MANDADO DE SEGURANÇA
(EXIGÊNCIA DE
APROVAÇÃO EM EXAME DE
ORDEM) -
DA ADVOCACIA CIVIL,
TRABALHISTA
E CRIMINAL –VARGAS DIGITADOR
Vistos
etc.
RELATÓRIO
O
impetrante devidamente qualificado na exordial, requer segurança preventiva,
com pedido de liminar, afirmando a inconstitucionalidade da exigência de prévia
aprovação no exame da Ordem para o exercício legal da profissão de advogado, de
acordo com o previsto no artigo 8º, IV, da Lei n. 8.906/94.
Afirma
ter ingressado no curso de direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina
no ano de 1995, tendo colado grau em 02/12/99.
Alega
que o reconhecimento da profissão de advogado se exaure na simples colação de
grau, conferida exclusivamente pela universidade, pelo seu poder delegado de
habilitar e qualificar seus bacharéis, sendo que, com a exigência do exame de
ordem, a OAB invade a competência das universidades, nos termos do artigo 207
da Constituição Federal.
Salienta
a afronta do art. 8º, inciso IV, da Lei n. 8.906/94, aos princípios
constitucionais da dignidade humana, da igualdade, do direito ao trabalho e do
direito à vida.
Argumenta
ainda que a inserção em setores profissionais é, de ordinário, incondicionado,
ou seja, recebendo o diploma, o bacharel encontra-se apto para o exercício da
profissão, pelo que a exigência de exame prévio a fim de que se exerça a
profissão desiguala os bacharéis em direito dos demais bacharéis.
Requereu
notificada a concessão da segurança liminar, a fim de ser inscrito nos quadros
da OAB/SC, e ao final, a segurança definitiva.
A
liminar foi indeferida (fls. 70/74)
Devidamente
notificada, a autoridade coatora manifestou-se no decêndio alegando,
preliminarmente, a impossibilidade da impetração de mandado de segurança contra
Lei em tese e a decadência do direito, uma vez que o ajuizamento da ação
extrapolou o prazo de 120 dias a contar da vigência da Lei atacada.
No
mérito, afirma a legalidade do Exame de Ordem, uma vez que está em conformidade
com o disposto no art. 5º, XIII da Constituição Federal e com o art. 44, II da
Lei nº 8.906/94.
Ministério
Público Federal manifestou-se pela denegação da segurança (fls. 89/90)
Fundamentação
1
– Das preliminares
Registro,
em primeiro grau, que, bacharel em direito o impetrante (fls. 29), a exigência
de exame para o exercício da profissão de advogado tem o condão de tornar a lei
de efeito concreto em relação ao impetrante, pelo que inexiste o óbice posto
pela súmula 266 do STF.
Quanto
à alegação de decadência, não assiste razão à autoridade coatora uma vez que se
renova, cada exame de ordem, o direito de contestar a aplicação do artigo 8º da
Lei 8.906/94.
2
– Do mérito
a – Competência da
Ordem dos Advogados do Brasil. Exame de Ordem. Poder de Polícia
Trata-se
de mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, que objetiva a
inscrição do impetrante nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil,
independente de aprovação no exame da respectiva autarquia, pretendendo seja
declarada a inconstitucionalidade do art. 8º, IV, da Lei 8.906/94.
O
Exame da Ordem, segundo Gisela Goldin
Ramos: “Foi instituído pela Lei nº 8.906, de 04.07.94, com l louvável objetivo
de selecionar, pela aferição de conhecimentos jurídicos básicos, os bacharéis
aptos ao exercício da advocacia, evitando assim os inúmeros e tão conhecidos
transtornos causados por profissionais sem o necessário preparo técnico,
maiores responsáveis pela equivocada visão da sociedade a respeito do nobre
exercício da advocacia.” (Estatuto da advocacia, comentários e jurisprudência,
p. 151).
A
função do advogado foi alçada ao status de indispensável à administração da
justiça, motivo pelo qual os profissionais que pretendem dedicar-se à advocacia
foram contemplados com atenção proporcional ao status constitucional
conquistado.
Do
ponto de vista do direito administrativo, é preciso distinguir a competência
constitucional em habilitar e qualificar e a de controlar o exercício da
profissão de advogado, enfim, proceder ao exercício do poder de polícia.
Não
há dúvida que apenas a universidade habilita o profissional em direito. Veja-se
que não são os profissionais sujeitos à habilitação em nível superior, sendo
inúmeras, além de desejáveis as profissões cuja formação não estão a exigir
habilitação e qualificação em universidade, bastando aqui recordar os inúmeros
cursos técnicos, pelo que se conclui: a habilitação e qualificação profissional
não é exclusiva da universidade.
