Direito Civil Comentado - Art. 1.245, 1.246, 1.247
Da Aquisição pelo Registro do Título - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro III – Título III –
Da Propriedade
(Art. 1.245 ao 1.247) Capítulo II – Da Aquisição da
Propriedade Imóvel
Seção II – Da
Aquisição pelo Registro do Título
–
digitadorvargas@outlook.com – vargasdigitador.blogspot.com
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do
título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1º Enquanto não se registrar o título
translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
§ 2º Enquanto não se registrar o titulo
translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
Sob o prisma de Francisco Eduardo Loureiro, são três os princípios que regem a regularização do registro de um imóvel. O caráter constitutivo do registro: Como mencionado no comentário ao CC 1.227, ao qual se remete o leitor, o registro imobiliário é constitutivo da propriedade e demais direitos reais sobre coisa imóvel, adquiridos a título derivado e por ato entre vivos, salvo exceções expressamente previstas em lei; nas aquisições a título originário - tome-se como exemplo a usucapião - o registro tem efeito meramente regularizador e publicitário. De igual modo, nas aquisições a título causa mortis a transmissão da propriedade aos herdeiros, em razão do instituto da saisine, dá-se no exato momento da morte; Os sistemas de aquisição dos direitos reais: Nosso sistema de aquisição da propriedade e de outros direitos reais segue a tradição do Direito romano, exigindo título mais modo, consistente em uma providência suplementar que, somada ao título, provoca a transmissão do direito real. Ao contrário do sistema francês, a propriedade sobre coisas imóveis adquiridas a título derivado não se transmite somente com o contrato (solo consensu), mas, ao contrário, exige o registro do título no registro imobiliário. Até o registro, o adquirente é mero credor do alienante. O registro é que converte o título, simples gerador de crédito, em direito real.
Além disso, nosso sistema de aquisição da propriedade é causai. O registro constitui a propriedade imobiliária, mas permanece vinculado ao título que lhe deu origem. Ao contrário do sistema alemão, no qual o registro sofre processo de depuração e se torna abstrato, em nosso sistema jurídico o registro não se desliga do título. Daí se extraem as duas marcas fundamentais do registro no nosso sistema jurídico: é constitutivo da propriedade e de outros direitos reais sobre coisas imóveis adquiridas a título inter vivos e derivado e é causai, pois se encontra ligado ao título que lhe deu origem.
A Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73) regulamenta minuciosamente o registro de imóveis (arts. 167 a 288). Funda-se a Lei n. 6.015/73 no cadastramento do imóvel em matrículas, que contêm sua descrição e características. Nas matrículas são feitas, em ordem cronológica, registros e averbações (art. 167 da Lei n. 6.015/73). Os mecanismos de segurança e de controle de ingresso dos títulos no registro imobiliário se dão mediante diversos princípios registrários: inscrição; fé-pública ou presunção relativa; publicidade; continuidade; legalidade; prioridade; especialidade.
O
princípio da inscrição está positivado no caput e no § 1º do artigo em
exame. Traduz o caráter constitutivo do registro imobiliário, ou seja, a
transmissão e a constituição de direitos reais sobre imóveis por ato entre
vivos e derivado somente se dão com o registro, salvo exceções legais, como o
casamento pelo regime da comunhão universal de bens. Juntamente ao registro da
transmissão devem ser inscritos direitos relativos às condições resolutiva,
suspensiva e às cláusulas adjetas, que provocam restrição do direito de dispor.
Tomem-se como exemplos a cláusula resolutiva expressa, o pacto de melhor
comprador e a retrovenda, que, caso omitidas, não preveniriam de modo eficaz
terceiro adquirente de boa-fé.
Pelo
princípio da fé-pública, positivado no § 2º do artigo em exame, se presume
pertencer o direito real à pessoa em cujo nome está o registro. O registro,
enquanto não for cancelado, produz todos seus efeitos, como reza o art. 252 da
Lei n. 6.015/73. Em razão da natureza causal do registro, a presunção é
meramente relativa, pois anulado ou resolvido o direito constante do título,
cancela-se o registro dele produto. O cancelamento, se não for voluntário,
depende de decisão judicial, e, segundo o preceito em estudo, deve ser
promovido por meio de ação própria.
