terça-feira, 3 de agosto de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.848, 1.849, 1.850 Dos Herdeiros Necessários - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

Direito Civil Comentado – Art. 1.848, 1.849, 1.850
Dos Herdeiros Necessários - VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com
– Whatsap: +55 22 98829-9130 Pho Number: +55 22 98847-3044
fb.me/DireitoVargasm.me/DireitoVargas – Parte Especial –
Livro V – Do Direito das Sucessões - Título II – Da Sucessão Legítima
– Capítulo II – Dos Herdeiros Necessários - (Art. 1.845 a 1.850)

 

Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.

§ 1º Não é permitido ao testador estabelecer a conversão dos bens da legítima em outros de espécie diversa.

§ 2º Mediante autorização judicial e havendo justa causa, podem ser alienados os bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens, que ficarão sub-rogados nos ônus dos primeiros.

Subjaz este ao artigo 1.899 do Projeto de Lei n. 634/75, que, todavia, facultava ao testador impor livremente a cláusula de incomunicabilidade, ou confiar os bens da legítima à administração da mulher herdeira. A redação atual do art. 1.848 deve-se à emenda n. 360, do Senador Alexandre Costa (para introduzir o § 2º), e a subemenda do Relator-Geral, Senador Josaphat Marinho, que incluiu no caput a cláusula de incomunicabilidade. Ver art. 1.723 do Código Civil de 1916.

Da doutrina conceituada pelo relator, entende-se que o Código Civil de 1916 consagrou a intangibilidade da legítima, que é da tradição de nosso direito, desde as Ordenações. Mas, copiando a Lei Feliciano Penna (Decreto n. 1.839, de 31-12-1907), e pretendendo proteger interesses da família, transigiu, no art. 1.723. estabelecendo que, não obstante o direito reconhecido aos descendentes e ascendentes pode o testador determinar a conversão dos bens da legítima em outras espécies, prescrever-lhes a incomunicabilidade, confiá-los à livre administração da mulher herdeira e estabelecer-lhes condições (sic) de inalienabilidade temporária ou vitalícia.

Na Exposição de Motivos do Anteprojeto de Código Civil, em 16 de janeiro de 1975, o Prof. Miguel Reale explicou que havia necessidade de superar o individualismo que norteia a legislação vigente em matéria de direito de testar, excluindo-se a possibilidade de ser livremente imposta a cláusula de inalienabilidade à legítima. “É, todavia, permitida essa cláusula se houver justa causa devidamente expressa no testamento” (cf. O projeto do novo Código Civil, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1999, p. 92).

Emenda apresentada no Senado tomou mais radical o texto originário do projeto. Enfim, o CC 1.848, caput, só admite a imposição de cláusulas restritivas à legítima — inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade — se houver justa causa, declarada no testamento.

Antes tivesse o Código, de uma vez, proibido a aposição dessas cláusulas restritivas à legítima, como fez o Prof. Orlando Gomes no Anteprojeto de Código Civil, de 1963, art. 791 e parágrafo único, embora tivesse permitido a determinação da incomunicabilidade. Por que impor ao testador o constrangimento de afirmar, justamente no ato de disposição de sua última vontade, que estabelece a inalienabilidade porque seu filho é um gastador, um perdulário e que, provavelmente, vai arruinar ou dilapidar o patrimônio que receberá, ficando na miséria? Ou que ordena a impenhorabilidade porque o herdeiro é viciado no jogo, em bebidas, ou em tóxicos, e vai assumir dívidas, comprometendo os bens de sua legítima? Ou que determina a incomunicabilidade porque seu filho casou-se com uma aventureira, que só do marido apaixonado e lerdo consegue esconder o objetivo de enriquecer, dando o “golpe do baú”?

Mas não é só isso! O Código exige que a causa seja ‘justa”, e a questão vai ser posta quando o estipulante já morreu, abrindo-se uma discussão interminável, exigindo uma prova diabólica, dado o subjetivismo do problema.

Diante do princípio da livre comercialização ou livre circulação ou disposição dos bens, a cláusula de inalienabilidade é admitida com muitas ressalvas na legislação estrangeira.

