quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.245, 1.246, 1.247 Da Aquisição pelo Registro do Título - VARGAS, Paulo S. R.

 


Direito Civil Comentado - Art. 1.245, 1.246, 1.247

Da Aquisição pelo Registro do Título  - VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade

(Art. 1.245 ao 1.247) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção II – Da Aquisição pelo Registro do Título  

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Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

 

§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

 

§ 2º Enquanto não se registrar o titulo translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.


Sob o prisma de Francisco Eduardo Loureiro, são três os princípios que regem a regularização do registro de um imóvel. O caráter constitutivo do registro: Como mencionado no comentário ao CC 1.227, ao qual se remete o leitor, o registro imobiliário é constitutivo da propriedade e demais direitos reais sobre coisa imóvel, adquiridos a título derivado e por ato entre vivos, salvo exceções expressamente previstas em lei; nas aquisições a título originário - tome-se como exemplo a usucapião - o registro tem efeito meramente regularizador e publicitário. De igual modo, nas aquisições a título causa mortis a transmissão da propriedade aos herdeiros, em razão do instituto da saisine, dá-se no exato momento da morte; Os sistemas de aquisição dos direitos reais: Nosso sistema de aquisição da propriedade e de outros direitos reais segue a tradição do Direito romano, exigindo título mais modo, consistente em uma providência suplementar que, somada ao título, provoca a transmissão do direito real. Ao contrário do sistema francês, a propriedade sobre coisas imóveis adquiridas a título derivado não se transmite somente com o contrato (solo consensu), mas, ao contrário, exige o registro do título no registro imobiliário. Até o registro, o adquirente é mero credor do alienante. O registro é que converte o título, simples gerador de crédito, em direito real.

Além disso, nosso sistema de aquisição da propriedade é causai. O registro constitui a propriedade imobiliária, mas permanece vinculado ao título que lhe deu origem. Ao contrário do sistema alemão, no qual o registro sofre processo de depuração e se torna abstrato, em nosso sistema jurídico o registro não se desliga do título. Daí se extraem as duas marcas fundamentais do registro no nosso sistema jurídico: é constitutivo da propriedade e de outros direitos reais sobre coisas imóveis adquiridas a título inter vivos e derivado e é causai, pois se encontra ligado ao título que lhe deu origem.

 Os princípios do registro de imóveis: O registro indica quem, do que e de quanto se é titular sobre a coisa imóvel, até que se prove o contrário. Há necessidade, por consequência, de regular de modo minucioso e dotar o registro de mecanismos de segurança, que impeçam o ingresso de títulos que constituam direitos reais a favor de falsos titulares, ou de direitos de qualidade ou quantidade distintas da realidade.

A Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73) regulamenta minuciosamente o registro de imóveis (arts. 167 a 288). Funda-se a Lei n. 6.015/73 no cadastramento do imóvel em matrículas, que contêm sua descrição e características. Nas matrículas são feitas, em ordem cronológica, registros e averbações (art. 167 da Lei n. 6.015/73). Os mecanismos de segurança e de controle de ingresso dos títulos no registro imobiliário se dão mediante diversos princípios registrários: inscrição; fé-pública ou presunção relativa; publicidade; continuidade; legalidade; prioridade; especialidade.

 

O princípio da inscrição está positivado no caput e no § 1º do artigo em exame. Traduz o caráter constitutivo do registro imobiliário, ou seja, a transmissão e a constituição de direitos reais sobre imóveis por ato entre vivos e derivado somente se dão com o registro, salvo exceções legais, como o casamento pelo regime da comunhão universal de bens. Juntamente ao registro da transmissão devem ser inscritos direitos relativos às condições resolutiva, suspensiva e às cláusulas adjetas, que provocam restrição do direito de dispor. Tomem-se como exemplos a cláusula resolutiva expressa, o pacto de melhor comprador e a retrovenda, que, caso omitidas, não preveniriam de modo eficaz terceiro adquirente de boa-fé.

 

Pelo princípio da fé-pública, positivado no § 2º do artigo em exame, se presume pertencer o direito real à pessoa em cujo nome está o registro. O registro, enquanto não for cancelado, produz todos seus efeitos, como reza o art. 252 da Lei n. 6.015/73. Em razão da natureza causal do registro, a presunção é meramente relativa, pois anulado ou resolvido o direito constante do título, cancela-se o registro dele produto. O cancelamento, se não for voluntário, depende de decisão judicial, e, segundo o preceito em estudo, deve ser promovido por meio de ação própria.