O
termo ação própria deve ser interpretado com cautela, pois em
determinados casos, de nulidade absoluta do título, sua invalidade e, por
consequência, o cancelamento do registro podem ser reconhecidos de modo
incidente cm ação judicial. Além disso, o art. 214 da Lei de Registros
Públicos, com a redação que lhe deu a recente Lei n. 10.931/2004, dispõe que o
cancelamento do registro pode ser feito pelo Juiz Corregedor Permanente
independentemente de ação própria, desde que ouvidos os atingidos. Deve,
portanto, ser feita importante distinção. Se o vício for do título, atingindo o
registro apenas de modo reflexo, exige-se comando de cancelamento na esfera
jurisdicional, mediante reconhecimento principal ou incidente em ação judicial.
Caso, porém, o vício seja do próprio mecanismo de registro, por ofensa aos
princípios registrários ou erro do exame qualificador do oficial registrador, o
cancelamento pode ocorrer na esfera administrativa, perante o Juiz Corregedor
Permanente, após oitiva dos atingidos. Os §§ 3º e 4° do art. 214 da Lei de
Registros Públicos, acrescentados pela mencionada Lei n. 10.931/2004, positivam
jurisprudência administrativa do Estado de São Paulo, admitindo a figura do
bloqueio da matrícula na esfera administrativa, com o escopo de prevenir danos
a terceiros de boa-fé. O bloqueio impede o ingresso de novos registros ou
averbações, mas admite sua prenotação, que ficará prorrogada, com garantia da
prioridade, até que se decida pelo cancelamento do registro, ou por sua
liberação. O bloqueio, portanto, é medida provisória e temporária adotada pelo
Juiz Corregedor Permanente ao se deparar com irregularidades que possam
desembocar no cancelamento do registro. Mantém o registro paralisado, evitando
dano a terceiro de boa-fé, até que se avalie a possibilidade de seu saneamento,
ou se decida pelo cancelamento. O princípio da publicidade diz que os fatos e
atos constantes do registro se presumem conhecidos de todos, não se podendo
alegar ignorância de título que consta do registro imobiliário. O princípio tem
regra inversa: só se presume conhecido o que consta do registro, pois antes o
título gera somente direito de crédito entre as partes.
O
princípio da continuidade, também chamado trato sucessivo e trato contínuo,
está previsto nos arts. 195 e 237 da Lei n. 6.105/73. Expressa a regra que
ninguém pode dispor de direitos que não tem, ou de direitos de qualidade e
quantidade diversa dos quais é titular. Diz que, em relação a cada imóvel, deve
haver uma cadeia de titularidades, à vista da qual só se fará a inscrição de um
direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Não se
encontram sujeitos a tal princípio os títulos que expressam modos originários
de aquisição da propriedade, como a usucapião e a desapropriação judicial.
Cria-se, em outras palavras, um encadeamento de titularidades, ou cadeia
dominial, na qual o transmitente de um direito deve necessariamente constar do
registro como seu titular. Funciona o registro imobiliário como os elos de uma
corrente, um encadeado no outro, sem saltos nem soluções, de tal modo que toda
titularidade sobre o imóvel apareça concatenada com a anterior e a sucessiva. O
transmitente de hoje será o adquirente de ontem, e o adquirente de hoje será o
transmitente de amanhã. O princípio da continuidade repousa no pressuposto
lógico de que “ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja
inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não titular dele
disponha” (Jose Maria Chico y Ortiz, Estúdios sobre Derecho Hipotecário,
3ª Edição Marcial Pons, Madrid, 1994, tomo I, p. 394). E o equivalente
registrário do aforismo tiemo dat quod non liabet, ou seja, sem que
desfrute do direito de disponibilidade, ninguém pode transferir, nem, tampouco,
onerá-lo. A continuidade é a pedra de toque da segurança a que se predispõe o
registro, permitindo ao adquirente conhecer a titularidade e a história da
filiação dominial mediante simples leitura invertida dos registros e averbações
lançados na matrícula. Não se encontram sujeitos a tal princípio os títulos que
expressam modos originários de aquisição da propriedade, como a usucapião e a
desapropriação judicial.
O
princípio da legalidade tem estreita ligação com a natureza causal do registro.
E o mecanismo que se interpõe entre o título e o registro, assegurando, o
quanto possível, a correspondência entre a titularidade presumida e a
verdadeira. É o filtro de entrada que segura títulos que rompam a malha da lei,
devendo o registrador fazer o exame da obediência do título em seu aspecto
formal quanto aos demais princípios registrários e normas cogentes. A essa
atividade de verificação da aptidão do título para ingressar no registro dá-se
o nome de qualificação do oficial do registrador. Todos os títulos, tanto
extrajudiciais, como judiciais, estão sujeitos ao exame qualificador do
registrador.
