DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 148, 149, 150 -
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Do Dolo
-
VARGAS, Paulo S. R.
Livro III – Dos Fatos
Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio
Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do
Negócio Jurídico – Seção II – Do
Dolo -
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Art 148. Pode
também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem
aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda
que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e
danos da parte a quem ludibriou. 1
1.
Dolo de terceiro
Geralmente,
o dolo provém do outro contratante que realiza o negócio jurídico com a vítima
de seu próprio ardil. Pode ocorrer, entretanto, que um terceiro, que não seja
parte do negócio jurídico, é que tenha agido com dolo visando a induzir a
vítima a realizar o negócio. Distingue-se, contudo, duas situações distintas
acerca da parte a quem aproveita o dolo. Pode ocorrer de a parte beneficiada
saber ou dever saber do dolo desse terceiro; ou pode ocorrer ainda de a parte
beneficiada não ter, nem devesse ter conhecimento do dolo do terceiro. Apenas a
primeira hipótese permite a anulação do negócio jurídico. Ainda que o dolo
provenha de terceiro, apenas terá lugar a anulação do negócio jurídico se a
parte beneficiada agir com culpa. Tal importante alteração em relação ao Código
Civil de 1916 acompanha a tendência de privilegiar a segurança das relações
jurídicas e a proteção de quem contrata de boa-fé confiante nas circunstâncias
negociais que lhe foram apresentadas. Por essa razão, se a parte a quem
beneficia o dolo do terceiro não sabia de sua existência, nem devesse saber por
força de algum dever específico de diligência, o negócio não será anulado e não
responderá ela por perdas e danos. De tal modo, a vítima do dolo terá sempre direito
à reparação das perdas e danos que essa conduta dolosa tiver lhe causado. Se o
contratante tiver conhecimento ou devesse ter do dolo desse terceiro será com
ele solidariamente responsável pela reparação do dano (CC, art 942). Se o
contratante beneficiado não tiver agido com culpa, apenas o terceiro que agiu
com dolo deverá responder pela reparação dos danos causados à vítima do dolo. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina.
Material coletado no site Direito.com
em 17.01.2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações (VD)).
O dolo de terceiro, portanto, somente ensejará a anulação do negócio se a
parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento. Se o
beneficiado elo dolo de terceiro não adverte a outra parte, está tacitamente
aderindo ao expediente astucioso, tornando-se cumplice. Já dizia Clóvis que “o dolo do estranho vicia o negócio, se,
sendo principal, era conhecido de uma das partes, e esta não advertiu a outra,
porque, neste caso, aceitou a maquinação, dela se tornou cúmplice, e responde
por sua má-fé. (Código Civil, cit.,
p. 275, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral,
Roberto Gonçalves, V. I, p. 419, 2010, Saraiva – São Paulo).
Assim, por exemplo, se o adquirente é convencido, maldosamente, por um
terceiro de que o relógio que está adquirindo é de ouro, sem que tal afirmação
tenha sido feita pelo vendedor, e este ouve as palavras de induzimento
utilizadas pelo terceiro e não alerta o comprador, o negócio torna-se anulável.
Entretanto, se a parte a quem aproveite (no exemplo supra, o vendedor)
não soube do dolo de terceiro, não se anula o negócio. Mas o lesado poderá
reclamar perdas e danos do autor do dolo (CC, art 148, segunda parte), pois
este praticou um ato ilícito (art 186). Se nenhuma das partes no negócio
conhecia o dolo de terceiro, não há, com efeito, fundamento para anulação, pois
o beneficiário, caso fosse anulado o negócio, “ver-se-ia, pois, lesado por um
ato a que foi estranho e do qual nem sequer teve notícia...” (Manuel
A. Domingues de Andrade, Teoria geral da
relação jurídica, v. 2, p. 264; Renan Latufo, Código Civil, cit., p. 148-149, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral,
Roberto Gonçalves, V. I, p. 419, 2010, Saraiva – São Paulo).
Incumbe ao lesado provar, na ação anulatória, que a outra parte,
beneficiada pelo dolo de terceiro, dele teve ou deveria ter conhecimento.
Caio Mário, citando Ruggiero e Colin e Capitant, menciona que, nos “atos
unilaterais, porém, o dolo de terceiro afeta-lhe a validade em qualquer circunstância,
como se vê, por exemplo, na aceitação e renúncia de herança, na validade das
disposições testamentárias”. (Instituições,
cit., v. 1, p. 333-334, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral,
Roberto Gonçalves, V. I, p. 420, 2010, Saraiva – São Paulo).
Também Pontes de Miranda, preleciona que, “nas manifestações de vontade
não receptícias, não há figurantes um em frente ao outro; de modo que não há as
‘partes’ a que se refere o art 95 (do
CC/1916, correspondente ao art 148 do
CC/2002). Donde ter-se de entender o referido artigo como só referente aos
atos jurídicos em cujo suporte fático há manifestações bilaterais de vontade, o
manifestação receptícias da vontade”. (Tratado, cit. p. 338, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral,
Roberto Gonçalves, V. I, p. 420, 2010, Saraiva – São Paulo).
Art 149. O
dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a
responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo
for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com
ele por perdas e danos. 1.
1.