 

O termo ação própria deve ser interpretado com cautela, pois em determinados casos, de nulidade absoluta do título, sua invalidade e, por consequência, o cancelamento do registro podem ser reconhecidos de modo incidente cm ação judicial. Além disso, o art. 214 da Lei de Registros Públicos, com a redação que lhe deu a recente Lei n. 10.931/2004, dispõe que o cancelamento do registro pode ser feito pelo Juiz Corregedor Permanente independentemente de ação própria, desde que ouvidos os atingidos. Deve, portanto, ser feita importante distinção. Se o vício for do título, atingindo o registro apenas de modo reflexo, exige-se comando de cancelamento na esfera jurisdicional, mediante reconhecimento principal ou incidente em ação judicial. Caso, porém, o vício seja do próprio mecanismo de registro, por ofensa aos princípios registrários ou erro do exame qualificador do oficial registrador, o cancelamento pode ocorrer na esfera administrativa, perante o Juiz Corregedor Permanente, após oitiva dos atingidos. Os §§ 3º e 4° do art. 214 da Lei de Registros Públicos, acrescentados pela mencionada Lei n. 10.931/2004, positivam jurisprudência administrativa do Estado de São Paulo, admitindo a figura do bloqueio da matrícula na esfera administrativa, com o escopo de prevenir danos a terceiros de boa-fé. O bloqueio impede o ingresso de novos registros ou averbações, mas admite sua prenotação, que ficará prorrogada, com garantia da prioridade, até que se decida pelo cancelamento do registro, ou por sua liberação. O bloqueio, portanto, é medida provisória e temporária adotada pelo Juiz Corregedor Permanente ao se deparar com irregularidades que possam desembocar no cancelamento do registro. Mantém o registro paralisado, evitando dano a terceiro de boa-fé, até que se avalie a possibilidade de seu saneamento, ou se decida pelo cancelamento. O princípio da publicidade diz que os fatos e atos constantes do registro se presumem conhecidos de todos, não se podendo alegar ignorância de título que consta do registro imobiliário. O princípio tem regra inversa: só se presume conhecido o que consta do registro, pois antes o título gera somente direito de crédito entre as partes.

 

O princípio da continuidade, também chamado trato sucessivo e trato contínuo, está previsto nos arts. 195 e 237 da Lei n. 6.105/73. Expressa a regra que ninguém pode dispor de direitos que não tem, ou de direitos de qualidade e quantidade diversa dos quais é titular. Diz que, em relação a cada imóvel, deve haver uma cadeia de titularidades, à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Não se encontram sujeitos a tal princípio os títulos que expressam modos originários de aquisição da propriedade, como a usucapião e a desapropriação judicial. Cria-se, em outras palavras, um encadeamento de titularidades, ou cadeia dominial, na qual o transmitente de um direito deve necessariamente constar do registro como seu titular. Funciona o registro imobiliário como os elos de uma corrente, um encadeado no outro, sem saltos nem soluções, de tal modo que toda titularidade sobre o imóvel apareça concatenada com a anterior e a sucessiva. O transmitente de hoje será o adquirente de ontem, e o adquirente de hoje será o transmitente de amanhã. O princípio da continuidade repousa no pressuposto lógico de que “ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não titular dele disponha” (Jose Maria Chico y Ortiz, Estúdios sobre Derecho Hipotecário, 3ª Edição Marcial Pons, Madrid, 1994, tomo I, p. 394). E o equivalente registrário do aforismo tiemo dat quod non liabet, ou seja, sem que desfrute do direito de disponibilidade, ninguém pode transferir, nem, tampouco, onerá-lo. A continuidade é a pedra de toque da segurança a que se predispõe o registro, permitindo ao adquirente conhecer a titularidade e a história da filiação dominial mediante simples leitura invertida dos registros e averbações lançados na matrícula. Não se encontram sujeitos a tal princípio os títulos que expressam modos originários de aquisição da propriedade, como a usucapião e a desapropriação judicial.

