Direito Civil
Comentado - Art. 861, 862, 863 – continua
Da Gestão de Negócios - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art.
233 ao 965) - Título VII – Dos Atos Unilaterais
(Art.
854 a 886) Capítulo II – Da Gestão de Negócios
Art. 861. Aquele que, sem autorização do
interessado, intervém na gestão de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o
interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável a este e às
pessoas com que tratar.
Como explica Hamid Charaf Bdine Jr, em
determinadas situações, sem autorização do interessado, uma pessoa pode assumir
seu negócio. Isso ocorrerá, por exemplo, se um vizinho passar a administrar um
terreno vizinho ao seu, de propriedade de alguém que não comparece ao local.
Essa administração se fará em nome do proprietário e no interesse dele, ainda
que não exista autorização de nenhum tipo – porque, por exemplo, o proprietário
está preso ou residindo em local distante. O vizinho atencioso que assume a administração,
locando o terreno e zelando por sua manutenção, deve agir segundo o que se
presume fosse o desejo do proprietário, responsabilizando-se por seus atos
perante aqueles com quem contratar e perante o proprietário – a quem deverá
prestar contas oportunamente.
O gestor do negócio agirá como uma espécie de mandatário sem
mandato em sua relação com o proprietário do terreno, mas permanecerá
responsável pessoalmente em face dos terceiros com quem celebra negócios para
defender o interesse de outrem. Newton de Lucca (Comentários ao novo Código Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2003, v.
XII, p. 39-42) aponta as seguintes características para a gestão de negócios:
a) desconhecimento do dono do negócio pelo gestor; b) espontaneidade da
intervenção, que não deve resultar de qualquer prévio ajuste, ou ordem; c) o
negócio deve ser alheio; d) desinteressado, atuando o gestor no interesse do
dono do negócio; e) utilidade da gestão, pois o negócio deve ser proveitoso ao
dono; f) propósito de obrigar o dono do negócio, uma vez que não haverá gestão
se o gestor agir por mera liberalidade. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 884 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/03/2020.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Na
doutrina, Ricardo Fiuza fala da gestão de negócio, que é a administração não
autorizada (espontânea e à revelia) de negócios alheios, feita independentemente
de mandato. A procuração, na espécie, é espontânea e presumida, uma vez que o
gestor (administrador não autorizado) procura fazer aquilo que o dono do
negócio o encarregaria, se soubesse da necessidade da providência. Assim, -
gestor de negócios – o herdeiro de uma fazenda, que a administra sem oposição
dos demais herdeiros, é o condômino de coisa indivisível, que cuida do bem em
comum como se seu fosse e sem oposição dos demais, apenas prestando contas de
sua gestão (recebimento de alugueres, arrendamentos etc.). Vale dizer ser o
artigo em comento mera repetição do art. 1.331 do Código Civil de 1916, sem
qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional. Deve ser-lhe dado, portanto,
igual tratamento doutrinário. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 449 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/03/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Em seu conceito aponta Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira e na definição de Antunes Varela, a gestão de
negócios como a “Intervenção, não
autorizada das pessoas na direção de negócio alheio, feita no interesse e por
conta do respectivo dono.” (Das obrigações em geral, v. I, p. 434).
Em sua Natureza Jurídica, os CC 861 e 862, distinguem a
gestão de negócios segundo seja exercida em conformidade com a vontade
presumida do dono do negócio ou contra a vontade presumida ou manifesta do dono
do negócio. A gestão de negócios que não é contrária à vontade expressa ou
presumível do dono do negócio configuraria ato jurídico stricto sensu: a gestão contrária à vontade expressa ou presumível
do dono do negócio configuraria ato ilícito (CC 862).
O CC 869, no entanto, determina que se o negócio for
utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome,
reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis que houver feito, como
os juros legais, desde o desembolso, respondendo ainda pelos prejuízos que este
houver sofrido por causa da gestão.