De
outro lado, quanto aos bacharéis em direito e advogados, apenas a Ordem dos
Advogados do Brasil os fiscaliza.
Exercer
o poder de polícia significa condicionar ou restringir o uso ou gozo dos bens e
direitos individuais em favor da coletividade, o que se positivou no art. 78 do
CTN, segundo o qual: “Art. 78.
Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando
ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou
abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à
higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao
exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do
Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos
direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular o
exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos
limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de
atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”
Qualquer
exigência da Ordem dos Advogados do Brasil em relação à inscrição do advogado
só pode realizar-se ao argumento do regular exercício do poder de polícia, uma
vez que a autarquia goza apenas desta competência constitucional.
Certo
que ao utilizar-se do poder de polícia, o poder público encontra limites, ponto
a que deram especial atenção Caio Tácito e Álvaro Lazzarini (RDA 27/1 Caio
Tácito e RT 721/339 Lazzarini), podendo-se citar, resumidamente, que o poder de
polícia terá que respeitar a vinculação estrita ao fim público, legalidade,
competência, proporcionalidade, razoabilidade, direitos constitucionais
fundamentais. É preciso ainda que o ato de polícia, face à gravidade de que se
reveste, seja necessário (ante ameaças
reais) e seja eficaz (adequação da medida).
O
que ocorre no presente caso é que, face à importância da profissão de advogado,
previu a lei a necessidade de um controle prévio dos profissionais que irão
ingressar no mercado de trabalho, não
como forma de habilitá-los ao exercício da função, mas sim de proteger a
sociedade por meio do mecanismo depurador, prévio ao exercício da atividade, e
não póstumo a esse mesmo exercício.
Muito
se poderá questionar sobre o método, o que não cabe é confundi-lo com a
qualificação e habilitação do bacharel.
Trata-se,
o exame de ordem, de mecanismo de restrição de direitos e liberdades, em favor
da coletividade, razões eleitas pelo legislador no art. 8º, IV, da Lei
8.906/94, e realizada previamente ao início mesmo da profissão, poder de
polícia, portanto.
Se
a Lei 8.906/94 estabelece a possibilidade de impedir o exercício da profissão
de advogado pela aplicação de sanções como suspensão e cassação, resultando de
processo administrativo que apure infrações, nada impede que a Lei autorize o
exercício de poder de polícia previamente ao exercício da profissão, utilizando
exame de aprovação, pelo que, no máximo, poder-se-ia discutir a
proporcionalidade ou razoabilidade da exigência prévia, coisa que não encontra
espaço na presente liminar.
É
lição corrente na administração que o poder de polícia encontra seu mais nobre
espaço de atuação na atividade de prevenção, não sendo exagero dizer-se que o
poder de polícia é preventivo mesmo, exercido pela fiscalização, que deve ser
sobretudo propedêutica evitando a aplicação de sanções maiores ou mais graves,
pelo que pode-se dizer, neste exercício jurídico, não haver, à primeira vista,
inconstitucionalidade no art. 8º, IV, da Lei 8.906/94.
b – Constitucionalidade
do Exame de Ordem, Princípios constitucionais. Isonomia. Livre exercício de
atividade ou profissão
Analisando
os argumentos do impetrante sobre a inconstitucionalidade do Exame da Ordem,
detêm-se no art. 5º, XIII, da CF/88:
“XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”
O
princípio do livre exercício profissional há de ser lido em harmonia com o art.
22, XVI, da Constituição, que estabelece ser competência privativa da União
legislar sobre “condições para o exercício de profissões”.
Quanto
aos princípios constitucionais, nada há que os afronte. É livre o exercício das
profissões, desde que atendidas as condições
exigidas em lei.
A
Lei pode exigir requisitos para exercício de determinada profissão sob os mais
diversos argumentos, tais como qualificação, idade, sexo, estatura, e também,
sob o argumento do poder de fiscalização (ou de polícia) do Estado.
Assim,
o que o Estatuto da Advocacia impõe é a aprovação em prova seletiva como meio
de prevenir a sociedade dos prejuízos possíveis pela atuação de profissionais
sem a qualificação exigida, logo, a lei impôs condição constitucional.