 

O princípio da legalidade tem estreita ligação com a natureza causal do registro. E o mecanismo que se interpõe entre o título e o registro, assegurando, o quanto possível, a correspondência entre a titularidade presumida e a verdadeira. É o filtro de entrada que segura títulos que rompam a malha da lei, devendo o registrador fazer o exame da obediência do título em seu aspecto formal quanto aos demais princípios registrários e normas cogentes. A essa atividade de verificação da aptidão do título para ingressar no registro dá-se o nome de qualificação do oficial do registrador. Todos os títulos, tanto extrajudiciais, como judiciais, estão sujeitos ao exame qualificador do registrador.

 

Os títulos judiciais podem ser próprios ou impróprios. São próprios os que provocam uma mutação jurídico-real, substituindo ou fazendo as vezes de negócio jurídico como, por exemplo, os formais de partilha, as cartas de adjudicação e as sentenças de adjudicação compulsória, todos sujeitos à observância estrita dos princípios registrários. Os títulos judiciais impróprios consistem cm comandos ao oficial, que não provocam mutação jurídico-real, como mandados de arresto, penhora ou indisponibilidade de bens. Em tais casos, o registrador não questiona seu conteúdo e sua coerência com os princípios registrários, pois não pode a decisão administrativa se sobrepor à proferida na esfera jurisdicional. Caso não se conforme o interessado com as exigências formuladas pelo oficial, deve suscitar dúvida ao Juiz Corregedor Permanente, na forma dos arts. 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos. Os princípios da prioridade e da especialidade dos registros serão comentados nos artigos subsequentes, que a eles se referem. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.238-40. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Historicamente, o dispositivo foi objeto de emenda aprovada pela Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. Os vocábulos “transcrição” e “transcrever” foram substituídos pelas expressões “registro” e “registrar”, respectivamente. visando adequar a redação do artigo à Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).

 

Quanto à doutrina referida por Ricardo Fiuza, a este artigo foram acrescentados dois parágrafos que fazem jus à tradição secular do direito brasileiro de que “quem não registra não é dono”, pois, enquanto não for registrado o título competente, o alienante continuará a ser tido como dono do imóvel. É certo, também, que o adquirente continuará a ser havido como dono do imóvel até que seja promovida a ação própria que decrete a invalidade do título translativo (aquele pelo qual se opera a transferência de algum direito), e nele se decrete sua inexistência ou nulidade e mande cancelar seu registro. Corresponde o artigo em exame ao art. 531 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 643, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Sob a lente de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, tal como no Código de 1916, inspirado na tradição germânica de aquisição do domínio, embora com algumas diferenciações, o atual Código Civil traz a orientação de que o simples  contrato não é suficiente para operar a transferência no domínio, gerando, tão-somente, um direito obrigacional, ou de crédito. O registro imobiliário não tem natureza de negócio jurídico, como no direito alemão, tratando-se, em verdade, de um ato jurídico causal, eis que só opera a transferência se o título jurídico (contrato de compra e venda) firmado pelas partes for efetivamente válido, ou seja, se produzir valor jurídico (Mário, 2004, p. 122).

 

Enunciado 87 do Conselho da Justiça Federal: “Considera-se também título translativo, para fins do CC 1.245, a promessa de compra e venda devidamente quitada (CC 1.417 e 1.418 e § 6º do art. 26 da Lei n. 6.766/79)” (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 30.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.

 

Às vistas de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o registro público gera eficácia a partir do momento em que for apresentado o título ao oficial de registro, e este o prenotar no protocolo. Prenotação é a apresentação do título para registro, que será protocolizado. É a partir desta data que a propriedade considerar-se-á adquirida, ainda que decorra algum tempo entre a data de apresentação do título e o efetivo registro.

 