Na França, durante muito tempo, a inalienabilidade, temporária ou vitalícia — e, com maior razão, a perpétua—, foi considerada nula e de nenhum efeito. Depois, a jurisprudência foi abrandando o radicalismo inicial. Finalmente, o art. 900-1 do Código Napoleão, introduzido pela Lei n. 71-526, de 3 de junho de 1971, estabelece que as cláusulas de inalienabilidade inseridas numa doação ou num testamento somente são válidas quando sejam temporárias e justificadas por um interesse sério e legítimo.

Na Itália, enquanto a cláusula de inalienabilidade, estabelecida por contrato, é admitida pelo art. 1.379 do Código Civil, devendo ser temporária e corresponder a interesse apreciável de uma das partes, em se tratando de testamento, o art. 692, parte final, do mesmo Código. em sua redação originária, declarava nula qualquer proibição do testador para que o herdeiro aliene bens hereditários. Mas esse artigo foi modificado pela Lei n. 151, de 19 de maio de 1975 (reforma dei diritto di famiglia), desaparecendo aquela proibição. A doutrina predominante expõe que a cláusula de inalienabilidade constante em testamento é válida, com a restrição que se aplica à que for estabelecida nos contratos: precisa ser temporária; mas o requisito de a cláusula corresponder a um interesse apreciável (ou qualificado) não é de ser exigido, dada a índole do ato de última vontade (cf.? Giuseppe Rocca, apud Mário Júlio de Almeida Costa, Cláusulas de inalienabilidade, Coimbra, Coimbra Ed., 1992, p. 20).

Em Portugal, encerrando esta rápida visita ao direito comparado, o art. 2.295,1 do Código Civil afirma que são havidas como fideicomissárias as disposições pelas quais o testador proíba o herdeiro de dispor dos bens hereditários, seja por ato entre vivos, seja por ato de última vontade. Neste caso, são havidos como fideicomissários os herdeiros legítimos do fiduciário.

Não devia ter sido incluída na previsão do artigo 1.848 a cláusula de incomunicabilidade. De forma alguma ela fere o interesse geral, prejudica o herdeiro, desfalca ou restringe a legítima; muito ao contrário. O regime legal supletivo de bens é o da comunhão parcial (art. 1.640, caput), e, neste, já estão excluídos da comunhão os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão (art. 1.659, 1). Assim sendo, se o testador impõe a incomunicabilidade quanto aos bens da legítima de seu filho, que se casou sob o regime da comunhão universal, nada mais estará fazendo do que seguir o próprio modelo do Código, e acompanhando o que acontece na esmagadora maioria dos casos.

Nas Disposições Finais e Transitórias, prevenindo questões de direito intertemporal, o art. 2.042 afiram que o disposto no caput do CC 1.848 se aplica quando aberta a sucessão no prazo de um ano a piada em vigor deste Código, ainda que o testamento tenha sido feito na vigência do Código Civil de 1916. Mas a parte final do aludido art. 2.042 prevê: “Se. no prazo, o testador não aditar o testamento para declarar a justa causa de cláusula aposta à legítima, não subsistirá a restrição”.

Não tendo o Código Civil de 1916 dedicado solução expressa ao assunto, havia opiniões divergentes a respeito de a cláusula de inalienabilidade abranger, automaticamente, a incomunicabilidade. A maioria dos autores, entretanto, deu parecer segundo o qual a inalienabilidade envolve a incomunicabilidade, e o STF, após algumas divergências, editou a Súmula 49: “A cláusula de inalienabilidade inclui a incomunicabilidade dos bens”. Sem dúvida, a comunicação é espécie de alienação, e este Código, cortando qualquer dúvida que ainda pudesse haver, resolve, no art. 1.911: “A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade”.

Não se permite, ainda, que o testador estabeleça a conversão dos bens da legítima em outros de espécie diversa, como, por exemplo, que a legítima de um filho deva ser integrada apenas por imóveis, ou somente por bens móveis, ou por quotas de empresas, ou por ações de sociedades anônimas ou por dinheiro, ou por títulos de crédito.

Apesar da omissão do Código Civil de 1916, a doutrina admitia a possibilidade da sub-rogação real em outros casos não previstos em lei. Carlos Alberto Dabus Maluf, citando Washington de Barros Monteiro, expõe que os tribunais, em geral, têm aceito o entendimento mais liberal, permitindo a sub-rogação, sempre que razoável o interesse do dono da coisa (Das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1986, n. 11, p. 69). Aliás, o Decreto-Lei n. 6.777, de 8 de agosto de 1944, dispôs sobre a sub-rogação de imóveis gravados ou inalienáveis, permitindo que sejam substituídos por outros imóveis ou apólices da dívida pública.

