CPC
LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 5º
VARGAS, Paulo S.R.
LEI
13.105, de 16 de março de 2015 Código de
Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS
NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS
NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL
Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa
do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Correspondência
CPC/1973, art. 14: São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer
forma participam do processo:
II
– proceder com lealdade e boa-fé;
1.
BOA
FÉ E LEALDADE PROCESSUAL
Apesar da valoração do
princípio da cooperação, inclusive consagrado no art. 6º do CPC, devidamente
analisado no item anterior, é inegável que as partes atuam na defesa de seus
interesses, colaborando com o juízo na medida em que essa colaboração lhes
auxilie a se sagrarem vitoriosas na demanda. Acreditar que as partes atuam de
forma desinteressada, sempre na busca da melhor da melhor tutela jurisdicional
possível, ainda, que contrária aos seus interesses, é pensamento ingênuo e
muito distante da realidade. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 11, Novo Código
de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Negar a característica de um
jogo ao processo é fechar os olhos a uma realidade bem evidente, vista
diariamente na praxe forense. O processo, ao colocar frente a frente pessoas
com interesses diametralmente opostos – ao menos na jurisdição contenciosa – e no
mais das vezes com ânimos exaltados, invariavelmente não se transforma em busca
pacífica e cooperativa na busca da verdade e, por consequência, da justiça, que
fatalmente interessa a um dos litigantes, mas não ao outro. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 11/12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por
artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Há conflito, há interesses
confrontantes, há desejo de sobrepor-se à parte contrária. O patrono da parte,
responsável pela defesa dos interesses de seu constituinte, não pode se
esquecer de que se encontra no processo justamente exercitando tal mister e que
uma eventual postura isonômica e imparcial sua colocaria em risco o princípio
de igualdade entre as partes. Como já ensina lição clássica de Calamandrei, o
pior advogado é aquele que se esquece de seu cliente e pensa ser o juiz da
causa. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 12, Novo Código de Processo Civil
Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Assemelhando-se o processo a
um jogo, é necessário que algumas regras sejam estabelecidas, aliás, como em
qualquer outra atividade humana que coloque contentores frente a frente. Os deveres
de proceder com lealdade e com boa-fé, presentes em diversos artigos do Código
de Processo Civil, prestam-se a evitar os exageros no exercício da ampla
defesa, prevendo condutas que violam a boa-fé e a lealdade processual e
indicando quais são as sanções correspondentes. Como ensina a melhor doutrina,
ainda que por vezes não se mostre fácil no caso concreto, deve existir uma
linha de equilíbrio entre os deveres éticos e a ampla defesa de interesses, (Daniel
Amorim Assumpção Neves, p. 12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo
por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
2.
PRINCÍPIO
DA BOA-FÉ OBJETIVA
O art. 5º deste CPC
consagrou de forma expressa entre nós o princípio da boa-fé objetiva, de forma
que todos os sujeitos processuais devem adotar uma conduta no processo em
respeito à lealdade e à boa-fé processual. Sendo objetiva, a exigência de
conduta de boa-fé independe da existência de boas ou más intenções. Conforme já
decidiu o Superior Tribunal de Justiça a boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência
de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social que impõe o
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse modelo, agindo
como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal (STJ, 3ª Turma, REsp
803.481/GO, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28/06/2007, DJ 01/08/2007 p. 462).
No plano do direito material
contratual o estudo da boa-fé objetiva esta em estágio bastante evoluído, em
especial quanto aos conceitos parcelares da boa-fé objetiva. Cumpre analisar
como a realidade contratual da boa-fé objetiva aplica-se ao processo. (Daniel
Amorim Assumpção Neves, p. 12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo
por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
A supressio (Verwirkung)
significa a supressão, por renúncia tácita, de um direito ou de uma posição
jurídica, pelo seu não exercício com o passar dos tempos. Esse fenômeno é aplicável
ao processo quando se perde um poder processual em razão de seu não exercício
por tempo suficiente para incutir na parte contrária a confiança legítima de
que esse poder não mais será exercido. Segundo o Superior Tribunal de Justiça
não se admite a chamada “nulidade de algibeira ou de bolso” (STJ, 3ª Turma,
EDcl no REsp 1.424.304/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12/08/2014, DJe
26/08/2014), ou seja, a parte, embora tenha o direito de alegar a nulidade,
mantém-se inerte durante longo período, deixando para exercer seu direito somente
no momento em que melhor lhe convir. Nesse caso, entende-se que a parte
renunciou tacitamente ao seu direito de alegar a nulidade, inclusive a absoluta
(STJ, 4ª Turma, AgRg na PET no AResp 204.145/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão,
j. 23/06/2015, DJe 29/06/2015) A surrectio
é o outro lado da moeda, significando o surgimento de um direito em razão de
comportamento negligente da outra parte. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 12,
Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora
Juspodivm).
