Comentários ao Código
Penal – Art. 59
Da Aplicação da Pena – VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral –Título V – Das
Penas –
Capítulo III – Da Aplicação da
Pena
Fixação da pena (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11/7/1984)
Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade,
aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às
circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima,
estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação a prevenção
do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)
I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)
IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra
espécie de pena, se cabível. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984).
Da Individualização da Pena, segundo a apreciação de Rogério Greco, Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários à: “Da Fixação da pena” – Art. 59 do CP, p.153-157, o autor inicia com um julgado que leva em consideração os parâmetros delineados no tipo penal em que o paciente foi condenado e tendo em vista a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, quais sejam, a culpabilidade, a personalidade, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima, não se revela desproporcional ou imotivada a majoração da pena-base acima do mínimo legal, tal como feita pelo juízo sentenciante (STJ, HC 139000/ES, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª T., Dje 01/12/2010).
Apoiado por outro julgado, o autor crê que o julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja necessária e suficiente para reprovação do crime. Não pode o magistrado sentenciante majorar a pena-base fundando-se, tão somente, em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a exasperação (STJ, HC 81949, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T., Dje 08/2/2010).
Consideração sobre a consciência da ilicitude da conduta - Ao decidir pela condenação do paciente em razão da prática dos crimes de estupro, subentende-se que o Julgador já teria considerado a consciência da ilicitude de sua conduta, independentemente da pena que lhe seria aplicada, de modo que se revela inadequada a majoração da pena-base com fundamento em aspecto que integra a própria estrutura do crime (STJ, HC 63 759/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 23/10/2006, p. 342).
Das Circunstâncias judiciais: O caput do art. 59 do Código Penal prevê as chamadas circunstâncias judiciais, que deverão ser analisadas quando da fixação da pena-base pelo julgador, atendendo, assim, a determinação contida no art. 68 do mesmo diploma repressivo.
Quando como no Habeas Corpus seguinte, as circunstâncias previstas no art. 59 do Cód. Penal forem favoráveis ao réu, não é possível o estabelecimento de regime mais rigoroso com base tão somente na gravidade do delito. Tratando-se de réu primário e possuidor de bons antecedentes, daí ter o próprio juiz fixado a pena no seu mínimo, tem o condenado direito a iniciar o cumprimento da pena no regime legalmente adequado. Precedentes do STJ (STJ, HC I14604/SP, Rel. Min. Nilson Naves, 6ª T., DJe 13/4/2009).
Na sequência, segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal, a elevação da pena-base acima do mínimo legal deve ser fundamentada em aspectos concretos, sendo insuficiente a simples transcrição das circunstâncias jurídicas do art. 59 do CP. Outrossim, é inviável se utilizar de elementos intrínsecos ao tipo para a referida majoração. Precedente citado: HC 48.124-RJ, DJ 5/2/2007 (STJ, HC 90.022/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 7/10/2008).
No exame das circunstâncias judiciais (CP, art. 59) impõe-se a observância do princípio constitucional da individualização da pena, sendo inadmissível que seja levado a efeito de forma conjunta, englobando vários réus num único ato (STJ, HC 1-8694/ RS, Rel. Min. Edson Vidigal, 5ª T., DJ 25/2/2002, p. 422).
Da Pena desproporcional: Tratando-se de réu tecnicamente primário, condenado à pena de 2 anos de reclusão, pela prática de delito que não envolve violência ou grave ameaça a pessoa, a fixação do regime fechado para o início do cumprimento da reprimenda mostra-se desproporcional. Ordem parcialmente concedida a fim de fixar o regime semiaberto para o início do cumprimento da reprimenda (STJ, HC 124396/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., DJe 30/3/2009).
Não pode o magistrado sentenciante majorar a pena-base na metade, de forma desproporcional, tão somente em razão do reconhecimento de apenas uma circunstância judicial desfavorável, dentre oito legalmente previstas, fundando-se, tão somente, em referências vagas sobre a personalidade do condenado (STJ, HC 80892/RJ, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T„ DJe 9/3/2009).
Se a pena é fixada de forma desproporcional às circunstâncias judiciais, necessária é sua redução (TJMG, AC 1.0479.06.106 644-1/001, Rel. Des. Pedro Vergara, DJ 10/2/2007).
Em relação à culpabilidade: A culpabilidade, como juízo de reprovação que recai sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente, é um dos elementos integrantes do conceito tripartido de crime. Assim, concluindo pela prática da infração penal, afirmando ter o réu praticado um fato típico, ilícito e culpável, o juiz passará a aplicar a pena. Percebe-se, portanto, que a condenação somente foi possível após ter sido afirmada a culpabilidade do agente. Agora, passando à fase seguinte, terá o julgador de encontrar a pena justa a ser aplicada. Logo no primeiro momento, quando irá determinar a pena-base, o art. 59 do Código Penal impõe ao julgador, por mais uma vez, a análise da culpabilidade. Temos de realizar, dessa forma, uma dupla análise da culpabilidade: na primeira, dirigida à configuração da infração penal, quando se afirmará que o agente que praticou o fato típico e ilícito era imputável, que tinha conhecimento sobre a ilicitude do fato que cometia e, por fim, que lhe era exigível um comportamento diverso; na segunda, a culpabilidade será aferida com o escopo de influenciar na fixação da pena-base. A censurabilidade do ato terá como função fazer com que a pena percorra os limites estabelecidos no preceito secundário do tipo penal incriminador.
Há ilegalidade na fixação da pena-base acima do mínimo legal quando o magistrado considera como desfavoráveis circunstâncias inerentes ao próprio tipo penal, inquéritos e ações penais em andamento, bem como quando utiliza a potencial consciência da ilicitude, um dos pressupostos da culpabilidade, como circunstância judicial elencada no art. 59 do Código Penal (STJ, REsp. 1048574/GO, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., DJe 30/3/2009).
A circunstância judicial da culpabilidade deve ser aferida levando-se em conta a reprovabilidade da conduta do agente, mostrando-se inadmissível considerá-la maculada tão somente em função de ele possuir plena consciência da ilicitude do fato. Não há que se confundir a culpabilidade como elemento do crime com a medida da culpabilidade do agente, sendo que apenas esta última encontra previsão no art. 59 do Código Penal (STJ. HC 107795/RS, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª T., DJe 2/3/2009).
A culpabilidade arrolada no art. 59 do CP não se confunde com aquela necessária para a caracterização do crime; na verdade, ela diz respeito à maior reprovação que o fato ou o autor ensejam no caso concreto (TJMG, Processo 1.0024.98.135297-4/001 [1], Rel. Alexandre Victor de Carvalho, DJ 6/10/2006).
A circunstância judicial da culpabilidade deve, hoje, ser entendida e concretamente fundamentada na reprovação social que o crime e o autor do fato merecem (STJ, HC 50331/PB, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T., DJe 6/8/2007, p. 550).
Dos antecedentes: Os antecedentes dizem respeito ao histórico criminal do agente que não se preste para efeitos de reincidência. Entendemos que, em virtude do princípio constitucional da presunção de inocência, somente as condenações anteriores com trânsito em julgado, que não sirvam para forjar a reincidência, é que poderão ser consideradas em prejuízo do sentenciado, fazendo com que a sua pena-base comece a caminhar nos limites estabelecidos pela lei penal.
O STJ, com acerto, no DJe de 13 de maio de 2010, fez publicar a Súmula na 444, que diz:
Súmula 444. É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.
Infelizmente, no STF, que deveria ser o guardião de nossa Constituição Federai, tem havido posições contraditórias com relação ao tema, conforme se verifica pelas ementas abaixo transcritas:
Em respeito ao princípio da presunção de inocência, inquéritos e ações penais em andamento, por si, não podem ser considerados como maus antecedentes, sendo inadequada sua valoração em sede de conduta sociai para fins de exacerbação da pena-base (STJ, HC 141.898, Proc. 2009/0136554-6, SC, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, Julgado em 19/11/2009, DJe 01/02/ 2010).
