Direito Civil Comentado
- Art. 502, 503, 504
- Da compra e Venda -
Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e
Venda
Seção I –
Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com
Art. 502.
O
vendedor, salvo convecção em contrário, responde por todos os débitos que
gravem a coisa até o momento da tradição.
Para Nelson
Rosenvald o dispositivo é um consectário lógico da própria posição dos
contratantes diante da compra e venda: antes da tradição ou do registro a
propriedade é do vendedor; após, transfere-se ao comprador (CC 1.245 e 1267).
Assim, é natural que todos os débitos que onerem os bens moveis e imóveis sejam
de exclusiva responsabilidade do seu titular. Nada obstante, a ressalva do caput
indica que os contraentes podem dispor da norma, convencionando uma forma
diversa de distribuição dos débitos, capaz de melhor atender aos seus
interesses particulares.
Existe uma
categoria que não se enquadra perfeitamente entre os direitos reais e os direitos
obrigacionais. São as obrigações propter rem ou obrigações mistas. Como
diz a própria denominação, são obrigações que recaem sobre uma pessoa pelo fato
de ser titular de um direito real, sendo transferidas imediatamente a quem quer
que lhes suceda nessa posição. Daí também serem conhecidas como obrigações
ambulatórias. Adimplir o imposto predial urbano, imposto territorial rural,
imposto de propriedade de veículos e o condomínio do prédio é uma obrigação que
recai sobre o titular da propriedade. Todavia, em caso de tradição do bem móvel
ou registro do bem imóvel, eventuais débitos anteriores recairão sobre o novo
proprietário, pois as ditas obrigações incidem sobre a coisa em si e não sobre
as pessoas que contraíram os débitos. Certamente haverá o direito de regresso
perante o alienante sobre os valores relativos ao período anterior à tradição.
Aliás, a nosso viso, caso o
comprador entre na posse efetiva do imóvel e esse fato seja de conhecimento dos
demais condôminos, assumirá os débitos condominiais mesmo que não tenha
efetivado o registro. Não seria justo manter a responsabilidade do vendedor –
que já transferiu todas as faculdades da propriedade ao comprador – simplesmente
em razão da recusa do comprador de se desincumbir do ônus do registro. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 566 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11/09/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Sob o viso de Fiuza, o
dispositivo torna indene o comprador quanto aos débitos que gravem a coisa,
antes de recebe-la. Dissipa controvérsias jurisprudenciais, a exemplo da que
admite obrigação ao promitente-comprador de imóvel no tocante às despesas condominiais
preexistentes à tradição. A responsabilidade somente lhe será atribuída havendo
cláusula contratual adversa. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 269, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 11/09/2019, corrigido
e aplicadas as devidas atualizações VD).
No enfoque
de Marco
Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo sobre a responsabilidade dos
contratantes pelo pagamento de dívidas relativas ao bem e tomada do momento da
tradição como aquele que encerra a responsabilidade do vendedor é que determina
o início da responsabilidade do comprador.
O
referido dispositivo não tem eficácia perante terceiros, em razão do princípio
da relatividade do contrato. Em razão disso, o comprador pode vir a ser cobrado
por dívidas propter rem, i. é, aquelas que acompanham a coisa e que
obrigam o adquirente, tais como os débitos condominiais e as dívidas
tributárias relativas ao bem. Do mesmo modo, o imóvel continua a garantir
dívidas que o gravem como garantia real. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha
apud Direito.com acesso em 11.09.2019, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
Art. 503.
Nas
coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma nãoautoriza a rejeição
de todas.
A expressão
“coisas vendidas conjuntamente”, sob o viso de Nelson Rosenvald, pode ser
entendida de duas formas: isoladamente ou em conexão com o restante da norma.
Vista isoladamente, traduziria a impossibilidade de aplicação do modelo do
vício redibitório para qualquer situação em que uma pessoa compra vários bens
conjuntamente quando singularmente poderiam ser adquiridos de forma separada.
Assim, se alguém compra trinta garrafas de vinho e uma delas é visivelmente
impropria para o consumo, somente aquela será rejeitada e não as demais.
A
interpretação não é equivocada, até mesmo pelo fato de o vício não desvalorizar
ou inutilizar os demais objetos que foram adquiridos na mesma ocasião. Contudo,
parece-nos que o legislador quis se referir aos bens alienados em conjunto como
universalidades.
A
universalidade do direito é o complexo de relações jurídicas de uma pessoa,
dotado de valor econômico (CC. 91), como a cessão de herança (CC 1.793). já a
universalidade de fato é um conjunto de bens homogêneos e indivisíveis pela sua
própria natureza econômica (CC. 258). Seria o caso da aquisição de um rebanho
ou de uma biblioteca.
