Direito Civil Comentado - Art. 1.414,
1.415, 1.416
- Da Habitação – VARGAS, Paulo S. R.
- Parte Especial – Livro III – Capítulo IV – Título VIII
Da
Habitação – (Art. 1.414 a 1.416) - digitadorvargas@outlook.com
Historicamente confirma-se a observação da redação inicial do projeto — “Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente usar dela com sua família verifica-se que o relator geral no Senado restaurou a redação do Código Civil de 1916. O que confirma, também, em sua Doutrina o Deputado Relator Ricardo Fiuza - Habitação é um direito real, temporário, limitado à ocupação de imóvel residencial de terceiro, para moradia do titular e de sua família. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 722, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 28/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, Direito real de pouca utilização, pode ter origem em negócio jurídico inter vivos, levado ao registro imobiliário, negócio jurídico causa mortis, usucapião ou diretamente na lei. Expressa a lei que a habitação é espécie do gênero uso. É o uso com finalidade exclusiva de habitar ou ocupar um imóvel como moradia. Via de consequência, é vedado usar o prédio com finalidade diversa, como atividade empresarial. A quebra desse dever constitui mau uso e leva à extinção do direito real. Como bem adverte Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, é tolerada a utilização mista do imóvel, desde que preponderantemente residencial (Usufruto, 2. ed. Rio de Janeiro, Aide, 1983, p. 205).
Note-se, porém, que, ao contrário do uso, a utilização do imóvel não está limitada pela necessidade do morador e de sua família. Embora não diga expressamente a lei, pode habitar o prédio não somente o titular do direito real, como também sua família, sendo inoperante qualquer cláusula em sentido contrário, porque importaria em quebra de entidade de estatura constitucional. O conceito de família é o mesmo do direito real de uso, inclusive o companheiro e outras pessoas que se encontram sob guarda ou dependência do habitador. Não se admite nem a alienação nem a cessão do exercício do direito real de habitação, dado o seu caráter personalíssimo. É direito real temporário e não ultrapassa a vida de seu titular.
Sem dúvida alguma, a mais frequente hipótese de direito real de habitação é a legal, prevista no CC 1.831 do Código Civil de 2002, que reza: “ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.
Houve significativa alteração no direito real de habitação do cônjuge sobrevivente em relação ao que dispunha o Código Civil de 1916. Tipifica-se o instituto como um verdadeiro legado ex lege. É legado porque recai sobre bem determinado. É ex lege porque independe do negócio jurídico do testamento, integrando capítulo da sucessão legítima.
Tem a norma o escopo de permitir ao cônjuge supérstite continuar a viver no lugar e entre as coisas nas quais se desenvolveu a vida familiar, ou ao menos a sua última parte. A primeira observação é a de que tem o cônjuge viúvo direito real de habitação qualquer que seja o regime de bens do casamento. Pode, portanto, não herdar quota de propriedade plena, em razão do regime de bens do casamento, mas lhe é assegurada, em qualquer hipótese, a permanência na habitação, bastando apenas que seja o único imóvel daquela natureza a inventariar. Não mais vigora, por consequência, a regra do sistema anterior, em que o direito ao instituto estava circunscrito aos casados pelo regime da comunhão universal, que não recebiam o usufruto vidual.
Prossegue o CC 1.831 do Código Civil de 2002 afirmando que o direito real de habitação é atribuído sem prejuízo da participação que caiba ao cônjuge supérstite na herança, subordinado, somente, à existência de um único imóvel de natureza residencial no espólio. O Código Civil de 2002, ao atribuir ao viúvo, em determinadas situações, quota de propriedade plena e mais o direito real de habitação, criou um dilema que não existia no sistema de 1916. Basta imaginar a hipótese, nada acadêmica, de cônjuge supérstite que, em razão do regime de bens, concorre somente com um descendente. Caso o único bem do espólio seja um imóvel residencial, o viúvo receberia metade do imóvel como herança e mais o direito real de habitação vitalício sobre ele. Ao descendente restaria apenas a nua propriedade sobre a outra metade da herança, o que, a toda evidência, agrediria sua legítima. Nada impede, todavia, que o cônjuge supérstite renuncie ao direito real de habitação, como, de resto, assentou o Enunciado n. 271 da III Jornada de Direito Civil 2004 do CEJ da Justiça Federal: “Art. 1.831. O cônjuge pode renunciar ao direito real de habitação, nos autos do inventário ou por escritura pública, sem prejuízo de sua participação na herança”. Não custa lembrar que o direito real de habitação, que decorre diretamente da lei, não é constituído pelo registro imobiliário, de modo que devem adquirentes de imóveis sempre tomar a cautela de exigir a renúncia do supérstite.
