quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 558, 559, 560 - continua - Da Revogação da Doação – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 558, 559, 560 - continua
- Da Revogação da Doação – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IV – Da Doação
Seção II – Da Revogação da Doação
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 558. Pode ocorrer também a revogação quando o ofendido, nos casos do artigo anterior, for o cônjuge, ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador.

Para a sinopse de Nelson Rosenvald, é elogiável a inovação do Código Civil, pretendendo afirmar a diretriz da socialidade através da lente da função social da família. O individualismo jurídico que permeou o Código de 1916 restringia a discussão acerca da revogação da doação entre os participes da relação patrimonial. Agora, procura-se enfatizar o fundamental papel da família e dos laços afetivos que envolvem as pessoas que a compõem.

O vínculo existencial entre os membros da entidade familiar justifica que a lesão a um deles tenha a mesma carga de significado que a ofensa ao próprio doador. De certa maneira, o legislador despatrimonializa a discussão e afirma que todo ato de doação envolve um laço espiritual com o donatário, que será traído quando um cônjuge, ascendente ou descendente sofrer as ofensas aludidas no artigo pregresso.

Todavia, houve uma omissão gravíssima no dispositivo. O legislador olvidou-se de trazer os companheiros para a mesma situação dos demais familiares elencados. Todavia, em uma interpretação conforme a Constituição, devemos abranger o conceito de cônjuge para incluir o companheiro, evitando qualquer forma de discriminação por parte do legislador subalterno. Aliás, o mesmo equivoco não foi cometido no CC 1.814 ao tratar o Código da extensão dos sujeitos passivos de hipóteses que autorizam a exclusão do sucessor por indignidade. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 607 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Contrapondo-se a Rosenvald, o histórico de Ricardo Fiuza mostra que o presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. O texto sofrer apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por parte da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. -Não- há artigo correspondente no CC de 1916.

Em sua doutrina, Ricardo Fiuza aponta o que tenha sido a omissão do legislador, de cuidar de extensão análoga, com semelhante identidade de razões, no que tange aos atos praticados pelo filho ou cônjuge do donatário, mesmo que beneficiários direitos ou indiretos da liberalidade e, como tais, sujeitos aos mesmos deveres éticos, por uma conduta humana suscetível de representante a elevação do espírito em comunhão de vida familiar. O dever de gratidão, nesses casos, deveria, a nosso sentir, alcançar o cônjuge ou descendentes do donatário, desde que os efeitos da liberalidade irradiem vantagens a terceiro(s) e autor(es) da ofensa. Exemplifica-se com o imóvel doado intuitu familiae que serve de residência ao donatário e sua família. Há quem sustente, porém, incabível a hipótese, mesmo assim, porque a pena não pode passar além da pessoa do culpado, e o donatário favorecido não teria, em princípio, culpa pela ofensa. Nessa linha, não se admitiu a revogação contra a viúva do donatário, por ingratidão dela (RI’, 497/51). De qualquer modo, a extensão cogitada, peculiar a atípica, deve ser compreendida em consonância com os mais elevados interesses sociais, ordenando valores éticos inderrogáveis. O dispositivo merece, pois, ser revisto, no intuito de melhor preservar os interesses sociais, conclui Fiuza (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 297 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sugestão legislativa: Pelos fundamentos acima expostos, apresentou-se ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão para alteração deste artigo, inclusive com a introdução de parágrafo único, que passaria a redigir-se:

Art. 558. Pode ocorrer também a revogação quando o ofendido for o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do doador.

Parágrafo único. Os atos praticados pelo filho ou cônjuge do donatário, quando beneficiários diretos ou indiretos da liberalidade, ofensivos ao doador- são suscetíveis, conforme as circunstâncias, de ensejar a revogação.

As sugestões acima incorporam o depoimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, mencionados quando os graves atos que caracterizam a ingratidão justificarem a revogação da doação quer tenham sido dirigidos ao próprio doador, quer atinjam seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 09.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 559. A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada dentro de um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário o seu autor.

