DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 151, 152, 153 -
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Da Coação
-
VARGAS, Paulo S. R.
Livro III – Dos Fatos
Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio
Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do
Negócio Jurídico – Seção III – Da
Coação -
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Art 151. A
coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua
família, ou aos seus bens 1, 2, 3
Parágrafo único. Se
disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com
base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.
1.
Coação
Segundo
Clóvis Beviláqua, a coação se caracteriza por um estado de espírito, em que o
agente, perdendo a energia moral e a espontaneidade do querer, realiza o ato
que lhe é exigido. Coação, portanto, é a pressão física ou moral que é exercida
sobre o agente que realiza o negócio jurídico mediante ameaça que recaia sobre
sua própria pessoa, sua família, seus bens e, eventualmente sobre outras
pessoas.
2.
A coação como
defeito do negócio jurídico
Diversas são as
formas e a intensidade pelas quais uma pessoa pode coagir outra. Por essa
razão, a doutrina costuma separar a coação física (vis absoluta) da coação moral (vis
compulsiva). A importância da distinção reside nos diferentes efeitos que
decorrem de uma e outra figura. Na coação absoluta o sujeito do negócio
jurídico sequer tem a opção entre realizar ou não realizar o negócio jurídico.
O sujeito é um mero instrumento da vontade do coator e realizar o ato sem
qualquer poder de decisão entre praticá-lo ou não. É o que ocorre, por exemplo,
quando alguém aponta uma arma para determinada pessoa ordenando-a que assine um
documento, ou que entregue um título de crédito. Em tal hipótese, há verdadeira
ausência de vontade e o negócio jurídico é considerado inexistente, e não meramente anulável. Na coação moral, por outro
lado, o sujeito realiza o ato forçado pelo medo de que a ameaça feita venha a
se concretizar. Em tal caso, haverá vontade do agente que realiza o ato, mas
essa vontade não é livre, e sim influenciada pelo medo que lhe incutiu o
coator, justificando-se a anulação do negócio jurídico. Além disso, para que a
coação seja causa de anulação do negócio jurídico, é necessário que (a) a
coação seja determinante para a realização do ato, (b) que provenha de um
terceiro tenha agido com a deliberada intenção de coagir, (c) que a ameaça implique
na ocorrência de um dano iminente às pessoas e bens protegidos pelo art 151,
(d) que o mal ameaçado seja grave (igual ou superior ao dano prejuízo
extorquido), (e) que o mal ameaçado seja injusto (não caracterizando coação a
ameaça do exercício legítimo de um direito).
3.
Efeitos da coação
Além de ser um
defeito do negócio jurídico, a coação é também um ato ilícito. Por essa razão,
além de justificar a anulação do negócio jurídico, impõe-se ao agente coator a
responsabilidade pela reparação das perdas e danos. (Direito
Civil Comentado apud Luís Paulo
Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 18.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
Nas palavras
de Roberto Gonçalves, Coação é toda
ameaça ou pressão injusta exercida sobre um indivíduo para força-lo, contra a
sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio. O que a caracteriza é o
emprego da violência psicológica para viciar a vontade. “(Por exemplo, Cheque,
emissão sob coação. Garantia de dívida. Desnaturação. Se o cheque foi emitido
sob coação, não com essa natureza, mas como garantia de dívida, com pleno
conhecimento da financeira, impõe-se sua anulação”.
Não é a
coação, em si, um vício da vontade, mas sim o temor que ela inspira, tornando
defeituosa a manifestação de querer do agente. Corretamente, os romanos
empregavam o termo metus (mentis
trepidatio) e não vis (violência),
porque é o temor infundido na vítima que constitui o vício do consentimento e
não os atos externos utilizados no sentido de desencadear o medo. Nosso direito
positivo, entretanto, referindo-se a esse defeito, ora o chama de coação (art
171, II), ora de violência (art 1.814, III). (Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 490; Washington
de Barros Monteiro, Curso,
cit. v. 1, p. 210, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral,
Roberto Gonçalves, v. 1, p. 422, 2010, Saraiva – São Paulo).
A coação é o vício mais grave e profundo que pode afetar o negócio
jurídico, mais até do que o dolo, pois impede a livre manifestação da vontade,
enquanto este incide sobre a inteligência da vítima.
No Parágrafo único deste
art 151 “Se disser respeito a pessoa
não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias,
decidirá se houve coação.” Verifica-se, assim, que nem toda ameaça
configura a coação, vício do consentimento. Para que tal ocorre é necessário
reunirem-se os requisitos estabelecidos do dispositivo supratranscrito. Assim,
a coação: a) deve ser a causa determinante do ato; b0 deve ser grave; c) deve
ser injusta; d) deve dizer respeito a dano atual ou iminente; e) deve
constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens da vítima ou a pessoa de sua
família.
a) Deve
ser a causa determinante do ato – deve
haver uma relação de causalidade
entre
a coação e o ato extorquido, ou seja, o negócio deve ter sido realizado somente
por ter havido grave ameaça ou violência, que provocou na vítima fundado receio
de dano à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens. Sem ela, o negócio não se
teria concretizado.
