Direito Civil Comentado
- Art. 476, 477
- Da Exceção
de Contrato não Cumprido - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V
– DOS CONTRATOS EM GERAL
(art. 421 a 480) Capítulo II – DA EXTINÇÃO DO
CONTRATO
Seção III
– Da Exceção de Contrato não Cumprido - vargasdigitador.blogspot.com
Art. 476.
Nos
contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação,
pode exigir o implemento da do outro.
Assimilando
os ensinamentos de Nelson Rosenvald, contratos bilaterais são aqueles em que
ambas as partes possuem direitos e obrigações recíprocas, sendo
contemporaneamente credores e devedores. Compra e venda e locação são exemplos
de contratos em que uma das partes transfere a propriedade ou a posse de um bem
em troca de um preço ajustado. As obrigações nascem unidas e assim deverão se
manter durante a execução da relação contratual, preservando o contrato coo um
todo incindível, no qual avulta a realização integral da relação.
Já os
contratos unilaterais apenas exigem esforços de um dos contraentes, que
assumirá obrigações perante o outro. Doação e comodato são contratos que
ilustram a matéria. Todavia, acrescida de um encargo a doação (v.g., concedo-lhe
uma casa com o encargo de gerencia um orfanato por um ano), a dita modalidade
transforma o contrato em bilateral, pois o donatário assume também a realização
de uma obrigação.
Apenas não
se pode incidir no comum equívoco de confundir o contrato bilateral com o
negócio jurídico bilateral. Qualquer contrato será um negócio bilateral, que
nada mais é que um encontro de manifestações de vontades destinadas à produção
de efeitos jurídicos.
Uma das
consequências da distinção entre contratos unilaterais e bilaterais concerne à
possibilidade de neste últimos ser facultada a uma das partes o manejo da exceptio
non adimpleti contractus, pela qual cada um dos contraentes deverá
respeitar o conjunto indivisível da relação a ponto de não poder reclamar a
prestação do outro contratante sem que esteja disposto a executar a sua. A
exceção não se aplica se no contrato bilateral houver prazos distintos para o
cumprimento das obrigações (v.g., CC.491).
O fundamento
do instituto reside na equidade. O sistema jurídico pretende que haja uma
execução simultânea das obrigações. A boa-fé objetiva e a segurança do comércio
jurídico demandam o respeito pelas obrigações assumidas de modo a unir o
destino das duas obrigações, de forma que cada uma só será executada à medida
que a outra também o seja. Trata-se de uma verdadeira situação de
interdependência, que assegura não apenas o interesse das partes na realização
da finalidade comum (função social interna), mas satisfaz a ordem social que
procura pelo adimplemento como imposição de justiça comutativa (função social
externa).
A aplicação
da exceção é a maneira de assegurar que as obrigações recíprocas se mantenham
coesas, a fim de que uma das partes só possa ser compelida a prestar seu
compromisso caso a outra proceda de igual modo. Note-se que, enquanto o
descumprimento for temporário, a exceptio servirá como forma de pressão,
hábil a compelir o devedor a executar sua obrigação, preservando a unidade
indivisível do contrato, vista de maneira complexa e global, além de servir de
garantia contra as consequências de uma inexecução definitiva. Todavia,
constatando-se a impossibilidade total de cumprimento, deverá o credor lesado
pleitear a resolução contratual pelo inadimplemento, desvinculando-se da
relação obrigacional (CC. 475).
Essa
distinção entre a exceptio e a resolução demonstra a impropriedade de
incluir aquele instituto no capítulo relativo à extinção do contrato (CC. 472),
pois a exceção de contrato não cumprido não é uma forma de desconstituição da
obrigação, mas um modo de oposição temporária à exigibilidade do cumprimento da
prestação.
Outrossim, a
exceptio produz extensão de eficácia a terceiros, alcançando todos
aqueles que no contrato substituam qualquer das partes (v.g., cessionário
e credores). Vale dizer que se o objetivo contemporâneo do direito das
obrigações é proteger a relação de forma global e sistêmica, a exceptio
seria debilitada caso apenas pudesse ser invocada ao parceiro, mas não contra
terceiros que penetram na relação sinalagmática.
Discutem-se
atualmente os limites do exercício da exceptio. Em sede constitucional
urge sempre precisar a proporcionalidade entre a inexecução da contraparte e o
exercício da exceção. Será caracterizada como abuso do direito e, portanto, ato
ilícito (CC. 187) a conduta daquele que se recusa a cumprir sua obrigação em
razão de um inadimplemento mínimo praticado pela contraparte. Assim, a alegação
da exceptio acaba se convertendo em uma escusa indevida ao cumprimento
do contrato.
