sexta-feira, 26 de junho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.060, 1.061, 1062 Da Administração - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.060, 1.061, 1062
 Da Administração -  VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo IV –
Da Sociedade Limitada Seção III – Da administração
 (Art. 1.060 ao 1.065) – vargasdigitador.blogspot.com

Art. 1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado.

Parágrafo único. A administração atribuída no contrato a todos os sócios não se estende de pleno direito aos que posteriormente adquiram essa qualidade.

Na experiência de Barbosa Filho, a sociedade limitada ostenta, por ser personalizada, plena capacidade de direito e de fato, a qual só se realiza, concretamente, pela atuação de um órgão interno incumbido de externar sua vontade e, assim, manter um constante relacionamento com terceiros, tendente à celebração de negócio jurídicos e à consecução do objeto social escolhido. Tal órgão corresponde à administração da sociedade limitada, disciplinada na presente seção, consignando-se, de início, ser a redação adotada pelo novo Código Civil mais adequada do que a constante do revogado Decreto 3.708/19, feita a distinção clara entre administrador e gerente. Enquanto o gerente, como proposto pelo CC 1.172, constitui um preposto de maior qualificação, incumbido de viabilizar o contato direto com alguns terceiros e cumprir diretrizes antecipadamente fixadas, o administrador, na qualidade de membro de um órgão da sociedade e tal qual exposto no art. 47, fica investido com poderes contratuais para a prática de atos de gestão e presenta a pessoa jurídica. A administração constitui um órgão necessário e permanente, pois, sem ela, a pessoa jurídica, como ente abstrato, não age e não pode realizar os fins para os quais foi criada. Os administradores são os membros de tal órgão. Eles são escolhidos pelos sócios contratantes, conforme critérios de confiança, cabendo-lhes exercer pessoalmente a gestão.

As cláusulas do contrato social devem dispor sobre o número de administradores e, se for o caso, sobre os poderes específicos conferidos a cada qual. Exige-se uma designação formal, cuja publicidade, feita por intermédio do registro público, é essencial. A designação tanto pode ser feita no próprio instrumento do contrato social inscrito, conforme a natureza empresária ou não empresária da sociedade, em Junta Comercial ou em Registro Civil de Pessoa Jurídica, quanto em documento apartado e averbado na inscrição originária.

Não apenas sócios podem ser designados administradores, como também, sempre considerados os impedimentos elencados no CC 1.011, § 1º, estranhos ao quadro social e, mesmo, ausente vedação legal, outras pessoas jurídicas. Como o exercício da gestão é conferido de maneira individualizada e deriva da avaliação das qualidades pessoais do escolhido, a designação tem de ser expressa, não se admitindo, por isso, conforme o parágrafo único, sua automática extensão em razão da aquisição da qualidade de sócio.

Para que um novo sócio, admitido durante a execução do contrato, seja designado administrador, é preciso obter deliberação específica do conjunto dos sócios, reduzindo-a a escrito e promovendo seu registro. Ressalve-se que a pessoa jurídica não pode assumir o lugar de administradora e apenas pode fazer designar um gerente-delegado ou administrador não sócio. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1048-49. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

De acordo com o histórico, essa norma não sofrer qualquer alteração no processo legislativo no CC/2002. O Decreto 3.708/19, em seus arts. 10 a 14, estabelecia as disposições relativas à administração e gerência da sociedade limitada.

