MANUAL
DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES
PRELIMINARES – PRINCÍPIOS QUE REGEM O PROCESSO PENAL – PRINCÍPIO DA VERDADE
REAL – PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ – PRINCÍPIO DA IGUALDADE DAS PARTES
– PRINCÍPIO DA PARIDADE DE ARMAS - VARGAS DIGITADOR
O Processo Penal é regido
por uma série de princípios e regras que outra coisa não representa senão
postulados fundamentais da política processual penal de um Estado. Quanto mais
democrático for o regime, o processo penal mais se apresenta como um notável
instrumento, a serviço da liberdade individual. Sendo o processo penal, como já
se disse, uma expressão de cultura, de civilização, e que reflete determinado
momento político, evidente que os seus princípios oscilam à medida que os
regimes políticos se alteram. Num Estado totalitário, consideram-se as razões
do Estado. Em um democrático, como bem o disse Bettiol, aqui já citado, a
liberdade individual, como expressão de um valor absoluto, deve ser tida como
inviolável pela Constituição (Instituições
de direito penal e processo penal, trad. Manuel da Costa Andrade, Coimbra,
Coimbra, Ed., 1974, p. 251). Tanto é assim que da data da promulgação do nosso
Código de Processo Penal, início de 1942, quando vivíamos sob a égide de um
arremedo de Constituição, até hoje, houve várias mudanças no nosso Processo
Penal, sempre procurando, de maneira capenga, mas sempre procurando, buscar a
tutela dos direitos e interesses do acusado, amparando-lhe e salvaguardando-lhe
as legítimas expectativas. Causaria espanto em 1942 afirmar que a única prisão
provisória que se justifica é a preventiva e, assim mesmo, para preservar a
instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal.
Princípio
da verdade real
A função punitiva do Estado
deve ser dirigida àquele que, realmente, tenha cometido uma infração; portanto
o Processo Penal deve tender à averiguação e descobrimento da verdade real, da
verdade material, como fundamento da sentença. No campo extrapenal, porque de
regra estão em jogo interesses disponíveis, as partes podem, usando dos seus
poderes dispositivos, transacionar, transigir, submeter-se à vontade da parte ex adversa, tornando impossível a
restauração real dos fatos. Note-se que os fatos incontroversos não podem ser
objeto de prova, na dicção do art. 334 do CPC. No Processo Penal, o fenômeno é
inverso, como se constata pelos arts. 209 e 156, segunda parte, dentre outros,
pouco importando se é controvertido ou não o fato. Excepcionalmente, o Juiz
penal se curva à verdade formal, não dispondo de meios para assegurar o império
da verdade. Vejam-se, a propósito, a impossibilidade de revisão pro societate, as hipóteses que admitem
a transação segundo a Lei n. 9.099/95 e as várias restrições impostas à prova,
como as previstas nos arts. 155, 206 e 207 do CPP. Por outro lado, quando se
fala em verdade real, não se tem a presunção de se chegar à verdade verdadeira,
como se costuma dizer, ou, se quiserem, a verdade na sua essência – esta é
acessível apenas à Suma Potestade -, mas tão-somente salientar que o
ordenamento confere ao Juiz penal, mais que ao Juiz não penal, poderes para
coletar dados que lhe possibilitem, numa análise histórico-crítica, na medida do possível, restaurar aquele
acontecimento pretérito que é o crime investigado. É certo, ademais, que, mesmo
na justiça penal, a procura e o encontro da verdade real se fazem com as
naturais reservas oriundas da limitação e falibilidade humanas, e, por isso,
melhor seria falar de “verdade processual” ou “verdade forense”, até porque,
por mais que o Juiz procure fazer a reconstrução histórica do fato objeto do
processo, muitas e muitas vezes o material de que ele se vale (ah! as testemunhas...)
poderá conduzi-lo a uma “falsa verdade real”, e por isso mesmo Ada P. Grinover
já anotava que “verdade e certeza são conceitos absolutos, dificilmente
atingíveis, no processo ou fora dele” (A iniciativa instrutória do juiz no
processo penal acusatório, RF, 347/6).
Princípio
da imparcialidade do Juiz
Não se pode admitir Juiz
parcial. Se o Estado chamou a si a tarefa de dar a cada um o que é seu, essa
missão não seria cumprida se, no processo, não houvesse imparcialidade do Juiz.