Conforme comentado por Rosenvald, a ação de revogação da doação está sujeita ao prazo decadencial de um ano, seja por ingratidão do donatário, seja pela inexecução do encargo. Cuida-se de prazo fatal para e exercício do direito potestativo à desconstituição do negócio jurídico, seguindo a lógica do Código Civil de reservar os artigos 205 e 206 para sediar prazos prescricionais e dos demais setores do Código que topicamente enfatizam prazos decadenciais.

Quanto à revogação de doação por ingratidão, o termo a quo para o ajuizamento da demanda será aquele em que o doador tiver a convicção de que o donatário praticou um dos fatos arrolados no CC 557. A inclusão da expressão “e de ter sido o donatário o seu autor” ao final do dispositivo poderá ser útil nos casos em que o ofendido seja um parente ou cônjuge do doador, havendo a necessidade de apuração da autoria.

Nas hipóteses em que houver ação criminal contra o donatário, não poderá o doador se aproveitar do CC 200 para iniciar a contagem do prazo da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, pois a norma é privativa para as hipóteses de prescrição, não sendo aplicável à decadência conforme informa o CC 207.

Pautando à revogação da doação por descumprimento do encargo, muitas vezes o fato não chegará imediatamente ao conhecimento do doador, eis que o modo fora estipulado para beneficiar terceiro. a ciência do descumprimento será determinante para o início da contagem. Outrossim, não tendo sido assinalado prazo para o início do cumprimento do encargo, o doador provará que o donatário foi regularmente constituído em mora (CC 398) e não agiu no prazo assinalado pela interpelação.

Frise-se que o prazo decadencial de um ano será determinante para a resolução contratual, com extinção da relação contratual. Todavia, caso deseje o doador a tutela específica da obrigação de dar ou fazer, há que adotar o prazo prescricional de dez anos para o exercício da pretensão condenatória (CC 205).

Ao questionamento de se o donatário agiu como mero partícipe, mas não como autor, o Código Civil abrange a hipótese da participação, pois o legislador civil não utilizou o termo “autor” na acepção técnica. A mens legis foi no sentido de resguardar a lealdade do doador e, por absurdo, não se admitiria desconstituir a liberalidade apenas no caso extremo da autoria propriamente dita, exonerando-se da sanção aquele que contribuiu material ou moralmente para a prática delituosa de terceiro (v.g., donatário que, desejando a morte do doador, abre a porta da casa para um terceiro execute o fato). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 608 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Aos comentários de Ricardo Fiuza, atêm-se um histórico, onde o presente dispositivo deve a sua redação à emenda do Deputado Henrique Alves, apresentada no período inicial de tramitação do projeto e decorreu de oportuna sugestão feita pelo Prof. Mário Moacyr Porto. Defendeu ele a seguinte posição: se o donatário atentar contra a vida do doador, e a autoria do crime permanecer desconhecida, não é correto que, vindo a conhecer esta autoria depois de um ano, não possa ser pleiteada a revogação da doação, por ingratidão. Para que o crime não aproveite ao criminoso. O exemplo se aplica às demais hipóteses previstas no projeto para revogação da doação. Restaura-se, assim, a orientação do Código vigente. Trata-se de mera repetição do art. 1.184 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

O termo inicial do prazo decadencial para a revogação judicial da doação é apurado do conhecimento do doador quanto ao fato da ingratidão que a autorizar. Com a regra, assegura-se ao doador a efetividade da revocatória, prejudicada que estaria com o conhecimento tardio, se o prazo tivesse em conta a data do evento.

