerne da questão é que qualquer conduta do agente que seja oposta ao do juiz da causa, seja em uma área religiosa, social, sexual ou afetiva, será mal conceituada quando do julgamento, visto que o magistrado respalda sua conduta tomando por base as suas experiências sociais, e as tem como corretas. Outrossim, a dificuldade em entender valores sociais diversos aos próprios é praticamente intrínseco ao humano. 

 

Desse modo, temos que a conduta social, como critério de fixação da pena-base, tem por fundamento elementos não tipificados por lei, atinentes unicamente aos costumes do acusado, o que não é constitucionalmente admitido, tendo em vista que o Estado não pode regular a vida privada dos cidadãos, somente tutelando-lhes a proteção dos bens jurídicos, sem qualquer imposição ou reforço de uma determinada moral.

Personalidade do agente: Sempre existiram discussões quanto à formulação de um conceito de personalidade. Dentre as várias tendências, sobressai-se a que a concebe como um sincretismo de fatores biológicos e suprabiológicos, em proporções totalmente insuspeitas. Os fatores biológicos dizem respeito à herança genética recebida, que define a maneira como o indivíduo conduziria suas interações sociais, seu temperamento, sua afetividade. Já os fatores suprabiológicos correspondem às características adquiridas por meio de sua vivência social no meio em que habita.

 

Por esse ângulo, a investigação da personalidade do agente responde à averiguação de sua índole, seu perfil moral e psicológico, que determinam ou influenciam seu comportamento social. Refere-se, assim, a um esquadrinhamento da consciência do acusado, de seu íntimo.

 

Nucci elenca algumas características que são aferidas quando da apreciação da individualidade consciente, tais como: agressividade, preguiça, frieza emocional, emotividade, passividade, maldade, bondade (NUCCI, 2006, p. 231).

 

Embasados na legislação, na jurisprudência e na doutrina majoritária, defende-se a fixação da pena-base do acusado de acordo com um juízo de censura sobre sua personalidade. Entretanto, consiste em um critério falho na fundamentação de seu uso, visto que nem psicólogos/psicanalistas/psiquiatras – profissionais habilitados para esse fim – conseguem emitir um juízo satisfatoriamente seguro quanto a esta circunstância, evidentemente não serão os juristas os capazes de fazê-lo.

 

Não obstante existisse o conhecimento técnico para a práxis, os recursos materiais e humanos são parcos, o que impossibilita ao julgador a efetivação dessa avaliação. Ademais, a insuficiência de contato pessoal entre o juiz e o réu impede a construção adequada de qualquer parecer alusivo a aspectos pessoais do acusado.

 

Gilberto Ferreira (1995, p. 88) enumera quatro justos motivos para o afastamento da análise da personalidade do agente da competência judicial. In verbis, vejamos:

 

Primeiro, porque ele não tem um preparo técnico em caráter institucional. As noções sobre psicologia e psiquiatria as adquire como autodidata. Segundo, porque não dispõe de tempo para se dedicar a tão profundo estudo. Como se sabe, o juiz brasileiro vive assoberbado de trabalho. Terceiro, porque como não vige no processo penal a identidade física, muitas vezes a sentença é dada sem ter o juiz qualquer contato com o réu. Quarto, porque em razão das deficiências materiais do Poder Judiciário e da polícia, o processo nunca vem suficientemente instruído de modo a permitir uma rigorosa análise da personalidade". (FERREIRA, 1995, p. 88).

 

Além disso, o distanciamento do julgador para com os fatos a se comprovar e com a pessoa do acusado implica em uma tomada de decisão mais espinhosa, no que diz respeito ao julgamento e à aplicação da pena. Consequentemente, esta restará direta- mente influenciada por suas convicções morais e políticas pessoais e pelos condicionamentos culturais e sociais exercidos sobre ele pelo ambiente onde vive e pela classe a qual pertence. Ora, diante disso não se pode ainda falar sobre um julgamento imparcial.

 

Tendo por base o fato de que as regras de como se portar em sociedade são definidas pelas classes que detém qualquer tipo de poder – político, cultural, econômico -, tem-se que a moral que impera no meio social condiz com aquela dos grupos dominantes, e que padrões de normalidade possuem variáveis como o tempo e o lugar. Ainda se pode afirmar que, devido à mesma hierarquia sociocultural, os magistrados geralmente advêm dos grupos que ditam as normas. Então, não poderia ele julgar, imparcialmente e sem prévios juízos de valor, pessoas provenientes de classes hipossuficientes ou com ideias diametralmente opostas as suas. É o que se supõe.

 

A questão é que certos comportamentos ou opiniões, quando não lesivos aos bens jurídicos de outrem e não tipificados pela lei penal, não podem ser vistos em detrimento do réu, mesmo que gere estranheza para aquele que julga. A aversão ou a surpresa que outro padrão de comportamento cause naquele que o observe se deve ao fato do choque entre culturas, o que não constitui crime algum.

 

Realmente, dosar a pena é, em suma, reconhecer inúmeros subjetivismos. Contudo, existem algumas esferas do ser humano que são impenetráveis, onde o direito não tem o condão de interferir, tendo em vista não ser correspondente com nenhuma importância da causa penal. Ferrajoli (2010, p. 448-449) corretamente observa que:

 

A pretensão kantiana de que o direito deveria castigar a “maldade humana” é, certamente, o reflexo de uma incorreta confusão entre direito e moral, e abre caminho a modelos anticognoscitivistas de inquisição e de punição referidos não ao que se fez, senão ao que se é. E a tese de que a alma humana é inescrutável não enuncia somente um limite às possibilidades de conhecimento e de prova, mas representa uma garantia de imunidade do cidadão diante de investigações sobre sua consciência tão incontroláveis como indiscretas.


Inconstitucionalidade da utilização da Conduta Social e da Personalidade do Agente Como Circunstâncias Judiciais Na Fixação da Pena-Base:  Esse tema se arquiteta em uma abordagem crítica de dois critérios usados na fixação da pena-base. Em que pese a enorme importância da matéria, a doutrina penal, salvo raras exceções, tem negligenciado seu estudo; no que diz respeito aos órgãos encarregados de aplicar a legislação criminal, o mesmo acontece. Entretanto, algumas ponderações importantes precisam ser feitas.

 

Amparados no artigo 59 do Código Penal, e em seu cumprimento, é prática corriqueira nos tribunais a busca por conhecer os costumes, a profissão, as características pessoaisas práticas sociais e até mesmo a orientação sexual do acusado, sobretudo quando existem indícios de mau comportamento quando do convívio social, ou de que tenha qualquer característica em desacordo com os padrões em vigência.