Dolo do representante legal ou
convencional
Mesmo
não sendo parte do negócio jurídico, seria impróprio considerar o representante
um simples terceiro, igualmente sujeito à disciplina do art 148 do Código Civil
como qualquer outro. O representante age sempre em nome do representado, não
adquirindo quaisquer direitos ou deveres em nome próprio. Por essa razão, o
negócio jurídico realizado pelo representante que age com dolo, seja ele legal
ou convencional, será sempre passível de anulação e o representante que age com
dolo será sempre responsável pela reparação das perdas e danos que causar. A
diferença se dará apenas em relação à extensão da responsabilidade do
representado em cada caso. Isso porque, na representação legal, o representado
não tem influência alguma na escolha do representante, sequer sendo-lhe
possível destituir o representante que legalmente o representa. Mostra-se
injusto, portanto, responsabilizar o representado pelos atos praticados por
esse representante que lhe foi importo pela lei. Sensível a essa situação, o
legislador restringiu a responsabilidade do representado até o limite do
proveito que teve. Inversamente, na representação convencional, em que o
representado tem influência direta na escolha da pessoa designada para agir em
seu nome, o representado responderá solidariamente como o representante por
perdas e danos presumindo-se sua culpa in
elegendo pelos atos praticados pelo representante. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina.
Material coletado no site Direito.com
em 17.01.2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações (VD)).
O representante de uma das partes não pode ser considerado terceiro, pois
age como se fosse o próprio representado. Quando atua no limite de seus
poderes, considera-se o ato praticado pelo próprio representado. Se o
representante induz em erro a outra parte, constituindo-se o dolo por ele
exercido na causa do negócio, este será anulável. Sendo o dolo acidental, o
negócio subsistirá, ensejando a satisfação das perdas e danos.
O código de 1916 tratava, no art 96, do dolo do representante, mas não
distinguia a representação legal da voluntária. O referido dispositivo não
encontrava disposição semelhante em Códigos de outros países, tendo origem no
art 481 do Esboço de Teixeira de
Freitas.
O Código de 2002 repete a regra, mas inova ao estabelecer consequências
diversas, conforme a espécie de representação: o dolo do representante legal só
obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que
teve; o do representante convencional acarreta
a responsabilidade solidária do representado. Respondendo civilmente, tem o
representado, porém, ação regressiva contra o representante. (Francisco
Amaral, Direito civil, cit., p. 489 apud Direito Civil
Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V.
I, p. 420, 2010, Saraiva – São Paulo).
Sílvio Rodrigues já em 1974 recomendava a solução adotada pelo novo
diploma, dizendo que, no caso da representação legal, a solução da lei,
obrigando o representado a responder civilmente só até a importância do
proveito que teve, era adequada. O tutor, o curador, o pai no exercício do
pátrio poder são representantes que a lei impõe, sem que o representado, contra
isso, se possa rebelar. Se estes atuam maliciosamente na vida jurídica, seria
injusto que a lei sobrecarregasse com os prejuízos advindos de sua má conduta o
representado que os não acolheu e que, em geral, dada a sua incapacidade, não
os podia vigiar.
No caso da representação convencional, aduz o referido mestre, aquele que
escolhe um representante, e lhe outorga mandato, cria um risco para o mundo
exterior, pois o mandatário, usando o nome do mandante, vai agir nesse mundo de
negócios criando relações de direito. Se é má a escolha, tem o mandante culpa,
e o dano resultante para terceiros deve ser por ele reparado. A presunção de
culpa in elegendo ou in vigilando do representado tem por
consequência responsabilizá-lo solidariamente pela reparação total do dano e não
apenas limitar sua responsabilidade ao proveito que teve. (Dos vícios do consentimento, p. 180, apud Direito Civil
Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V.
I, p. 421, 2010, Saraiva – São Paulo).
Art 150. Se
ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alega-lo para anular o
negócio, ou reclamar indenização. 1
1.
Dolo recíproco
Quando
o dolo é bilateral, não há boa-fé a proteger. Ambas as partes agiram de modo
reprovável e, no caso, estipula o direito que ambas devem ser apenadas com a
validade do negócio. Quem agiu com dolo, buscando obter vantagem indevida à
custa de terceiro, não pode invocar a condição de vítima da torpeza alheia se
essa pretensa vítima se mostrou ainda mais ardilosa. Por essa razão, prevê o
artigo 150 que, se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alega-lo
para anular o negócio, ou reclamar indenização. Isso não exclui, todavia, a
possibilidade de que as partes possam invocar outras causas de anulação do
negócio jurídico. Apenas o dolo é que não poderá ser invocado para se obter
anulação ou indenização. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina.
Material coletado no site Direito.com
em 17.01.2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações (VD)).
Neste caso, se ambas as partes têm culpa, uma vez que cada qual quis
obter vantagem em prejuízo da outra, nenhuma delas pode invocar o dolo para
anular o negócio, ou reclamar indenização. Há uma compensação, ou desprezo do
Judiciário, porque ninguém pode valer-se da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem
allegans). A doutrina em geral admite, no caso de dolo bilateral, a
compensação do dolo principal com o dolo acidental. Preleciona a propósito
Carvalho Santos que “pouco importa que uma parte tenha procedido com dolo
essencial e a outra apenas com o acidental. O certo e que ambas procederam com
dolo, não havendo boa-fé, a defender. (Diferentemente dispõe o
art 254º, primeira parte, do Código Civil português: “O declarante cuja vontade
tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração; a anulabilidade não é
excluída pelo facto de o dolo ser bilateral”, Código Civil, cit., p. 352, apud Direito
Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V.
I, p. 421, 2010 Saraiva – São Paulo).
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