Inquéritos policiais e ações penais em andamento configuram, desde que devidamente fundamentados, maus antecedentes para efeito da fixação da pena-base, sem que, com isso, reste ofendido o princípio da presunção de não-culpabilidade (AI 604041 AgRg/RS, Rio Grande do Sul, AgRg. de Instrumento, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª T., publicado no DJ 31/08/ 2007, p. 30).
A só existência de inquéritos policiais ou de processos penais, quer em andamento, quer arquivados, desde que ausente condenação penal irrecorrível - além de não permitir que, com base neles, se formule qualquer juízo de maus antecedentes -, também não pode autorizar, na dosimetria da pena, o agravamento do status poenalis do réu, nem dar suporte legitimador à privação cautelar da liberdade do indiciado ou do acusado, sob pena de transgressão ao postulado constitucional da não-culpabilidade, inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamentai da República (HC 84687/MS, Habeas Corpus Rel. Min. Celso de Mello; 2ª T., DJ 27/10/2006, p. 63).
As condenações com trânsito em julgado fora do quinquídio legal, embora não possam mais ser consideradas como agravante da reincidência, nos termos do art. 64, I, do Código Penal, devem ser valoradas a título de maus antecedentes criminais (STJ, REsp. 809697/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 6/8/2007 p. 648).
A só existência de inquéritos policiais ou de processos penais, quer em andamento, quer arquivados, desde que ausente condenação penal irrecorrível — além de não permitir que, com base neles, se formule qualquer juízo de maus antecedentes -, também não pode autorizar, na dosimetria da pena, o agravamento do status poenalis do réu, nem dar suporte legitimador à privação cautelar da liberdade do indiciado ou do acusado, sob pena de transgressão ao postulado constitucional da não culpabilidade, inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamental da República (STF, HC 84687/MS. Rel. Min. Celso de Mello. 2ª T., DJ 27/10/2006, p. 279).
Da conduta social: Por conduta social quer a lei traduzir o comportamento do agente perante a sociedade. Verifica-se o seu relacionamento com seus pares, procura-se descobrir o seu temperamento, se calmo ou agressivo, se possui algum vício, a exemplo de jogos ou bebidas, enfim, tenta-se saber como é o seu comportamento social, que poderá ou não ter influenciado no cometimento da infração penal.
Importante salientar que conduta social não se confunde com antecedentes penais, razão pela qual determinou a lei a análise delas em momentos distintos.
Não há como se reputar desfavorável o vetor referente à conduta social no cálculo da primeira fase, tão somente em razão de o acusado possuir processos crimes em andamento, haja vista que, conforme a orientação sumular nº 444, do STJ ‘é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base’ (vide HC 106089/MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 3/1 1/2009) (TJSC, ACr 2009.024655-5, Relª. Desª. Salete Silva Sommariva, DJSC 21/7/2010, p. 389).
A conduta social do agente deve ser sopesada em relação à sua situação nos diversos papéis desempenhados junto à comunidade, tais como suas atividades relativas ao trabalho e à vida familiar, dentre outros, não se confundindo com os antecedentes criminais, mas como verdadeiros antecedentes sociais do condenado (STJ, HC 107795/RS, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª T., DJe 2/3/2009).
A conduta social e a personalidade do agente somente podem ser valoradas favoravelmente, sob pena de se ferir o princípio constitucional da legalidade (TJMG, Processo 1.0024 .98. 13529 7-4/001(1), Rel. Alexandre Victor de Carvalho, DJ 6/10/2006).
Da personalidade do agente: Conforme destacou Ney Moura Teles, "a personalidade não é um conceito jurídico. mas do âmbito de outras ciências – da psicologia, psiquiatria, antropologia — e deve ser entendida como um complexo de características individuais próprias, adquiridas, que determinam ou influenciam o comportamento do sujeito”. (TELES, Ney Moura. Direito penal - Parte geral, v. II, p. 125-126).
Acreditamos que o julgador não possui capacidade técnica necessária para a aferição de personalidade do agente, incapaz de ser por ele avaliada sem uma análise detida e apropriada de toda a sua vida, a começar pela infância. Somente os profissionais de
saúde (psicólogos, psiquiatras,
terapeutas, etc.), é que, talvez, tenham condições de avaliar essa
circunstância judicial. Dessa forma, entendemos que o juiz não deverá levá-la
em consideração no momento da fixação da pena-base.
Merece ser frisado, ainda, que a consideração da personalidade é ofensiva ao chamado direito penal do fato, pois prioriza análise das características pessoais do seu autor.
Esta Corte de Justiça já se posicionou no sentido de que a personalidade do criminoso não pode ser valorada negativamente se não existem, nos autos, elementos suficientes para sua efetiva e segura aferição pelo julgador (STJ, HC 133800/MS, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T., Dje 28/6/2010).
Esta Corte Superior já pacificou o entendimento segundo o qual a existência de condenações anteriores não se presta a fundamentar uma personalidade voltada para o crime. Precedente do STJ (STJ, HC 89321/MS, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T., Dje 6/4/2009).
Quanto à personalidade, devem ser lembradas as qualidades morais do agente, a sua boa ou a má índole, o sentido moral do criminoso, bem como sua agressividade e o antagonismo em relação à ordem social e seu temperamento, também não devendo
ser desprezadas as oportunidades que teve
ao longo de sua vida e consideradas em seu favor uma vida miserável, reduzida
instrução e deficiências pessoais que tenham impedido o desenvolvimento
harmonioso da sua personalidade. (STJ, HC 10795/RS, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª
T., Dje 2/3/2009).
A personalidade, negativamente valorada, deve ser entendida como a agressividade, a insensibilidade acentuada, a maldade, a ambição, a desonestidade e perversidade demonstrada e utilizada pelo criminoso na consecução do delito (STJ, HC 50331 /PB, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T., DJ 6/8/2007, p. 550).
Revela-se imprópria a fundamentação relativa à natureza dos crimes praticados para fins de valorar negativamente a personalidade do réu, porquanto o legislador já levou em consideração tais aspectos quando da fixação do preceito secundário do tipo penal violado (STJ, //C 63759/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 23/10/2006, p. 342).
Diferença entre personalidade e antecedentes criminais: Personalidade e antecedentes criminais, precisamente por serem conceitos distintos e, como tais, considerados circunstâncias judiciais autônomas, não podem ser valorados com base no mesmo fundamento fático. Assim não sendo, sempre que o acusado registrar maus antecedentes, sua personalidade seria considerada, automaticamente, destorcida, o que, evidentemente, atenta contra o próprio art. 59 do Código Penal (TJRS, Ap. Crim. 70012350963, 8ª Câm. Crim., Rel. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, j. 28/9/2005).
Dos motivos: Os motivos são as razões que antecederam e levaram o agente a cometer a infração penal. Nas lições de Pedro Vergara, “os motivos determinantes da ação constituem toda a soma dos fatores que integram a personalidade humana e são suscitados por uma representação cuja idoneidade tem o poder de fazer convergir, para uma só direção dinâmica, todas as nossas forças psíquicas”. (VERGARA, Pedro. Dos motivos determinantes no direito penal, p. 563-564).