 

Procedendo dessa forma, o magistrado indiscutivelmente se afasta de suas limitações legais, efetivando não somente uma pura análise dos fatos, mas também uma apreciação e julgamento de traços íntimos do réu, de seus tumultos interiores, bem como de conduta social, constituindo, por conseguinte, uma ofensa a diversos dispositivos constitucionais e um retrocesso ao temido direito penal do autor.

 

A conduta social e a personalidade do agente, que são dois dos critérios utilizados pelo ordenamento jurídico brasileiro como reitores para fixação da pena-base, delineados no artigo 59 do Código Penal, evidenciam um anacronismo jurídico, em virtude de remeterem ao já defasado positivismo jurídico, afastando-se das conquistas do direito penal do ato e da garantia de uso da culpabilidade do autor, permitindo, assim, uma punição pela manutenção do “eu” e pela conduta de vida.

 

Ademais o uso desses critérios, fomentam o substancialismo penal e o decisionismo processual, contrariando o modelo hodiernamente abraçado, qual seja, o cognitivismo processual.

 

Segundo já esposado, percebe-se que, a maioria dos juízes em razão da realidade brasileira, advém das classes privilegiadas, as mesmas que ditam as regras sociais. Por conseguinte, uma considerável parcela da população, se for levada a julgamento por algum desvio penal punível, será julgada por um magistrado que tem padrões absolutamente diversos, e os tem como corretos, já que condizentes com o que está preestabelecido socialmente.

 

Nesse cenário, o julgador jamais poderia proferir um julgamento imparcial no tocante à conduta social e a personalidade do agente, quando esses são totalmente opostos ao seu. Jamais poderia ele alhear-se de seus valores e julgar outros que, por se enquadrarem a outra realidade, lhe são avessos.

 

Baratta nos ensina que pesquisas empíricas apontam para as temíveis “diferenças de atitude emotiva e valorativa dos juízes, em face de indivíduos pertencentes a diversas classes sociais”. Isso significa que os magistrados possuem, pelas razões expostas, uma tendência inconsciente de proceder com juízos diversificados segundo a posição social do réu (BARATTA, 2002, p. 177).

 

Consequentemente, o que sempre se viu e até hoje se constata na práxis diária dos tribunais, são pessoas sendo julgadas como portadoras de personalidades desviantes e socialmente inadequadas só porque possuem costumes e ideais religiosos e filosóficos distintos do socialmente aceito como apropriado. Realmente, boa parte desses indivíduos faz parte dos grupos mais desfavorecidos, ou aqueles que, independentemente de sua condição econômica, são historicamente discriminados, como os negros, os homossexuais e as prostitutas, não tendo prestígio social. Nessa senda, lembramos, mais uma vez, que:

As pessoas economicamente desfavorecidas, que, em consequência disso, não apresentam as exteriorizações dos valores hegemônicos, são percebidas como inimigos e despertam no agente aplicador do direito um mecanismo de rejeição que faz com que as regras de direito sejam a elas aplicadas com maior rigor, determinando um tratamento mais severo e violento (BARREIROS, 2006, p. 01).

Constata-se, sob esse ângulo, que a miséria e a desigualdade social são abordadas como fatores causadores do crime; as diferenças sociais e o antagonismo entre as classes geram, antes de tudo, um fenômeno negativo. Observa-se, porquanto, que o Estado revela a “preocupação dos nossos dias com a pureza do deleite pós-moderno” expressa “na tendência cada vez mais acentuada a incriminar seus problemas socialmente produtivos”. Ou seja, todas as disfunções advindas do nosso atual sistema econômico são vistas como problemas penais que necessitam ser neutralizados, no caso com uma pena que resultará, na pior hipótese, em perda da liberdade (BAUMAN, 1998, p. 25).

Ante essa conjuntura, o uso do exame da conduta social e da personalidade do agente, quando do julgamento, comumente deságua em um etiquetamento de indivíduos como criminosos, fundamentado não em fatos comprovadamente delituosos, mas em atitudes socialmente malvistas. Nota-se, pois, o infeliz uso do labelling approach, bem como a presença da seletividade penal em nosso sistema jurídico.

 

Não obstante, ante os pressupostos do Estado Democrático de Direito, tem-se que os órgãos jurídicos são impossibilitados de impor uma moral aos cidadãos. Nessa trilha, o reconhecimento de que a pena pode ser majorada em razão da personalidade desalinhada ou da conduta vista socialmente inapropriada do acusado significa autorizar que Estado possua o poder de moldar a moral das pessoas, conforme a estabelecida como adequada na sociedade, aniquilando o direito à diferença. Realmente, é inaceitável, diante de um Estado Democrático de Direito, um modelo jurídico que possui um:

 

Um exercício de poder que priva da autoderminação, (...) que lhe impõe (...) sua religião, seus valores, que destrói todas as relações comunitárias que lhe pareçam disfuncionais, que considera seus habitantes como subumanos necessitados de tutela e que justifica como empresa piedosa qualquer violência genocida, com o argumento de que, ao final, redundará em benefício das próprias vítimas (ZAFFARONI, 2001, p. 74-75).

 

Acontece que ao Estado é atribuída a obrigação de exigir que seus membros humanos se orientem pelas regras por ele legalmente emanadas. Contudo, nunca lhe será autorizada a possibilidade de alterar os valores interiores dos cidadãos, como também suas próprias compreensões de vida. Portanto, não se é permitido vedar que os indivíduos sejam internamente ruins, tendo em vista que sobretudo se conserva o direito de continuar sendo aquilo que é; o que se pode, e se deve, é proibir que ofendam bens jurídicos alheios.

 

Essa confusão entre o campo do direito e da moral promove uma associação entre delito e pecado, entre antijuricidade e antissociabilidade. Tal prática demonstra uma atribuição de valor externo às leis penais em vigência, além de trazer à tona as teses jurídico-substancialistas, asseverando que o delito também se edifica através de suas características intrínsecas, que mistificam o direito penal vigente, reconhecendo-o de uma forma apriorística, conforme a moralidade média (FERRAJOLI, 2010, p. 344).

 

Acrescente-se que, mesmo que se hipoteticamente a conduta ou as opiniões do réu pudessem ser inquiridas e comprovadas reprováveis, certos atributos não poderiam ser considerados como fatores majorantes da pena, já que contrariam o direito penal do ato, direcionando-se a um juízo de culpabilidade no autor, consoante os ditames do positivismo, nefastamente enraizado no ordenamento jurídico pátrio.