Assim, nos termos do art. 188 da Lei de Registros Públicos (LRP), uma vez protocolizado o título no registro Imobiliário, seu registro será efetivado em trinta dias, sendo que cada título apresentado ao protocolo terá um número de ordem específico. O título de transferência será feito por escritura pública, necessariamente, quando o valor do imóvel for superior a trinta salários mínimos, como prevê o CC 108. O registro público imobiliário gera uma presunção juris tantum, ou seja, relativa, uma vez que se considera proprietário aquele que tiver seu título translativo devidamente registrado, enquanto este não for anulado e, posteriormente, cancelado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 30.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo parecer de Ricardo Fiuza, em sua Doutrina, a eficácia do registro tem seu início com a apresentação do título ao oficial do registro e com sua prenotação (anotação prévia e provisória. lançada no protocolo, decorrente da sequência rigorosa da apresentação dos títulos dependentes de registros públicos (v. Lei n. 6.015/73, arts. 182, 198, 203. 1. 205 e 286, e Walter Ceneviva, Lei dos Registros Públicos comentada, 14. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 351 e s.), no protocolo (que é o livro em que o oficial toma apontamento dos títulos que lhe são apresentados para as formalidades do registro).  O artigo equipara-se ao art. 534 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 644, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na supervisão de Francisco Eduardo Loureiro, o preceito em exame positiva o princípio da prioridade, que, na expressão de Afrânio de Carvalho, significa que “num concurso de direitos reais sobre um mesmo imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento” (Registro de imóveis. Rio de Janeiro, Forense, 1977). Vigora a máxima prius in tempus, mellior in jus, de modo que o título, que traduz simples relação de crédito, converte-se em direito real e ganha eficácia contra terceiros no exato momento no qual é prenotado no registro imobiliário. Entre o protocolo do título e seu efetivo registro decorre certo tempo para que o oficial faça a qualificação, fixado em um máximo de trinta dias no art. 188 da Lei de Registros Públicos. O registro, porém, é feito com a data do protocolo e todos seus efeitos a ela retroagem, pois a eficácia erga omnes nasce com a prenotação. Dispõem os arts. 11 e 12 da Lei de Registros Públicos que todos os títulos ingressados no registro serão protocolados para assegurar a preferência sobre outro eventual direito contraditório. A única exceção a tal regra é a recepção do título para simples exame e cálculo, mediante requerimento expresso do interessado de que não deseja seu registro e tem ciência dos efeitos jurídicos da ausência da prenotação. Tem o princípio da prioridade o escopo principal de evitar o conflito de títulos contraditórios, ou seja, aqueles que têm por objeto direitos que não podem coexistir, relativos ao mesmo imóvel, cuja força dependa da ordem de ingresso no registro imobiliário ( ORLANDI NETO, Narciso. Retificação do registro de imóveis. São Paulo, Oliveira Mendes, 1997, p. 62). Os títulos serão protocolados e prenotados na sequência rigorosa de sua apresentação, como determina o art. 182 da Lei n. 6.015/73. O art. 186 dispõe que “o número de ordem determinará a prioridade do título e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente”.

 

Caso ingressem dois títulos contraditórios, estabelece-se uma sequência de prioridades, pois, nos termos do art. 205 da Lei n. 6.015/73, “cessarão automaticamente os efeitos da prenotação, se, decorridos trinta dias do seu lançamento no protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do interessado em atender as exigências legais”. Cancelada a prenotação do primeiro título, o segundo título assume a prioridade e é, então, submetido à qualificação registrária. A regra geral de que a prioridade é determinada pela ordem de protocolo tem duas exceções, previstas na Lei n. 6.015/73. A primeira está no art. 189 e diz respeito à segunda hipoteca, cujo título, na ausência de registro da primeira hipoteca, aguarda pelo prazo de trinta dias para que os interessados na primeira hipoteca promovam sua inscrição. A segunda está prevista no art. 192 e diz respeito às escrituras públicas lavradas na mesma data e apresentadas a registro no mesmo dia. Em tal caso, a prioridade é conferida não ao título de protocolo inferior, mas àquele lavrado em primeiro lugar, desde que deles conste taxativamente a hora da lavratura. Vimos que a prenotação tem prazo de trinta dias, assegurando nesse período a prioridade ao interessado. Em casos excepcionais, pode haver prorrogação do prazo da prenotação, em razão da impossibilidade de se fazer o registro no trintídio. Tomem-se como exemplos a suscitação da dúvida, os registros de loteamento e de bem de família, que dependem da publicação de editais, ou a própria reapresentação do título defeituoso nos últimos dias do trintídio. Os arts. 188 e 205 da Lei de Registros Públicos encerram certa contradição em termos. Ambos assinam o mesmo prazo de trinta dias, o primeiro para que o oficial proceda ao exame e registro do título e o segundo para que o interessado tenha assegurada a prenotação. Assim, se o oficial devolver o título sem registro no último dia, não teria o interessado como cumprir as exigências formuladas, antes do cancelamento da prenotação. Visando a corrigir tal falha, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo determinou que o prazo para exame e eventual devolução do título pelo registrador é de quinze dias, ficando a segunda quinzena reservada ao interessado, para que atenda eventuais exigências levantadas pelo registrador. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.242-43. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule.