Desse modo, da conjugação de ambos os critérios tem-se
que, no direito brasileiro: a) a gestão de negócios que não é contrária à
vontade presumível ou expressa do dono do negócio e a realizada utilmente mesmo
contra a vontade presumível ou expressa do dono do negócio são ato lícito stricto sensu; b) a gestão de negócios
contrária à vontade presumível ou expressa do dono do negócio que não for útil
é ato ilícito.
Quanto a espécie, a gestão pode ser realizada em nome do
dono do negócio, bem como pode vir ou não a ser aprovada por ele. Em atenção a
essas possibilidades, diferencia-se em: a) gestão representativa: o gestor age
em nome do dono do negócio; b) gestão não representativa: o gestor age em nome
próprio; c) gestão regular: é ratificada pelo dono do negócio (CC 873); d)
gestão irregular: é desaprovada pelo dono do negócio (CC 874).
Há três requisitos para que a gestão de negócios seja
caracterizada: o gestor deve dirigir negócio alheio; deve atuar no interesse e
por conta do dono do negócio e deve atuar sem a autorização do dono do negócio.
A atuação do gestor pode dar-se mediante negócios
jurídicos (ex.: compra, venda, empreitada, locação) ou atos jurídicos stricto sensu (ex.: obras, alimentação e
cuidado de animais, semeadura).
A atuação deve realizar-se no interesse e por conta do
dono do negócio; não há gestão de negócio se o gestor ao agir visa ao próprio
interesse. Quem administra negócio na suposição, por erro, de que a coisa é
sua, poderá se ressarcir por aplicação das regras relativas ao enriquecimento
sem causa (CC 884 a 886). Quem administra negócio alheio no próprio interesse
com a consciência de que a coisa não é sua comete ato ilícito.
Finalmente, a gestão de negócios pressupõe inexistência de
representação legal ou voluntária. Equipara-se à falta de mandato a nulidade do
mandato, sua revogação e o excesso de poderes do mandatário.
Se o gestor agir contra a vontade manifesta ou presumível
do dono do negócio não fica descaracterizada a gestão, mas resta caracterizada
como ato ilícito, conforme o CC 862.
Segundo Antunes
Varela, se houver divergência entre o interesse e a vontade presumida do dono
do negócio, o gestor deve optar agir segundo o interesse daquele (Das
obrigações em geral, p. 448). O dispositivo em comento, no entanto, exige que a
gestão seja conforme a vontade presumida do dono do negócio; se não o for, a
gestão configura ato ilícito e regula-se pelo CC 862. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 18.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 862. Se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta
ou presumível do interessado, responderá o gestor até pelos casos fortuitos,
não aprovando que teriam sobrevindo, ainda quando se houvesse abatido.
No entender de Hamid Charaf Bdine Jr, caso se verifique que a gestão contrariou a vontade do dono do negócio,
caracterizar-se-á a ilicitude do ato. Assim, a gestão perde o caráter de
benevolência que a caracteriza, e o gestor será obrigado a indenizar até mesmo
por caso fortuito, a não ser que demonstre que o dano teria ocorrido ainda que
não tivesse ocorrido sua atuação (Rizzardo, Arnaldo. Direito das obrigações. Rio de Janeiro, forense, 2004, p. 582).
Observe-se que a responsabilidade
do gestor dependerá de ele ter ciência, ou poder ter ciência, de que o
interessado não deseja a gestão antes de lhe dar início. Se a oposição ocorrer
após o início da gestão, somente se aplicará a regra em exame aos atos
posteriores a esse momento, na medida em que os anteriores não se verificaram
com ciência da contrariedade do interessado.
Newton de Lucca registra caber ao
dono do negócio demonstrar que a gestão se realizou contra sua vontade
manifesta ou presumível e não poder a proibição ser infundada ou decorrer de
mero capricho (Comentários ao novo Código
Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XII, p. 47). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 887 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/03/2020.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Na medida de Ricardo Fiuza, nesses casos, a gestão perde sua
característica de intervenção benevolente e de realização da vontade presumida
do dono do negócio. É considerada ato abusivo, e somente o seu sucesso pode
inocentar o gestor, cuja responsabilidade é maior.