Se
alguém, porém, foi vítima de coação, mas deu seu consentimento independente da
ameaça, não se configura o aludido defeito do negócio jurídico. É possível que
sua concordância tenha coincidido com a violência, sem que esta gerasse aquela.
(Silvio Rodrigues, Direito civil, cit., p. 202. Valendo-se
dessa lição, decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “Se alguém foi vítima
de ameaça, mas deu seu assentimento independente dela, não se configura coação.
É possível que sua concordância tenha coincidido com a violência, sem que esta
gerasse aquela. Em tal hipótese, o ato sobrevive imaculado, dada a
espontaneidade do querer” (RT, 705/97), apud Direito Civil
Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V.
I, p. 424, 2010, Saraiva – São Paulo).
Incumbe à parte que pretende a
anulação do negócio jurídico o ônus de provar o nexo de causa e efeito entre a
violência e a anuência.
b) Deve ser grave – A coação, para viciar a manifestação de vontade, há de ser
de tal intensidade que efetivamente incuta na vítima um fundado temor de dano a
bem que considera relevante. Esse dano pode ser moral ou patrimonial.
Para aferir a gravidade ou não da
coação, não se considera o critério abstrato do vir medius, ou seja, não se compara a reação da vítima com a do
homem médio, de diligência normal. Por esse critério, se a média das pessoas se
sentir atemorizada na situação da vítima, então a coação será considerada
grave.
Segue-se o critério concreto, ou seja, em cada caso, as
condições particulares ou pessoais da vítima. Algumas pessoas, em razão de
diversos fatores, são mais suscetíveis de se sentir atemorizadas do que outras.
Por essa razão, determina o art 152 do Código Civil: “No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a
saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam
influir na gravidade dela”.
Cabe verificar se a ameaça bastou para
amedrontar o indivíduo contra quem foi dirigida, não qualquer outro nem a média
das pessoas. Por exemplo: um ato incapaz de abalar um homem pode ser suficiente
para atemorizar uma mulher, como a ameaça incapaz de perturbar pessoa jovem e
sadia pode afetar profundamente pessoa doente e idosa. (Instituições de direito civil, v.
I, p. 352, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral,
Roberto Gonçalves, V. I, p. 381, 2010 Saraiva – São Paulo).
Art 152. No
apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o
temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na
gravidade dela. 1
1.
Circunstâncias da coação
Diferentes pessoas apresentam
diferentes reações quando ameaçadas. Ainda que em alguma medida todos estejam
sujeitos a ceder ao medo incutido por uma ameaça que alguém lhe faça, algumas
pessoas se mostram mais suscetíveis à coação e outras menos. Tal circunstância
torna qualquer tentativa de objetivar os requisitos de caracterização da coação
impossível. Por essa razão, a caracterização da força determinante e
intimidadora da coação é essencialmente subjetiva, devendo ser aferida pela
ótica de quem sofreu a coação. Humberto Theodoro Júnior empresta elucidativos
exemplos de Caio Mário da Silva Pereira e de Clóvis Beviláqua, dizendo que “a
mesma ameaça que um homem ponderado repele, cala no ânimo de uma tímida
donzela; o mesmo indivíduo, que em circunstâncias normais de saúde ri de um
fato a ele dirigido como veículo de intimidação, pode sentir-se aterrorizado
quando debilitado por uma enfermidade. Também a surpresa, às vezes se mostra
desconcertante, e pode levar à prática de atos que se evitariam se fosse
possível enfrentar a situação de ânimo prevenido”. (1) Por essa
razão, para apreciar a existência de coação deve o juiz levar em conta o sexo,
a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais
circunstâncias que possam influir na gravidade dela.
(1) Humberto Theodoro Júnior, coord.
Sálvio de Figueiredo Teixeira, Comentários
ao Código Civil: das pessoas, (arts 138 a 184), vol. III, Rio de Janeiro,
Forense, 2010, p. 188
Seguindo os ensinamentos apontados por Roberto Gonçalves, temos 7 (sete)
espécies de coação, como segue:
a)
Coação absoluta ou física e coação relativa ou moral – Já o direito romano distinguia a coação absoluta ou física (vis absoluta), da relativa ou moral (vis compulsiva).
Na coação absoluta inocorre
qualquer consentimento ou manifestação da vontade. A vantagem pretendida pelo
coator é obtida mediante o emprego de força física. Por exemplo: a colocação da
impressão digital do analfabeto no contrato, agrando-se à força o seu braço.
Embora, por inexistir nesse caso qualquer manifestação de vontade, os autores
em geral considerem nulo o negócio, trata-se na realidade de hipótese de inexistência do negócio jurídico, por
ausência do primeiro e principal requisito de existência, que é a declaração da
vontade.