Das circunstâncias: Na definição de Alberto Silva Franco, “circunstâncias são elementos acidentais que não participam da estrutura própria de cada tipo, mas que, embora estranhas à configuração típica, influem sobre a quantidade punitiva para efeito de agravá-la ou abrandá-la. As circunstâncias apontadas em lei são as circunstâncias legais (atenuantes e agravantes) que estão enumeradas nos arts. 61, 62 e 65 da PG/84 e são de cogente
incidência. As circunstâncias inominadas
são as circunstâncias judiciais a que se refere o art. 59 da PG/84 e, apesar de
não especificadas em nenhum texto legal, podem, de acordo com uma avaliação
discricionária do juiz, acarretar um aumento ou uma diminuição de pena. Entre
tais circunstâncias, podem ser incluídos o lugar do crime, o tempo de sua
duração, o relacionamento existente entre o autor e vítima, a atitude assumida
pelo delinquente no decorrer da realização do fato criminoso etc.” (SILVA FRANCO, Alberto. Código penal e sua interpretação jurisprudencial,
V. I, t. I, p. 900).
Das consequências do crime: As consequências do crime constituem um dado importante a ser observado quando da aplicação da pena-base. A morte de alguém casado e com filhos menores, de cujo trabalho todos dependiam para sobreviverem, ou a hipótese daquele que, imprudentemente, deixando de observar o seu necessário dever de cuidado, atropela uma pessoa que efetuava a travessia de uma avenida, fazendo com que a vítima viesse a perder os movimentos do corpo, tomando-se uma pessoa paralítica, são, efetivamente, dados que devem merecer a consideração do julgador no momento em que for encontrar a pena-base.
Evidenciando-se que as consequências do crime (marcas deixadas no corpo da vítima pelas agressões que sofrera) vão além do tipo penal sob enfoque (homicídio), ela se mostra apta a ser valorada negativamente no momento da fixação da pena-base do agente (STJ, HC 107795/RS, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª T., DJe 2/3/2009).
Do comportamento da vítima: Pode a vítima ter contribuído para o cometimento da infração penal pelo agente.
Em precisa colocação de Júlio Fabbrini Mirabete, “estudos de Vitimologia demonstram que as vítimas podem ser ‘colaboradoras’ do ato criminoso, chegando-se a falar em ‘vítimas natas' (personalidades insuportáveis, criadoras de casos, extremamente antipáticas, pessoas sarcásticas, irritantes, homossexuais e prostitutas etc.). Maridos verdugos e mulheres megeras são vítimas potenciais de cônjuges e filhos; homossexuais, prostitutas e marginais sofrem maiores riscos de violência diante da
psicologia doentia de neuróticos com
falso entendimento de justiça própria". (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Direito
penal - Parte geral, p. 294).
Das penas aplicáveis dentre as cominadas: As penas cominadas pelo Código Penal são as de reclusão, detenção e multa. Na Lei das Contravenções Penais existe, ainda, previsão para a pena de prisão simples.
Da quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos: Na Parte Especial do Código Penal, ao definir as infrações penais, os tipos penais incriminadores preveem, em seus preceitos
secundários, as penas mínima e máxima,
sendo estes, portanto, os limites que nortearão o julgador quando da fixação da
pena-base, não podendo, outrossim, aplicar, nesse primeiro momento, pena
inferior ao mínimo previsto, ou superior ao máximo cominado.
Do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade: Ao fixar a pena, deverá o julgador determinar o regime inicial para seu cumprimento, observando-se o disposto no art. 33 do Código Penal.
A dosimetria da pena exige do julgador uma cuidadosa ponderação dos efeitos ético-sociais da sanção penal e das garantias
constitucionais, especialmente a garantia
da individualização do castigo e da motivação das decisões judiciais. Garantias
essas que alcançam a ulterior fase de fixação do regime inicial para o
cumprimento da pena. Isto nos exatos termos do inciso III do art. 59 do Código
Penal (STF, HC 96384/BA. Rel. Min. Carlos Britto, 1ª T., DJ 3/4/2009, p. 707).
Da substituição da pena privativa dê liberdade aplicada por outra
espécie de pena, se cabível: A substituição será cabível nos termos do art. 44 do Código Penal.
Do erro ou ilegalidade na dosimetria da pena: A orientação reiteradamente firmada nesta Corte é no sentido de que somente nas hipóteses de erro ou ilegalidade prontamente verificável na dosimetria da reprimenda, em flagrante afronta ao art. 59 do Código Penal, pode esta Corte reexaminar o decisum em tal aspecto (STJ, HC 74482/PR, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 6/8/2007 p. 575). (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários à: “Da Fixação da pena” – Art. 59 do CP, p.153-157. Editora Impetus.com.br, acessado em 10/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Sob a visão crítica de Rodolfo Ferreira Lavor Rodrigues da Cruz, em artigo muito especial, intitulado “A conduta social e a personalidade do agente (artigo 59 do Código Penal) sob a ótica da Constituição Federal), o autor insere suas ideias partindo da linha teórica positivista, em que pese, palavras dele, se encontrar ultrapassada, instituiu suas raízes em nosso ordenamento jurídico. Várias reminiscências da Escola Positiva ainda são identificadas em nossa legislação atual, sendo aplicadas sem muitos questionamentos por parte da doutrina e, sobretudo, pelos Tribunais.
O positivismo assim como o direito penal do autor, ofendem os princípios consagrados na Constituição Federal e norteadores do Direito Penal. Entretanto, ainda podemos encontrar resquícios de sua influência na legislação pátria, especialmente no art. 59 do Código Criminal.
Necessário se mostra, pois, a abordagem quanto à legitimidade dessas manifestações anacrônicas de positivismo e direito penal no autor, com todos os malefícios que lhe são inerentes.
O artigo 59 do Código Penal estipula os critérios que guiarão a fixação da pena-base, sendo denominados de circunstâncias judiciais. O objetivo dessas circunstâncias é possibilitar a formatação de penas individualizadas e proporcionais, de modo a se tornarem necessárias e suficientes para proporcionar a reprovação e a prevenção da conduta.
Neste artigo, em meio aos critérios assinalados pelo art. 59 do Código Penal, focalizaremos nossa atenção à conduta social e à personalidade do agente, procurando demonstrar a afronta que representam a inúmeros princípios constitucionais, assim como os resquícios que apresentam do temível direito penal do autor.
As Circunstâncias Judiciais do artigo 59 do Código Penal brasileiro:
Dosimetria da pena: Inicialmente, antes de abordarmos os critérios que orientam a fixação da pena-base, mostra-se necessário uma breve análise sobre a dosimetria da pena.
No
seu artigo 68, o Código Penal Brasileiro adotou o critério trifásico para a
fixação das penas cominadas. Assim, a pena do acusado será definida passando-se
por três fases diferentes. A primeira fase diz respeito ao exame das
circunstâncias judiciais delineadas no artigo 59 do CP, fixando-se ao final uma
pena-base.
Após,
analisa-se as circunstâncias legais, que são as agravantes (artigos 61 e 62 do
CP) e as atenuantes (artigos 65 e 66 do mesmo diploma legal). Existindo
qualquer uma delas, a pena será devidamente agravada ou atenuada, e uma nova
pena será fixada, a provisória.
Na
última fase, sobre a pena provisória incidirá as causas de aumento ou
diminuição de pena, localizadas na parte geral e na parte especial do Código
Penal. Portanto, ao fim da dosimetria, resultará a pena final e definitiva, a
qual será cumprida pelo condenado.
É
imperioso frisar que, inexistindo agravantes ou atenuantes, causas de aumento
ou de diminuição, a primeira fase será a única analisada. Assim, a pena-base
pode vir a se tornar a sanção definitiva do infrator.
Ao
nosso artigo interessa o estudo da primeira fase, a qual corresponde à fixação
da pena-base, onde serão abordadas as circunstâncias judiciais utilizadas para
tal fim, procurando assinalar os resquícios do direito penal do autor, bem como
a inconstitucionalidade de alguns de seus critérios. Essa análise só será
possível com a estrita observância das circunstâncias do artigo 59 do Código
Penal (BRASIL, 1940).
Art. 59 -
O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à
personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do
crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja
necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I - as penas aplicáveis
dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro
dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena
privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da
liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.