Para a doutrina de Ricardo Fiuza, a administração da sociedade limitada compete aos sócios que forem designados como gerentes pelo contrato social. As regras relativas à sociedade limitada denominam, genericamente, como administrador a pessoa investida dos poderes de representação e gestão da sociedade. Os sócios, todavia, no contrato social, dispõem de liberdade para nomear o cargo de administrador, que pode ser denominado diretor, presidente ou superintendente. A expressão “gerente”, e “subgerente” foi abandonada pelo Código de 2002, utilizando-se, indistintamente, a expressão administradores para designar tanto os sócios quanto os não sócios investidos de poderes de gerência e representação da sociedade. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 552, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo os autores Antônio Junqueira de Azevedo e Modesto de S Barros Carvalhosa, o Decreto n. 3.708/19 fixava apenas os pontos essenciais relativos à administração. Da interpretação de diversos dispositivos do referido Decreto de 1919 (arts. 10, 12 e 13), se deduzia que a limitada seria gerida e representada por seus próprios sócios, designados no contrato social como sócios-gerentes. No silêncio do contrato, essas atribuições caberiam a todos os sócios. Era possível, ainda, a delegação da gerência e da representação da sociedade a terceiros, desde que o contrato social não o vedasse e expressamente, caso, em que o sócio que a fizesse tornar-se-ia pessoalmente responsável pelas obrigações contraídas pelo delegado (art. 13).

Diante da vedação legal a que a gerência fosse atribuída prima facie a terceiros estranhos ao quadro social, tornou-se uso frequente na vigência do Decreto n. 3.708/19, corroborado pelo entendimento do Registro de Comércio, a nomeação dos sócios-gerentes no contrato social com a concomitante ou posterior delegação de gerência a esses terceiros.

Determinava o decreto de 1919 que o contrato social poderia dispensar os sócios-gerentes da prestação de caução (art. 12), e fixava as responsabilidades solidária e ilimitada dos sócios-gerentes pelo excesso de mandato, bem como por atos praticados com violação do contrato ou da lei (art. 10). Estabelecia, ainda, a ação de perdas e danos da sociedade ou de terceiros contra o sócio que usasse indevidamente a firma social ou dela abusasse (art. 11).

Observados esses aspectos essenciais quanto à administração da sociedade, as partes podiam organizar a administração da sociedade conforme melhor lhes conviesse, adotando, inclusive, uma administração nos moldes da sociedade anônima, com conselho de administração, diretoria e conselho fiscal, aos quais se aplicaria subsidiariamente a Lei das Sociedades Anônimas.

Segundo o Código Civil de 2002, há uma nova estrutura da sociedade limitada no Código, que, abandonando o princípio de que apenas os sócios poderiam exercer a administração e a representação da sociedade – princípio este que já havia sido relativizado com a difundida prática da delegação de gerência a terceiros estranhos sob a égide do decreto de 1919 -, passou a permitir que a sociedade seja administrada por terceiros não sócios. Além disso, estabeleceu o regime de investidura, término do cargo, destituição, renúncia, bem como o exercício e prestações de contas da administração da sociedade pelo terceiro ou pelo sócio. E regulou, ainda, a criação e funcionamento do conselho fiscal, de adoção facultativa nas limitadas, e das reuniões e assembleias gerais de sócios.

Cria-se, agora, para as sociedades limitadas uma estrutura organizativa mais sofisticada, deixando a lei menos flexibilidade às partes para livremente estabelecerem a estrutura de administração da sociedade.

Note-se que o Código Civil de 2002 abandona a nomenclatura “sócio-gerente” e “gerente”, utilizada na vigência do Decreto n. 3.708/19, e passa a adotar indistintamente a expressão administradores para designar tanto os sócios quanto os não sócios investidos de poderes de gerência e representação da sociedade.

Deve-se lembrar que os membros do conselho fiscal não são administradores da sociedade – embora sejam a eles equiparados para fins de responsabilidade -, pois fazem parte de um órgão praticados pelos administradores.

À sociedade limitada, independe o número de administradores e estrutura da administração. Ela poderá ter um ou mais administradores, conforme livremente dispuser seu contrato social, não estabelecendo o Código Civil de 2002 número mínimo ou máximo. O Código regulou apenas alguns aspectos relativos aos administradores, tais como a forma de sua nomeação, investidura, término do cargo, sua destituição e renúncia, bem como o exercício e prestação de contas da administração da sociedade. Todas as demais regras não especificamente tratadas deverá ser supridas pela aplicação das regras das sociedades simples, ou das regras relativas às sociedades anônimas, para as limitadas que assim optarem em seu contrato social.