Conclui-se que o CC 1.831, ao consignar expressamente que se assegura ao viúvo o direito real de habitação sem prejuízo de sua quota na herança, criou uma exceção à regra do CC 1.846 do Código Civil, que garante aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança. São normas de igual estatura, ambas cogentes, de tal modo que o princípio secular da intangibilidade da legítima ganha uma exceção, prevista na própria lei. Essa antinomia aparente deve-se, certamente, a uma desatenção do legislador, que não notou o descompasso entre a atribuição de quota de propriedade plena ao viúvo e o acréscimo do direito real de habitação, “sem prejuízo da participação que caiba ao cônjuge”. Essa expressão ampla era compatível somente com o Código de 1916, no qual o cônjuge era herdeiro de terceira classe, sem possibilidade de concorrência com classes superiores.
Além disso, o art. 1.831 do Código Civil de 2002 não mais subordina, tal como ocorria no Código de 1916, a eficácia do direito real de habitação à persistência da viuvez. Logo passou o viúvo a dispor de direito real vitalício sobre a residência do casal, podendo, inclusive, nela habitar com o novo cônjuge, o que em alguns casos gerará situações curiosas, especialmente quando os filhos do primeiro leito não mais morarem com o genitor sobrevivente, fazendo nascer conflito entre os interesses da família e do supérstite. É certo que o Projeto de Lei n. 276, de 2007, sana a omissão, fazendo retornar ao direito positivo a condição resolutiva do CC 1.611, § 2º, vale dizer, o direito real de habitação somente existe enquanto perdurar a viuvez.
Outra inconsistência notável do Código Civil de 2002 é a ausência de menção ao companheiro sobrevivente como titular do direito real de habitação. Essa omissão apenas coroa o tratamento severo - e incompreensível - que o CC 1.790 conferiu ao companheiro no direito sucessório, retirando diversas conquistas consagradas pelas Leis nºs. 8.971/94 e 9.278/96.
Uma interpretação literal e exegética do CC 1.831 - tão ao gosto do pensamento liberal que orientou o Código de 1916 - levaria à fácil conclusão de que o direito real de habitação é prerrogativa reservada exclusivamente ao cônjuge viúvo, excluindo-se o beneficio do companheiro viúvo. Há quem sustente que o tratamento radicalmente diverso dado ao cônjuge e ao companheiro sobreviventes nada mais é do que a melhor expressão da norma constitucional, que não equiparou o casamento à união estável, mas, em vez disso, conferiu primazia ao primeiro.
Essa conclusão, à observação, não pode prevalecer, sob a ótica civil-constitucional. Óbvio que o casamento não se equipara à união estável, podendo gerar - como gera - direitos e deveres distintos a cônjuges e companheiros. O que se discute é a possibilidade de a legislação infraconstitucional alijar, de modo tão grave, alguns direitos fundamentais anteriormente assegurados a partícipes de entidades familiares constitucionalmente reconhecidas. Como frisado anteriormente, o escopo do direito real de habitação é assegurar ao supérstite a preservação de um ambiente que lhe é caro, permitindo-lhe permanecer no imóvel residencial e entre objetos do casal, assegurando-lhe a manutenção de um bem essencial - a moradia. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.484-85. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Nos apontamentos dos autores Guimarães e Mezzalira, como consta, a habitação é uma espécie de uso de bem alheio com a finalidade de estabelecer a moradia gratuita ao seu titular, o qual não poderá, assim, dar o bem em locação ou emprestá-lo, servindo, tão somente, como local de ocupação residencial, na exata forma prescrita pelo texto legal, eis que qualquer alargamento do direito traçado trataria de desnaturalizar o sentido do instituto. Tem por característica ser gratuito, temporário e personalíssimo, de conceito mais restrito, inclusive, que o próprio uso e incide unicamente sobre bem imóvel, destinado à residência do titular do direito, não podendo servir como comércio, sob pena de extinção.