Os
títulos judiciais podem ser próprios ou impróprios. São próprios os que
provocam uma mutação jurídico-real, substituindo ou fazendo as vezes de negócio
jurídico como, por exemplo, os formais de partilha, as cartas de adjudicação e
as sentenças de adjudicação compulsória, todos sujeitos à observância estrita
dos princípios registrários. Os títulos judiciais impróprios consistem cm
comandos ao oficial, que não provocam mutação jurídico-real, como mandados de
arresto, penhora ou indisponibilidade de bens. Em tais casos, o registrador não
questiona seu conteúdo e sua coerência com os princípios registrários, pois não
pode a decisão administrativa se sobrepor à proferida na esfera jurisdicional.
Caso não se conforme o interessado com as exigências formuladas pelo oficial,
deve suscitar dúvida ao Juiz Corregedor Permanente, na forma dos arts. 198 e
seguintes da Lei de Registros Públicos. Os princípios da prioridade e da
especialidade dos registros serão comentados nos artigos subsequentes, que a
eles se referem.
(Francisco Eduardo Loureiro, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.238-40.
Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/09/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Historicamente,
o dispositivo foi objeto de emenda aprovada pela Câmara dos Deputados, no
período final de tramitação do projeto. Os vocábulos “transcrição” e
“transcrever” foram substituídos pelas expressões “registro” e “registrar”,
respectivamente. visando adequar a redação do artigo à Lei dos Registros
Públicos (Lei n. 6.015/73).
Quanto
à doutrina referida por Ricardo Fiuza, a este artigo foram acrescentados dois
parágrafos que fazem jus à tradição secular do direito brasileiro de que “quem
não registra não é dono”, pois, enquanto não for registrado o título
competente, o alienante continuará a ser tido como dono do imóvel. É certo,
também, que o adquirente continuará a ser havido como dono do imóvel até que
seja promovida a ação própria que decrete a invalidade do título translativo
(aquele pelo qual se opera a transferência de algum direito), e nele se decrete
sua inexistência ou nulidade e mande cancelar seu registro. Corresponde o
artigo em exame ao art. 531 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o
mesmo tratamento doutrinário.
(Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 643, apud Maria Helena Diniz
Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Sob
a lente de Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira, tal como no Código de 1916, inspirado na tradição germânica
de aquisição do domínio, embora com algumas diferenciações, o atual Código
Civil traz a orientação de que o simples contrato não é suficiente para operar a
transferência no domínio, gerando, tão-somente, um direito obrigacional, ou de
crédito. O registro imobiliário não tem natureza de negócio jurídico,
como no direito alemão, tratando-se, em verdade, de um ato jurídico causal, eis
que só opera a transferência se o título jurídico (contrato de compra e venda)
firmado pelas partes for efetivamente válido, ou seja, se produzir valor
jurídico (Mário, 2004, p. 122).
Enunciado 87 do Conselho da
Justiça Federal: “Considera-se também título translativo, para fins do CC
1.245, a promessa de compra e venda devidamente quitada (CC 1.417 e 1.418 e §
6º do art. 26 da Lei n. 6.766/79)” (Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 30.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em
que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no
protocolo.
Às
vistas de Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira, o registro público gera eficácia a partir do momento
em que for apresentado o título ao oficial de registro, e este o prenotar
no protocolo. Prenotação é a apresentação do título para registro, que
será protocolizado. É a partir desta data que a propriedade considerar-se-á
adquirida, ainda que decorra algum tempo entre a data de apresentação do título
e o efetivo registro.
Assim, nos termos do art. 188
da Lei de Registros Públicos (LRP), uma vez protocolizado o título no registro
Imobiliário, seu registro será efetivado em trinta dias, sendo que cada título
apresentado ao protocolo terá um número de ordem específico. O título de
transferência será feito por escritura pública, necessariamente, quando
o valor do imóvel for superior a trinta salários mínimos, como prevê o CC 108.