 

Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente.

 

Fechando a seção Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, refletem desde que não haja decisão judicial determinando a invalidade do negócio jurídico subjacente e o respectivo cancelamento do registro imobiliário, considera-se proprietário aquele que tem seu nome ali gravado por último. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 30.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Em visão expandida, vê Francisco Eduardo Loureiro, que o registro imobiliário, nas aquisições derivadas e inter vivos, é constitutivo dos direitos reais e tem presunção relativa de veracidade, até que seja cancelado, por ser causai. Não só constitui propriedade, mas modula sua quantidade e a qualidade. É fundamental, portanto, o registro imobiliário ser sistema seguro e público, devendo espelhar a realidade. Pode ocorrer, em casos excepcionais, que o registro não reflita a realidade, caso no qual poderá o interessado pleitear sua retificação ou, em casos mais graves, até mesmo seu cancelamento. O erro pode dizer respeito ao direito ou aos fatos constantes do registro. Tome-se como exemplo de erro de direito o registro da escritura de doação, com omissão da reserva de usufruto. Poderá o interessado pleitear ao oficial que proceda ao registro do direito real de usufruto. Já a retificação de fato, no dizer de Narciso Orlandi Neto, “destina-se a corrigir imprecisões relativas às características do imóvel ou à identificação das pessoas envolvidas no registro” (Retificação do registro de imóveis. São Paulo, Oliveira Mendes, 1997, p. 81). O cancelamento do registro, por meio de ação na esfera jurisdicional ou pedido deduzido na esfera administrativa, já foi tratado nos comentários ao CC 1.245. Resta a retificação do registro imobiliário, disciplinado nos arts. 212 e 213 da Lei de Registros Públicos, com as profundas alterações introduzidas pela recente Lei n. 10.931/2004. Pode a retificação dar-se em três vias: perante o próprio oficial do registro imobiliário, com ou sem oitiva dos confrontantes; perante o Juiz Corregedor Permanente, ainda na esfera administrativa; nas vias ordinárias, na esfera jurisdicional.

 

O princípio da especialidade não tolera a imprecisão do registro imobiliário e significa que “toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente individuado” (CARVALHO, Afrânio de. Registro de imóveis. Rio de Janeiro, Forense, 1977, p. 219). O art. 176, § I o, 11, 3, da Lei de Registros Públicos dispõe que a matrícula deve descrever com precisão o imóvel especializando-o, de modo a torná-lo inconfundível com qualquer outro. Devem constar as características do imóvel como confrontação, localização, área, logradouro e número, se urbano; denominação, se rural, além de sua designação cadastral. O preceito deve ser lido em consonância com o art. 225, § 2ª da mesma Lei, que dispõe: “a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior”. Da congruência dos dois artigos, tolera-se a abertura de matrícula com exata coincidência com o registro anterior, em que pese a ausência de descrição completa do imóvel, desde que seja possível sua localização geodésica, com um mínimo de certeza de que não haverá sobreposição a registros vizinhos. O inadmissível é a criação de nova unidade imobiliária, por fusão ou desmembramento, de imóveis que não disponham de todas as medidas e características. Prédio com descrição imprecisa não pode dar origem a prédio com descrição perfeita.

 