O direito de habitação pressupõe o uso de jardins, varandas e todas as benfeitorias que estejam integradas ao imóvel, salvo disposição em contrário no título constitutivo. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com, comentários ao CC 1.414, acessado em 28.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.415. Se o direito real de habitação for conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que sozinha habite a casa não terá de pagar aluguel à outra, ou às outras, mas não as pode inibir de exercerem, querendo, o direito, que também lhes compete, de habitá-la.
Ainda no conceito de Guimarães e Mezzalira, o direito real de habitação poderá ser conferido, por sua natureza, a mais de uma pessoa beneficiária, estabelecendo-se, pois, uma pluralidade de usuários, não gerando, entretanto, qualquer dever de pagamento de aluguel entre elas, as quais exercerão em conjunto a ocupação residencial.
Conforme o texto legal, nenhum dos usuários do direito de habitação poderá restringir ou impedir, de qualquer maneira, o direito do cobeneficiário, quando estabelecido de forma coletiva, uma vez que a ocupação do bem para fins de moradia, nesta hipótese, possui natureza plural, e não individual.
Verifica-se a aplicação do direito real de habitação nas disposições sucessórias, em favor do cônjuge viúvo, caso sob qualquer regime de bens, desde que se trate do único bem destinado à residência familiar (CC 1.831). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com, comentários ao CC 1.415 de 2002, acessado em 28.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Como corrobora Francisco Eduardo Loureiro, consagra o princípio da divisibilidade do direito real da habitação, que pode ser concedido a mais de uma pessoa, em partes certas ou em partes ideais. Ao contrário do que ocorre no condomínio, aquele que usa com exclusividade a coisa dada em habitação comum não tem o dever de indenizar os demais cotitulares, pagando-lhes aluguel ou retribuição pela moradia exclusiva. Cabe aos demais cotitulares excluídos da habitação apenas o ajuizamento de ação possessória, ou petitória, para garantia do direito de também habitar o prédio. Não se admite, por consequência, ação de indenização entre cotitulares, em razão de habitação exclusiva de um deles. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.487. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Expandindo a lei, Marcio de Carvalho Valente, em “O direito real de habitação legal no Direito brasileiro”, faz uma análise conceitual e tipológica da figura em questão, incluindo seus desdobramentos dogmáticos e embates na aplicação prática. O texto fornece os contornos teóricos para a abordagem do conflito com a sucessão hereditária, ultimada em artigo diverso do Autor.
Conceitualmente, valendo-se da definição contida no CC 1.414, pode-se dizer que o dizer que o direito real de habitação consiste no direito de habitar gratuitamente casa alheia, utilizando-a como residência sua e de sua família. Esta é a redação do comando legal referido.
Com relação à sua tipologia, predomina no Direito brasileiro a subdivisão desse modelo em duas espécies: direito de habitação convencional e legal. Por convencional entende-se o direito real voluntariamente estabelecido pelo instituidor em favor do beneficiário (habitador); direito de habitação legal, é o direito real instituído automaticamente diante da situação prevista em lei, e autoriza a permanência do cônjuge supérstite na residência do imóvel no qual mantinha a união com o de cujus após seu falecimento. É esta última espécie, direito de habitação legal, que apresenta os contornos relevantes à presente abordagem, o que é objeto de análise no presente texto.
A propósito do direito de habitação legal, decorrente de sucessão hereditária, sua instituição deriva da simples ocorrência da situação prevista em lei, i.é, pela sobrevivência de cônjuge no imóvel destinado à residência da família. Nesse contexto, não há necessidade de registrar tal direito junto ao fólio real do imóvel, a teor do que se extrai da letra do art. 167, inciso I, n. 7, Lei 6.015/73: “No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos (Remunerado do art. 168 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975): I – o registro: redação pela Lei nº 6.216, de 1975; 7) do usufruto e do uso sobre imóveis e da habitação, quando não resultarem do direito de família (Brasil, Lei n. 6015, 1973, art. 197, inciso I, n. 7).