Assim, aplicam-se às sociedades limitadas que não tenham elegido como supletiva a Lei de Sociedades Anônimas os seguintes artigos do CC/2002: (i) CC 1.010, § 3º, que trata da responsabilidade do sócio pela aprovação, graças a seu voto, de operação em que tenha interesse conflitante com o da sociedade; (ii) CC 1011, e seus §§ 1º e 2º, que tratam, respectivamente do dever de diligência do administrador na condução dos negócios sociais; dos impedimentos à investidura no cargo de administrador; e da aplicação à atividade dos administradores das regras concernentes ao mandato, no que couber; (iii) CC 1.012, que estabelece a responsabilidade pessoal e solidária do administrador pelos atos por ele praticados antes da averbação do instrumento em separado pelo qual foi nomeado perante o Registro Público de Empresas; (iv) CC 1.013 e seus §§ 1º e 2º, que determina caber a qualquer sócio a administração no silêncio do contrato social. Permite, ainda a um administrador, nos casos em que a administração competir separadamente a vários administradores, impugnar operação pretendida por outro administrador, levando-a à decisão majoritária dos sócios. Determina, ademais, a responsabilidade do administrador pelas perdas e danos provocados pelas operações que realizar sabendo ou devendo saber que agia em desacordo com a maioria dos administradores; (v) CC 1014, que exige o concurso de todos os administradores para os atos de competência conjunta, ressalvados os casos urgentes em que a omissão ou retardamento das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave; (vi) CC 1.015 e seu parágrafo único, que trata, respectivamente, dos atos que os administradores podem praticar no silêncio do contrato e da necessidade de aprovação prévia da maioria dos sócios para a venda ou oneração e imóveis quando esta não fizer parte do objeto social; e das circunstâncias em que são oponíveis a terceiros os atos praticados pelos administradores com excesso de poderes; (vii) CC 1.016, que trata da responsabilidade dos administradores perante a sociedade e terceiros por culpa no desempenho de sua funções; (viii) CC 1.017 e parágrafo único, que tratam, respectivamente, da responsabilidade do administrador em razão da aplicação, em proveito próprio ou de terceiros, de créditos ou bens sociais e da responsabilidade pela participação do administrador na decisão sobre qualquer negócio em que tenha interesse conflitante com o da sociedade; (ix) CC  1.018, que trata da indelegabilidade de poderes dos administradores e da possibilidade de a sociedade constituir mandatários com poderes especificados no instrumento de procuração; (x) CC 1.020, que trata da obrigação dos administradores de prestar contas justificadas aos sócios e de anualmente apresentar o inventário, o balanço patrimonial e o de resultado econômico; e (xi) CC 1.021, que trata da possibilidade de o sócio examinar a qualquer tempo, salvo estipulação de época própria no contrato social, os livros e documentos, e o estado do caixa e da carteira da sociedade.

Para aquelas sociedades que em seu contrato social invocarem a regência supletiva da Lei das Sociedades Anônimas, dever-se-á buscar nesse diploma o complemento às omissões das regras sobre as sociedades limitadas (arts. 138 a 160 da Lei n. 6.404/76).

Nessas sociedades, optantes pelas regras das sociedades anônimas como supletivas, os sócios poderão organizar a administração da sociedade com a criação de um conselho de administração, nos moldes da Lei das Sociedades por Ações (arts. 149 a 142 da Lei n. 6.404/76). Não optando o contrato social por adotar uma estrutura dualista, ausente o conselho de administração, essa sociedade limitada terá estrutura de administração unitária, de forma que os administradores funcionarão tal como diretores de uma sociedade anônima, reunindo todas as funções de gerência e de representação. (Antônio Junqueira de Azevedo e Modesto de S Barros Carvalhosa, encontrado no books.google.com.br, livro Comentários ao código civil v. 13, art. 1.060, acessado em 26.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.061. Se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização.