Complementando tal regra, temos que o interessado não pode incluir unilateralmente no registro alteração das características do imóvel. Embora a propriedade imóvel seja direito patrimonial, o registro é público, pois diz respeito à segurança das relações jurídicas. A imperfeição ou omissão do registro, portanto, devem ser objeto de retificação perante o oficial do registro imobiliário, ou Juiz Corregedor Permanente, ou Juiz de Direito, na esfera jurisdicional. Retificar é corrigir, sanear, adequar o registro à realidade. A Lei n. 10.931/2004, que deu nova redação aos arts. 212 e 213 da Lei dos Registros Públicos, deslocou a retificação do registro da competência do Juiz Corregedor Permanente para a atribuição do oficial do registro imobiliário. A regra é a opção do interessado pela retificação mediante pedido administrativo ao oficial. A exceção, o encaminhamento dos autos ao Juiz Corregedor Permanente. O art. 213 da Lei de Registros Públicos é bipartido. O inciso I trata das retificações de registro ou de averbações a requerimento da parte ou de ofício, sem necessidade de anuência ou notificação dos confinantes. O princípio da instância - o registro não pode ser alterado sem requerimento do interessado - sofreu novas e importantes exceções, por não ter o interessado direito à manutenção do registro errado. As hipóteses de erro ou omissão evidentes foram alargadas. Note-se que, para aplicação do preceito sem oitiva dos confinantes, o erro e sua correção devem ser evidentes. Especialmente no referido à alínea d do inciso I, que trata da inserção de rumos, ângulos de deflexão e coordenadas georreferenciadas, deverá o oficial verificar a ausência de potencialidade danosa a terceiros, ou seja, a certeza de que não se alterará a figura geodésica do imóvel. Sem tal certeza, exigirá a anuência dos confrontantes, na forma do inciso 11 do mesmo art. 213. O inciso II do art. 213 trata das retificações bilaterais, nos casos de inserção ou alteração de medidas perimetrais que resultem, ou não, alteração da área de superfície, a serem postuladas pelos interessados diretamente ao oficial do registro imobiliário, instruídas com planta e memorial descritivo subscritos por profissional habilitado e com anuência dos confrontantes. Por interessado se entende qualquer titular de direito real ou titular de direito pessoal de aquisição - comprador, promissário comprador, donatário - que demonstre a utilidade que lhe trará a retificação. Segundo o § 10 do art. 213, por confrontante se entende lodo titular de direito real sobre imóvel contíguo, sendo desnecessária a anuência do cônjuge. Fala a lei em ocupante, termo impróprio, pois na retificação não se altera posse, mas domínio. Desnecessária, assim, a anuência de detentores ou de possuidores diretos. Apenas o possuidor com posse ad usucapionem deve anuir. Note-se que pode o oficial registrador, em determinados casos, especialmente em áreas rurais com descrições antigas e imprecisas, não dispor de elementos minimamente confiáveis para saber se as pessoas indicadas pelo interessado são realmente confrontantes, ou se a retificação importará em sobreposição a registros vizinhos. Em tal caso, com ou sem impugnação, remeterá os autos ao juiz corregedor permanente, para que determine este a realização de prova pericial.

 

Caso o pedido de retificação não conte com a anuência dos confrontantes, devem ser eles indicados pelo interessado e notificados pelo oficial do registro imobiliário, com prazo de quinze dias para ofertarem impugnação. O silêncio do confrontante significa sua concordância com o pedido, podendo ser averbada a retificação. Se houver impugnação, o oficial do registro imobiliário intimará o requerente para respondê-la e encaminhará os autos ao Juiz Corregedor Permanente. Este, por sua vez, atuando na esfera administrativa, decidirá de plano ou após instrução sumária, desde que não verse a impugnação, na dicção legal, “sobre direito de propriedade”. Não se fala mais em impugnação fundamentada, como fazia a redação original do art. 213, que dizia respeito não à natureza do direito invocado, mas à complexidade da prova a ser produzida. O termo direito de propriedade, antes referido, deve ser entendido como questão que não diga respeito a mero erro registrário, mas que encubra pretensão de natureza reivindicatória, demarcatória ou de usucapião, insuscetível, portanto, de ser dirimida na esfera administrativa. As impugnações fundadas em questões possessórias, de inexistência de posse do requerente ou de existência de posse do impugnante, podem ser rejeitadas de plano, porque a retificação de registro visa a apenas corrigir o domínio e não verificar alterações possessórias. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.244-45. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 Historicamente, o dispositivo foi alvo de emenda aprovada pela Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. O vocábulo “transcrição” foi substituído pela palavra “registro”, visando adequar a redação do artigo à Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73). 

Na doutrina finalista de Ricardo Fiuza, este dispositivo trata da retificação e da anulação do registro, inclusive, a qual só é possível judicialmente, indo além, portanto, do art. 213 da Lei n. 6.015, de 31-12-1973, que regula apenas a retificação do registro que não prejudique terceiro. O parágrafo único traz a consequência do cancelamento do registro e a possibilidade de o proprietário reivindicar o imóvel independentemente da boa-fé do terceiro adquirente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 644, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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