Direito Civil Comentado
- Art. 544, 545, 546 - continua
- Da
Doação – VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial
- Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo IV – Da Doação
Seção I –
Disposições Gerais
- vargasdigitador.blogspot.com
Art.
544. A
doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa
adiantamento do que lhes cabe por herança.
Observa Nelson Rosenvald, a norma possuir conexão com o
direito de família e sucessões. Ascendente, descendente e cônjuge são herdeiros
necessários (CC 1.845), pertencendo-lhes de pleno direito a legítima, como
metade indisponível do patrimônio do de cujus.
A fim de evitar qualquer ofensa à necessária igualdade
entre os herdeiros necessários, o legislador ressalta que qualquer doação de um
ascendente a um descendente ou de um cônjuge a outro será considerada
adiantamento da legítima, por ínfimo que seja o valor. A colação será a forma
de o sucessor favorecido conferir o que lhe foi adiantado em vida, com o que o
falecido deixou de patrimônio, repondo-se a igualdade das legítimas dos herdeiros
reservatários (CC 2.003).
Com relação às doações de ascendentes em prol de um ou
alguns descendentes, excluem-se os gastos ordinários com educação, saúde e
outras despesas essenciais para benefício (CC 2.010), bem como as doações
remuneratórias (CC 2.011) e as doações em que se dispensou a colação no próprio
título da liberalidade ou em testamento, desde que não excedam a metade
disponível (CC 2.005 e 2.006).
Outrossim, o termo “descendente” apenas abrange
liberalidades em prol daquele que estiver na ordem de vocação hereditária em
condições de suceder por direito próprio ou por direito de representação.
Exemplificando, não haverá colação quando a doação foi feita a um neto, quando
todos os filhos eram vivos.
Porém, as doações de descendentes a qualquer dos
ascendentes não se incluem na norma. Ou seja, tudo aquilo que uma pessoa doa a
alguém que não seja o descendente ou o cônjuge será passível de controle
somente quanto à parte que exceder a de que o doador, no momento da
liberalidade, poderia dispor em testamento (CC 549). Em suma, haverá redução de
doações inoficiosas, mas não a colação.
Quanto aos cônjuges, a doação de um ao outro só acarreará
adiantamento da legítima no que disser respeito aos bens particulares de cada
cônjuge, pois nos bens comuns os cônjuges não são herdeiros reciprocamente.
Assim, no regime da separação absoluta, todos os bens são particulares e
qualquer liberalidade será colacionada. Já nos demais regimes, será necessário
aferir a divisão entre bens comuns e particulares.
O regime da doação
entre familiares é distinto daquele aplicado à compra e venda. Nesta, a venda
de ascendente a descendente é anulável quando não conta com o consentimento dos
outros descendentes e cônjuge. Já na doação, o consentimento dos descendentes é
despiciendo para fins de aferição do plano de validade, haja vista que qualquer
controle apenas será exercitado ao tempo da abertura da sucessão. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 597 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/10/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Segundo o histórico, apresentado por Ricardo Fiuza, o
presente dispositivo, em relação ao texto do projeto, sofreu, por parte do
Relator Ernani Satyro, apenas uma alteração para substituir “pais e filhos” por
“ascendentes e descendentes” e “legítima” por “herança”. Corresponde ao art.
1.171 do CC de 1916, onde apenas se contemplava a doação “dos pais aos filhos”.
Em relação à Doutrina, apresentada por Fiuza, o artigo
introduz no instituto a doação de bens de um cônjuge a outro, não tratada no CC
de 1916. Harmoniza-se com a regra do art. 1.829, I, pela qual é reconhecido ao
cônjuge sobrevivente direito sucessório em concorrência com os descendentes.
Decorre lógica a conclusão de que a doação versará sobre os bens particulares
de cada cônjuge, certo que, no regime de comunhão universal, o acervo
patrimonial é comum a ambos, o que seria ocioso doar; no de separação
obrigatória de bens, o cônjuge não concorre na sucessão, e no da comunhão
parcial, apenas concorre se o autor da herança não houver deixado bens
particulares.
A doação de ascendentes a descendentes representa
adiantamento da legítima. A jurisprudência tem norteado as questões polêmicas
em torno da matéria, bastando assinalar, por decisivo: “Civil. Doação de
ascendente a descendente. Ausência de consentimento de um dos filhos.