O artigo
é mera repetição do art. 1.332 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração,
nem mesmo de ordem redacional, devendo receber, assim, igual tratamento
doutrinário (v. Clóvis Beviláqua. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, Francisco
Alves, 1954, v. 5. P. 61). (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 449 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/03/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na linha de raciocínio de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o
dispositivo contém notório erro de grafia. Onde se lê “abatido”, deve-se
entender “abstido”, conforme constava no dispositivo correlato, o artigo 1.332
do Código Civil de 1916.
O dono do negócio pode
manifestar a vontade de eu não haja a intervenção de qualquer pessoa, de
algumas pessoas ou de pessoa determinada em seu negócio. Pode, por exemplo,
proibir a entrada de pessoas em seu estabelecimento. A proibição também pode
ser presumida, por exemplo, em relação a um inimigo ou quanto à alienação de um
bem de valor afetivo. Nestes casos, a atuação do gestor configura ato ilícito e
o responsabiliza pelo pagamento de perdas e danos e até mesmo por caso fortuito
ou de força maior.
O gestor se isenta em
relação a danos que provar teriam ocorrido mesmo que não tivesse intervindo no
negócio alheio. Assim, por exemplo, se o gestor mesmo contra a orientação do
dono do negócio intervém para salvar animal daquele de uma enchente, fica isento
de responsabilidade pela morte do animal se provar que em caso de sua não
intervenção o mesmo resultado teria sobrevindo.
O que ocorre se a
gestão for iniciada contra a vontade presumida ou manifesta do dono do negócio,
mas o negócio vier a ser utilmente administrado? Neste caso, há um choque entre
os CC 862 e 869. De acordo com o CC 869, se o negócio for utilmente
administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome,
reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis que houver feito, com
os juros legais, desde o desembolso, respondendo ainda pelos prejuízos que este
houver sofrido por causa da gestão, não se aplicando o disposto no CC 862,
respondendo o gestor apenas pelos danos que ocasionar culposamente. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 18.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 863. No caso do artigo antecedente, se os prejuízos da
gestão excederem o seu proveito, poderá o dono do negócio exigir que o gestor
restitua as coisas ao estado anterior ou o indenize da diferença.
Na atenção de Hamid Charaf Bdine Jr, a aplicação do presente artigo relaciona-se ao anterior – ou seja, só
incide se o gestor agir contra a vontade do dono do negócio. Nessas hipóteses,
se a atuação do gestor causar prejuízo ao dono do negócio – porque os
resultados obtidos são deficitários -, caberá ao gestor restituir as coisas ao
estado anterior à sua intervenção, ou indenizar a diferença do resultado que o
prejudica, segundo escolha conferida ao dono do negócio. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 887 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/03/2020.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Sem estender-se Ricardo Fiuza em sua doutrina, supõe o artigo que a
gestão é realizada conta a vontade expressa ou presumida do dono do negócio (dominus
negoti). Nessa hipóteses o gestor, além de responder pelos danos que
ocorram deverá repor as coisas no estado anterior (Status quo ante). Se
isso for impossível, o gestor deverá indenizar a diferença se existente, entre
o prejuízo e o lucro.
É este dispositivo
simples repetição do art. 1.333 do Código Civil de 1916, sem nenhuma
modificação. Deve ser-lhe dispensado, pois, o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p.
449 apud Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 18/03/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o artigo
antecedente cuida da gestão expressa ou implicitamente proibida pelo dono do
negócio, que configura ato ilícito. É o caso de inimigo do dono do negócio que
age no sentido de salvar bens pertencentes a este em caso de desastre. Se da
gestão resultar prejuízo maior proveito ao dono do negócio, este pode optar
pela restituição das coisas ao estado anterior ou por receber a diferença entre
o prejuízo sofrido e o proveito recebido. Tal opção deixa de existir se for
impossível a restituição da coisa ao estado anterior, caso em que o dono do
negócio somente poderá reivindicar indenização pela diferença. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 18.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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