Quanto à aplicabilidade às uniões homossexuais – de início, vale assinalar que, alçada a igualdade de valores entre as uniões heterossexuais e as homossexuais, e assente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a plena possibilidade de celebração de casamento entre pessoas do mesmo sexo (Ação Direito de Inconstitucionalidade n. 4.277/DF), não há impedimento para que o direito de habitação seja conferido no caso de a união ou casamento homossexuais.
O Código Civil de 2002, ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens,, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar (Brasil, Lei n. 10.406, 2002, CC 1831).
Sugere o autor, Marcio de Carvalho Valente, haver o Código Civil de 2002, ter consagrado o direito real em questão, disciplinado exclusivamente de sua aplicação ao cônjuge sobrevivo, deixando de contemplar em seu texto o companheiro supérstite, e que a omissão, para muitos estudiosos do direito, significou clara vedação do instituto nas uniões estáveis, ao fundamento de que, caso pretendesse estender o direito real de habitação ao modelo de família convencional, bastaria ao legislador acrescentar a expressão correspondente ao texto da Lei, providência que preferiu não adotar.
Por outro lado, a par da respeitabilidade dos civilistas mencionados, é certo que a grande maioria da doutrina avalizada pelo entendimento jurisprudencial, perfilha entendimento contrário. Neste enfoque, parte-se da premissa de que o parágrafo único, do art. 7º da Lei n. 9.278/1996 não foi revogado, inexistindo, ademais, qualquer fundamento hábil a tratar de forma desigual o casamento e a união estável, especialmente porque a própria Constituição Federal reconhece a união estável como genuína entidade familiar. Trilhando esta linha de raciocínio, possível identificar o entendimento de Fabio Ulhoa Coelho (2012 b, p. 167), entre outros, perfilhados a esta corrente.
Avançando na análise da figura do habitador, agora adentrando ao elenco dos requisitos de concessão da benesse, cumpre observar que não existe qualquer exigência de que o cônjuge sobrevivo tenha participação no imóvel, ou tampouco seja herdeiro do morto, para que seja contemplado com o direito real de habitação. Em outros termos, basta que a existência de vínculo conjugal ou convivencial entre o de cujus e o favorecido, a fim de constituir ipso facto o direito de habitação do supérstite.
Sob outro vértice, cabe destacar que é plenamente possível que o direito real de habitação seja conferido a mais de uma pessoa conjuntamente. Nesse caso, porém, deve ser observado mandamento expresso no Código Civil de que a habitação por um dos habitadores jamais poderá excluir a dos demais, tampouco servir de motivo pra a cobrança de aluguel para o exercício do direito pelo outro: Se o direito real de habitação for conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que sozinha habite a casa não terá de pagar aluguel à outra, ou às outras, mas não as pode inibir de exercerem, querendo, o direito, que também lhes compete, de habitá-la (BRASIL, Lei n°. 10.406, 2002, art. 1.415).
Admissível, ainda, segundo observação de Sebastião de Assis Neto, que dentre a família do habitador encontrem-se também pessoas que não sejam de sua família, desde que observada a condição de inexistir onerosidade da hospedagem no imóvel. Tal premissa não enseja a conclusão, porém, de que outros herdeiros do de cujus tenham a faculdade de morar juntamente com o habitador, já que o direito de habitação envolve o uso exclusivo do imóvel. Nesse sentido são os ensinamentos de Fabio Ulhoa Coelho.
A lei não é expressa a respeito, mas deve-se reconhecer ao cônjuge sobrevivo o direito de usar todo o imóvel com exclusividade. O ascendente ou descendente coproprietário do bem não pode vir morar como cônjuge, se antes não habitava o mesmo local. Assim deve ser, porque caso contrário, o CC 1831 não teria qualquer implicação. Veja-se, ser o direito do condômino usar o bem em condomínio, desde que não exclua nenhum dos outros coproprietários. O cônjuge, portando, na condição de condômino do imóvel herdado, já titula o direito de usá-lo. Para que o gravame da habitação, que a lei determina recair sobre esse bem, tenha algum significado, é necessário reconhecer ao seu titular mais direitos do que os derivados do condomínio.