Mas a imparcialidade exige,
antes de mais nada, independência. Nenhum Juiz poderia ser efetivamente imparcial
se não estivesse livre de coações, de influências constrangedoras, enfim, de
ameaças que pudessem fazê-lo temer a perda do cargo. Daí as garantias
conferidas à Magistratura pela Lei Maior: vitaliciedade, inamovibilidade e
irredutibilidade de vencimentos, por outro lado, se houver motivo que,
eventualmente, possa afetar-lhe a imparcialidade, qualquer das partes pode
excepcionar-lhe o impedimento, incompatibilidade ou suspeição, nos termos dos
arts. 252, 254 e 112, todos do CPP, se ele próprio não se antecipou,
abstendo-se de atuar no feito.
Princípio
da igualdade das partes
No processo, as partes,
embora figurem em polos opostos, situam-se no mesmo plano, com iguais direitos,
ônus, obrigações e faculdades. É uma consequência lógica da estrutura do nosso
Processo Penal, que é acusatório. Se a pedra de toque do processo acusatório é
a separação das funções de acusar, defender e julgar, pelo menos sob esse
ângulo não se pode negar o caráter acusatório do nosso Processo Penal. Certo que
não é um processo acusatório puro, ortodoxo, do contrário muitas atividades próprias
das partes não seriam conferidas ao Juiz. Sem embargo, é acusatório. E tanto o
é que a Constituição guindou a acusação e a defesa à categoria de funções
essenciais à administração da Justiça (arts 127 e 133). Sendo acusatório, deve
haver uma igualdade entre as partes. Sem essa igualdade de condições, não
haveria equilíbrio entre elas, e a ausência de equilíbrio implicaria negação da
Justiça. E o legislador procurou manter esse equilíbrio diante do Juiz. Note-se,
por exemplo, que o réu não pode defender-se a si mesmo, salvo se tiver
habilitação técnica. É como soa o art. 263 do CPP. Se fosse possível a defesa a
cargo de pessoa sem habilitação, defesa e acusação ficariam desniveladas, e a
contraposição ou possibilidade dialética entre as partes tornar-se-ia
impossível. O princípio da igualdade ficaria em desnível, porque um órgão técnico,
o represente do Ministério Público, faria uma oposição ao réu, em desigualdade
de condições em face da sua falta de conhecimento jurídico. Às partes
processuais, representado interesses opostos (Acusação e Defesa), deve ser
assegurada absoluta paridade, pois do contrário não seria possível uma genuína
e sã contraposição entre elas. Não seria possível (num reforço de linguagem...)
uma contraposição dialética. Diz Couture que esse princípio da igualdade nada
mais é que o princípio de que todos são iguais perante a lei levado ao processo
(Fundamentos del derecho procesal civil, Buenos
Aires, Depal, 1972, p. 183), ou como diz Clariá Olmedo: “a norma constitucional
segundo a qual todos são iguais perante a lei traduz-se, em juízo, como a
igualdade das partes” (Tratado del
derecho procesal penal, Buenos Aires, Depalma, 1989, v.1. p. 83).
Princípio
da paridade de armas
Para que haja essa igualdade
é indispensável disponham as partes das mesmas armas. É o princípio da par conditio. Os direitos e poderes que
se conferem à Acusação não podem ser negados à Defesa, e vice-versa. Certo que
às vezes concede-se um pouco mais à Defesa. É a hipótese do protesto por novo
Júri, dos embargos infringentes e da revisão criminal, exclusivos da Defesa. Por
outro lado, na fase pré-processual, na fase do inquérito, a desigualdade entre
o que o titular do direito de punir pode fazer e o que resta ao investigado é
marcante. Este não goza dos mesmos direitos e não detém os mesmos poderes
reservados ao Estado-Administração, representado pela Polícia. Nem dispõe de
instrumentos para a este se nivelar. O único direito que lhe é reservado cinge-se
à defesa da sua integridade física e da sua liberdade ambulatória. Não pode ser
submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (pelo menos é o que
diz a nossa Carga Magna...). não pode, também, sofrer constrangimento ilegal em
sua liberdade de locomoção. Só.
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