A alienação de bens gravados, conforme o disposto no § 2º do CC 1.848, depende de haver justa causa, e só pode ser feita mediante autorização judicial, convertendo-se o produto da alienação em outros bens, que ficarão sub-rogados nos ônus dos primeiros.

Sugestão legislativa: Consoante as ponderações e críticas acima apresentadas, propôs-se ao Deputado Ricardo Fiuza nova redação ao art. 1.848 do Código Civil: Art. 1.848: Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, e de impenhorabilidade, sobre os bens da legítima. § 1º........ § 2º......... § 3º Ao testador é facultado, livremente, impor a cláusula de incomunicabilidade. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 958-960, CC 1.848, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 03/08/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na sequência Raquel de Oliveira acena, entretanto, ser sempre uma dificuldade muito grande produzir prova de todas as hipóteses de doações que o descendente possa ter recebido do ascendente, principalmente quando se tratar de dinheiro ou bens móveis, joias ou semoventes.

 

Por isso, não raro, constata-se que a tentativa de alcance da situação de efetiva igualdade entre os herdeiros necessários, quanto ao integral recebimento da proporção legal, não se realiza satisfatoriamente.

 

Por outro lado, incorrer-se-á em sonegação o herdeiro necessário que se negar em apresentar os bens que tiver recebido em doação, que sempre goza da presunção legal de que se trata de antecipação da legítima, a qual tem resultado grave e oneroso previsto no Código Civil.

 

A perda do direito aos bens conforme dispõe a norma, decorrente da sonegação, pode ser arguida por qualquer dos herdeiros, legatários ou mesmo pelos demais interessados e até pelo Ministério Público, nos casos em que lhe competir.

É oportuno observar que a lei não se refere a uma possibilidade, pelo contrário, é impositiva. E mais: estabelece penalidade pelo eventual descumprimento da norma: CC - Art. 1992 - O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia.

A finalidade da colação está prevista na própria lei que, de forma clara e objetiva, dispõe que a obrigação do herdeiro persiste independentemente de ainda possuir ou não o bem recebido do donatário.

Assim, é irrelevante se o herdeiro necessário possui o bem, o certo é que se o bem não mais existe e se o quinhão do herdeiro não comportar a compensação, o valor devido à colação deverá ser conferido em dinheiro. Confira:


CC  2003: A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados.

Parágrafo único. Se, computados os valores das doações feitas em adiantamento de legítima, não houver no acervo bens suficientes para igualar as legítimas dos descendentes e do cônjuge, os bens assim doados serão conferidos em espécie, ou, quando deles já não disponha o donatário, pelo seu valor ao tempo da liberalidade.

Mas é importante destacar que o instituto da colação não atinge ou prejudica o direito do herdeiro necessário à sua legítima quando for contemplado com a parte disponível do testador em testamento válido. Neste caso o herdeiro terá dois quinhões distintos. Um decorrente de sua situação de herdeiro necessário e outro decorrente dos bens ou direitos que lhe foram conferidos pelas disposições testamentárias. (Raquel de Oliveira, em artigo intitulado “Partilha, sobrepartilha e colação”, publicado em maio/2021, no site jusbrasil.com.br, referente CC 1.848, acessado em 03/08/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na observação de Guimarães e Mezzalira, são tão rígidas as normas sobre a legítima, que o titular do patrimônio, ainda vivo, não pode obstruir o filho na titularidade de sua legítima, onerando-a com inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade todo seu patrimônio, salvo se houver uma justa causa. O ônus é permitido, quando há a causa e deve ser mencionada em testamento para livre julgamento do juiz competente.

Da mesma forma, diferentemente do que era previsto no Código revogado, o atual não mais permite que o titular do patrimônio converta a legítima em outros bens ou direitos.

Se tiver sido instituída a inalienabilidade, por exemplo, devidamente comprovada a causa do ônus, poderá o herdeiro, em ação própria, requerer ao juiz a sua substituição em outro bem, transferindo esse ônus para o novo bem a ser permutado ou adquirido. Tal procedimento tem a presença do Ministério Público obrigatória, que emitirá seu parecer.

Sendo favorável, o herdeiro venderá um lote, por exemplo, e, em seu lugar, receberá diversas unidades a serem construídas no mesmo local pela construtora, permanecendo nas unidades a cláusula de inalienabilidade primitiva.