O princípio
da boa-fé objetiva pretende limitar o exercício de pretensões excessivas, não
sendo razoável a recusa total da prestação diante de uma falta sem maior
gravidade e desprezível do pondo de vista da economia do negócio jurídico.
Portanto, se A deveria entregar cinco veículos a B, mas deixa de cumprir com a
remessa de um dos automóveis, não pode B se recusar a pagar o todo, amparado na
inexecução de um quinto da obrigação. Justo seria a recusa do pagamento na
medida proporcional.
Cuida-se de
uma demonstração normativa da aplicação da máxima tu quoque – não faça
aos outros aquilo que não queira que façam a ti -, regra de ouro que impede a
constituição desleal de direitos subjetivos. Com base na justiça contratual,
será inadmissível o exercício de uma posição jurídica que não guarde
proporcionalidade com o descumprimento anterior.
Enfim, a exceptio
non rite adimpleti contractus (exceção de cumprimento parcial ou
defeituoso) só se encontrará justificada perante um incumprimento relativo, no
qual não se poderá compelir alguém a executar totalmente a sua obrigação quando
não obtém o seu crédito de forma cabal. A saída está na mais perfeita adequação
entre o que se cumpre e o que se pode exigir do outro contratante.
Ao contrário
do ordenamento civil de Portugal, que dispõe como norma de ordem pública a
impossibilidade de renúncia antecipada ao exercício da exceção (CC. 428
português), o direito pátrio não se manifesta sobre a viabilidade de as partes
inserirem nas relações civis a cláusula solve et repete.
Portanto, o legislador
permite que as partes possam dispor contratualmente da renúncia à exceptio
mediante a inclusão da aludida cláusula em contratos paritários. Todavia, em
sede de contratos de adesão, o CC. 424 é taxativo ao impedir a elaboração de
cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante
da natureza do negócio – como a exceção de contrato não cumprido, ínsita aos
contratos bilaterais (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 545 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 24/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Acompanhando
a doutrina apresentada pelo relator Ricardo Fiuza onde aponta que o princípio exceptio
non adimpleti contractus, decorrente da dependência recíproca das relações
obrigacionais assumidas pelas partes, é exercido pelo contratante cobrado,
recusando à sua exigibilidade (satisfazer a sua obrigação) por via da exceção
do contrato não cumprido; quando a ela instado, invoca o inadimplemento da
obrigação do outro. O princípio tem incidência quando ocorre uma
interdependência, pela simultaneidade temporal de cumprimento (termos comuns ao
adimplemento) entre as obrigações das partes, ou seja, as obrigações devem ser
recíprocas e contemporâneas. Humberto Theodoro Júnior refere-se à necessidade
de uma “conexidade causal entre a prestação cobrada e aquela que o excipiente
invoca como não cumprida”. Maria Helena Diniz leciona o exemplo do contrato de
compra e venda à vista, “onde o dever de pagar o preço e o de entregar a coisa
estão ligados”.
Quando
houver sido pactuada a cláusula solve et repete, opera-se a renúncia ao
emprego da exceptio non adimpleti contractus.
Cumpre verificar a
imprecisão técnica cometida no tratamento dado à exceptio non adimpleti
contractus, incluída como causa determinante de extinção do contrato. Em
verdade, constitui apenas uma oposição temporária do devedor à exigibilidade do
cumprimento de sua obrigação enquanto não cumprida a contraprestação do credor.
Humberto Theodoro Júnior alude, com segurança, não se tratar de “uma defesa
voltada para resolver o vínculo obrigacional e isentar o réu-excipiente do
dever de cumprir a prestação emergente do contrato bilateral”. Muito ao revés,
reconhece, uma vez procedente, constituir mero procedimento dilatório ou, mais
precisamente, “provisória condição de inexigibilidade”. Como não se preta o
instituto à extinção do contrato, melhor afigura-se ter lugar próprio como
seção do capitulo anterior, que cuida das Disposições Gerais, renumerando-se os
artigos do presente Capítulo (II – Da Extinção do Contrato). De ver, afinal,
que o artigo seguinte, da mesma seção, versa sobre hipótese não extintiva do
contrato, posto que, à semelhança do presente artigo, é caso típico de exceção
dilatória. (Direito Civil
- doutrina, Ricardo Fiuza – p. 254-255, apud Maria Helena Diniz, Código
Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 24/08/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na esteira
de Marco
Túlio de Carvalho Rocha o dispositivo cuida da exceptio non adimpleti
contractus, que é a exceção do contrato não cumprido. O termo exceção
significa, neste contexto, defesa. A regra é um modo e defesa dos interesses de
um contratante em relação ao inadimplemento da obrigação de sua contraparte. É
evidente, portanto, que uma tal exceção somente é possível em contratos que
estabeleçam obrigações para ambas as partes, ou seja, nos contratos bilaterais.