Quanto ao valor do imóvel habitando – nessa seara, cumpre
advertir, inexiste limitação quanto ao valor do imóvel habitando, justamente
porque a mens legis que orientou a concepção do instituto teve por
escopo a manutenção ao padrão de vida que o habitador desfrutava antes da morte
de seu consorte. Esse entendimento encontra ressonância no Superior Tribunal de
Justiça, que reconheceu, em julgamento que é alvo de severas críticas, o
direito de habitação à companheira supérstite no imóvel em que vivia com
o de cujus, a
despeito de ter adquirido outro imóvel com a indenização recebida de seguro de vida do falecido. Este é o julgado mencionado,
transcrito apenas na parte de interesse: “Direito
das Sucessões. Recurso especial. Sucessão aberta na vigência do código civil de
2002. Companheira sobrevivente. Direito real de habitação. Art. 1.831 do código
civil de 2002. (...). 4. No caso concreto, o fato de a companheira ter adquirido outro
imóvel residencial com o dinheiro recebido pelo seguro de vida do falecido não
resulta exclusão de seu direito real de habitação referente ao imóvel em que
residia com o companheiro, ao tempo da abertura da sucessão. 5. Ademais, o
imóvel em questão adquirido pela ora recorrente não faz parte dos bens a
inventariar. 6. Recurso especial provido (PODER JUDICIÁRIO, Superior Tribunal
de Justiça, 4ª Turma. Recurso Especial n°. 1.249.227/SC. Partes:
Maria Ivete Blanckenburg e Mariza Schwalb Rosa. Relator: Ministro Luis Felipe
Salomão, Santa Catarina. Data do Julgamento: 17/12/2013. Data da
Publicação/Fonte DJe 25/03/2014)”.
Em sentido oposto já decidiu o E. Tribunal de
Justiça deste Estado de São Paulo, valendo-se de entendimento reputado mais
sensato pela Turma Julgadora: Reivindicatória. Companheira sobrevivente.
Direito de habitação em imóvel que servia de residência. Ré já conseguiu imóvel
residencial por doação testamentária. Obtenção do bem proporciona proteção que
concede moradia à companheira supérstite. Imóvel pertencente ao polo ativo não
pode ampliar o direito de habitação da apelada, pois, do contrário,
configuraria dupla proteção, em detrimento dos autores. Aspecto teleológico do
legislador foi dar amparo de moradia a quem perdeu o companheiro por morte, e
não expandir consideravelmente a proteção. Recorrida obteve moradia ante a
doação, o que caracteriza que o companheiro falecido já proporcionara a
habitação para a convivente. Reivindicatória apta a sobressair. !missão na
posse deve prevalecer. Apelo provido (justiça Estadual, Tribunal de Justiça de
São Paulo, 7ª Câmara de Direito Privado. Apelação n°.
9087291-46.2004.8.26.0000. Partes: Lourdes de Fátima Sanson Gasparini e Vera
Lúcia Lopes Campanha, Relator: Natan Zelinschi de Arruda, Americana, Data de
Julgamento: 28/01/2009. Data de Registro: 09/02/2009).
Por outro lado, aspecto que gera particular acirramento
exegético é a parte final do artigo 1.831, do Código Civil, que exige que o
imóvel habitando seja o único daquela natureza a inventariar, vedando, com isso
e a princípio, a concepção do direito nos casos em que exista outro bem imóvel
passível de divisão. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de
bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o
direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da
família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar (BRASIL, Lei n°.
10.406, 2002, art. 1.831).
Ao abordar a relevância desta restrição, pondera Daniel Blikstein: Essa restrição se justifica, pois, havendo mais bens imóveis residenciais na herança, o consorte sobrevivente irá receber, com certeza, a título de meação ou herança, algum dos bens deixados pelo falecido, dando-se sempre preferência ao imóvel residencial da família.
Nada obstante, subsistem doutrinadores que enxergam neste trecho do dispositivo legal nítida incongruência do sistema, como é o caso de Fabio Ulhoa Coelho. A crítica em alusão tem por cerne o fato de tal requisito representar inegável benéfico para a união estável, em detrimento do casamento. Tudo porque o art. 1.831 estabelece como requisito para a outorga da habitação ao cônjuge supérstite a inexistência de outro bem desta natureza a inventariar, enquanto, por outro lado, nada alude a respeito dessa condição a Lei n. 9.278/96, em seu art. 7º, parágrafo único, ao prever o beneplácito à união estável.