O termo tu quoque designa a situação de abuso que se verifica quando um
sujeito viola uma norma jurídica, e posteriormente, tenta tirar proveito da
situação em benefício próprio. Trata-se de postulado ético que obsta que alguém
faça com outrem o que não quer que seja feito consigo mesmo, sendo a expressão
derivada de expressão de Júlio César ao notar que seu filho adotivo Brutus
estava entre os que atentavam contra sua vida: “To quoque, filli?” ou “Tu quoque, Brute, fili mi?”. (Daniel
Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo
por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Não pode a parte criar
dolosamente situações de vícios processuais para posteriormente tentar tirar
proveito de tal situação. Por essa razão, prevê o art. 276 do CPC, que a parte
responsável pela criação do vício processual não tem legitimidade para alegá-lo
em juízo. Acredito que essa vedação não alcance as matérias de ordem pública,
podendo, por exemplo, o autor alegar a incompetência absoluta do juízo mesmo
que tenha sido o responsável pelo vício. Nesse caso o Maximo que o sistema
permite é a condenação do autor por ato de litigância de má-fé. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por
artigo – 2016, Editora Juspodivm).
A exceptio doli é considerada como sendo a defesa da parte contra
ações dolosas da parte contrária, sendo a boa-fé nesse caso utilizada como
defesa. No processo vem sendo entendida como a exceção que a parte tem para
paralisar o comportamento de quem age dolosamente contra si. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por
artigo – 2016, Editora Juspodivm).
A máxima venire contra factum proprium impede que determinada pessoa exerça direito
do qual é titular contrariando um comportamento anterior, já que tal conduta
despreza a confiança e o dever de lealdade. Segundo a melhor doutrina, há
quatro pressupostos para aplicação da proibição do comportamento contraditório:
(a) uma conduta inicial; (b) a legítima confiança de outrem na conservação do
sentido objetivo dessa conduta (c) um comportamento contraditório com este
sentido objetivo; (d) um dano ou um potencial de dano decorrente da
contradição. No processo é máxima amplamente consagrada, inclusive pelo
legislador, como ocorre na aquiescência prevista no art. 1.000 do CPC, pela
jurisprudência, que não admite o comportamento contraditório das partes (STJ,
4ª Turma, AgRg no AResp 646.158/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j.
04/08/2015) e pela doutrina. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código
de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
A proibição de comportamento
contraditório também é aplicável ao juiz, conforme acertadamente aponta o
Enunciado 376 do FPPC: “A vedação de
comportamento contraditório aplica-se ao órgão jurisdicional”. Assim, não
pode o juiz indeferir um pedido de produção da prova entendendo não ser
necessária a dilação probatória para posterior mente sentenciar o processo com
base na regra do ônus da prova porque faltou prova para a formação de seu
convencimento. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, entende nula decisão
proferida em tal circunstância, mas se vale do fundamento do cerceamento do
direito de defesa (STJ, 3ª Turma, REsp 1.502.989/RJ, rel. Min. Ricardo Vilas
Bôas Cueva, j. 13/10/2015). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código
de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Até mesmo em diferentes
processos pode-se falar na aplicação da proibição de comportamentos
contraditórios do juiz. Não pode o juiz, sem justificativa expressa e plausível,
adotar diferentes entendimentos para a mesma questão processual em diferentes
processos. Como se explicar à luz da boa-fé objetiva a conduta de juiz que em
processos que versam sobre a mesma situação fático-jurídica os decide de forma
diversa? (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil
Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
No plano do direito material
o duty to mitigate the loss (“dever
imposto ao credor de mitigar suas perdas”), também vem sendo entendido como
conceito parcelar da boa-fé objetiva, como se pode notar do Enunciado 169
CJF/STJ: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o
agravamento do próprio prejuízo”. Esse dever é amplamente aplicável ao
processo, sendo exemplo clássico a conduta da parte que, abandonando a busca
pelo direito material, permanece inerte durante longo período de tempo para
depois pleitear multa milionária a título de astreintes. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por
artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Também o abuso do direito
configura violação ao princípio da boa-fé objetiva consagrado no art. 5º do CPC. O agravo interno
manifestamente inadmissível ou julgado improcedente em votação unânime gera as sanções
previstas no art. 1.021, §4º, do CP e os embargos de declaração manifestamente
protelatórios geram as sanções previstas pelo art. 1.026, §§ 2º e 3º, do CPC. É
considerado ato atentatório à dignidade da justiça a produção de prova
desnecessária à defesa do interesse (art. 77, III, do CPC). É considerado ato
de litigância de má-fé e a dedução de pretensão ou defesa contra texto expresso
de lei ou fato incontroverso (art. 80, VII, do CPC). A perempção extingue o
direito de ação em razão do abuso em seu exercício. (Daniel Amorim Assumpção
Neves, p. 14, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016,
Editora Juspodivm).
3.
SANÇÕES
PROCESSUAIS
É natural que se existe um
dever de lealdade e boa-fé processual o seu descumprimento gere a aplicaçao de sanções
processuais. Sua aplicação independe de pedido das partes (STJ, 3ª Turma, REsp
1.125.169/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17/05/2011, DJe 23/05/2011) e
geralmente é representada pela aplicação de multas que tem como base de cálculo
um percentual do valor da causa ou do proveito econômico pretendido pelo autor.
Há, entretanto, outras
sanções aplicáveis diferentes da multa, como a proibição de carga dos autos
(art. 234, §2, do CPC), a determinação de que expressões injuriosas ou
xingamentos sejam riscados, nos termos do artigo 78, §2º, do CPC, e a tutela
provisória da evidência fundada em manifesto propósito protelatório ou abuso do
direito de defesa (art. 311, I, do CPC). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 14,
Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora
Juspodivm).
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