A
regra é de natureza supletiva, i. é, admite que as partes disponham de modo
diverso. Assim, se o contrato prevê que uma das partes deve cumprir sua
obrigação em momento anterior ao do cumprimento da obrigação da contraparte,
esta poderá exigir o cumprimento ainda que não tenha ainda realizado sua
prestação. (Marco Túlio de Carvalho Rocha
apud Direito.com acesso em 24.08.2019, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
Art. 477.
Se,
depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes
diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a
prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se às prestação que lhe
incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de
satisfazê-la.
Segundo a
visão de Nelson Rosenvald, em princípio, aquele que deve cumprir a sua
prestação primordialmente não pode alegar a exceptio, eis que inexiste o
requisito de simultaneidade temporal. Assim, na promessa de compra e venda, o
promissário comprador somente poderá pleitear a outorga da escritura definitiva
do promitente vendedor quando pagar integralmente as prestações.
Todavia,
tendo em vista a necessidade de manutenção da justiça contratual e a tutela da
obrigação como um todo indivisível, poderá o contratante recusar a sua
prestação primária em caso de insolvência ou redução das garantias de
cumprimento pela contraparte. Certamente, incumbirá ao contratante inocente a
demonstração da fragilidade da posição econômica da contraparte.
Com efeito,
a redução da posição patrimonial do contratante impõe o vencimento antecipado
das suas obrigações perante outros credores (CC. 333) e praticamente
inviabiliza as garantias daquele que teme praticar a sua prestação sem que
possa no futuro receber a contraprestação. A saída para o impasse será a
substituição ou reforço das garantias reais (hipoteca, penhor) ou pessoais
(aval, fiança), restaurando-se o sinalagma rompido pelo risco do inadimplemento
antecipado.
O dispositivo tangencia a
chamada quebra antecipada do contrato, ou inadimplemento antecipado. Consiste
na evidência de um dos contratantes implicitamente demonstrar, por meio de sua
situação patrimonial, que descumprirá futuramente a prestação que lhe incumbe.
Ou seja, a prestação a ser inadimplida ainda não é exigível pelo credor, mas
provavelmente não será realizada ao seu tempo. O rompimento antecipado poderá
ser pleiteado caso o contratante fragilizado não obtenha as novas garantias que
lhe são exigidas. Poderá o credor, imediatamente, ajuizar ação de resolução com
pedido de indenização ou executar a prestação da contraparte antes do prazo
previsto, mediante a tutela específica das obrigações de dar, fazer ou não
fazer (art. 461 do CPC/1973, correspondência no art. 537 do CPC/2015) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 545-546 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/08/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Sob o foco de Ricardo Fiuza,
o permissivo legal de exceção assegura ao devedor subtrair-se à obrigação que
lhe cabe, em primeiro lugar, quando a outra sofrer diminuição em seu patrimônio
capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou. E o
caso do vendedor que se recusa a entregar a mercadoria vendida por sobrevir
redução patrimonial do comprador, tornando duvidoso o pagamento do preço quando
exibível, autorizado aquele reclamar o preço de imediato ou garantia suficiente
ao adimplemento da obrigação. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 255, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/08/2019, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Na visão do
mestre Marco
Túlio de Carvalho Rocha o
artigo 477, embora situado na sessão dedicada à exceptio non adimpleti contractus, não diz respeito a ela. É igualmente uma defesa,
porém é uma defesa conta os efeitos da insolvência da contraparte e não requer
que esta tenha descumprido sua obrigação. Ao contrário, o dispositivo aplica-se
principalmente aos casos em que a parte que o invoca deve realizar suas
prestações antes do momento em que sua contraparte realizará a prestação dela.
Justifica-se para modificar a ordem do cumprimento das obrigações, a fim de
evitar prejuízo a uma das partes em razão da diminuição patrimonial da outra. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha
apud Direito.com acesso em 24.08.2019, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
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