MANUAL
DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo
2- TIPOS DE PROCESSO PENAL – DIREITO PÁTRIO - VARGAS DIGITADOR
Levando em conta os
princípios que o informam, o Processo Penal pode ser acusatório, inquisitivo e misto.
No processo acusatório são traços profundamente marcantes: a) o contraditório, como garantia
politicojurídica do cidadão; b) as
partes acusadora e acusada, em decorrência do contraditório, encontram-se no
mesmo pé de igualdade; c) o processo
é público, fiscalizável pelo olho do povo (excepcionalmente se permite uma
publicidade restrita ou especial); d)
as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas distintas, e,
logicamente, não é dado ao Juiz iniciar o processo sem provocação da parte (ne procedat judex ex officio - o Juiz não pode dar início ao processo por sua
própria vontade); e) o proce3sso pode
ser oral ou escrito; f) existe, em
decorrência do contraditório, igualdade de direitos e obrigações entre as
partes, pois “non debet licere actori, quod reo non permititur” (não deve ser
lícito ao autor o que não permitido ao réu); g) a iniciativa do processo cabe à parte acusadora, que poderá Sr o
ofendido ou seu representante legal, qualquer cidadão do povo ou órgão do
Estado. Presentemente, a função acusadora, em geral, cabe ao Ministério
Público, mas o fato de a acusação ser conferida, também, ao ofendido, nos casos
previstos em lei, ou a qualquer do povo, como na hipótese de impeachment, não desnatura o processo
acusatório. Seus princípios imanentes continuam íntegros: publicidade,
contraditório e, finalmente, acusação e jurisdição a cargo de pessoas
distintas, “pues, la piedra de toque del sistema acusatorio es siempre la
separación de acusador y juzgador” (cf. Garcia Velasco, Curso de derecho procesal penal, Ed. Universidad de Madrid, 1969,
p. 8).
Nada obsta que o particular
acuse. Mas o ideal é atribuir a função persecutória ao Ministério Público, como
personificação da lei e representante da sociedade, permitindo-se
excepcionalmente possa tal função ser exercida pelo ofendido (ação penal
privada). Entre nós, também excepcionalmente, permite-se a qualquer do povo “denunciar”
o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade,
os Ministros de Estado e os comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, nos
crimes da mesma natureza conexos com os daqueles, bem como os Ministros do STF,
o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União. Nesses casos, o
processo e julgamento competem ao Senado Federal. Há outras hipóteses previstas
no art. 10 da Lei n. 1.079/50, introduzidas pela Lei n. 10.028/2000, que
possibilitam a qualquer do povo ou ao Ministério Público ofertar denúncia em
relação a outras pessoas perante o STF, o STJ, os TRFs, os três ou mesmo
perante os Tribunais de Justiça (arts. 41 e 41-A da Lei n. 1.079/50).
O processo de tipo
inquisitório é a antítese do acusatório. Não há o contraditório, e por isso
mesmo inexistem as regras da igualdade e liberdade processuais. As funções de
acusar, defender e julgar encontraram-se enfeixadas numa só pessoa: o Juiz. É
ele quem inicia, de ofício, o processo, quem recolhe as provas e, afinal,
profere a decisão, podendo, no curso do processo, submeter o acusado a
torturas, a fim de obter a rainha das provas: a confissão. O processo é secreto
e escrito. Nenhuma garantia se confere ao acusado. Este aparece em uma situação
de tal subordinação que se transfigura e se transmuda em objeto do processo e
não em sujeito de direito.
O processo inquisitivo despontou em Roma, quando já se permitia ao
Juiz iniciar o processo de ofício,e, ao atingir a Idade Média, por influência
da Igreja, o processo per inquisitionem passou
a dominar toda ou quase toda a Europa Continental, a partir do Concílio
Lateranense, de 1215. Foi introduzido, na verdade, pelo Direito Canônico, mas,
em seguida, viram os soberanos, nesse tipo de processo, uma arma poderosa, e
por isso espalhou-se entre os Tribunais seculares.
Finalmente o processo de tipo misto. Desenvolve-se em
três partes a) investigação preliminar,
a cargo da Polícia Judiciária, sob a orientação do Ministério Público; b) instrução preparatória, a cargo do
Juiz Instrutor; e c) fase do julgamento.
Das duas primeiras não participa a Defesa. Na fase do julgamento, o processo se
desenvolve contradictoirement.
Direito
pátrio
No Direito pátrio, o sistema
adotado é o acusatório. Não o processo acusatório puro, mas o acusatório não
ortodoxo. Tanto é verdade que o Juiz pode requisitar abertura de inquérito,
decretar de ofício prisão preventiva, conceder habeas corpus de ofício, determinar a realização da prova que bem
quiser e entender etc. a acusação, nos crimes de ação pública, está a cargo do
Ministério Público. Excepcionalmente, nos delitos de ação privada, comete-se à
própria vítima o jus persequendi in
judicio – direito de perseguir (acusar) em juízo. Pode também a vítima, nos
crimes de ação pública, exercer a acusação, se, porventura, o órgão do
Ministério Público não intentar a ação penal no prazo previsto em lei.
O processo é eminentemente
contraditório. Não temos a figura do Juiz instrutor. A fase processual
propriamente dita é precedida de uma fase preparatória, em que a Autoridade
Policial procede a uma investigação não contraditória colhendo as primeiras
informações a respeito do fato infringente da norma e da respectiva autoria. Com
base nessa investigação preparatória, o acusador, seja o órgão do Ministério
Público, seja a vítima, instaura o processo por meio da denúncia ou queixa. Já agora,
em juízo, nascida a relação processual, o processo torna-se eminentemente
contraditório, público e escrito (sendo que alguns atos são praticados
oralmente, tais como debates em audiências ou sessão). O ônus da prova incumbe
às partes, mas o Juiz não é um espectador inerte na sua produção, podendo, a
qualquer instante, determinar, de ofício, quaisquer diligências para dirimir
dúvida sobre ponto relevante.
Permite-se às partes uma
gama de recursos, e, tutelando ainda mais o direito de liberdade, concedem-se à
defesa recursos que lhe são exclusivos, como o protesto por novo Júri e os
embargos infringentes e de nulidade. Não adotamos a revisão pro societate. Só o réu é que pode
promovê-la.
Nas infrações penais de
menor potencial ofensivo, assim consideradas todas as contravenções e os crimes
apenados até o máximo de um ano, dês que não sujeitos a procedimentos especiais
(ressalvadas as condutas tipificadas nos arts. 303, 306 e 308 do Código de
Trânsito Brasileiro, que, embora apenadas com 2 ou 3 anos no seu grau máximo,
são também consideradas de menor potencial ofensivo por força do parágrafo
único do art. 291 do citado diploma), será possível a transação, sob os olhos do Juiz, entre o Acusador e o autor do
fato, sujeitando-se este a uma multa ou pena restritiva de direito, sem gerar
reincidência.
Hoje, em face da nova
redação dada ao art. 61 da Lei n. 9.099/95 pela Lei n. 11.313, de 28-6-2006,
são infrações de menor potencial ofensivo todas as contravenções e os crimes
cuja pena máxima não exceda a 2 anos, sujeitos ou não a procedimento especial,
ressalvados os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher,
conforme o art. 41 da Lei n. 11.340, de 7-8-2006.
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