Estas
circunstâncias são nomeadas de circunstâncias judiciais, visto que a lei não as
define, tocando ao juiz da causa a incumbência de mensurá-las concretamente –
tornando-se frutos de uma apreciação quase sempre muito subjetiva por parte do
julgador. Entretanto, referida subjetividade não se confunde com arbítrio e
alguns elementos devem ser perfeitamente elucidados.
Cumpre
mencionar que a culpabilidade citada no art. 59 do CP não é a elementar constitutiva
do tipo penal. Destarte, não se trata de uma inexigibilidade de conduta
diversa, mas sim do grau de reprovabilidade social do desvio punível.
Desse
modo, depois de uma sucinta explanação sobre a aplicação da pena-base, passamos
a uma análise aprofundada sobre os seguintes critérios delineadores da pena em
comento: a conduta social e a personalidade do agente.
Conduta social do agente: Um dos critérios de fixação da pena-base
é a conduta social do agente, a qual está relacionada aos comportamentos do réu
em seu meio social, às atividades concernentes ao trabalho, ao relacionamento
familiar ou qualquer outra forma de relação social.
Assim,
o juiz da causa deve se informar sobre a pessoa que está sob julgamento, sobre
seus laços sociais e a maneira como os conduz, com o intuito de apurar indícios
de merecimento de uma maior ou menor censura. Percebe-se que o referido
critério se ampara em uma culpabilidade de caráter ou, melhor dizendo, em uma
culpabilidade pelos fatos da vida que possui, conspurcando notadamente o
princípio da culpabilidade, o qual reza por um direito penal do fato.
Essa
apreciação será conseguida por meio do trabalho cognoscitivo dos julgadores,
que obterão provas através de perguntas realizadas no interrogatório e nos
depoimentos das testemunhas, e se alicerçará em três pilares principais:
família, trabalho e religião. Almeida (2002, p. 74) delineia exemplos do
parâmetro perseguido, dentre os quais:
A vocação do acusado para o trabalho ou para a ociosidade; a
afetividade do mesmo para com os membros que integram a sua família, ou o
desprezo e indiferença que nutre por seus parentes; o prestígio e a
respeitabilidade de que goza perante as pessoas do seu bairro ou da sua cidade,
bem como o índice de rejeição de que desfruta entre os que o conhecem
socialmente; o seu entretenimento predileto (…) ou se prefere a companhia
constante de pessoas de comportamento suspeito e frequenta, com
habitualidade, locais de concentração de delinquentes, casas de
tolerância, lupanares ou congêneres; o seu grau de escolaridade, tal como a
assiduidade e a abnegação pelo estudo ou o desinteresse pelo mesmo, assim como
o respeito e o relacionamento com funcionários, professores e diretores do
estabelecimento escolar.
Verifica-se que alguns dos exemplos elencados pela doutrina
como de boa conduta social são típicos, tendo por base a realidade brasileira,
de um segmento social economicamente favorecido. Portanto, em muitos casos, ao
analisar a conduta social do réu, o magistrado utiliza como critérios os
valores da classe social à qual pertence, que ordinariamente corresponde
àqueles mais abastados economicamente. Essa postura fatalmente dirige o julgamento
a ser mais severo com os acusados integrantes dos grupos sociais diametralmente
opostos ao do julgador.
Observa-se que a conduta social traz a adoção de
estereótipos sociais. E isso ocorre com respaldo na influência positivista, a
qual tem a tendência de visualizar indivíduos como delinquentes em função do
meio em que vivem. Portanto, morar em uma favela, por exemplo, pode ser visto
como uma circunstância que aproxima o crime ao agente, o que não é
obrigatoriamente verdade. Mostra-se presente, assim, o labelling
approach, i.é, a teoria do
etiquetamento de indivíduos que possuem estigmas sociais. Nessa direção, José
Ricardo Ramalho (apud BARREIROS, 2006, p. 2) ensina que:
O delinquente é identificado pelo fato
de ser favelado antes de sê-lo pelo ato de que é acusado. Na favela, habita boa
parte das populações pobres dos grandes centros urbanos e que de forma alguma é
composta por delinquentes. Não se pode negar que a maior parte dos presos
procede de periferias, favelas, bairros pobres, mas a sutileza da argumentação
está no fato de que isto não significa que haja uma relação necessária e
natural entre ser favelado e ser delinquente: a relação é social. Na sua grande
maioria, os moradores das favelas não são delinquentes, mas são tratados
enquanto tais pela polícia e pela justiça.
O cerne da questão é que qualquer conduta do agente que seja
oposta ao do juiz da causa, seja em uma área religiosa, social, sexual ou
afetiva, será mal conceituada quando do julgamento, visto que o magistrado
respalda sua conduta tomando por base as suas experiências sociais, e as tem
como corretas. Outrossim, a dificuldade em entender valores sociais diversos
aos próprios é praticamente intrínseco ao humano.
Desse modo, temos que a conduta social, como critério de
fixação da pena-base, tem por fundamento elementos não tipificados por lei,
atinentes unicamente aos costumes do acusado, o que não é constitucionalmente
admitido, tendo em vista que o Estado não pode regular a vida privada dos
cidadãos, somente tutelando-lhes a proteção dos bens jurídicos, sem qualquer
imposição ou reforço de uma determinada moral.
Personalidade do agente: Sempre existiram discussões quanto à formulação de um conceito de personalidade. Dentre as várias tendências, sobressai-se a que a concebe como um sincretismo de fatores biológicos e suprabiológicos, em proporções totalmente insuspeitas. Os fatores biológicos dizem respeito à herança genética recebida, que define a maneira como o indivíduo conduziria suas interações sociais, seu temperamento, sua afetividade. Já os fatores suprabiológicos correspondem às características adquiridas por meio de sua vivência social no meio em que habita.
Por
esse ângulo, a investigação da personalidade do agente responde à averiguação
de sua índole, seu perfil moral e psicológico, que determinam ou influenciam
seu comportamento social. Refere-se, assim, a um esquadrinhamento da
consciência do acusado, de seu íntimo.
Nucci
elenca algumas características que são aferidas quando da apreciação da
individualidade consciente, tais como: agressividade, preguiça, frieza
emocional, emotividade, passividade, maldade, bondade (NUCCI, 2006, p. 231).
Embasados
na legislação, na jurisprudência e na doutrina majoritária, defende-se a
fixação da pena-base do acusado de acordo com um juízo de censura sobre sua
personalidade. Entretanto, consiste em um critério falho na fundamentação de
seu uso, visto que nem psicólogos/psicanalistas/psiquiatras – profissionais
habilitados para esse fim – conseguem emitir um juízo satisfatoriamente seguro
quanto a esta circunstância, evidentemente não serão os juristas os capazes de
fazê-lo.
Não
obstante existisse o conhecimento técnico para a práxis, os recursos materiais
e humanos são parcos, o que impossibilita ao julgador a efetivação dessa
avaliação. Ademais, a insuficiência de contato pessoal entre o juiz e o réu
impede a construção adequada de qualquer parecer alusivo a aspectos pessoais do
acusado.
Gilberto
Ferreira (1995, p. 88) enumera
quatro justos motivos para o afastamento da análise da personalidade do agente
da competência judicial. In verbis, vejamos:
Primeiro,
porque ele não tem um preparo técnico em caráter institucional. As noções sobre
psicologia e psiquiatria as adquire como autodidata. Segundo, porque não dispõe
de tempo para se dedicar a tão profundo estudo. Como se sabe, o juiz brasileiro
vive assoberbado de trabalho. Terceiro, porque como não vige no processo penal
a identidade física, muitas vezes a sentença é dada sem ter o juiz qualquer
contato com o réu. Quarto, porque em razão das deficiências materiais do Poder
Judiciário e da polícia, o processo nunca vem suficientemente instruído de modo
a permitir uma rigorosa análise da personalidade". (FERREIRA, 1995, p. 88).