O registro público imobiliário gera uma presunção juris tantum, ou seja,
relativa, uma vez que se considera proprietário aquele que tiver seu título
translativo devidamente registrado, enquanto este não for anulado e,
posteriormente, cancelado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 30.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Segundo
parecer de Ricardo Fiuza, em sua Doutrina, a eficácia do registro tem seu
início com a apresentação do título ao oficial do registro e com sua prenotação
(anotação prévia e provisória. lançada no protocolo, decorrente da sequência
rigorosa da apresentação dos títulos dependentes de registros públicos (v. Lei
n. 6.015/73, arts. 182, 198, 203. 1. 205 e 286, e Walter Ceneviva, Lei dos
Registros Públicos comentada, 14. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 351 e
s.), no protocolo (que é o livro em que o oficial toma apontamento dos títulos
que lhe são apresentados para as formalidades do registro). O artigo equipara-se ao art. 534 do Código
Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – p. 644, apud Maria Helena Diniz
Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na
supervisão de Francisco Eduardo Loureiro, o preceito em exame
positiva o princípio da prioridade, que, na expressão de Afrânio de Carvalho,
significa que “num concurso de direitos reais sobre um mesmo imóvel, estes não
ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência
fundada na ordem cronológica do seu aparecimento” (Registro de imóveis. Rio de
Janeiro, Forense, 1977). Vigora a máxima prius in tempus, mellior in jus,
de modo que o título, que traduz simples relação de crédito, converte-se em
direito real e ganha eficácia contra terceiros no exato momento no qual é
prenotado no registro imobiliário. Entre o protocolo do título e seu efetivo
registro decorre certo tempo para que o oficial faça a qualificação, fixado em
um máximo de trinta dias no art. 188 da Lei de Registros Públicos. O registro,
porém, é feito com a data do protocolo e todos seus efeitos a ela retroagem,
pois a eficácia erga omnes nasce com a prenotação. Dispõem os arts. 11 e 12 da
Lei de Registros Públicos que todos os títulos ingressados no registro serão
protocolados para assegurar a preferência sobre outro eventual direito
contraditório. A única exceção a tal regra é a recepção do título para simples
exame e cálculo, mediante requerimento expresso do interessado de que não
deseja seu registro e tem ciência dos efeitos jurídicos da ausência da
prenotação. Tem o princípio da prioridade o escopo principal de evitar o
conflito de títulos contraditórios, ou seja, aqueles que têm por objeto
direitos que não podem coexistir, relativos ao mesmo imóvel, cuja força dependa
da ordem de ingresso no registro imobiliário ( ORLANDI NETO, Narciso. Retificação
do registro de imóveis. São Paulo, Oliveira Mendes, 1997, p. 62). Os
títulos serão protocolados e prenotados na sequência rigorosa de sua
apresentação, como determina o art. 182 da Lei n. 6.015/73. O art. 186 dispõe
que “o número de ordem determinará a prioridade do título e esta a preferência
dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título
simultaneamente”.
Caso
ingressem dois títulos contraditórios, estabelece-se uma sequência de
prioridades, pois, nos termos do art. 205 da Lei n. 6.015/73, “cessarão
automaticamente os efeitos da prenotação, se, decorridos trinta dias do seu
lançamento no protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do
interessado em atender as exigências legais”. Cancelada a prenotação do
primeiro título, o segundo título assume a prioridade e é, então, submetido à
qualificação registrária. A regra geral de que a prioridade é determinada pela
ordem de protocolo tem duas exceções, previstas na Lei n. 6.015/73. A primeira
está no art. 189 e diz respeito à segunda hipoteca, cujo título, na ausência de
registro da primeira hipoteca, aguarda pelo prazo de trinta dias para que os
interessados na primeira hipoteca promovam sua inscrição. A segunda está
prevista no art. 192 e diz respeito às escrituras públicas lavradas na mesma
data e apresentadas a registro no mesmo dia. Em tal caso, a prioridade é
conferida não ao título de protocolo inferior, mas àquele lavrado em primeiro
lugar, desde que deles conste taxativamente a hora da lavratura. Vimos que a
prenotação tem prazo de trinta dias, assegurando nesse período a prioridade ao
interessado. Em casos excepcionais, pode haver prorrogação do prazo da prenotação,
em razão da impossibilidade de se fazer o registro no trintídio. Tomem-se como
exemplos a suscitação da dúvida, os registros de loteamento e de bem de
família, que dependem da publicação de editais, ou a própria reapresentação do
título defeituoso nos últimos dias do trintídio. Os arts. 188 e 205 da Lei de
Registros Públicos encerram certa contradição em termos. Ambos assinam o mesmo
prazo de trinta dias, o primeiro para que o oficial proceda ao exame e registro
do título e o segundo para que o interessado tenha assegurada a prenotação.