 

Com maestria, Zaffaroni assevera que: Para limitar a irracionalidade da violência seletiva, a agência judicial deve pautar seu plano decisório na exigência de requisitos objetivos. Para que esta exigência de dados objetivos resulte minimamente racional, tais dados devem ser selecionados de acordo com algum fundamento antropológico ou, pelo menos, não recusar uma base antropológica; por isso, não deve tomar como dados limitadores ou reguladores outras coisas que não seja uma conduta ou ação do criminalizado. Qualquer outro dado resultaria contrário ao conceito de homem como pessoa e, por conseguinte, claramente antijurídico (ZAFFARONI, 2002, p. 248-249).

 

Com o intuito de facilitar a compreensão da problemática, idealize-se o exemplo do mestre Túlio Vianna:Dois indivíduos munidos de arma de fogo resolvem roubar um banco em concurso de agentes. Ambos realizam as mesmas condutas, rendem o caixa, apontam-lhe a arma, recolhem o dinheiro, dividem-no em partes iguais e saem em fuga.  Durante a instrução criminal as testemunhas afirmam que o primeiro deles é ótimo pai de família, excelente vizinho, bom empregado e que trabalha durante os finais de semana em entidades beneficentes, tendo inclusive adotado cinco crianças de rua. O outro acusado, porém, tem personalidade e conduta social oposta: bate na esposa, briga constantemente com a vizinhança, chega bêbado no trabalho e há fortes comentários de que trafique drogas. Não é difícil imaginar que o juiz fixará a pena do primeiro no mínimo legal e aumentará a pena do segundo em cerca de um ano. Ao proceder desta forma, o magistrado, na prática, estará condenando ambos pelo roubo a banco e suplementarmente estará condenando o segundo a um ano de prisão por bater na esposa, brigar constantemente com a vizinhança, chegar bêbado no trabalho e supostamente traficar drogas (VIANNA, 2009).”

 

No caso proposto, ao prolatar a pena do segundo condenado, o julgador feriria o princípio constitucional da legalidade, visto que, a despeito de ser moralmente incorreto, ter desentendimentos com os vizinhos e chegar alcoolizado no trabalho não configuram nenhum crime, isto porque essas condutas não estão penalmente tipificadas.

 

No que tange ao fato de ser um marido violento, mesmo que seja uma conduta taxada como delito pelo Código Penal, é indispensável que o devido processo legal lhe seja garantido, assegurando-lhe o direito de que ninguém será privado de liberdade sem uma acusação formal, na qual será respeitado o contraditório e a ampla defesa. Quanto à suposição de tráfico de droga, esta resta em uma mera acusação, a qual não passa disso até que, eventualmente, transmude-se em sentença condenatória transitada em julgado. Nessa esteira, devido ao princípio da presunção de inocência, indubitavelmente não poderá ser usada para majorar pena em outro processo, sendo como conduta social, personalidade do agente ou antecedente.

 

Sendo assim, o acusado somente poderá ser condenado pelo fato que lhe foi formalmente imputado, contra o qual terá o pleno direito de defesa e do contraditório. Não lhe seriam concedidas essas garantias se sua pena fosse indevidamente majorada tendo como fundamentos uma personalidade e/ou conduta socialmente vistas como desajustadas, como também suposições de crimes cometidos, inexistindo uma acusação formal e legal.

 

Percebe-se que os critérios usados pelo juiz, quando da fixação da pena-base, extrapolam os limites da reprovação da ação. O ato de criminalizar condutas e aspectos pessoais do acusado – efeito de majorar a pena em virtude de condutas sociais e personalidade – por serem desabonadas pelo meio social, quando não ofendam nenhum bem jurídico alheio, podendo apenas ser objeto de apreciação moral, denota uma manifesta afronta aos princípios constitucionais da legalidade, da culpabilidade, da presunção de inocência, da lesividade e da amoralidade, ultrajando o direito penal do ato e fragilizando a tão cobiçada segurança jurídica. Assim, há uma supressão da liberdade pessoal e do direito à diferença, impondo a todos a obrigação de dirigir sua conduta, íntima e exterior, conforme a ordem social prevalecente, sob pena de ter sua sanção penal majorada se por acaso praticar algum crime.

 

De acordo com os dizeres de Bruno S. de Menezes, o que atualmente se almeja é “punir o agente pelo que cometeu e não mais pelo que pensa ou que é, sob pena de retornarmos ao medievo, quando pessoas eram queimadas porque divergiam em pensamento de quem detinha o poder”. Assim, admitir que a pena-base seja fixada ancorada em critérios como os em questão, constitui um inquestionável retrocesso em termos de política criminal e garantias de direitos humanos fundamentais (MENEZES, 2005, p. 81).

 

É importante salientar que autorizar que a conduta social e a personalidade do agente sejam consideradas como desfavoráveis, leva a compreensão de existência de valores superiores, os adotados pela maior parte do corpo social, constituindo um verdadeiro atentado contra a liberdade e a identidade dos indivíduos sociais.

 

Outrossim, os postulados do Estado Democrático de Direito asseveram que a sanção do desvio punível não deve possuir conteúdos nem desígnios de cunho moral. Nessa linha, frisa o autor o ensinamento de Ferrajoli (2010, p. 208):

 

A sanção penal, da mesma forma, não deve possuir nem conteúdos nem finalidades morais. Assim como a previsão legal e a aplicação judiciária da pena não devem servir nem para sancionar nem para individualizar a imoralidade, também a sua execução não deve tender à transformação moral do condenado. O Estado, além de não ter o direito de obrigar os cidadãos a não serem ruins, podendo somente impedir que se destruam entre si, não possui, igualmente, o direito de alterar – reeducar, redimir, recuperar, ressocializar etc. – a personalidade dos réus. O cidadão tem o dever de não cometer fatos delituosos e o direito de ser internamente ruim e de permanecer aquilo que é.

 

Frente a esse contexto, percebemos nitidamente a existência de uma diluição do conceito de culpabilidade, visto que as normas penais dirigem suas amarras diretamente ao autor do delito, perquirindo suas características pessoais. Isto também porque a culpabilidade tem por norte a comissão ou omissão de um fato penalmente típico, não condicionando, para seu reconhecimento, a personalidade do acusado ou a maneira como se porta em seu meio social. Do esposado, deriva pois, uma certificação de que há uma “subjetivação ética e voluntarista do sistema, tanto penal quanto processual, já que a maldade subjetiva do réu não é perceptível, senão mediante a intuição subjetiva do juiz” (FERRAJOLI, 2010, p. 455).