Constitucional
também porque atende ao principio da isonomia, na medida que submete todos os
bacharéis em direito ao mesmo procedimento de seleção. Não se pode considerar
todos os bacharéis na mesma condição de igualdade, uma vez que há profissões
que não exigem o bacharelato, bem como outras que estão a exigir requisitos
diversos dos exigidos para a profissão de advogado, como a residência médica.
Coleciona-se,
por oportuno, os seguintes precedentes:
“CONSTITUCIONAL.
EXAME DE ORDEM. EXIGIBILIDADE. REQUISITO FUNDAMENTAL PARA O EXERCÍCIO DA
ADVOCACIA. 1. A Constituição federal não impede a regulamentação por lei
infraconstitucional do exercício de determinadas profissões, exigindo certas
qualificações para o seu exercício. O Exame de Ordem visa essencialmente a
aferir a qualificação técnica dos novos bacharéis. Ausente, pois, a
inconstitucionalidade apontada. 2. Não é possível suprimir aos agravados o
Exame, que hoje é requisito fundamental para o exercício da advocacia. 3. Agravo
provido. “(TRF – 4ª Região – Ag. 0457073/97, rel. Juíza Marga Inge, Bart
Tessler, julg. 11.12.1997, 3ª T., publ. DJ 21.01.1998).”
“Agravo Regimental –
Equivoca-se o agravante ao sustentar que a atual Constituição, em face dos
dispositivos que cita, acabou com a necessidade de inscrição na OAB para o
bacharel em direito possa advogar, porquanto, como salienta o art. 5º, XIII, da
Constituição, é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas
as qualificações profissionais que a lei estabelecer, e para o exercício da
advocacia a lei exige essa inscrição.
Por outro lado, a
petição de agravo reconhece que o recurso extraordinário foi dirigido contra
despacho monocrático, não havendo assim, a decisão de última instância que
seria prolatada pelo Tribunal em agravo regimental. Agravo que se nega provimento.” (STF, 1ª T., Proc.
Agr. nº 198725/SP, rel. Min. Moreira Alves, julg. 09.09.1997).”
Finalmente,
como subsídio doutrinário, é de registrar que o Juiz Federal Jairo Gilberto
Schafer, em artigo escrito a partir do julgamento de processo análogo ao dos
autos em apreço, bem resumiu a questão da constitucionalidade do exame da
ordem.
“(...) a disposição constante no artigo 8º da lei n.
8.906/94, tornando obrigatório o ‘exame
de ordem’, padece do vício da inconstitucionalidade? A análise conducente à
solução deve passar obrigatoriamente pela classificação teórica das hipóteses de
limitação a direito constitucionais. Com efeito, a liberdade de exercício de
qualquer trabalho, ofício ou profissão é direito fundamental (artigo 5º, inciso
XIII, Carta da República). A obrigatoriedade de submissão ao exame de ordem,
como requisito para o exercício da profissão de advogado, indiscutivelmente
constitui-se em limitação ao direito de liberdade de profissão, uma vez que não
logrando, o interessado, aprovação no referido exame, ficará alijado do
exercício da advocacia. O intérprete da lei ordinária restritiva deve responder
uma indagação: encontra autorização, forma
expressa ou não, na Constituição Federal a limitação imposta ao livre exercício
do direito? No caso em estudo, o livre exercício das profissões (artigo 5º,
inciso XIII, Carta da República), pode sofrer as restrições impostas pela Lei
n. 8.906/94, uma vez que a própria Constituição autoriza expressamente a lei
ordinária a estabelecer restrições ao livre exercício de qualquer trabalho,
ofício ou profissão, ao utilizar a cláusula “atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, caracterizando
reserva de lei restritiva (restricciones
indirectamente constitucionales), sendo amplamente caracterizado a
razoabilidade da exigência do exame de ordem, em virtude da inafastável
necessidade de qualificação do profissional da área jurídica, o qual defende em
juízo direito que não lhe pertence” (SCHAFER, Jairo Gilberto. Restrições a direitos fundamentais in A
Constituição no mundo globalizado, organizador Sílvio Dobrowolski.
Florianópolis: Diploma Legal editora, 2000, p. 198).
Dispositivo
Por
todas as razões acima apresentadas, julgo improcedente o pedido, DENEGANDO a
segurança.
Sem
honorários advocatícios (Súmula 105 do STF).
Custas
na forma da lei.
Publique-se.
Registre-se. Intime-se.
Florianópolis,
24 de maio de 2001.
C.
R. S.
Juiz
federal Substituto
Crédito: WALDEMAR P. DA LUZ – 23. Edição
CONCEITO – Distribuidora, Editora e
Livraria
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