Art. 7°. Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família. (BRASIL, Lei n°. 9.278. 1996. art. 7º, parágrafo único).
A solução proposta pelo doutrinador nominado seria simplesmente igualar as condições, suprimindo-se o requisito de unicidade do imóvel dessa natureza para ambos os casos, conferindo assim tratamento isonômico para ambas as situações. Veja-se, a propósito: “Por fim, observo que o art. 1.831 do CC estabelece como condição, para a instituição do direito real de habitação, que o imóvel onde reside o cônjuge sobrevivente seja o único dessa natureza a inventariar”. Pelo texto da lei, portanto, se na herança houvesse qualquer outro bem imóvel, o cônjuge sobrevivente não seria titular do direito real de habitação. Aqui, estamos diante de mais uma inconstitucionalidade do Código Civil, que trata o cônjuge de forma menos vantajosa que o companheiro. O art. 7º, parágrafo único, da Lei n. 9.278/96 assegura a este último o direito real de habitação, sem o condicionar à inexistência de outros imóveis na herança. Uma vez mais, não há motivos para discriminar o cônjuge na extensão desse direito sucessório (COELHO, 2012 b, p. 595).
União estável. Reconhecimento "post mortem". O reconhecimento da união estável depende de comprovação da convivência duradoura, pública e contínua, estabelecida com o objetivo de constituição familiar (CC 1.723). Sentença de procedência. Conjunto probatório que corrobora a existência da união estável entre a autora e o falecido no período apontado na inicial. Tese de que o relacionamento consistia apenas em namoro. Descabimento. Caso em que a autora figura como dependente previdenciária do "de cujus". Eventual existência de duas residências que não macula a coabitação. Precedentes. Temática recursal desacompanhada de qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da demandante (art. 333, II, do CPC). Incidência do brocardo Allegare nihil et allegatum non probare paria sunt. Sentença mantida. União estável e direito real de habitação. Reconhecimento. Permanência da autora no imóvel utilizado pelo núcleo familiar durante a convivência. Possibilidade. Posse justa a que se dá proteção (art. 7º da Lei nº 9.278/96). Precedentes. Sentença reformada. Recurso dos réus desprovido, provido o apelo adesivo da autora. (Justiça Estadual, Tribunal de Justiça de São Paulo, 7ª Câmara de Direito Privado. Apelação n°. 0065957-93.2010.8.26.0002. Partes: Romari De Brito Costa e Jurema Aparecida Buono, Relator: Rômolo Russo, São Paulo, Data de Julgamento: 19/08/2015. Data de Registro: 19/08/2015).
Na quadra atinente
à duração do direito de habitação, ganha relevo a distinção entre o direito de
habitação convencional e legal, de acordo com
ressalva já abordada em linhas anteriores. Isso porque, no que toca ao
benefício convencional, é assente que o prazo de duração dependerá da
manifestação da vontade e comportamento das partes, seja pelo advento do termo
ou implemento da condição, ou pelo descumprimento de alguma obrigação pelo
habitador.
Já com relação à duração da modalidade legal, no bojo da sucessão hereditária, importante tecer algumas considerações para a correspondente análise. Por primeiro, cumpre observar que o Código Civil de 2002, ao disciplinar o direito real de habitação do cônjuge supérstite não repetiu a limitação que havia na Codificação de 1916, que dispunha que o habitador faria jus ao direito real de habitação enquanto vivesse e permanecesse viúvo. Daí decorre a conclusão, adotada por parte dos intérpretes da norma, de que não subsiste mais impedimento para que o habitador constitua nova família no imóvel, podendo, inclusive, contrair novas núpcias enquanto beneficiário do direito, e ainda assim permanecer de forma vitalícia no bem habitando. (Marcio de Carvalho Valente, em “Direito real de habitação legal no Direito brasileiro, publicado em abril de 2016, no site Jus.com.br, acessado em 28.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.416. São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto.