 

Além disso, Bitencourt pondera que a apreciação de características como “o status pessoal ou profissional do autor, sua condição particular, a função que exerce na coletividade, que, aliás, não tem nenhuma relação com o fato delituoso” desemboca em uma “orientação identificada com o mais autêntico direito penal de autor. (...) Quer dizer, julga-se pelo que o indivíduo é e não pelo que faz, como um verdadeiro “direito penal do inimigo”, que, de uma forma discriminatória, distingue entre “cidadãos” e “inimigos”, tratando-se, com efeito, da desconsideração de determinada “classe de cidadãos” como portadores de direitos não iguais aos demais a partir de uma classificação que se impõe desde as instâncias de controle formal, violando o sagrado princípio da igualdade (BITENCOURT, 2009, p. 632-633).

 

Observa-se que as instâncias formais de controle debruçam-se sobre o autor do delito, e não sobre o delito que foi praticado. Assim sendo, a punição não é aplicada em razão da execução do crime, mas sim por causa das características pessoais do réu, suas qualidades, seus defeitos, sua personalidade, seu caráter.

 

Percebemos, assim, uma posição dualista no que tange à culpabilidade. Duas espécies de culpabilidade estão insertas no nosso atual ordenamento jurídico, quais sejam, a do autor e a do ato. No entanto, não é possível referida combinação. Ou se inflige uma pena em virtude do ato concreto perpetrado, ou pelo fato advindo de uma conduta de vida. A combinação, e o uso, dos dois tipos de culpabilidade significam uma legitimação do direito penal do autor, mas sob uma roupagem democrática de direito penal do fato.

 

Desse modo, deparar-se-á diante de uma ululante ofensa ao direito penal do fato, estabelecido pelo nosso folheto constitucional, em detrimento do cruel direito penal do autor. Evidente também é a agressão ao princípio normativo da separação entre direito e moral, bem como aos princípios constitucionais alusivos à legalidade, lesividade, amoralidade e laicicidade, presunção de inocência, culpabilidade e devido processo legal.

 

Imperioso se mostra, em um Estado Democrático de Direito, a conduta respeitosa perante a autonomia do cidadão, que detém o direito constitucional de não sofrer uma sanção penal por algo não tipificado em lei, assim como à liberdade de expressão, opinião e pensamento, não incidindo sobre ele a obrigação de seguir quaisquer regras de comportamento definidas como retilíneas pela cultura dominante, em que pese se exima de praticar condutas legalmente consideradas como ilícitas.

 

Por fim, não obstante uma boa parte da doutrina não adotar o entendimento aqui explicitado, alguns autores vanguardistas coadunam com o mesmo, como é o caso de Ney Moura Teles (2011, capítulo 17, p. 9-11).

 

Dispõe o art. 59 que o juiz analisará também a conduta do condenado em seu meio social: se ele está ou não adaptado em seu ambiente social, vale dizer, se ele é ou não bem aceito por seus concidadãos, seus semelhantes, seus iguais. [...] Essa é outra circunstância que nada tem a ver com o fato criminoso praticado pelo agente e que diz respeito exclusivamente a seu passado anterior ao crime e à sentença. [...] a circunstância não deve ser levada em consideração no momento da fixação da pena, pois que representaria o julgamento do homem pelo que ele é, e não do homem pelo que ele fez. (...) Aqui, outra circunstância que não tem relação direta com o fato praticado, a personalidade, característica interna do homem, é incluída entre as circunstâncias judiciais. Deve o juiz, a teor do art. 59, considerá-la no momento da fixação da pena base? (...) Ora, a personalidade não é um conceito jurídico, mas do âmbito de outras ciências – Psicologia, Psiquiatria, Antropologia – e deve ser entendida como um complexo de características individuais próprias, adquiridas, que determinam ou influenciam o comportamento do sujeito. Considerá-la no momento da fixação da pena é considerar o homem, enquanto ser, e não o fato por ele praticado. (...) O exame da personalidade, de outro lado, não pode ser feito a contento pelo juiz, no âmbito restrito do processo penal, sem o concurso de especialistas – psiquiatras, psicólogos etc. O magistrado não é formado e preparado para o exame aprofundado de características psíquicas do homem, e permitir-lhe exame apenas superficial, para um desiderato tão grave – perda da liberdade -, seria de uma leviandade inaceitável num ordenamento jurídico democrático e sério. Facultar ao juiz a consideração sobre a personalidade do condenado importa em conceder ao julgador um poder quase divino, de invadir toda a alma do indivíduo, para julgá-la e aplicar-lhe a pena pelo que ela é, não pelo que ele, homem, fez.

 

Ademais, alguns poucos magistrados, habilmente em suas fundamentações, evitam efetivar juízos de valor sobre o que não tange à matéria estritamente jurídica, como dispõe o Des. Aymoré Roque Pottes de Mello:

 

Deste modo, o simples fato de possuir processos em andamento não é suficiente para negativar tal operadora. Ainda no ponto, registro não há prova técnica que autorize juízo conclusivo (positivo ou negativo) sobre a operativa da personalidade do réu. Neste sentido, transcrevo a seguinte nota doutrinária: “(...) a personalidade, todavia, é mais complexa do que essas simples manifestações de caráter ou de temperamento, não sendo fácil determinar-lhe o conteúdo porque o trabalho exige conhecimento técnico-científico de antropologia, psicologia, medicina e psiquiatria e, de outro lado, aquele que se dispõe realizá-lo tendo a racionar com base nos próprios atributos de personalidade, que elege, não raro como paradigma. Urge revisarmos, portanto, a idéia de que os problemas relacionados à personalidade são fontes de maior periculosidade, como delineada pelo legislador na redação original do nosso Código, nesse ponto coerente, aliás, com as disposições que ensejavam imposição cumulativa de pena e de medida de segurança.” (BRASIL, Apelação Criminal nº 70014876551, 2006).

 

Quanto à conduta social e à personalidade do agente, conclui-se, pois, serem inaceitáveis como fatores determinantes para a fixação da pena-base, em virtude de sua discordância com princípios consagrados constitucionalmente e com os pilares do Estado Democrático de Direito.