Assim, se o oficial devolver o título sem registro no último dia, não teria o
interessado como cumprir as exigências formuladas, antes do cancelamento da
prenotação. Visando a corrigir tal falha, a Corregedoria Geral da Justiça do
Estado de São Paulo determinou que o prazo para exame e eventual devolução do
título pelo registrador é de quinze dias, ficando a segunda quinzena reservada
ao interessado, para que atenda eventuais exigências levantadas pelo
registrador.
(Francisco Eduardo Loureiro, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.242-43.
Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/09/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a verdade,
poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule.
Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o
proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do
terceiro adquirente.
Fechando a seção Luís
Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, refletem desde que não haja decisão
judicial determinando a invalidade do negócio jurídico subjacente e o
respectivo cancelamento do registro imobiliário, considera-se proprietário
aquele que tem seu nome ali gravado por último. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 30.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Em visão expandida, vê Francisco
Eduardo Loureiro, que
o registro imobiliário, nas aquisições derivadas e inter vivos, é constitutivo
dos direitos reais e tem presunção relativa de veracidade, até que seja
cancelado, por ser causai. Não só constitui propriedade, mas modula sua
quantidade e a qualidade. É fundamental, portanto, o registro imobiliário ser
sistema seguro e público, devendo espelhar a realidade. Pode ocorrer, em casos
excepcionais, que o registro não reflita a realidade, caso no qual poderá o interessado
pleitear sua retificação ou, em casos mais graves, até mesmo seu cancelamento.
O erro pode dizer respeito ao direito ou aos fatos constantes do registro.
Tome-se como exemplo de erro de direito o registro da escritura de doação, com
omissão da reserva de usufruto. Poderá o interessado pleitear ao oficial que
proceda ao registro do direito real de usufruto. Já a retificação de fato, no
dizer de Narciso Orlandi Neto, “destina-se a corrigir imprecisões relativas às
características do imóvel ou à identificação das pessoas envolvidas no
registro” (Retificação do registro de imóveis. São Paulo, Oliveira
Mendes, 1997, p. 81). O cancelamento do registro, por meio de ação na esfera
jurisdicional ou pedido deduzido na esfera administrativa, já foi tratado nos
comentários ao CC 1.245. Resta a retificação do registro imobiliário,
disciplinado nos arts. 212 e 213 da Lei de Registros Públicos, com as profundas
alterações introduzidas pela recente Lei n. 10.931/2004. Pode a retificação
dar-se em três vias: perante o próprio oficial do registro imobiliário, com ou
sem oitiva dos confrontantes; perante o Juiz Corregedor Permanente, ainda na
esfera administrativa; nas vias ordinárias, na esfera jurisdicional.
O
princípio da especialidade não tolera a imprecisão do registro imobiliário e
significa que “toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente
individuado” (CARVALHO,
Afrânio de. Registro de imóveis. Rio de Janeiro, Forense, 1977, p. 219).
O art. 176, § I o, 11, 3, da Lei de Registros Públicos dispõe que a matrícula
deve descrever com precisão o imóvel especializando-o, de modo a torná-lo
inconfundível com qualquer outro. Devem constar as características do imóvel
como confrontação, localização, área, logradouro e número, se urbano;
denominação, se rural, além de sua designação cadastral. O preceito deve ser
lido em consonância com o art. 225, § 2ª da mesma Lei, que dispõe: “a
caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior”.
Da congruência dos dois artigos, tolera-se a abertura de matrícula com exata
coincidência com o registro anterior, em que pese a ausência de descrição
completa do imóvel, desde que seja possível sua localização geodésica, com um
mínimo de certeza de que não haverá sobreposição a registros vizinhos. O
inadmissível é a criação de nova unidade imobiliária, por fusão ou
desmembramento, de imóveis que não disponham de todas as medidas e
características. Prédio com descrição imprecisa não pode dar origem a prédio
com descrição perfeita.
