Direito Civil Comentado
- Art. 636, 637, 638 - Continua
- Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 627
a 652) Seção I – Do Depósito voluntário –
vargasdigitador.blogspot.com
-
Art. 636. O depositário, que por força maior
houver perdido a coisa depositada e recebido outra em seu lugar, é obrigado a
entregar a segunda ao depositante, e ceder-lhe as ações que no caso tiver
contra o terceiro responsável pela restituição da primeira.
Na escola de Nelson
Rosenvald, o depositário não responderá pelos casos de força maior, quando o
fato for devidamente comprovado (CC 642). Aqui, segue-se a regra geral do
direito das obrigações pela qual o devedor se exonerará de tal
responsabilidade, exceto quando expressamente tenha convencionado que assumiria
os riscos de evento a ele inimputável (CC 393).
Força maior é o evento
externo ao agente, de caráter inevitável. Não mais avulta a distinção com o
fortuito, pois o parágrafo único do CC 393, assemelha-os em suas consequências,
na diretriz da operabilidade. A título ilustrativo, haveria força maior na
perda do objeto depositado em razão de uma catástrofe natural; de uma patologia
incontrolável ou de uma guerra.
Ocorrendo perda da coisa
em virtude do imponderável, caso tenha sido entregue outro objeto em reposição –
quando for possível -, obviamente caberá ao depositário o dever de guarda e diligência
ordinários com a obrigação de restituir ao tempo avençado.
Mas não é só. Segundo a
parte final do dispositivo, confere-se ao depositante a posição de sub-rogado
nos créditos obtidos pelo depositário em face de terceiros responsáveis pela
restituição dos valores relacionados ao objeto originário, que se perdeu.
Portanto, traçando um paralelo com as hipóteses
formuladas para a perda do objeto no usufruto (CC 1.407 a 1.409), temos que o
depositante fará jus ao valor do seguro contratado pelo depositário, bem como à
quantia consequente à desapropriação do bem depositado e à indenização paga
pelo terceiro que culposamente destruiu o objeto. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina
e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso –
Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 663 - Barueri, SP: Manole, 2010.
Acesso 29/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Com o apoio de alguns nomes
no Direito Civil, a doutrina de Ricardo Fiuza cita que apoiado na regra do CC
642, que isenta o depositário de responder pelos casos de força maior, o artigo
sob exame prevê que, se “a coisa depositada se perdeu por fato inimputável ao
depositário” (Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 16. ed.,
São Paulo, Saraiva, 2001, 3 – Teoria das obrigações contratuais e
extracontratuais, p. 296, este é obrigado a entregar a segunda ao depositante, “pois
que não pode locupletar-se com a sua retenção indevida” (Caio Mário da Silva
Pereira), Instituições de direito civil, 10. ed., Rio de Janeiro,
forense, 1996, v. 3, p. 232). *
Lembrar que a lei obriga depositário “entregar ao depositante aquilo que (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 340 apud
Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 29/11/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Seguindo na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o fato de terceiro, inevitável
e imprevisível que leva à perda da coisa é considerado fato de força maior. Pode
ser furto, roubo, acidente. Em qualquer desses casos, pode o depositário
receber outra coisa em caráter indenizatório, notadamente dinheiro, como ocorre
se o evento estiver acobertado por contrato de seguro. Qualquer que seja o
evento e a coisa dada em substituição à que havia sido depositada, faz jus o
depositante a recebê-la. o recebimento da coisa dada em substituição não exonera
nem o terceiro nem o depositário pelos prejuízos sofridos pelo depositante,
para cuja apuração deve-se levar em conta o valor do bem que recebeu em
substituição. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 29.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 637. O herdeiro do depositário, que de boa-fé
vendeu a coisa depositada, é obrigado a assistir o depositante na
reivindicação, e a restituir ao comprador o preço recebido.
Seguindo na pauta de
Rosenvald, a morte acarreta a transmissão do patrimônio do de cujus (CC
1.784), provocando a assunção pelos herdeiros de todas as obrigações que não detenham
caráter intuitu personae. Assim, por mais que o contrato de depósito
possua origem personalíssima, a obrigação de restituir recai sobre os herdeiros
do depositário. Raciocínio contrário esvaziaria o instituto, com total
aniquilação do princípio da segurança jurídica e lesão à confiança e legítima
expectativa do depositante, além de implicar apropriação indébita.