 

Tendo em vista que o Código Penal constitui uma lei infraconstitucional, suas normas devem estar em perfeito acordo com os preceitos da Carta Magna; caso isso não aconteça, deverão ser declaradas inconstitucionais e extirpadas do nosso ordenamento jurídico. Sendo assim, propõe-se a exclusão desses critérios do âmbito jurídico, evitando a devastação dos benefícios do Estado Democrático de Direito e do modelo penal garantista, que lhe é correlativo.


Enfim, o fato de majorar penas, quando da prática de um crime, em razão da análise da conduta social e da personalidade do agente apresenta uma incompatibilidade com fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Aumentar a pena tendo por base a conduta social do acusado pressupõe a análise de condutas que não foram previamente tipificadas pela lei, ofendendo claramente, entre outros, o princípio constitucional da legalidade, que preceitua que nenhuma pessoa será obrigada a fazer ou deixar de fazer alguma coisa que não esteja prevista em lei. Assim, qualquer majoração de pena, tendo esse critério como embasamento, equipara-se a uma imposição de pena sem anterior cominação legal, correspondendo, ainda, a uma condenação sumária e inquisitorial por fatos muitas vezes atípicos.

O que ocorre comumente, todavia, é a majoração da pena baseada em condutas vistas como antissociais pelo juiz, embora sejam atípicas para o nosso ordenamento jurídico, configurando evidente ultraje a diversos princípios inseridos em nossa Carta Magna.

Também se mostra possível a majoração da pena por meio do exame da personalidade do agente, o que implica uma apreciação e uma valoração não de sua conduta criminosa, mas sim de sua individualidade. O que representa uma eventual periculosidade social. Isso deságua em uma pena mais grave àquela pessoa que possui uma personalidade reprovada pela coletividade, mesmo que não venha a lesar bem jurídico alheio, mas que afronte apenas a moral socialmente imposta.

Desse modo, percebemos que os critérios usados pelo julgador, quando da fixação da pena-base, excedem os limites da reprovação da ação em si mesma. Criminalizar condutas e aspectos pessoais do réu, em virtude de não se coadunarem com o que as classes sociais dominantes ditaram como corretas, a despeito de não lesarem bem jurídico alheio, podendo somente ser objeto de apreciação moral, denota uma cristalina ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, da culpabilidade, da presunção de inocência, da lesividade e da amoralidade, derivando em injuriar o direito penal do ato e em fragilizar a tão cobiçada segurança jurídica.

Notamos, ademais, uma subjetivação ética e voluntarista do sistema penal, tendo em vista que a maldade subjetiva do acusado somente é percebível através da subjetiva percepção do magistrado, evidenciando uma grave afronta às garantias individuais do cidadão, as quais prescrevem que ninguém será penalizado pelo que é, mas pelos atos que comete.

Contudo, segundo os preceitos do direito penal vigente, o Estado deve se mostrar respeitoso quanto à autonomia do cidadão, não o constrangendo a seguir condutas e pensamentos socialmente cominados como aceitáveis. Em outras palavras, deve-se conservar a liberdade individual de pensamento, crença, expressão, opinião e de modo de vida, desde que estes não lesem bens alheios juridicamente protegidos.

Nessa senda, visualizamos nitidamente, apesar de termos abraçado o direito penal do ato (aquele que inflige a pena em virtude da conduta praticada), os resquícios da influência do direito penal do autor em nosso Código Penal. Entretanto, as exigências de certeza e segurança jurídicas, próprias de um Estado Democrático de Direito, são inconciliáveis com o direito penal do autor, peculiar a um Estado totalitário e antigarantista.

Outrossim, é clara a presença da seletividade penal, da diferenciação punitiva, da teoria do Labelling Approach, do substancialismo penal e do decisionismo processual em nosso ordenamento jurídico atual. Demonstrando que, desde os primórdios até os dias hodiernos, o sistema criminal nacional é programado para a produção de vitimização e exclusão, com a consequente desqualificação jurídica de indivíduos, classes, grupos e segmentos sociais.

Desse modo, imperioso se mostra reconhecer a inconstitucionalidade das circunstâncias judiciais de personalidade do agente e sua conduta social para fixação da pena-base, já que afronta diretamente princípios consagrados na Constituição Cidadã, além de nos reportar ao direito penal do autor e ao positivismo, em uma clara ofensa aos pilares norteadores do direito penal e essenciais a um Estado Democrático de Direito.

Em razão de todo o esposado, conclui-se, pois, que a conduta social e a personalidade do agente são inaceitáveis como fatores determinantes para a fixação da pena-base. Sendo assim, e tendo em vista que o Código Penal é uma lei infraconstitucional, mostra-se demasiadamente necessário uma redução do conteúdo do artigo 59 do diploma penal, eliminando a conduta social e personalidade do agente como circunstâncias judiciais quando da fixação da pena. (Rodolfo Ferreira Lavor Rodrigues da Cruz, em artigo muito especial, intitulado “A conduta social e a personalidade do agente (artigo 59 do Código Penal) sob a ótica da Constituição Federal), publicado em conteúdojuridico.com.br, em 12 de julho de 2016, acessado em 10/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em seu parecer, Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 59 do Código Penal, trata sobre “A dosimetria da pena” publicado no site Direito.com., e diversamente da completa aula vívida acima, atem-se o autor ao tema, vivenciado tipo: “pé no chão”, ou “A vida como ela é”:

Culpabilidade: para o efeito do montante da pena, é a medida, o grau de reprovabilidade, a intensidade do dolo da conduta do agente. Verifico que, in casu, a ação delituosa ultrapassa a censurabilidade inserida no próprio tipo penal, tendo em vista a frieza e a premeditação na execução do crime, considerando-se que ele se reuniu com terceira pessoa para, com o firme proposito de matar a vítima, atraí-la até determinado local, para o fim de executarem, juntos, o seu intento criminoso, pelo que mantenho a desfavorabilidade de tal circunstância.

A pena é imposta e condicionada à culpabilidade do agente do fato, sendo no Direito Penal é o limitador da responsabilização criminal. Na dosimetria da pena-base é levada em efeito a graduação e intensidade do dolo, comportamento do agente e antecedentes. O interregno do mínimo legal e máximo é também de aplicabilidade, observando as circunstâncias do delito e censurabilidade social na conduta do acusado.

Sob o primeiro prisma é a verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade base fundamental para o julgador auferir se houve ou não prática delitiva e suas circunstâncias.