Em todos
esses casos, a causa da compra e venda está ligada ao conjunto de bens e não
individualmente a cada um dos objetos que compõem o acervo. A aquisição
conjunta da universalidade não se deu acidentalmente, mas é a própria razão
determinante do negócio jurídico, que provavelmente não se realizaria caso os
objetos fossem fracionados.
Essa
interpretação se coaduna com a vedação da parte final do dispositivo à
reclamação pelos vícios redibitórios. Com efeito, o vendedor garantirá a
existência da universalidade, mas não a qualidade jurídica ou material de cada
um dos objetos que integram o conjunto, inexistindo garantia contra a evicção
ou vícios redibitórios.
Contudo, se os bens
defeituosos se avultam ou se o vício de um deles provoca efetivamente uma
depreciação significativa do conjunto, entendemos que poderá o comprador
rescindir o negócio jurídico com base na ação redibitória ou postular o
abatimento do preço (ação quanti minoris) sob pena de lesão ao princípio
da proporcionalidade. de fato, sendo a razão da compra a própria importância do
conjunto, caso os vícios se mostrem substanciais, toda a finalidade do negócio
será desvirtuada. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 567 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 11/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na posição
apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo complementa os preceitos do CC 441
e seguintes. O vício redibitório nas coisas vendidas em conjunto não autoriza a
rejeição de todas, se apenas uma apresenta o defeito oculto, em se tratando de
coisa singular e individualmente considerada. Mas se o defeito de uma
comprometer o complexo das coisas que formem um todo incindível, pela
interdependência entre elas (v.g., uma obra com sua unidade ideológica
em vários tornos, um par de sapatos), o vendedor responderá integralmente pelo
vício. (Direito Civil
- doutrina, Ricardo Fiuza – p. 269, apud Maria Helena Diniz, Código
Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 11/09/2019,
corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
No
dizer de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo cuida das vendas conjuntas,
i. é, quando o objeto da venda é composto de uma multiplicidade de bens com
individualidade própria. Exemplo: vários animais, produtos agrícolas, ou bens
industriais. Assim, o fato de haver uma laranja estragada na venda de uma dúzia
não justifica a rejeição das 11 restantes que não apresentem defeito. O
comprador tem direito à resolução contratual ou ao abatimento do preço
proporcionalmente ao valor do bem defeituoso em relação ao todo.
Solução
diversa impõe-se no caso de vendas coletivas, que ocorrem quando as coisas
vendidas constituem um todo. Exemplos: parelha de cavalos, junta de bois, par
de botinas (Beviláqua, Código Civil, v.
4, p. 315). Desse modo, a falta de uma única peça de um jogo de jantar para
muitas pessoas autoriza o pedido de resolução contratual, pois o defeito de uma
prejudica todo o conjunto. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 11.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 504.
Não
pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro
consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento
da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a
estranhos, se o requerer no prazo de centro e oitenta dias, sob pena de
decadência.
Parágrafo
único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior
valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem
iguais, haverão a parte vendida aos comproprietários, que a quiserem,
depositando previamente o preço.
No
entendimento de Nelson Rosenvald, qualquer condômino pode alienar a sua parte
ideal da propriedade, tendo em vista a sua condição de exclusiva titularidade
de uma fração ideal da coisa, que lhe permite agir soberanamente. Mesmo nos
bens indivisíveis, essa faculdade de disposição é preservada, eis que a
propriedade sobre uma parte abstrata concede ao titular o poder de exercer
todas as prerrogativas compatíveis com a indivisão, apenas com a inerente limitação
quanto à posse, uso e gozo da coisa (CC 1.314, parágrafo único).
Todavia, ao
conceder aos demais condôminos o direito de preferencia para o ato da venda da
fração ideal, o legislador pretendeu conciliar os objetivos particulares do
vendedor com os da comunidade de coproprietários. Certamente será mais cômodo
manter a propriedade entre os titulares originários, evitando desentendimentos
com a entrada de um estranho no grupo. Os consortes serão interpelados para o
exercício da preferência.
Entretanto,
vulnerado o direito de preferência, adiante da imediata alienação do bem ao
terceiro adquirente, sobejará aos condôminos prejudicados o exercício do
direito potestativo à adjudicação da fração alienada, sendo suficiente o
depósito do valor correspondente ao preço da venda, no prazo decadencial de
cento e oitenta dias. Nesse prazo a propriedade adquirida pelo terceiro terá
natureza resolúvel, pois estará sujeita à atuação dos demais condôminos (CC
1.359).
Caso dois ou
mais condôminos ofereçam o preço ajustado, prevalecerá a aquisição em favor
daquele que preencher os requisitos sucessivos descritos no parágrafo único do
artigo. Caso nenhum dos licitantes possua vantagens sobre os outros, a solução do
legislador será a aquisição equitativa por todos os interessados qe realizarem
o depósito, provocando a ampliação do condomínio.