Desnecessidade. Validade do ato. Art. 1.171. Não é nula a doação efetivada pelos
pais a filhos, com exclusão de um, só e só porque não contou com o
consentimento de todos os descendentes, não se aplicando à doação a regra
inserta no CC 1.132. Do contido no CC 1.171 deve-se, ao revés, extrair-se o
entendimento de que a doação dos pais a filhos é válida, independentemente da
concordância de todos estes, devendo-se apenas considerar que ela importa em
adiantamento da legítima. (Como tal – e quando muito – o mais que pode o
herdeiro necessário, que se julgar prejudicado, pretender, é a garantia da
intangibilidade da sua quota legitimaria, que em linha de princípio só pode ser
exercitada quando for aberta a sucessão, postulando pela redução dessa
liberalidade até complementar a legítima, se a doação for além da metade
disponível. Hipótese em que a mãe doou determinado bem a todos os filhos, com
exceção de um deles, que pretende a anulação da doação, ainda em vida a
doadora, por falta de consentimento do filho não contemplado. Recurso não
conhecido” (STJ, 4~ T. REsp 124.220-MG, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DI
de 13-4-1998). (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 289 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Seguindo
a trilha de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o fundamento deste dispositivo é a
igualdade dos quinhões hereditários: herdeiros da mesma classe sucessória devem
receber quinhões iguais da herança. Pressupõe o legislador que o doador tenha o
interesse de manter a igualdade dos quinhões hereditários quando realiza doação
a descendente ou a seu cônjuge e, por isso, tais bens devem ser colacionados
pelo donatário quando da abertura da sucessão. O doador pode romper essa
presunção ao dispensar o donatário de realizar a colação. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 02.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 545. A doação em forma de subvenção
periódica ao beneficiado extingue-se morrendo o doador, salvo se este, outra
coisa dispuser, mas não poderá ultrapassar a vida do donatário.
No conhecimento de Nelson Rosenvald, aqui a liberalidade não se
caracteriza mediante a entrega de um bem móvel ou imóvel ao donatário, mas pelo
fato de o doador contrair a obrigação de periodicamente contribuir com
determinada quantia em dinheiro em favor de uma instituição ou uma pessoa
física.
Normalmente, a finalidade do doador é auxiliar o beneficiário a
cumprir as suas finalidades, como a realização de curso superior, ou facilitar
a entidade assistencial na realização dos seus trabalhos sociais. Sendo a
subvenção uma espécie de doação que se protrai no tempo, não poderá ser arbitrariamente
suprimida, sob pena de comprometimento dos objetivos do beneficiado.
O termo pra a subvenção é a morte do doador, pois a conveniência
da liberalidade não pode ser transposta aos herdeiros, a não ser que assim o
deseje o doador em ato de última vontade, desde que as forças da herança possam
suportar o encargo. Caso os herdeiros decidam prosseguir com a subvenção,
apesar da ausência de instruções do falecido, consistirá a conduta em uma nova
doação.
O Código Civil inovou a
matéria ao disciplinar na parte derradeira da norma que a subvenção não
ultrapassará a vida do donatário, realçando o caráter intuitu personae
da doação. Sendo o donatário pessoa jurídica, sugere-se que o limite temporal
seja o cancelamento de seu registro ou, se a doação perdurar, o decurso de
trina anos, em similitude ao usufruto (CC 1.410, III). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 597 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/10/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Guiando pela doutrina de Ricardo Fiuza, a doação em forma
de subvenção periódica ou sucessiva é doação condicional resolutiva, i.é, constitui-se
como pensão regular prestada pelo doador, extinguindo-se com a sua morte, salvo
se houver disposição em contrário. Havendo convenção diversa da liberalidade,
esta prolonga-se após o evento, ficando, porém, jungida ao limite temporal da
vida do donatário. Significa constituição de renda, a título gratuito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 290 apud
Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 02/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Segundo ensinamentos de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a
obrigação de doar transmite-se aos herdeiros do doador, salvo se realizada na
forma de subvenção periódica sem disposição expressa nesse sentido, i.é, a
obrigação de subvencionar periodicamente o beneficiário pode ser transmitida
aos herdeiros mediante disposição expressa nesse sentido. As referidas
subvenções não podem ultrapassar o valor da herança.