Todavia, muitas vezes o
depósito poderá ser celebrado sem publicidade ou apenas verbalmente, não havendo
possibilidade de o herdeiro saber que a coisa que lhe fora transmitida a título
de sucessão era proveniente do referido contrato. Em tais casos, qualquer
alienação que realize será pautada pela boa-fé – aqui em sua acepção subjetiva -,
posto ser ela praticada na ignorância quanto à real titularidade da coisa
negociada.
Como saída para o
impasse criado entre a lesão ao patrimônio do depositante e a tutela da boa-fé
do herdeiro alienante, o legislador propõe uma solução intermédia que não penalize
excessivamente o alienante e possibilite ao depositante a recuperação da coisa.
Assim, o herdeiro do depositário
deverá assistir o depositante no processo de reivindicação da coisa perante o
terceiro. nessa modalidade de intervenção de terceiros (CPC 119), o assistente (herdeiro)
terá interesse jurídico em que o assistido (depositante) vença a demanda, pois
a relação jurídica da qual aquele é parte (compra e venda com o réu) será atingida
pela sentença que vier a ser proferida entre o assistido e a parte contrária. O
assistente produzirá provas e praticará atos processuais que sejam benéficos ao
assistido.
Se a presumida boa-fé
objetiva não for elidida pelo depositante, será o herdeiro apenas compelido a
restituir ao adquirente o preço que este pagou pelo bem alheio, pois a coisa foi
recuperada pelo real proprietário e o ordenamento não admite o enriquecimento
injustificado. Apesar da omissão do Código Civil, provada a má-fé do herdeiro,
ou seja, se sabia que a coisa era alheia e mesmo assim a negociou com terceiro,
será responsabilizado eventualmente por perdas e danos, tanto pelo depositante como
perante o adquirente, além de eventualmente sofrer as sanções do depositário infiel.
Tendo o herdeiro doado o
bem ao terceiro, constatada a sua boa-fé, nada indenizará ao adquirente,
lembrando-se de que não se pode reclamar a evicção nos contratos gratuitos (CC
447), pois o donatário não sofre prejuízo, mas apenas deixa de obter uma vantagem.
Por fim, caso o bem alienado tenha se
perdido ou inutilizado, sem culpa do terceiro adquirente, caberá ao herdeiro
indenizar o depositante pelo seu valor. Evidentemente, conhecendo o adquirente
a real situação do bem, também se responsabilizará pela indenização. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 664 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 29/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na Doutrina apresentada
por Fiuza, sucedendo o falecimento do depositário, é transmitida aos seus
herdeiros a obrigação de restituir a coisa depositada quando reclamada pelo
depositante. Entretanto, se qualquer deles, estando de boa-fé, alienar a coisa
a terceiro, será aquele obrigado a assistir o depositante na ação demandada
contra o adquirente, além de restituir a este o preço por ela pago, ‘o que é evidente,
pois não lhe pertencendo bem alisado, não há justificativa para conservar o
preço” (Silvio Rodrigues, Direito civil, 27 .ed., São Paulo, Saraiva,
2000, v. 3. Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p.
263.
O dispositivo tem incidência
sobre o herdeiro de boa-fé, que agiu sem qualquer intenção de prejudicar o
depositante, porquanto unicamente a ele se refere. Logo, se o ato praticado
estiver eivado de má-fé, além de assistir ao depositante na ação judicial
restituir o preço acolhido, o herdeiro do depositário responderá pelas perdas e
danos decorrentes da alienação por ele efetuada.’
Finalmente, “se a coisa
depositada já não mais existe, por ter sido consumida de boa-fé pelo comprador,
o herdeiro indenizará o depositante, o mesmo ocorrendo-se a tiver consumido em
seu uso pessoal” (José Lopes de Oliveira, Contratos, 1. ed., Recife,
Livrotécnica, 1978, p. 172). (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 341 apud Maria Helena Diniz Código
Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/11/2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
Na visão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo cuida
da venda a non domino feita de boa-fé pelo herdeiro do depositário que,
sem ter conhecimento de que o bem é objeto de contrato de depósito, julga que o
mesmo é parte de sua herança e o aliena a terceiro o negócio é, a princípio,
nulo. Deve-se observar, no entanto, o Caput do CC 1.268, que valida a
tradição a adquirente de boa-fé que se segue à oferta pública de acordo coma
teoria da aparência.