Complementando
tal regra, temos que o interessado não pode incluir unilateralmente no registro
alteração das características do imóvel. Embora a propriedade imóvel seja
direito patrimonial, o registro é público, pois diz respeito à segurança das
relações jurídicas. A imperfeição ou omissão do registro, portanto, devem ser
objeto de retificação perante o oficial do registro imobiliário, ou Juiz
Corregedor Permanente, ou Juiz de Direito, na esfera jurisdicional. Retificar é
corrigir, sanear, adequar o registro à realidade. A Lei n. 10.931/2004, que deu
nova redação aos arts. 212 e 213 da Lei dos Registros Públicos, deslocou a
retificação do registro da competência do Juiz Corregedor Permanente para a
atribuição do oficial do registro imobiliário. A regra é a opção do interessado
pela retificação mediante pedido administrativo ao oficial. A exceção, o
encaminhamento dos autos ao Juiz Corregedor Permanente. O art. 213 da Lei de
Registros Públicos é bipartido. O inciso I trata das retificações de registro
ou de averbações a requerimento da parte ou de ofício, sem necessidade de
anuência ou notificação dos confinantes. O princípio da instância - o registro
não pode ser alterado sem requerimento do interessado - sofreu novas e
importantes exceções, por não ter o interessado direito à manutenção do
registro errado. As hipóteses de erro ou omissão evidentes foram alargadas.
Note-se que, para aplicação do preceito sem oitiva dos confinantes, o erro e
sua correção devem ser evidentes. Especialmente no referido à alínea d do
inciso I, que trata da inserção de rumos, ângulos de deflexão e coordenadas
georreferenciadas, deverá o oficial verificar a ausência de potencialidade
danosa a terceiros, ou seja, a certeza de que não se alterará a figura
geodésica do imóvel. Sem tal certeza, exigirá a anuência dos confrontantes, na
forma do inciso 11 do mesmo art. 213. O inciso II do art. 213 trata das
retificações bilaterais, nos casos de inserção ou alteração de medidas
perimetrais que resultem, ou não, alteração da área de superfície, a serem
postuladas pelos interessados diretamente ao oficial do registro imobiliário,
instruídas com planta e memorial descritivo subscritos por profissional
habilitado e com anuência dos confrontantes. Por interessado se entende
qualquer titular de direito real ou titular de direito pessoal de aquisição -
comprador, promissário comprador, donatário - que demonstre a utilidade que lhe
trará a retificação. Segundo o § 10 do art. 213, por confrontante se entende
lodo titular de direito real sobre imóvel contíguo, sendo desnecessária a
anuência do cônjuge. Fala a lei em ocupante, termo impróprio, pois na
retificação não se altera posse, mas domínio. Desnecessária, assim, a anuência
de detentores ou de possuidores diretos. Apenas o possuidor com posse ad usucapionem
deve anuir. Note-se que pode o oficial registrador, em determinados casos,
especialmente em áreas rurais com descrições antigas e imprecisas, não dispor
de elementos minimamente confiáveis para saber se as pessoas indicadas pelo
interessado são realmente confrontantes, ou se a retificação importará em
sobreposição a registros vizinhos. Em tal caso, com ou sem impugnação, remeterá
os autos ao juiz corregedor permanente, para que determine este a realização de
prova pericial.
Caso o pedido de retificação não conte com a anuência dos confrontantes, devem ser eles indicados pelo interessado e notificados pelo oficial do registro imobiliário, com prazo de quinze dias para ofertarem impugnação. O silêncio do confrontante significa sua concordância com o pedido, podendo ser averbada a retificação. Se houver impugnação, o oficial do registro imobiliário intimará o requerente para respondê-la e encaminhará os autos ao Juiz Corregedor Permanente. Este, por sua vez, atuando na esfera administrativa, decidirá de plano ou após instrução sumária, desde que não verse a impugnação, na dicção legal, “sobre direito de propriedade”. Não se fala mais em impugnação fundamentada, como fazia a redação original do art. 213, que dizia respeito não à natureza do direito invocado, mas à complexidade da prova a ser produzida. O termo direito de propriedade, antes referido, deve ser entendido como questão que não diga respeito a mero erro registrário, mas que encubra pretensão de natureza reivindicatória, demarcatória ou de usucapião, insuscetível, portanto, de ser dirimida na esfera administrativa. As impugnações fundadas em questões possessórias, de inexistência de posse do requerente ou de existência de posse do impugnante, podem ser rejeitadas de plano, porque a retificação de registro visa a apenas corrigir o domínio e não verificar alterações possessórias. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.244-45. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na doutrina finalista de Ricardo Fiuza, este dispositivo trata da retificação e da anulação do registro, inclusive, a qual só é possível judicialmente, indo além, portanto, do art. 213 da Lei n. 6.015, de 31-12-1973, que regula apenas a retificação do registro que não prejudique terceiro. O parágrafo único traz a consequência do cancelamento do registro e a possibilidade de o proprietário reivindicar o imóvel independentemente da boa-fé do terceiro adquirente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 644, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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