Na teoria de Francisco Eduardo Loureiro diversas regras do usufruto se estendem à habitação. Tomem-se como exemplo a temporariedade, os deveres de guarda, conservação e restituição do habitador, a prestação de caução e as causas de extinção do direito real. A cláusula de acrescer, no caso de coabitação, deve ser expressa, tal como no usufruto. Não se estende ao direito real de habitação, em razão de sua natureza personalíssima, a possibilidade de cessão do exercício que se admite no usufruto. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.487. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
No
comentário de Marcio
de Carvalho Valente, descendo ao exame da extinção do direito de habitação, sob o
influxo da disposição contida no artigo 1.416, do Código Civil, segundo o qual
“são aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as
disposições relativas ao usufruto” (BRASIL, Lei n°. 10.406, 2002), fica
claro que a extinção do direito de habitação deve se dar por todas as demais
formas de extinção do usufruto.
Nesse contexto, Orlando Gomes pontua que, por tal razão, “a morte do usuário, a renúncia, a destruição da coisa, a consolidação e os outros modos de extinção do usufruto são comuns ao uso e à habitação”. Assim, além das hipóteses já pontuadas em linhas anteriores, em que a extinção do direito de habitação se dá nos casos de implemento do termo ou condição, ou descumprimento das obrigações inerentes à habitação, é induvidoso que o direito em voga também se extingue no caso de morte do habitador. Nesse caso, é bem de ver, os demais membros da família que residiam no imóvel não poderão continuar habitando o bem, dada a natureza intuitu personae do direito, que marca sua essência com caráter personalíssimo.
Colhe-se manifestação de Daniel
Blikstein a respeito da questão em epígrafe (2011, p. 198): “Entretanto, em virtude da morte do cônjuge beneficiado com o
direito real de habitação, tenha ele ou não constituído nova família, por seu
caráter personalíssimo em relação aos demais sucessores do de cujus, haverá
certamente a extinção da Habitação”.
No mais, cumpre
ressaltar que não implica a caducidade do instituto o simples fato de o
habitador deixar de exercê-lo logo após o falecimento de seu consorte. Tal disposição,
extremamente benéfica ao habitador, difere do adotado em outros ordenamentos, a
teor do Direito Português, alhures examinado.
Consequência lógica da extinção do direito de habitação é a devolução do imóvel no estado de conservação em que o habitador o recebeu, como apregoa Caio Mário Da Silva Pereira: “Cessando a habitação pelo advento do termo ou implemento da condição, far-se-á restituição do prédio ao proprietário ou seus herdeiros, no estado de conservação convencionado, ou, em falta de estipulação, naquele em que foi recebido, salvo deterioração derivada do uso regular”. Por derradeiro, cabe obtemperar que a extinção do condomínio entre os herdeiros não encerra a extinção do direito real de habitação, que fica mantido apesar do encerramento da copropriedade.
Assim, com base no exposto, e em síntese, podem ser reunidas as seguintes características do direito real de habitação: a) É gratuito, sem que tal característica isente o habitador do pagamento dos tributos que recaem sobre o imóvel; b) O habitante deve ocupar pessoalmente o imóvel, junto com sua família, tratando-se de direito intuito personae; c) A habitação não abrange o amplo usufruto do imóvel, impedindo, por conseguinte, sua irrestrita fruição. No entanto, o regramento permite que o habitador exerça a fruição necessária para sua subsistência e de sua família; d) Em sua modalidade convencional, depende de registro no Cartório de Registro de Imóveis; já a habitação legal independe de registro; e) Pode ser conferido a mais de uma pessoa, as quais deverão coabitar o imóvel sem exigir aluguel das demais; f) É renunciável e g) Permite indenização por benfeitorias necessárias que o habitador realize no imóvel. (Marcio de Carvalho Valente, em “Direito real de habitação legal no Direito brasileiro, publicado em abril de 2016, no site Jus.com.br, acessado em 28.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Conclui-se o Título VIII com os comentários Guimarães e Mezzalira,
lecionando que da mesma maneira observada acima em relação ao direito de uso,
todos os demais dispositivos e características do usufruto são
aplicáveis ao direito de habitação, por se tratar este de instituto matriz. A
destinação do bem imóvel na habitação é para fins exclusivamente residencial e
pessoa, o que não se aplica necessariamente no usufruto, o qual abrange,
também, bens móveis. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com,
comentários ao CC 1.416 de 2002, acessado em 28.12.2020, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
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