Secundando, deve o julgador observar os antecedentes bons e maus do agente sua vida pregressa e seu comportamento em seu meio social. Exemplificando o agente tem vários processos criminais e não trabalho e não dá assistência à família e violento com esposa. Outro agente não tem antecedentes, emprego fixo, participa de ONG e excelente pai e esposo. Nesses dois exemplos o primeiro tem pena majorada e o segundo diminuída diante do comportamento de ambos.

A pena poderá ser diminuída em face da ocorrência do normatizado no parágrafo único do artigo 26 CP em um a dois terços em virtude de perturbação mental incompleto ou retardo incapaz de entender o caráter ilícito.

Todo crime é reprovabilidade social. Mas as motivações é um fator julgador, sopesa na fixação da pena a personalidade do réu qualidades morais e deve-se incluir periculosidade eventual probabilidade de voltar a delinquir.

Súmula 718: A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.

Na condenação à pena privativa” de liberdade, além da fixação de sua quantidade, o julgador deverá estabelecer o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade (aberto, semiaberto ou fechado), o que, apesar de pouco destacado pela doutrina, efetivamente consiste numa individualização de pena de cunho executório, componente da atividade jurisdicional cominatória de sanção.

Sobre esse aspecto, são inúmeros os desafios postos pelo cotidiano forense brasileiro. São por demais comuns casos em que aos condenados é imposto regime mais severo que a situação concreta demandaria. (Código Penal comentado, Luciano Anderson de Souza et al, p. 199).

A sentença deverá estabelecer o regime inicial que o condenado iniciará o cumprimento da pena observando o enunciado no artigo 33 do Código Penal. O artigo 110 da Lei de Execução Penal atribui o juiz esse encargo. É o art. 111 – “Quando houver condenação por mais um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observadas, quando for o caso, a detração ou remição” e no parágrafo único: “Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena o restante da que sendo cumprida, para determinação do regime”.  (Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 59 do Código Penal, trata sobre “Da dosimetria da pena”  publicado no site Direito.com, acessado em 10/12/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 824, 825, 826 - DA Fiança - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 824, 825, 826
- DA Fiança - VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com -

digitadorvargas@outlook.com

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (art. 481 a 853) Capítulo XVIII – Da Fiança

 – Seção I – Disposições Gerais (art. 818 a 826) –

 

Art. 824. As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor.

 

Parágrafo único. A exceção estabelecida neste artigo não abrange o caso de mútuo feito a menor.

Como leciona Claudio Luiz Bueno de Godoy, por encerrar uma obrigação acessória, dependente de outra principal, dispõe o artigo em comento, sem diferença do que continha o CC/1916, que a fiança não pode ser dada para garantir obrigação nula, ou seja, nula a obrigação principal, como regra, nula a fiança.

Desde a anterior legislação, porém, já ressalvava Clóvis Beviláqua o que, a seu ver, era uma impropriedade da lei, porquanto de nulidade não se pretendeu tratar no texto projetado, eis que óbvia, sendo dispensável dizê-lo, na verdade tendo se tencionado aludir à obrigação anulável, também impassível de fiança, salvo quando sua causa fosse a incapacidade do devedor (Código Civil comentado, 4.ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 253).

O fato, porém, é que ambos os Códigos, anterior e atual, acabaram mencionando a impossibilidade de afiançar obrigação nula, exceto se proveniente a nulidade da incapacidade do devedor. sendo assim, sustenta Lauro Laertes de Oliveira, por exemplo, que as obrigações anuláveis, até porque passiveis de confirmação e convalidação, são afiançáveis, mas ressalvando que, uma vez anuladas, anula-se, por conseguinte, a fiança (Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 11).

De qualquer forma, quando a invalidade da obrigação principal resultar da incapacidade pessoal do devedor, então aí a fiança subsistirá, mesmo invalidade a obrigação principal. Ou, por outra, não pode então se escusar o fiador a pretexto de que é inválida a obrigação principal. Isso porque, na verdade, nesses casos tem-se, de novo na lição de Clóvis (op. cit.), que o fiador garante o credor contra os riscos da incapacidade do devedor, não integrante, como se viu no comentário ao CC 820, do contrato fidejussório, consumável sem sua oitiva ou contra sua vontade. Uma questão, porém, se coloca caso o fiador desconheça a incapacidade do devedor cuja dívida afiança, tanto mais pela impossibilidade de alegar isso em seu favor, consoante regra do CC 837. Nessa hipótese, sustenta-se somente deduzível pelo fiador, diante do credor, eventual vício de vontade que a respeito tenha ocorrido, com a contingência da prova dos requisitos respectivos (v.g., Oliveira, Lauro Laertes de. Op. cit., p. 11).

Por fim, o parágrafo único do artigo em questão estabelece, a rigor, uma exceção à exceção que já se contém no caput. Ou seja, a fiança se invalida se nula ou se, anulável, vem a ser anulada a obrigação afiançada. Isso não ocorrerá, todavia, se a causa da invalidade for a incapacidade do devedor afiançado. Mas, aí a norma do parágrafo, mesmo nessa hipótese de incapacidade do devedor, a fiança não subsistirá se dada a menor a quem concedido um mútuo. Em diversos termos, se se afiança um mútuo feito a menor, então também a fiança, nessa hipótese, seguirá o mesmo caminho da obrigação principal, de resto como corolário da regra textual do CC 588, segundo a qual o mútuo feito a menor, sem devida autorização, não pode ser reavido do mutuário e nem dos fiadores, frise-se, salvo nas hipóteses do CC 589.

Quanto às obrigações naturais, desde que decorrentes de dívida ou aposta, vige a regra prevista no CC 814, § 1º, a cujo comentário se remete o leitor. No que toca às obrigações prescritas, por isso que igualmente despidas de ação, prevalece o entendimento de que não são afiançáveis, porquanto uma forma de dotar de exigibilidade uma dívida que não a possui, mercê de obrigação acessória que não se pode dissociar da principal (ver, em sentido contrário, e referindo também os juros não convencionados: Oliveira, Lauro Laertes. Op. cit., p. 14). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 848 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, a norma evidencia, aqui, mais uma vez, o princípio da acessoriedade, porquanto a fiança subordina-se à validade da obrigação principal. É natural que assim seja, por se constituir a fiança em obrigação acessória. A ressalva da norma tem seu conduto no fato de o Código admitir obrigações naturais.