Assim,
desde que a venda a non domino da coisa depositada não esteja acobertada
pela teoria da aparência, deve o alienante de boa-fé assistir o depositante na
reivindicação e restituir do comprador o preço que recebeu pela alienação. Por ter
agido de boa-fé na alienação e sendo o erro escusável, não estará o herdeiro
obrigado ao pagamento de outros prejuízos do depositante. (Marco Túlio de Carvalho
Rocha apud Direito.com acesso em 29.11.2019, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
Art. 638. Salvo os casos previstos nos arts. 633 e
634, não poderá o depositário furtar-se à restituição do depósito, alegando não
pertencer a coisa ao depositante, ou opondo compensação, exceto se noutro
depósito se fundar.
No diapasão de Nelson
Rosenvald, quando cogitamos dos requisitos subjetivos para dar ou receber em
depósito, devemos pensar na capacidade de fato ara a prática de negócios jurídicos,
ou na superação da incapacidade, pelos institutos da representação e assistência.
Todavia, não se exige do depositante a qualidade de proprietário da coisa dada
em depósito, sendo suficiente que a sus posse seja legítima.
Portanto, um locatário, comodatário
ou usufrutuário são pessoas legitimadas a realizar o contrato de depósito,
quando necessitem que o bem recebido em razão de uma relação e direito
obrigacional ou real seja custodiado por um depositário. Em tais situações,
haverá uma ampliação no desdobramento da posse, na medida em que o depositário
será o possuidor direito e o depositante e o proprietário serão possuidores
indiretos.
Sendo assim não poderá o
depositário negar a restituição a pretexto da eventual falta de titularidade
sobre a coisa por parte do depositante. O dispositivo abre exceção para as hipóteses
em que o depositário tenha conhecimento da pendencia de execução sobre a coisa
ou for ela judicialmente embargada. Certamente, são situações em que não seria
aconselhável a restituição, sob pena de ser responsabilizado pelo credor do
depositante (CC 312).
Outrossim, não poderá o depositário
elidir a obrigação de restituir sob o argumento da existência de um crédito que
lhe é devido pelo depositante, insinuando o instituto da compensação. Ora, o CC
373, II, é explícito ao vedar a compensação quando um dos débitos seja
proveniente de contrato de depósito. De fato, justifica-se a inadmissibilidade
da compensação por ser fundamental que o depositário restitua a coisa, além do
que inexiste aqui a fungibilidade das dívidas – não só fungíveis, individualmente,
mas entre si -, requisito para qualquer compensação, a teor do CC 369. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 665 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 29/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na Doutrina de Ricardo
Fiuza, uma vez reclamado o depósito, deverá o depositário restitui-lo ao
depositante. As exceções a este comando encontram-se expressa e taxativamente
previstas no CC 633, de modo que nenhum outro motivo permitirá ao depositário
recusar-se a devolver o bem.
Desse modo, a lei proíbe ao depositário subtrair-se
à restituição da coisa, pelas razões enunciadas: 1. Não pode isentar-se pela
escusa de não pertencer o bem ao depositante “porque ele não tem poderes para
defender direitos de terceiros” (Washington de Barros Monteiro. Curso de
direito civil, 4. ed., São Paulo. Saraiva, 1965, v. 2 – Direito das
obrigações, p. 235). Porém, se o depositário tiver motivos razoáveis para
suspeitar de que a coisa depositada foi dolosamente obtida pelo depositante,
pertencendo a outrem, não será obrigado a restituí-la, como observado pelo CC
633, infine. 2 (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 341 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/11/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Segundo o mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depositante não precisa
ser o proprietário da coisa, por esta razão, não pode o depositário recusar-se
a devolver-lhe o bem somente por não ser ele o proprietário ou sob a alegação de
compensação por eventuais créditos que
possuir junto ao depositante, exceto se os referidos créditos sejam relativos
ao depósito, quando ele, depositário, passa a ter o direito de retenção (CC
644). O direito de retenção pode ser exercido por dívidas do mesmo depositante
relativas a outro objeto. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 29.11.2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
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