O CPC/1973,
art. 1.112, V, correspondendo hoje ao art. 725 no CPC/2015, regula a ação do
condômino que deseja vender a sua fração ideal facultando o exercício, antes da
venda, do direito de preferência. Nesse procedimento especial de jurisdição
voluntária, as mesmas regras quanto ao exercício da preferência são respeitadas
(CPC/1973, art. 1.118, sem correspondente no CPC/2015).
Considerando
a natureza da herança de bem indivisível (CC 1.791, parágrafo único), o Código Civil
de 2002 dirimiu antiga controvérsia e se posicionou abertamente pela
necessidade de concessão de direito de preferência ao coerdeiro em caso de cessão
de direitos hereditários, com fixação de prazo decadencial de cento e oitenta
dias para o exercício do direito potestativo à desconstituição do negócio jurídico
(CC 1.794 e 1795).
Por fim,
insta acentuar que o Código nada especifica sobre a espécie de invalidade do
ato resultante da alienação do imóvel a terceiro sem a observância do direito
de preferência. A nosso aviso, cuida-se de anulabilidade, pois o negócio jurídico
será objeto de ação desconstitutiva, de iniciativa exclusiva dos demais condôminos,
com fixação de prazo decadencial sob pena de sanação do vício.
Contudo, há aqueles
que defendem a existência de um tertium genus, intermediário entre a
nulidade e anulabilidade, que seria a nulidade relativa. Com base na antiga lição
de Gondim Filho, defende-se que seria ela uma infração à norma de ordem
cogente, em relação à qual só estariam legitimadas para atacar o ato determinadas
pessoas indicadas pela norma, em prazo decadencial fixado em lei. A lição se
adaptaria à hipótese em apreço, pois temos uma norma cogente de caráter
impositivo ao proprietário, que adota a expressão “não pode”. Seria algo
distinto da anulabilidade, que não se refere a normas imperativas, mas somente
àquelas de natureza dispositiva.
Apesar de estarmos diante de
uma norma imperativa – pois o proprietário deverá seguir a exigência do
legislador -, penso que não há a menor necessidade de recorrer a uma nova
espécie de invalidade para qualificar situações que não se adaptem totalmente
aos quadros teóricos da nulidade e da anulabilidade. Ora, utilize-se a
nomenclatura nulidade relativa ou anulabilidade e as consequências serão as
mesmas e sempre distintas daquelas atribuíveis à nulidade. Por isso, adotando a
diretriz da operabilidade, tão cara a Miguel Reale, só haverá necessidade de construção
de teorias e contribuições doutrinárias que possuam efetividade e vigor para a solução
das demandas reais da sociedade. Qualquer raciocínio que se mantenha no plano
das abstrações não poderá ser referendado pelo sistema. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 568 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/09/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
No discorrer de Ricardo
Fiuza, a regra atenta ao condomínio pro indiviso, assegura ao condômino o
direito de preferência à aquisição de parte da coisa indivisível. Condomínio pro
indiviso é aquele onde a coisa pertencente a mais de uma pessoa, por indivisão
de direito, não é suscetível de divisão cômoda, por indivisão de fato, tendo cada
condômino direito ideal e idêntico sobre a coisa, no seu todo e em cada parte. O
condômino preterido em seu direito (~ P) exercerá ação de preferência ou
de preempção, com depósito de valor do preço, no prazo decadencial, para anular
a alienação a terceiro e alcançar a coisa para si. Resolve-se a concorrência condominial
de interesses em favor do condômino que tiver benfeitorias de maior valor ou,
inexistindo as daquele com maior quinhão. Possuindo os condôminos interessados
quinhões iguais, todos haverão a parte vendida, depositando o valor
correspondente ao preço. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 269, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/09/2019, corrigido
e aplicadas as devidas atualizações VD).
Estudando com
Marco
Túlio de Carvalho Rocha, o
dispositivo cuida do direito de preferência do condômino na venda da fração ideal
de condomínio comum ou ordinário. O referido direito de preferência não se
aplica ao condomínio especial, extraordinário ou edilício. O direito de preferência do condômino somente
existe na venda, não se aplica à doação nem à troca, sendo este um dos
principais aspectos que justificam a distinção entre venda e troca.
O vendedor deve notificar os demais condôminos
antes da venda a terceiro para que exerçam o direito de preferência. A notificação
deve conter todos os dados do negócio, o preço e a forma de pagamento. A lei não demarca prazo para a resposta
do condômino notificado. Deve lhe ser assegurado prazo razoável. Para imóveis,
é costume o prazo de 30 dias. O prazo de 180 dias para o requerimento de adjudicação
da fração pelo condômino preterido ou não notificado conta-se da data do
negócio. (Marco Túlio de Carvalho Rocha
apud Direito.com acesso em 12.09.2019, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
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