Além
disso, o distanciamento do julgador para com os fatos a se comprovar e com a
pessoa do acusado implica em uma tomada de decisão mais espinhosa, no que diz
respeito ao julgamento e à aplicação da pena. Consequentemente, esta restará
direta- mente influenciada por suas convicções morais e políticas pessoais e
pelos condicionamentos culturais e sociais exercidos sobre ele pelo ambiente
onde vive e pela classe a qual pertence. Ora, diante disso não se pode ainda falar
sobre um julgamento imparcial.
Tendo
por base o fato de que as regras de como se portar em sociedade são definidas
pelas classes que detém qualquer tipo de poder – político, cultural, econômico
-, tem-se que a moral que impera no meio social condiz com aquela dos grupos
dominantes, e que padrões de normalidade possuem variáveis como o tempo e o
lugar. Ainda se pode afirmar que, devido à mesma hierarquia sociocultural, os
magistrados geralmente advêm dos grupos que ditam as normas. Então, não poderia
ele julgar, imparcialmente e sem prévios juízos de valor, pessoas provenientes
de classes hipossuficientes ou com ideias diametralmente opostas as suas. É o
que se supõe.
A
questão é que certos comportamentos ou opiniões, quando não lesivos aos bens
jurídicos de outrem e não tipificados pela lei penal, não podem ser vistos em
detrimento do réu, mesmo que gere estranheza para aquele que julga. A aversão
ou a surpresa que outro padrão de comportamento cause naquele que o observe se
deve ao fato do choque entre culturas, o que não constitui crime algum.
Realmente,
dosar a pena é, em suma, reconhecer inúmeros subjetivismos. Contudo, existem
algumas esferas do ser humano que são impenetráveis, onde o direito não tem o
condão de interferir, tendo em vista não ser correspondente com nenhuma
importância da causa penal. Ferrajoli (2010, p. 448-449) corretamente observa
que:
A
pretensão kantiana de que o direito deveria castigar a “maldade humana” é,
certamente, o reflexo de uma incorreta confusão entre direito e moral, e abre
caminho a modelos anticognoscitivistas de inquisição e de punição referidos não
ao que se fez, senão ao que se é. E a tese de que a alma humana é inescrutável
não enuncia somente um limite às possibilidades de conhecimento e de prova, mas
representa uma garantia de imunidade do cidadão diante de investigações sobre
sua consciência tão incontroláveis como indiscretas.
Inconstitucionalidade da utilização da Conduta Social e da Personalidade do Agente Como Circunstâncias Judiciais Na Fixação da Pena-Base: Esse tema se arquiteta em uma abordagem crítica de dois critérios usados na fixação da pena-base. Em que pese a enorme importância da matéria, a doutrina penal, salvo raras exceções, tem negligenciado seu estudo; no que diz respeito aos órgãos encarregados de aplicar a legislação criminal, o mesmo acontece. Entretanto, algumas ponderações importantes precisam ser feitas.
Amparados
no artigo 59 do Código Penal, e em seu cumprimento, é prática corriqueira nos
tribunais a busca por conhecer os costumes, a profissão, as características
pessoais, as práticas sociais
e até mesmo a orientação sexual do acusado, sobretudo quando existem indícios
de mau comportamento quando do convívio social, ou de que tenha qualquer
característica em desacordo com os padrões em vigência.
Procedendo
dessa forma, o magistrado indiscutivelmente se afasta de suas limitações
legais, efetivando não somente uma pura análise dos fatos, mas também uma
apreciação e julgamento de traços íntimos do réu, de seus tumultos interiores,
bem como de conduta social, constituindo, por conseguinte, uma ofensa a
diversos dispositivos constitucionais e um retrocesso ao temido direito penal
do autor.
A
conduta social e a personalidade do agente, que são dois dos critérios
utilizados pelo ordenamento jurídico brasileiro como reitores para fixação da
pena-base, delineados no artigo 59 do Código Penal, evidenciam um anacronismo
jurídico, em virtude de remeterem ao já defasado positivismo jurídico,
afastando-se das conquistas do direito penal do ato e da garantia de uso da
culpabilidade do autor, permitindo, assim, uma punição pela manutenção do “eu”
e pela conduta de vida.
Ademais
o uso desses critérios, fomentam o substancialismo penal e o decisionismo
processual, contrariando o modelo hodiernamente abraçado, qual seja, o
cognitivismo processual.
Segundo
já esposado, percebe-se que, a maioria dos juízes em razão da realidade
brasileira, advém das classes privilegiadas, as mesmas que ditam as regras
sociais. Por conseguinte, uma considerável parcela da população, se for levada
a julgamento por algum desvio penal punível, será julgada por um magistrado que
tem padrões absolutamente diversos, e os tem como corretos, já que condizentes
com o que está preestabelecido socialmente.
Nesse
cenário, o julgador jamais poderia proferir um julgamento imparcial no tocante
à conduta social e a personalidade do agente, quando esses são totalmente
opostos ao seu. Jamais poderia ele alhear-se de seus valores e julgar outros
que, por se enquadrarem a outra realidade, lhe são avessos.
Baratta
nos ensina que pesquisas empíricas apontam para as temíveis “diferenças de
atitude emotiva e valorativa dos juízes, em face de indivíduos pertencentes a
diversas classes sociais”. Isso significa que os magistrados possuem, pelas
razões expostas, uma tendência inconsciente de proceder com juízos diversificados
segundo a posição social do réu (BARATTA, 2002, p. 177).
Consequentemente,
o que sempre se viu e até hoje se constata na práxis diária dos tribunais, são
pessoas sendo julgadas como portadoras de personalidades desviantes e
socialmente inadequadas só porque possuem costumes e ideais religiosos e
filosóficos distintos do socialmente aceito como apropriado. Realmente, boa
parte desses indivíduos faz parte dos grupos mais desfavorecidos, ou aqueles
que, independentemente de sua condição econômica, são historicamente
discriminados, como os negros, os homossexuais e as prostitutas, não tendo
prestígio social. Nessa senda, lembramos, mais uma vez, que:
As pessoas economicamente desfavorecidas, que, em consequência disso, não apresentam as exteriorizações dos valores hegemônicos, são percebidas como inimigos e despertam no agente aplicador do direito um mecanismo de rejeição que faz com que as regras de direito sejam a elas aplicadas com maior rigor, determinando um tratamento mais severo e violento (BARREIROS, 2006, p. 01).
Constata-se, sob esse ângulo, que a miséria e a desigualdade social são abordadas como fatores causadores do crime; as diferenças sociais e o antagonismo entre as classes geram, antes de tudo, um fenômeno negativo. Observa-se, porquanto, que o Estado revela a “preocupação dos nossos dias com a pureza do deleite pós-moderno” expressa “na tendência cada vez mais acentuada a incriminar seus problemas socialmente produtivos”. Ou seja, todas as disfunções advindas do nosso atual sistema econômico são vistas como problemas penais que necessitam ser neutralizados, no caso com uma pena que resultará, na pior hipótese, em perda da liberdade (BAUMAN, 1998, p. 25).
Ante essa conjuntura, o uso do exame da conduta social e da personalidade do agente, quando do julgamento, comumente deságua em um etiquetamento de indivíduos como criminosos, fundamentado não em fatos comprovadamente delituosos, mas em atitudes socialmente malvistas. Nota-se, pois, o infeliz uso do labelling approach, bem como a presença da seletividade penal em nosso sistema jurídico.