Sugestão legislativa: em decorrência de proposta anterior (art. 558), encaminhou-se ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão no sentido de incluir como autores o cônjuge ou descendente do donatário, nos seguintes termos:

Art. 559. A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada em um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário, seu cônjuge ou descendente, o autor da ofensa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 297-298 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Acessando o raciocínio de Marco Túlio de Carvalho Rocha, temos que, visando à segurança jurídica, a lei estabelece o prazo decadencial de um ano, a contar do conhecimento do fato e de sua autoria, para que o doador ou seus herdeiros proponham a ação revocatória da doação. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 09.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 560. O direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador, nem prejudica os do donatário. Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de ajuizada a lide.

Conforme estende Nelson Rosenvald, aqui é enfatizado o caráter intuitu personae de revogação de doação. A ação revocatória não será transmitida aos herdeiros do doador, falecendo com ele, mas, excepcionalmente, o art. 561 permite que em caso de homicídio doloso os herdeiros do doador ajuízem a lide, naturalmente pela impossibilidade da vítima de agir.

Contudo, se o doador já havia ajuizado a demanda, os seus herdeiros poderão ocupar a sua posição no processo em caso de falecimento do autor. A pretensão de direito material ainda é do doador. Os herdeiros apenas conduzirão o processo a seu destino.

Aliás, enquanto o Código Civil de 1916 se referia à contestação do donatário como termo inicial para permitir o prosseguimento da lide pelos sucessores do doador, o Código Civil de 2002 se refere ao óbito já ao tempo do ajuizamento da lide. A alteração é equitativa, pois a simples distribuição da demanda (CPC/1973 art. 263, com correspondência no art. 312 do CPC/2015) dentro do prazo decadencial é suficiente para demonstrar o interesse do doador de revogar a liberalidade, permitindo que seus herdeiros prossigam em seu intento, sem depender da iniciativa do réu em oferecer a contestação.

Caso o falecimento do donatário ocorra antes do ajuizamento da lide, não poderão ser os seus herdeiros colocados no polo passivo da lide, em razão de o fato ser personalíssimo. Todavia, se já havia ação revocatória em andamento contra o donatário quando de seu falecimento, não poderão os herdeiros responder por forças superiores às da herança (CC 1.997), prestigiando-se a autonomia patrimonial entre o donatário e os sucessores. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 608 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como aponta a redação de Ricardo Fiuza, o direito de o doador revogar a doação é personalíssimo e, como tal, não se transmite aos herdeiros. Entretanto, havendo o doador promovido a demanda, cabe aos seus herdeiros continua-la, inclusive os herdeiros do donatário, se este falecer depois da propositura da ação contra si intentada. O CC/2002 reconhece em prol do doador-autor os efeitos internos da distribuição do feito ao empregar a expressão “depois de ajuizada a lide”, enquanto o CC de 1916 apenas admite a possibilidade, quando faleça o donatário, “depois de contestada a lide”. De fato irrelevante, tenha respondido ou não o donatário ou, ainda, tenha sido ou não formada a relação processual, preponderando como decisivo o ajuizamento da ação.

Uma exceção é a do próximo artigo 561, conferindo legitimidade aos herdeiros para a demanda revocatória, no caso de homicídio doloso do doador praticado pelo donatário, já consagrada em jurisprudência (RI’, 524/65).

Jurisprudência: “A disposição do CC 1.185, atente para a data, estabelecendo que personalíssimo o direito de pedir a revogação da doação, só se aplica quando isso se pleitear em virtude de ingratidão do donatário e não quando o pedido se fundar em descumprimento de encargo” (STJ, VT., REsp 95.309/SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 15-6-1998). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 298 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Conforme aduz Marco Túlio de Carvalho Rocha, a revogação é personalíssima: somente o próprio doador pode, em princípio, requerê-la (a exceção é disciplinada no CC 561); somente contra o donatário pode ser requerida. Se o bem doado tiver sua propriedade transferida a terceiro por ato inter vivos ou causa mortis, contra este não poderá ser proposta a ação. Uma vez iniciada a ação pelo doador contra o donatário, ela pode prosseguir com seus herdeiros caso eles venham a falecer no curso do processo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 09.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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