Explica, a propósito, o mestre Clóvis Beviláqua: “São susceptíveis de fiança as obrigações anuláveis por incapacidade pessoal do devedor. a razão, que se costuma dar para justificar esse preceito, é que há, neste caso, uma obrigação natural, portanto, não falta, inteiramente, uma base à fiança. O fiador garante o credor conta os riscos decorrentes da incapacidade do devedor”. E, adiante, esclarece: “Abstraindo da obrigação natural, haverá, em todo caso, um dever de pagar, porque a obrigação, torna-se devedor direto e único, se o obrigado se escusa, sob o fundamento de sua incapacidade” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado; obrigações. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1919, v. 5, t. 2, p. 240).

Ressalte-se, afinal, o disposto no CC 588, em exame do parágrafo único do presente artigo. A fiança somente será válida se o mútuo feito a pessoa menor tiver a prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 433 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a redação do dispositivo não é boa. É obvio que obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, porquanto a lei as destitui de seus efeitos jurídicos. A nulidade, no entanto, é uma sanção que decorre, pois, da violação de determinados preceitos legais. Vale dizer: a nulidade não é uma característica intrínseca do ato, mas uma sanção que é imposta quando o ato viola preceito legal. Desse modo, a interpretação adequada do dispositivo é: a declaração de nulidade da obrigação principal nulifica, igualmente, a fiança que a garante.

O dispositivo estabelece uma exceção à regra geral de nulidade da fiança em decorrência da nulidade da obrigação principal: se a nulidade da obrigação principal for consequência da incapacidade civil do devedor a fiança permanece válida. O que inspirou essa exceção foi a consideração de que o fiador conhece ou tem a obrigação de conhecer o devedor e suas qualidades pessoais, uma vez que a garantia fidejussória, como a própria etimologia da palavra demonstra, significa a existência de confiança do fiador na pessoa do devedor. desse modo, presume a regra que a incapacidade do afiançado, não é desconhecida pelo fiador e que este seria beneficiado por um venire contra factum proprium se viesse a se isentar em razão de fato que já conhecia ou que tinha obrigação de conhecer.

O parágrafo único estabelece uma exceção à exceção: nulifica-se a fiança se a obrigação principal for nula, ainda que a nulidade seja baseada na incapacidade civil do afiançado, se se tratar de mútuo feito a menor. Esta regra coaduna com diversas outras regras do sistema jurídico privado relativas ao mútuo. É da tradição do direito civil, em consonância com o direito canônico o tratamento severo ao mútuo, em razão da proibição bíblica da usura. O mútuo feito a menor é nulo e não pode ser reavido pelo mutuante, salvo nos casos elencados no CC 589, que dizem respeito a benefício efetivo ao menor. Desse modo, em regra o mútuo feito a menor não pode ser cobrado deste nem de seus fiadores (CC 588), mas pode sê-lo se houver prova de que o empréstimo acarretou proveito efetivo ao menor, conforme o CC 589. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 02.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 825. Quando alguém houver de oferecer fiador, o credor não pode ser obrigado a aceita-lo se não for pessoa idônea, domiciliada no município onde tenha de prestar a fiança, e não possua bens suficientes para cumprir a obrigação.

Na medida de Claudio Luiz Bueno de Godoy, repetindo regra do Código Civil anterior, o dispositivo em comento sempre teve sua aplicação muito mais restrita às hipóteses de fiança legal ou judicial (ver comentário ao CC 818), ou seja, quando imposta por lei ou pelo juiz, no processo, cumprindo então ao devedor oferecê-la e podendo recusá-la o credor nas hipóteses previstas no dispositivo em exame. Isso se afirma porque, a rigor, na fiança convencional já nem mesmo se firmará o contrato se recusá-lo o credor. Apenas haverá lugar à aplicação do preceito, se a fiança é convencional, como lembra Lauro Laertes de Oliveira (Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 44), se já havido prévio ajuste obrigando o devedor a apresentar fiador.

De qualquer modo, em todos esses casos o credor poderá recusar o fiador indicado, em primeiro lugar se não se tratar de pessoa idônea. A referência se faz a pessoa que, por sua conduta, possa dificultar a efetivação da garantia. Pense-se no indivíduo renitente no cumprimento de suas obrigações, sempre envolvido em demandas de cobrança, emitente ou sacador de inúmeros títulos protestados, enfim sobre quem pese séria dúvida quanto à idoneidade nas relações econômicas, no tráfico negocial.

Da mesma forma, pessoa indicada que resida em município diverso pode representar obstáculo ou dificuldade maior à excussão da garantia fidejussória, por isso também se erigindo, aqui, motivo para a recusa.

Finalmente, alguém com patrimônio livre e desembaraçado, mas que seja insuficiente se confrontado com o valor do débito a ser garantido, pode ser recusado pelo credor quando indicado à fiança. Veja-se, portanto, que as hipóteses figuradas têm todas em comum a nota da preocupação do legislador com a higidez da garantia a ser prestada. Em diversos termos, abre-se a possibilidade de o credor recusar fiador indicado, quando o imponha a lei, o juiz ou mesmo um acordo, sempre que dúvida justificada houver acerca de sua aptidão a fazer cumprir a função garantidora que a fiança, afinal, possui. O que, ao revés, significa também que a recusa do credor não pode ser injustificada, destarte abusiva, com o que não se compadece o novo sistema civil, desde a parte geral do Código (ver CC 187). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 849 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Fiuza, obrigado a dar fiador, por lei ou por convenção das partes, o devedor principal não pode, todavia, impor a escolha do garante ao credor. A recusa ao fiador indicado é autorizada por lei, nas hipóteses que menciona. Assim, não estará obrigado o credor a aceitar o fiador, quando se tratar de pessoa sem idoneidade moral ou financeira que não residir no município onde tenha de prestar a fiança ou, ainda, que não apresentar acervo patrimonial satisfatório ao cumprimento da obrigação acessória que aceita assumir. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 433 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nos apontamentos de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, embora o afiançado não seja parte do contrato de fiança, nada obsta e frequentemente ocorre que ele se obrigue a apresentar um fiador ao credor. Essa obrigação pode decorrer de lei, como prevê o CC 826 e, no caso das locações de imóveis, o art. 40 da Lei n. 8.245/91 nas hipóteses de morte do fiador, ausência, interdição, recuperação judicial, falência ou insolvência do fiador etc.

O dispositivo obriga que nesses casos o credor poderá recusar o fiador apresentado pelo afiançado que não for idôneo ou domiciliado no município onde a fiança deva ser prestada ou não possua bens suficientes para cumprir a obrigação.