Jurisprudência: Anulação de cláusulas testamentárias. Intempestividade do recurso afastada, vez que suspensos os prazos processuais no período de sua interposição. Cláusulas testamentárias que afrontam disposição legal e são declaradas nulas. Imposição de inalienabilidade, impenhorabilidade e de incomunicabilidade que necessita ser justificada. Nomeação do representante do espólio como tutor da Autora para administrar e gerir seu patrimônio que não subsiste. Genitora da Autora no exercício do poder familiar, que por expressa disposição legal é a administradora do patrimônio da filha. Honorários advocatícios arbitrados em R$ 5.000,00, em observância ao artigo 20, parágrafo 4º, CPC. Sentença de procedência mantida. Aplicação do artigo 252 do RI TJSP. Preliminar rejeitada e recurso não provido. (TJSP, Apelação: APL 004081763201 1 182600506 SP 0040817 – 63.2011.8.26.0506. Relator: João Pazine Neto. DJ 01/04/2014, 3ª CDP). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.848, acessado em 03/08/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.849. O herdeiro necessário, a quem o testador deixar a sua parte disponível, ou algum legado, não perderá o direito à legítima.

Correspondência deste ao art. 1.900 do Projeto de Lei n. 634/75. Ver art. 1.724 do Código Civil de 1916.

Segundo a crítica do relator, o testador pode dispor, livremente, de sua metade disponível (CC 1.789), destinando-a, por exemplo, no todo ou em parte, a algum parente, a um estranho, a uma pessoa jurídica, a uma instituição de caridade etc. E pode decidir que essa parte disponível, ou algum legado, caiba a um herdeiro necessário. Esse herdeiro, beneficiado com a metade disponível, ou recebendo coisa certa do testador, como legado, não perde o direito à legítima. Ficará com a sua quota necessária e, mais, com o que lhe foi deixado no testamento. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 960, CC 1.849, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 03/08/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Comenta Raquel de Oliveira, a ressalva legal: CC 1849: O herdeiro necessário, a quem o testador deixar a sua parte disponível, ou algum legado, não perderá o direito à legítima.

Além disso, claro, em respeito ao direito de disposição do testador, a norma dispõe ainda que o autor da herança poderá dispensar da colação os bens doados, no limite da sua parte disponível, manifestando pela via de testamento ou até no próprio título de liberalidade. Confira a norma:

CC - Art. 2.005. São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação.

 

Parágrafo único. Presume-se imputada na parte disponível a liberalidade feita a descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado à sucessão na qualidade de herdeiro necessário.


CC - Art. 2.006. A dispensa da colação pode ser outorgada pelo doador em testamento, ou no próprio título de liberalidade.

CC - Art. 2.007. São sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade.

§ 1º O excesso será apurado com base no valor que os bens doados tinham, no momento da liberalidade.

§ 2º A redução da liberalidade far-se-á pela restituição ao monte do excesso assim apurado; a restituição será em espécie, ou, se não mais existir o bem em poder do donatário, em dinheiro, segundo o seu valor ao tempo da abertura da sucessão, observadas, no que forem aplicáveis, as regras deste Código sobre a redução das disposições testamentárias.

§ 3º Sujeita-se a redução, nos termos do parágrafo antecedente, a parte da doação feita a herdeiros necessários que exceder a legítima e mais a quota disponível.

Os aspectos da partilha, da sobrepartilha e da colação, examinados neste estudo são aqueles decorrentes do direito material, que regulam as relações entre as pessoas e também entre as pessoas e o Estado, conforme previsto do Código Civil.

Entretanto, paralelamente, persistem disposições legais que regulam a existência e validade dos processos judiciais, bem como o modo destes se iniciarem, se desenvolverem e terminarem, que são previstas no Código de Processo Civil. (Raquel de Oliveira, em artigo intitulado “Partilha, sobrepartilha e colação”, publicado em maio/2021, no site jusbrasil.com.br, referente CC 1.849, acessado em 03/08/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo a erudição de Guimarães e Mezzalira, como é sabido, a sucessão legítima não se mistura com a sucessão testamentária. Dessa forma, pode o herdeiro necessário ter uma legítima, igual à de seus irmãos, mas receber imenso legado, que foi estabelecido pelo testador em seu testamento. Nesse último a porção é chamada de disponível e os filhos, por exemplo, não podem interferir. O titular do patrimônio pode deixar toda a sua porção disponível para uma única pessoa, que tenha uma legítima a receber. Esse legado ou porção de herdeiro instituído não modifica a divisão entre os legitimários a legítima.