Não
obstante, ante os pressupostos do Estado Democrático de Direito, tem-se que os
órgãos jurídicos são impossibilitados de impor uma moral aos cidadãos. Nessa
trilha, o reconhecimento de que a pena pode ser majorada em razão da
personalidade desalinhada ou da conduta vista socialmente inapropriada do
acusado significa autorizar que Estado possua o poder de moldar a moral das
pessoas, conforme a estabelecida como adequada na sociedade, aniquilando o direito
à diferença. Realmente, é inaceitável, diante de um Estado
Democrático de Direito, um modelo jurídico que possui um:
Um
exercício de poder que priva da autoderminação, (...) que lhe impõe (...) sua
religião, seus valores, que destrói todas as relações comunitárias que lhe
pareçam disfuncionais, que considera seus habitantes como subumanos
necessitados de tutela e que justifica como empresa piedosa qualquer violência
genocida, com o argumento de que, ao final, redundará em benefício das próprias
vítimas (ZAFFARONI, 2001, p. 74-75).
Acontece
que ao Estado é atribuída a obrigação de exigir que seus membros humanos se
orientem pelas regras por ele legalmente emanadas. Contudo, nunca lhe será
autorizada a possibilidade de alterar os valores interiores dos cidadãos, como
também suas próprias compreensões de vida. Portanto, não se é permitido vedar
que os indivíduos sejam internamente ruins, tendo em vista que sobretudo se
conserva o direito de continuar sendo aquilo que é; o que se pode, e se deve, é
proibir que ofendam bens jurídicos alheios.
Essa
confusão entre o campo do direito e da moral promove uma associação entre
delito e pecado, entre antijuricidade e antissociabilidade. Tal prática
demonstra uma atribuição de valor externo às leis penais em vigência, além de
trazer à tona as teses jurídico-substancialistas, asseverando que o delito
também se edifica através de suas características intrínsecas, que mistificam o
direito penal vigente, reconhecendo-o de uma forma apriorística, conforme a
moralidade média (FERRAJOLI, 2010, p. 344).
Acrescente-se
que, mesmo que se hipoteticamente a conduta ou as opiniões do réu pudessem ser
inquiridas e comprovadas reprováveis, certos atributos não poderiam ser
considerados como fatores majorantes da pena, já que contrariam o direito penal
do ato, direcionando-se a um juízo de culpabilidade no autor, consoante os
ditames do positivismo, nefastamente enraizado no ordenamento jurídico pátrio.
Com
maestria, Zaffaroni assevera que: Para limitar a irracionalidade
da violência seletiva, a agência judicial deve pautar seu plano decisório na
exigência de requisitos objetivos. Para que esta exigência de dados objetivos
resulte minimamente racional, tais dados devem ser selecionados de acordo com
algum fundamento antropológico ou, pelo menos, não recusar uma base antropológica;
por isso, não deve tomar como dados limitadores ou reguladores outras coisas
que não seja uma conduta ou ação do criminalizado. Qualquer outro dado
resultaria contrário ao conceito de homem como pessoa e, por conseguinte,
claramente antijurídico (ZAFFARONI, 2002, p. 248-249).
Com
o intuito de facilitar a compreensão da problemática, idealize-se o exemplo do
mestre Túlio Vianna: “Dois indivíduos munidos de arma de
fogo resolvem roubar um banco em concurso de agentes. Ambos realizam as mesmas
condutas, rendem o caixa, apontam-lhe a arma, recolhem o dinheiro, dividem-no
em partes iguais e saem em fuga. Durante a instrução criminal as
testemunhas afirmam que o primeiro deles é ótimo pai de família, excelente
vizinho, bom empregado e que trabalha durante os finais de semana em entidades
beneficentes, tendo inclusive adotado cinco crianças de rua. O outro acusado,
porém, tem personalidade e conduta social oposta: bate na esposa, briga
constantemente com a vizinhança, chega bêbado no trabalho e há fortes comentários
de que trafique drogas. Não é difícil imaginar que o juiz fixará a pena do
primeiro no mínimo legal e aumentará a pena do segundo em cerca de um ano. Ao
proceder desta forma, o magistrado, na prática, estará condenando ambos pelo
roubo a banco e suplementarmente estará condenando o segundo a um ano de prisão
por bater na esposa, brigar constantemente com a vizinhança, chegar bêbado no
trabalho e supostamente traficar drogas (VIANNA, 2009).”
No
caso proposto, ao prolatar a pena do segundo condenado, o julgador feriria o
princípio constitucional da legalidade, visto que, a despeito de ser moralmente
incorreto, ter desentendimentos com os vizinhos e chegar alcoolizado no
trabalho não configuram nenhum crime, isto porque essas condutas não estão
penalmente tipificadas.
No
que tange ao fato de ser um marido violento, mesmo que seja uma conduta taxada
como delito pelo Código Penal, é indispensável que o devido processo legal lhe
seja garantido, assegurando-lhe o direito de que ninguém será privado de liberdade
sem uma acusação formal, na qual será respeitado o contraditório e a ampla
defesa. Quanto à suposição de tráfico de droga, esta resta em uma mera
acusação, a qual não passa disso até que, eventualmente, transmude-se em
sentença condenatória transitada em julgado. Nessa esteira, devido ao princípio
da presunção de inocência, indubitavelmente não poderá ser usada para majorar
pena em outro processo, sendo como conduta social, personalidade do agente ou
antecedente.
Sendo
assim, o acusado somente poderá ser condenado pelo fato que lhe foi formalmente
imputado, contra o qual terá o pleno direito de defesa e do contraditório. Não
lhe seriam concedidas essas garantias se sua pena fosse indevidamente majorada
tendo como fundamentos uma personalidade e/ou conduta socialmente vistas como
desajustadas, como também suposições de crimes cometidos, inexistindo uma
acusação formal e legal.
Percebe-se
que os critérios usados pelo juiz, quando da fixação da pena-base, extrapolam
os limites da reprovação da ação. O ato de criminalizar condutas e aspectos
pessoais do acusado – efeito de majorar a pena em virtude de condutas sociais e
personalidade – por serem desabonadas pelo meio social, quando não ofendam
nenhum bem jurídico alheio, podendo apenas ser objeto de apreciação moral,
denota uma manifesta afronta aos princípios constitucionais da legalidade, da
culpabilidade, da presunção de inocência, da lesividade e da amoralidade,
ultrajando o direito penal do ato e fragilizando a tão cobiçada segurança
jurídica. Assim, há uma supressão da liberdade pessoal e do direito à
diferença, impondo a todos a obrigação de dirigir sua conduta, íntima e
exterior, conforme a ordem social prevalecente, sob pena de ter sua sanção
penal majorada se por acaso praticar algum crime.
De
acordo com os dizeres de Bruno S. de Menezes, o que atualmente se almeja é
“punir o agente pelo que cometeu e não mais pelo que pensa ou que é, sob pena
de retornarmos ao medievo, quando pessoas eram queimadas porque divergiam em
pensamento de quem detinha o poder”. Assim, admitir que a pena-base seja fixada
ancorada em critérios como os em questão, constitui um inquestionável
retrocesso em termos de política criminal e garantias de direitos humanos
fundamentais (MENEZES, 2005, p. 81).
É
importante salientar que autorizar que a conduta social e a personalidade do
agente sejam consideradas como desfavoráveis, leva a compreensão de existência
de valores superiores, os adotados pela maior parte do corpo social,
constituindo um verdadeiro atentado contra a liberdade e a identidade dos
indivíduos sociais.
Outrossim,
os postulados do Estado Democrático de Direito asseveram que a sanção do desvio
punível não deve possuir conteúdos nem desígnios de cunho moral. Nessa linha,
frisa o autor o ensinamento de Ferrajoli (2010, p. 208):
A
sanção penal, da mesma forma, não deve possuir nem conteúdos nem finalidades
morais. Assim como a previsão legal e a aplicação judiciária da pena não devem
servir nem para sancionar nem para individualizar a imoralidade, também a sua
execução não deve tender à transformação moral do condenado. O Estado, além de
não ter o direito de obrigar os cidadãos a não serem ruins, podendo somente
impedir que se destruam entre si, não possui, igualmente, o direito de alterar
– reeducar, redimir, recuperar, ressocializar etc. – a personalidade dos réus.