A lei não estabelece expressamente sanção para o descumprimento dessa obrigação. Ela não é uma obrigação contida no próprio contrato de fiança, mas que se encontra entre os deveres legais de qualquer ato em que a fiança seja devida. Os efeitos de seu descumprimento devem ser buscados na teoria geral das obrigações e dos contratos. A violação de obrigação contratual sujeita o devedor a indenizar o prejuízo causa e, se for considerado substancial, à resolução contratual. O caso não sujeita o afiançado à execução específica da obrigação, pois tal sanção não é compatível com a fiança que deve ser sempre voluntariamente assumida pelo fiador. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 02.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 826. Se o fiador se tornar insolvente ou incapaz, poderá o credor exigir que se já substituído.

Estendo a aula, Claudio Luiz Bueno de Godoy, na mesma senda da disposição do artigo antecedente, i.é, atentando-se à necessidade de que a fiança seja e permaneça íntegra, suficiente a desempenhar seu papel de garantia de uma obrigação principal, prevê a lei que pode o credor exigir a substituição do fiador quando ele já não se mostrar apto a cumprir essa função. Assim que, de maneira geral, poderá ser exigido novo fiador quando o anterior tiver caído em insolvência ou se tornado incapaz. Tudo porque, repita-se, nesses casos, terá a fiança perdido sua aptidão à mais efetiva garantia do débito.

Bem ressalva Washington de Barros Monteiro, porém, que essa prerrogativa só se defere ao credor se a fiança não foi por ele diretamente firmada sem a ciência do devedor, vale dizer, se a fiança não se convencionou, na forma permissiva do CC 819, à revelia ou mesmo contra a vontade do devedor, afinal então ao credor imputando-se o risco de sua escolha (Curso de direito civil, 34.ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. V, p. 379-80). Ou, como salienta Pontes de Miranda, e tal como sucede com relação ao artigo anterior, o artigo em comento somente terá aplicação naqueles casos em que o devedor esteja adstrito a dar fiador (Tratado de direito privado, 3.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 19984, t. XLIV, § 4.788, n. 8, p. 158).

De resto, ao menos a insolvência do fiador, só que lá desde que judicialmente declarada, constitui mesmo uma causa de vencimento antecipado da obrigação, tal como está no CC 333, III. O que significa dizer, então, que, postulada a substituição do fiador e inerte o devedor em substituí-lo, quando isso lhe competir (v. comentário ao artigo anterior), poderá o credor, de imediato, cobrar a dívida, considerada antecipadamente vencida. Também é hipótese de vencimento antecipado, não a insolvência, a ensejar substituição do fiador, mas o que, genericamente, se alude no CC 333, III, como redução da garantia pense-se no fiador que não cai em insolvência mas, mesmo assim, tem seu patrimônio sensivelmente reduzido. Nessa hipótese, poderá ser exigido pelo credor, de novo quando ao devedor incumba fazê-lo, o reforço da garantia, persistindo, todavia, o fiador originário. e ainda aí, no caso de inércia, com possibilidade de vencimento antecipado, frise-se, perante o devedor principal.

Tem-se discutido sobre se, da mesma maneira que o domicílio em município diverso é causa de recusa da fiança, a mudança do fiador para domicílio diferente pode dar azo a pleito de sua substituição, afinal, para uns, por igual motivo da dificuldade de excussão da garantia, mas obtemperando-se, de outra parte, e ao que se acede, que dificultar não é o mesmo que impossibilitar, como no caso de insolvência ou incapacidade, então sendo exigível reforço (no sentido da admissão da substituição, ver Oliveira, Lauro Laertes de. Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 46; no sentido contrário, ver Miranda, Pontes de. Op. cit., p. 161).

É evidente que, em todos os casos em que são preenchidos os requisitos para a substituição, além da cobrança pelo vencimento antecipado, pode o credor se valer da ação de execução específica.

A insolvência, que autoriza a substituição do fiador, deve ser tomada em sentido amplo, como a situação de superação das dívidas do fiador, se confrontadas com seu ativo (CC 955). Não importa a causa da insolvência, desde que seja posterior à contratação da fiança, dado que, se o quadro lhe era preexistente, e da insciência do credor, a este só restará a anulação por eventual vício de vontade. Da mesma forma, a incapacidade, por qualquer de suas causas, enseja a possibilidade de substituição do fiador se manifestada após a contratação.

Por fim, vale anotar que, no Código Comercial, nesta parte revogado (CC 2.045), havia também previsão de substituição do fiador quando este viesse a falir, aí sem grande diversidade para a legislação civil, mas também quando o fiador viesse por qualquer motivo a se desonerar ou quando morresse (CC 263). A rigor, contudo, já não havia, como apontava Lauro Laertes de Oliveira (op. cit., p. 45-6), maior incompatibilidade com o anterior Código Civil, portanto aplicando-se a mesma regra ao novo, dado que, sempre que for obrigado o devedor a dar fiador, a desoneração deste, por causa não imputável ao credor, ou sua morte, extintiva da fiança, destarte sem garantir débitos posteriormente surgidos, ensejará pleito de indicação de outro garante. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 850 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina de Fiuza, cuida-se de prerrogativa do credor a de exigir a substituição do fiador que se tornou insolvente ou incapaz, porque em tais casos não mais se apresenta em condições hábeis de responder pela obrigação acessória. Compete-lhe, entretanto, provar a arguição desse fato superveniente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 433 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Finalizando o capitulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo obriga o afiançado a apresentar novo fiador ao credor se o anterior tornar-se insolvente ou incapaz.

O dispositivo é lacunoso, pois só é admissível que o afiançado tenha tal obrigação se o fiador anterior tiver sido por ele apresentado ao credor, não tendo aplicação se a fiança tiver sido contratada sem a sua intervenção, como expressamente autoriza o CC 820.

Há, igualmente, lacuna quanto aos fatos que determinam a substituição do fiador, pois o artigo não cuida das hipóteses de morte do fiador, alienação ou gravação de todos os bens imóveis do fiador, previstas no artigo 40 da Lei n. 8.245/91 que regula as locações de imóveis urbanos. Tais hipóteses são análogas às duas expressamente previstas no dispositivo e devem ser aplicadas na generalidade dos negócios garantidos por fiança.

Outras hipóteses previstas no artigo 40 da lei n. 8.245/91 não são análogas às expressamente previstas no artigo em comento, tais como a mudança de residência do fiador sem prévia comunicação ao locador, a exoneração do fiador, a prorrogação da locação por prazo indeterminado etc., não sendo aplicáveis por analogia. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 02.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).