 

Importante não esquecer que porção disponível não se confunde com porção indisponível. Naquela o titular do patrimônio faz o que lhe aprouver, sendo-lhe proibido, contudo, doar para as pessoas mencionadas nos arts. 1.801/1.802.

 

Jurisprudência: Agravo de instrumento. Sucessões. Inventário. Testamento que deixa a parte disponível, constituída por um imóvel, a um único herdeiro necessário. Disposição testamentária que não afasta o direito à legítima do herdeiro. A disposição testamentária que recair sobre a parte disponível da herança, em favor de herdeiro necessário, não afasta o direito à legítima deste herdeiro beneficiário.


Nesse sentido ´a clara disposição do art. 1.724 do Código de 1.916, vigente à época da abertura da sucessão do autor da herança – dispositivo que encontra correspondência no atual CC 1.849. negaram provimento. Unanime. (AI n. 70055150866, 8ª CV, TJRS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, J 29/08/2013). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.849, acessado em 03/08/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.850. Para excluir da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar.

Documentadamente, este corresponde ao art. 1.901 do Projeto de Lei n. 634/75. Ver art. 1.725 do Código Civil de 1916.

Rematando o Capítulo o relator Ricardo Fiuza, os parentes colaterais, até o 4º grau, são herdeiros legítimos (arts. 1.829, IV, e 1.839), mas não necessários ou obrigatórios (art. 1.845). Enfim, são herdeiros facultativos, e serão chamados, se não houver deliberação em contrário do autor da sucessão. Para excluir da sucessão os colaterais, basta que o testador disponha, em favor de terceiros, da totalidade do seu patrimônio. Os herdeiros legítimos, desde que não sejam forçados, necessários, podem ser afastados pela simples vontade do de cujus, que não precisa justificar a sua decisão, ou apresentar causa para ela (cf. Código Civil italiano, art. 457, al. 2; Código Civil espanhol, art. 763; Código Civil português, art. 2.027). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 960-961, CC 1.850, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 03/08/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Bibliografia: Silvio Rodrigues, Direito civil; direito das sucessões, 24. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 7; Clóvis Beviláqua, Código Civil comentado, 3. ed., Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1935, v. 6; Hermenegildo de Barros, Manual do Código Civil, Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos, editor, 1918, v. 18; Miguel Reale, O projeto do novo Código Civil, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1999; Mário Júlio de Almeida Costa, Cláusulas de inalienabilidade, Coimbra, Coimbra Ed., 1992; Carlos Alberto Dabus Maluf, Das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1986.

Leonardo de Resende Lopes, apresenta artigo em que expõe o assunto indignidade e deserdação #4,  referência inclusive ao art. 1.850 em comento publicado em 2020, no site Jusbrasil.com.br.

 

Caso: Pedro, após viagem internacional para uma cidade chamada “Uhul”, retorna para sua casa. Passados alguns dias, o viajante começa a desenvolver uma leve tosse, acompanhada de dor de cabeça. Preocupado, dirige-se ao hospital mais próximo e, após exames, é diagnosticado com coronavírus. Dias depois, já sem nenhum sintoma, Pedro verifica a oportunidade de ficar milionário: descumprindo as recomendações das autoridades de saúde para a realização de isolamento social, resolve fazer uma visita a seu pai, João, dono de 100 imóveis comerciais, outros 100 residenciais, além de empresário de sucesso, mas com quadro anterior bronquite e asma e com seus setenta anos.

 

Em um sábado ensolarado, dirige-se à casa de seu genitor para um almoço, oportunidade em que o abraça de maneira firme, fica por horas conversando com seu pai em um ambiente bem fechado e, antes de ir embora, dá um forte beijo em seu rosto. Uma semana depois, João é internado e morre, sobrevindo a confirmação da causa da morte: COVID-19.

 

Pedro comparece ao velório e pergunta ao irmão: quem podemos contratar para fazer o inventário do pai? Eita, Pedro é genioso não? Tragédias à parte, a hipótese narrada é de deserdação ou indignidade?