O cidadão tem o dever de não cometer fatos delituosos e o direito
de ser internamente ruim e de permanecer aquilo que é.
Frente
a esse contexto, percebemos nitidamente a existência de uma diluição do
conceito de culpabilidade, visto que as normas penais dirigem suas amarras
diretamente ao autor do delito, perquirindo suas características pessoais. Isto
também porque a culpabilidade tem por norte a comissão ou omissão de um fato
penalmente típico, não condicionando, para seu reconhecimento, a personalidade
do acusado ou a maneira como se porta em seu meio social. Do esposado, deriva
pois, uma certificação de que há uma “subjetivação ética e voluntarista do
sistema, tanto penal quanto processual, já que a maldade subjetiva do réu não é
perceptível, senão mediante a intuição subjetiva do juiz” (FERRAJOLI, 2010, p.
455).
Além
disso, Bitencourt pondera que a apreciação de características como “o status
pessoal ou profissional do autor, sua condição particular, a função que exerce
na coletividade, que, aliás, não tem nenhuma relação com o fato delituoso”
desemboca em uma “orientação identificada com o mais autêntico
direito penal de autor. (...) Quer dizer, julga-se pelo que o indivíduo é e não
pelo que faz, como um verdadeiro “direito penal do inimigo”, que, de uma
forma discriminatória, distingue entre “cidadãos” e “inimigos”, tratando-se,
com efeito, da desconsideração de determinada “classe de cidadãos” como
portadores de direitos não iguais aos demais a partir de uma classificação que
se impõe desde as instâncias de controle formal, violando o sagrado princípio
da igualdade (BITENCOURT, 2009, p. 632-633).
Observa-se
que as instâncias formais de controle debruçam-se sobre o autor do delito, e
não sobre o delito que foi praticado. Assim sendo, a punição não é aplicada em
razão da execução do crime, mas sim por causa das características pessoais do
réu, suas qualidades, seus defeitos, sua personalidade, seu caráter.
Percebemos,
assim, uma posição dualista no que tange à culpabilidade. Duas espécies de
culpabilidade estão insertas no nosso atual ordenamento jurídico, quais sejam,
a do autor e a do ato. No entanto, não é possível referida combinação. Ou se
inflige uma pena em virtude do ato concreto perpetrado, ou pelo fato advindo de
uma conduta de vida. A combinação, e o uso, dos dois tipos de culpabilidade
significam uma legitimação do direito penal do autor, mas sob uma roupagem democrática
de direito penal do fato.
Desse
modo, deparar-se-á diante de uma ululante ofensa ao direito penal do fato,
estabelecido pelo nosso folheto constitucional, em detrimento do cruel direito
penal do autor. Evidente também é a agressão ao princípio normativo da
separação entre direito e moral, bem como aos princípios constitucionais
alusivos à legalidade, lesividade, amoralidade e laicicidade, presunção de
inocência, culpabilidade e devido processo legal.
Imperioso
se mostra, em um Estado Democrático de Direito, a conduta respeitosa perante a
autonomia do cidadão, que detém o direito constitucional de não sofrer uma
sanção penal por algo não tipificado em lei, assim como à liberdade de
expressão, opinião e pensamento, não incidindo sobre ele a obrigação de seguir
quaisquer regras de comportamento definidas como retilíneas pela cultura
dominante, em que pese se exima de praticar condutas legalmente consideradas
como ilícitas.
Por
fim, não obstante uma boa parte da doutrina não adotar o entendimento aqui explicitado,
alguns autores vanguardistas coadunam com o mesmo, como é o caso de Ney Moura
Teles (2011, capítulo 17, p. 9-11).
Dispõe
o art. 59 que o juiz analisará também a conduta do condenado em seu meio
social: se ele está ou não adaptado em seu ambiente social, vale dizer, se ele
é ou não bem aceito por seus concidadãos, seus semelhantes, seus iguais. [...]
Essa é outra circunstância que nada tem a ver com o fato criminoso praticado
pelo agente e que diz respeito exclusivamente a seu passado anterior ao crime e
à sentença. [...] a circunstância não deve ser levada em consideração no
momento da fixação da pena, pois que representaria o julgamento do homem pelo
que ele é, e não do homem pelo que ele fez. (...) Aqui, outra circunstância que
não tem relação direta com o fato praticado, a personalidade, característica
interna do homem, é incluída entre as circunstâncias judiciais. Deve o juiz, a
teor do art. 59, considerá-la no momento da fixação da pena base? (...) Ora, a
personalidade não é um conceito jurídico, mas do âmbito de outras ciências –
Psicologia, Psiquiatria, Antropologia – e deve ser entendida como um complexo
de características individuais próprias, adquiridas, que determinam ou
influenciam o comportamento do sujeito. Considerá-la no momento da fixação da
pena é considerar o homem, enquanto ser, e não o fato por ele praticado. (...)
O exame da personalidade, de outro lado, não pode ser feito a contento pelo
juiz, no âmbito restrito do processo penal, sem o concurso de especialistas –
psiquiatras, psicólogos etc. O magistrado não é formado e preparado para o
exame aprofundado de características psíquicas do homem, e permitir-lhe exame
apenas superficial, para um desiderato tão grave – perda da liberdade -, seria
de uma leviandade inaceitável num ordenamento jurídico democrático e sério.
Facultar ao juiz a consideração sobre a personalidade do condenado importa em
conceder ao julgador um poder quase divino, de invadir toda a alma do
indivíduo, para julgá-la e aplicar-lhe a pena pelo que ela é, não pelo que ele,
homem, fez.
Ademais,
alguns poucos magistrados, habilmente em suas fundamentações, evitam efetivar
juízos de valor sobre o que não tange à matéria estritamente jurídica, como
dispõe o Des. Aymoré Roque Pottes de Mello:
Deste modo, o simples fato de possuir processos em
andamento não é suficiente para negativar tal operadora. Ainda no ponto,
registro não há prova técnica que autorize juízo conclusivo (positivo ou
negativo) sobre a operativa da personalidade do réu. Neste sentido, transcrevo
a seguinte nota doutrinária: “(...) a personalidade, todavia, é mais complexa
do que essas simples manifestações de caráter ou de temperamento, não sendo
fácil determinar-lhe o conteúdo porque o trabalho exige conhecimento
técnico-científico de antropologia, psicologia, medicina e psiquiatria e, de
outro lado, aquele que se dispõe realizá-lo tendo a racionar com base nos
próprios atributos de personalidade, que elege, não raro como paradigma. Urge
revisarmos, portanto, a idéia de que os problemas relacionados à personalidade
são fontes de maior periculosidade, como delineada pelo legislador na redação
original do nosso Código, nesse ponto coerente, aliás, com as disposições que
ensejavam imposição cumulativa de pena e de medida de segurança.” (BRASIL,
Apelação Criminal nº 70014876551, 2006).
Quanto
à conduta social e à personalidade do agente, conclui-se, pois, serem
inaceitáveis como fatores determinantes para a fixação da pena-base, em virtude
de sua discordância com princípios consagrados constitucionalmente e com os
pilares do Estado Democrático de Direito.
Tendo
em vista que o Código Penal constitui uma lei infraconstitucional, suas normas
devem estar em perfeito acordo com os preceitos da Carta Magna; caso isso não
aconteça, deverão ser declaradas inconstitucionais e extirpadas do nosso
ordenamento jurídico. Sendo assim, propõe-se a exclusão desses critérios do
âmbito jurídico, evitando a devastação dos benefícios do Estado Democrático de
Direito e do modelo penal garantista, que lhe é correlativo.