O correto enfoque é feito por Moreira Alves, quando comenta as inovações
do Projeto de Código Civil, nestes termos: “No que concerne à coação, o Projeto
apresenta algumas alterações de relevo, embora, à semelhança do que se verifica
no Código em vigor (de 1916), não
aluda à coação física absoluta (caso de inexistência do negócio jurídico por
ausência de vontade), mas disciplina apenas a vis compulsiva. (A parte geral, cit., p. 113, apud Direito Civil
Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V.
I, p. 423, 2010, Saraiva – São Paulo).
A coação que constitui vício da vontade e torna anulável o negócio
jurídico (CC, art 171, II) é a relativa
ou moral. Nesta, deixa-se uma opção ou escolha à vítima; praticar o ato
exigido pelo coator ou correr o risco de sofrer as consequências da ameaça por
ele feita. Trata-se, portanto, de uma coação psicológica. É o que ocorre, por
exemplo, quando o assaltante ameaça a vítima, apontando-lhe a arma e
propondo-lhe a alternativa: “a bolsa ou a vida”.
b)
Coação principal e coação acidental - Embora o Código
Civil não faça a distinção, a doutrina entende existir coação principal e acidental, como no dolo. Aquela seria a causa determinante do negócio; esta influenciaria apenas
as condições da avença, ou seja, sem ela o negócio assim mesmo se realizaria,
mas em condições da avença, ou seja, sem ela o negócio assim mesmo se
realizaria, mas em condições menos desfavoráveis à vítima.
A coação principal
constitui causa de anulação do negócio jurídico; a acidental somente obriga ao
ressarcimento do prejuízo. (Direito Civil Comentado – A Parte
Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 423, 2010 Saraiva – São
Paulo).
Art 153. Não
se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples
temor reverencial. 1
1.
Hipóteses que não caracterizam coação
A
ameaça do exercício normal de um direito e o simples temor reverencial não
caracterizam a coação. Para que a ameaça possa caracterizar coação, é
necessário que o mal ameaçado seja injusto, sendo evidente que não existe
injustiça alguma na ameaça de exercer legitimamente um direito. Além disso, é
necessário ainda que o mal ameaçado seja grave, não bastando o simples temor
reverencial, conceitualmente entendido como o receio de desgostar alguém a que
se deva obediência ou respeito, como o pai, a mãe ou o chefe. Apesar de o
simples medo de desagradar alguém por temor reverencial, sozinho, não ser
suficiente para caracterizar a coação, é bem verdade, que tais pessoas se
encontram em privilegiada posição para exercer pressão sobre aqueles que lhe
devem respeito e obediência. Tal circunstância, portanto, não pode ser ignorada
pelo juiz al analisar as circunstâncias da coação (CC, art 152). (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina.
Material coletado no site Direito.com
em 18.01.2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações (VD)).
Comentado por Roberto Gonçalves,
diz o art 153, segunda parte, do novo estatuto civil, que não se considera
coação “o simples temor reverencial”. Assim,
não se reveste de gravidade suficiente para anular o ato o receio de desgostar
os pais ou outras pessoas a quem se deve obediência e respeito, como os
superiores hierárquicos. Não se anula um negócio mediante a simples alegação do
empregado, do filho ou do soldado no sentido de que foi realizado para não
desgostar, respectivamente, o patrão, o pai ou o coronel, quando estes
constituem a contraparte ou apenas recomendaram a celebração da avença com
terceiro, malgrado se reconheça a utilidade desse respeito para o relacionamento
social. (Direito Civil Comentado – A Parte
Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 425, 2010 Saraiva – São
Paulo).
Segundo Silvio Rodrigues, “quem concorda com um ato movido apenas pelo
escrúpulo de desgostar parente ou superior hierárquico de certo modo se equipara
ao que consente diante de ameaça infantil e irrisória, cujos feitos nenhuma
pessoa normal recearia. Por isso também a lei não considera viciado o seu
consenso nem permite que se desfaça o ato. (Direito civil, cit.,
v. 1, p. 206, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral,
Roberto Gonçalves, V. I, p. 425, 2010, Saraiva – São Paulo).
Todavia, o emprego do vocábulo “simples” no dispositivo legal
supra referido evidência que o temor reverencial não vicia o consentimento
quando desacompanhado de ameaças ou violências. Assim, no casamento,
consideram-se coação, e não simples temor reverencial, as graves ameaças de
castigo à filha, para obriga-la a casar. Do mesmo modo, nas relações
trabalhistas transforma-se em coação o temor reverencial do empregado quando o
patrão adiciona ameaças ao seu comportamento normal.
Em conclusão: o simples temor reverencial não se equipara à coação, mas,
se for acompanhado de ameaças ou violências, transforma-se em vício da vontade.
E se referidas ameaças provierem de pessoas que, por sua situação, inspirem
respeito e obediência (tais como os ascendentes, o marido, os superiores
hierárquicos), elas não necessitam de se revestir da mesma gravidade de que se
revestiriam se emanassem de outras fontes, porque o temor reverencial é, por si
mesmo, uma agravante da ameaça. (A Parte Geral, cit., p. 113, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral,
Roberto Gonçalves, V. I, p. 426, 2010, Saraiva – São Paulo).