Os esclarecimentos sobre o caso do genioso Pedro implicam a necessidade de revisitar-se os conceitos, hipóteses e efeitos dos institutos da indignidade e da deserdação. Mas não somente isso: o tema, como se depreende da narrativa, é hipótese interessante de interdisciplinariedade, misturando não somente a compreensão do tema proposto sob a perspectiva sucessória, mas também do Direito Penal.

Deste modo, tendo como norte a solução do caso narrado, pretende-se trazer à tona um dos temas mais interessantes em matéria sucessória: a exclusão do herdeiro da sucessão dos bens do falecido. Para tanto, adotar-se-á, para cada um dos institutos, a estrutura de conceito, hipóteses e efeitos, bem como, ao final, um quadro comparativo.

E claro, para que não se alegue desconhecimento, o caso narrado é mera situação criada para deixar o tema mais “contemporâneo” e preparar o assíduo operador do direito a situações que, após a crise sanitária lamentável que vivemos, podem surgir.

Nos termos do artigo 1.961 do Código Civil, “Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.”.

O dispositivo legal indicado, embora não traga o conceito ora buscado, nos permite a identificação de algumas características da deserdação. O primeiro é o de que a deserdação é uma sanção civil. Sim, sanção, porquanto implica a perda do herdeiro do direito de concorrer na sucessão dos bens deixados pelo autor da herança. Em outros termos, implica uma restrição de direitos daquele que incidir em uma das hipóteses previstas em lei.

 

A segunda conclusão que se extrai do dispositivo é a de que a deserdação atinge grupo específico de herdeiros: os herdeiros necessários. E quem são estes. Nos termos do artigo 1.845 do Código Civil, são herdeiros necessários os ascendentes, os descendentes e o cônjuge.

 

A leitura do dispositivo, porém, é insuficiente, dado o grau de evolução do debate acerca do tema. Neste sentido, podem-se incluir como herdeiros necessários não somente os ascendentes e os descendentes como decorrência de vínculo biológico, mas também aqueles decorrentes de vínculos socioafetivos, sem mencionar a possibilidade do reconhecimento da multiparentalidade, bem como, conforme tendência da jurisprudência dos Tribunais Superiores, a inclusão no rol indicado dos companheiros, notadamente após o julgamento do Recurso Extraordinário 878.694/MG.

 

E assim são reconhecidos os herdeiros necessários, porquanto a estes, por presunção estabelecida pelo legislador com base no que seria a vontade real do autor da herança, reserva-se a legítima, ou seja, 50% (cinquenta por cento) dos bens do titular (art. 1.846 do CC), tema que, a propósito, pode render um artigo específico, já que se faz necessário repensar o quantum ou mesmo a necessidade desta reserva.


Para ir um pouco mais adiante, para que se possa falar em deserdação como sanção contrária somente aos herdeiros necessários, basta a compreensão de que, para aqueles que não o são, seria suficiente que o titular dos bens formalizasse testamento direcionando seus bens, para depois da vida, para outras pessoas que não os demais legitimados a suceder (art. 1.850 do Código Civil). (Leonardo de Resende Lopes, apresenta artigo em que expõe o assunto indignidade e deserdação #4, referência inclusive ao art. 1.850 em comento, publicado em 2020, no site Jusbrasil.com.br, acessado em 03/08/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Atentando ao discurso de Guimarães e Mezzalira, quando o testador não tem herdeiros necessários, poderá deixar todo seu patrimônio para uma instituição de caridade, por exemplo, a Santa Casa – que presta excelentes serviços à sociedade – sem beneficiar os colaterais. Isso é permitido pela lei, simplesmente porque o colateral não é necessário, mas, tão somente, legítimo.

 

Herdeiro colateral pode ser entrave no partilhamento dos bens. Não são eles necessários e nada podem exigir, se o titular dos bens decidiu, em testamento, aquinhoar um e excluir outro. colateral é herdeiro, evitando que a herança se torne vacante e transferida para o município.

Jurisprudência: Agravo de instrumento. Sucessões. Cessão de direitos hereditários. Exclusão de parente colateral. Em casos de ausência de herdeiros necessários pode-se testar ou ceder a totalidade da herança, excluindo-se os parentes colaterais na sucessão. Inteligência do CC 1.850. negado provimento ao agravo de instrumento. (AI n. 70033511734, 8ª CV, TJRS, relator: Alzir Felippe Schmitz, J 25/11/2009). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.850, acessado em 03/08/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nenhum comentário:

Postar um comentário