Enfim, o fato de majorar penas, quando da prática de um crime, em razão da análise da conduta social e da personalidade do agente apresenta uma incompatibilidade com fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Aumentar a pena tendo por base a conduta social do acusado pressupõe a análise de condutas que não foram previamente tipificadas pela lei, ofendendo claramente, entre outros, o princípio constitucional da legalidade, que preceitua que nenhuma pessoa será obrigada a fazer ou deixar de fazer alguma coisa que não esteja prevista em lei. Assim, qualquer majoração de pena, tendo esse critério como embasamento, equipara-se a uma imposição de pena sem anterior cominação legal, correspondendo, ainda, a uma condenação sumária e inquisitorial por fatos muitas vezes atípicos.
O que ocorre comumente, todavia, é a majoração da pena baseada em condutas vistas como antissociais pelo juiz, embora sejam atípicas para o nosso ordenamento jurídico, configurando evidente ultraje a diversos princípios inseridos em nossa Carta Magna.
Também se mostra possível a majoração da pena por meio do exame da personalidade do agente, o que implica uma apreciação e uma valoração não de sua conduta criminosa, mas sim de sua individualidade. O que representa uma eventual periculosidade social. Isso deságua em uma pena mais grave àquela pessoa que possui uma personalidade reprovada pela coletividade, mesmo que não venha a lesar bem jurídico alheio, mas que afronte apenas a moral socialmente imposta.
Desse modo, percebemos que os critérios usados pelo julgador, quando da fixação da pena-base, excedem os limites da reprovação da ação em si mesma. Criminalizar condutas e aspectos pessoais do réu, em virtude de não se coadunarem com o que as classes sociais dominantes ditaram como corretas, a despeito de não lesarem bem jurídico alheio, podendo somente ser objeto de apreciação moral, denota uma cristalina ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, da culpabilidade, da presunção de inocência, da lesividade e da amoralidade, derivando em injuriar o direito penal do ato e em fragilizar a tão cobiçada segurança jurídica.
Notamos, ademais, uma subjetivação ética e voluntarista do sistema penal, tendo em vista que a maldade subjetiva do acusado somente é percebível através da subjetiva percepção do magistrado, evidenciando uma grave afronta às garantias individuais do cidadão, as quais prescrevem que ninguém será penalizado pelo que é, mas pelos atos que comete.
Contudo, segundo os preceitos do direito penal vigente, o Estado deve se mostrar respeitoso quanto à autonomia do cidadão, não o constrangendo a seguir condutas e pensamentos socialmente cominados como aceitáveis. Em outras palavras, deve-se conservar a liberdade individual de pensamento, crença, expressão, opinião e de modo de vida, desde que estes não lesem bens alheios juridicamente protegidos.
Nessa
senda, visualizamos nitidamente, apesar de termos abraçado o direito penal do
ato (aquele que inflige a pena em virtude da conduta praticada), os resquícios
da influência do direito penal do autor em nosso Código Penal. Entretanto, as
exigências de certeza e segurança jurídicas, próprias de um Estado Democrático
de Direito, são inconciliáveis com o direito penal do autor, peculiar a um
Estado totalitário e antigarantista.
Outrossim, é clara a presença da seletividade penal, da diferenciação punitiva, da teoria do Labelling Approach, do substancialismo penal e do decisionismo processual em nosso ordenamento jurídico atual. Demonstrando que, desde os primórdios até os dias hodiernos, o sistema criminal nacional é programado para a produção de vitimização e exclusão, com a consequente desqualificação jurídica de indivíduos, classes, grupos e segmentos sociais.
Desse modo, imperioso se mostra reconhecer a inconstitucionalidade das circunstâncias judiciais de personalidade do agente e sua conduta social para fixação da pena-base, já que afronta diretamente princípios consagrados na Constituição Cidadã, além de nos reportar ao direito penal do autor e ao positivismo, em uma clara ofensa aos pilares norteadores do direito penal e essenciais a um Estado Democrático de Direito.
Em razão de todo o esposado, conclui-se, pois, que a conduta social e a personalidade do agente são inaceitáveis como fatores determinantes para a fixação da pena-base. Sendo assim, e tendo em vista que o Código Penal é uma lei infraconstitucional, mostra-se demasiadamente necessário uma redução do conteúdo do artigo 59 do diploma penal, eliminando a conduta social e personalidade do agente como circunstâncias judiciais quando da fixação da pena. (Rodolfo Ferreira Lavor Rodrigues da Cruz, em artigo muito especial, intitulado “A conduta social e a personalidade do agente (artigo 59 do Código Penal) sob a ótica da Constituição Federal), publicado em conteúdojuridico.com.br, em 12 de julho de 2016, acessado em 10/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Em seu parecer, Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 59 do Código Penal, trata sobre “A dosimetria da pena” publicado no site Direito.com., e diversamente da completa aula vívida acima, atem-se o autor ao tema, vivenciado tipo: “pé no chão”, ou “A vida como ela é”:
Culpabilidade: para o efeito do montante da pena, é a medida, o grau de reprovabilidade, a intensidade do dolo da conduta do agente. Verifico que, in casu, a ação delituosa ultrapassa a censurabilidade inserida no próprio tipo penal, tendo em vista a frieza e a premeditação na execução do crime, considerando-se que ele se reuniu com terceira pessoa para, com o firme proposito de matar a vítima, atraí-la até determinado local, para o fim de executarem, juntos, o seu intento criminoso, pelo que mantenho a desfavorabilidade de tal circunstância.
A pena é imposta e condicionada à culpabilidade do agente do fato, sendo no Direito Penal é o limitador da responsabilização criminal. Na dosimetria da pena-base é levada em efeito a graduação e intensidade do dolo, comportamento do agente e antecedentes. O interregno do mínimo legal e máximo é também de aplicabilidade, observando as circunstâncias do delito e censurabilidade social na conduta do acusado.
Sob o primeiro prisma é a verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade base fundamental para o julgador auferir se houve ou não prática delitiva e suas circunstâncias.
Secundando, deve o julgador observar os antecedentes bons e maus do agente sua vida pregressa e seu comportamento em seu meio social. Exemplificando o agente tem vários processos criminais e não trabalho e não dá assistência à família e violento com esposa. Outro agente não tem antecedentes, emprego fixo, participa de ONG e excelente pai e esposo. Nesses dois exemplos o primeiro tem pena majorada e o segundo diminuída diante do comportamento de ambos.
A pena poderá ser diminuída em face da ocorrência do normatizado no parágrafo único do artigo 26 CP em um a dois terços em virtude de perturbação mental incompleto ou retardo incapaz de entender o caráter ilícito.
Todo crime é reprovabilidade social. Mas as motivações é um fator julgador, sopesa na fixação da pena a personalidade do réu qualidades morais e deve-se incluir periculosidade eventual probabilidade de voltar a delinquir.
Súmula 718: A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.
“Na condenação à pena privativa” de liberdade, além da fixação de sua quantidade, o julgador deverá estabelecer o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade (aberto, semiaberto ou fechado), o que, apesar de pouco destacado pela doutrina, efetivamente consiste numa individualização de pena de cunho executório, componente da atividade jurisdicional cominatória de sanção.
Sobre esse aspecto, são inúmeros os desafios postos pelo cotidiano forense brasileiro. São por demais comuns casos em que aos condenados é imposto regime mais severo que a situação concreta demandaria. (Código Penal comentado, Luciano Anderson de Souza et al, p. 199).
A sentença deverá estabelecer o regime inicial que o condenado iniciará o cumprimento da pena observando o enunciado no artigo 33 do Código Penal. O artigo 110 da Lei de Execução Penal atribui o juiz esse encargo. É o art. 111 – “Quando houver condenação por mais um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observadas, quando for o caso, a detração ou remição” e no parágrafo único: “Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena o restante da que sendo cumprida, para determinação do regime”. (Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 59 do Código Penal, trata sobre “Da dosimetria da pena” publicado no site Direito.com, acessado em 10/12/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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