Os
herdeiros do donatário só não podem exigir a entrega do bem doado se a adoção
for estipulada em caráter personalíssimo (p. ex., doação remuneratória), ou se
realizada na forma de subvenção periódica. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 02.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 546. A doação feita em contemplação de
casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si,
quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem
um do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem
efeito se o casamento não se realizar.
Conforme ensinamentos do mestre Nelson Rosenvald, a coação feita
em contemplação de casamento futuro é uma espécie de doação condicional. A
liberalidade tem a eficácia paralisada até que se realize a condição suspensiva
do matrimônio com a pessoa indicada no título. Vale dizer que não se trata de
uma doação condicional submetida ao evento futuro e incerto de alguém casar com
qualquer pessoa, mas da exata determinação daquele que será o outro nubente,
como motivo da liberalidade.
De forma semelhante à observada na doação em prol de absolutamente
incapazes (CC 543), o legislador dispensou a aceitação do donatário, sem
retirar a condição contratual do negócio jurídico. Ou seja, afasta-se o
tradicional binômio proposta/aceitação, pois há a presunção de que toda doação
visa a beneficiar o outro cônjuge.
O contrato poderá envolver os próprios nubentes – portanto,
requerendo o termo a quo do noivado e o terceiro que preste a doação a
um dos nubentes ou a ambos, ou mesmo em favor da prole que vier do casal.
Quando se tratar de doação entre os nubentes, realizar-se-á por
escritura pública, no pacto antenupcial, sob pena de invalidade (CC 1.633). em
sendo beneficiada a prole futura e ainda não concebida, a eficácia do ato se
sujeita indefinidamente ao nascimento com vida do primeiro filho do casal.
Indefinidamente até o período em que as chances da gravidez se esvaem,
“houverem um do outro” exclui a liberalidade aos filhos adotivos, apesar da
isonomia constitucional, salvo expressa referência do doador quanto a essa
possibilidade.
Por fim, parece-nos atentar
contra a cláusula geral da comunhão pela de vida (CC 1.511) a possibilidade de
o terceiro contemplar um dos futuros cônjuges com a escolha de um parceiro sob
a promessa de um benefício patrimonial. Sendo a família contemporânea formada
pelo afeto e vínculo existencial baseado no princípio da dignidade da pessoa
humana (CF 1º, III), haveria uma patrimonialização da autonomia privada do
nubente que guiasse a sua escolha por critérios financeiros, desvirtuando a
lógica que informa qualquer entidade familiar, à luz do CF 226. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 598 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/10/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza,
trata-se, a exemplo do art. 542, de doação sob condição suspensiva (si
nuptiae sequuntur), que, na dependência de fato futuro e incerto, somente
se aperfeiçoa com o evento. O casamento é a condição. A donatio propter
nuptias pode ser feita pelos cônjuges entre si ou por terceiro a um deles,
a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro. A dispensa da
formalidade da aceitação – explica Clóvis Beviláqua – “resulta, naturalmente,
da realização do casamento”. Subordinados àquela condição, os donatários, ao
celebrarem núpcias entre si, a estarão implementando, de tal modo, que tornando
efetiva a doação, há de se entender tácita a aceitação. A doação, assim
condicionada, ficará sem validade, se o casamento não se realizar.
Jurisprudência. A regra do CC 312 não é de ser entendida
como significando que qualquer doação entre pessoas que pretendam casar-se deva
fazer-se por instrumento público. Haverá de ser observada nas doações propter
nuptias, que se sujeitam à regulamentação dos pactos
antenupciais, de tal modo que se consideram desfeitas não sobrevindo o
casamento (STJ, 3~ T., REsp 62.605-MG, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de
3-5-1999). (Clóvis Beviláqua. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil
comentado, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1917 (p. 340). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 290 apud
Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 02/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No mesmo diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a
doação propter nuptias ou doação feita em contemplação de casamento
futuro é doação realizada sob a condição suspensiva de alguém vir a se casar
com certa e determinada pessoa. O doador pode ser um dos nubentes ou terceiro.
donatários pode ser um dos nubentes, ambos ou os filhos que os nubentes
tiverem.
O
dispositivo acentua os efeitos meramente obrigacionais do contrato de doação,
pois a transferência da propriedade somente poderá se realizar após o
cumprimento da condição. Realizado o casamento, lícito é ao donatário
reivindicar que lhe seja transferida a propriedade do bem doado pois, do
contrário, nenhum efeito teria a promessa. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 02.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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