Seguindo com Barbosa Filho, resguarda-se, aqui, a possibilidade de ser designado administrador não sócio, estabelecendo o texto legal, para tanto, regras específicas. Respeitada a normalidade, os administradores estarão inseridos no quadro social, só sendo entregue a função excepcionalmente a estranhos, conforme a conveniência dos próprios sócios, razão pela qual é preciso, nesse caso, que o instrumento inscrito do contrato social inclua cláusula expressa, admitindo a designação de não sócio. Se omisso o texto do instrumento, não há prévia permissão pra que uma pessoa estranha ao quadro social possa ser designada administrador e, para que tal ato seja válido, será necessário, respeitado o quórum especial de três quartos do capital social, previsto no inciso I do CC. 1.076, alterar o próprio contrato. Ademais, a deliberação atinente à designação de um administrador não sócio respeita quóruns especiais, superiores à maioria simples, exigível com relação às matérias comuns. Enquanto o capital não estiver integralizado, dada a gravidade da responsabilidade solidária prevista no CC 1.052, a designação enfocada depende da aprovação unânime dos sócios, ou seja, havendo a discordância de apenas um deles, estará rejeitada a proposta de conferência de poderes de gestão a terceiro. Integralizado o capital, a designação dependerá da aprovação dos sócios com participação de, no mínimo, dois terços do capital da sociedade limitada. Ressalte-se, por fim, que, caso a designação recaia sobre empregado, aplica-se o Enunciado n 269 do Tribunal Superior do Trabalho, permanecendo suspenso o contrato de trabalho, salvo se subsistir subordinação jurídica, descaracterizada, pelo poder-função adquirido, a simples relação de emprego. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1049-50. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, a redação deste dispositivo foi modificada em virtude de emenda apresentada, no Senado Federal, pelo Senador Gabriel Hermes, que reduziu o quórum de aprovação necessário para a designação, como diretor gerente ou administrador, de terceiro não sócio, de três quartos para dois terços dos votos de sócios titulares de quotas representativas do capital social. Na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, este artigo foi objeto de emenda de redação, para substituição da expressão “estranhos” por “não sócios”. Mais apropriada para exprimir o exato sentido da norma. A possibilidade de atribuição dos encargos de administração a pessoa que não fosse sócia estava também prevista no art. 13 do Decreto n. 3.708/19, desde que não fosse vedado pelo contrato social.

Doutrinariamente temos com Ricardo Fiuza que, o contrato social deve expressamente autorizar a delegação dos poderes de administração a terceiro não sócio, uma vez que, regra geral, a representação e gerência da sociedade devem ser atribuídas aos sócios que dela fazem parte. Enquanto o capital social não estiver totalmente integralizadas a delegação dos poderes de gestão a terceiro deve ser aprovada pela unanimidade dos sócios. A partir do momento em que o capital for integralizado, a designação de terceiro para exercer as funções de gerência da sociedade deve ter o consentimento de sócios que representem dois terços do capital social. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 552, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Bem mastigado pelos autores Antônio Junqueira de Azevedo e Modesto de S Barros Carvalhosa, como já referido, o CC/2002 introduziu a possibilidade, inexistente no sistema do Decreto n. 3.708/19, de os sócios, em seu contato social, ou em ato separado, atribuírem a administração da sociedade diretamente a um terceiro estranho ao quadro societário.

Na vigência do Decreto n. 3.708/19 a sociedade era necessariamente administrada por um ou mais sócios-gerentes, e estes poderiam ser considerados os órgãos da sociedade. Mas, além disso, admitia-se a delegação dos poderes gerenciais e de representação do sócio-gerente a um gerente-delegado, a não ser que o contrato expressamente o vedasse.

A delegação de gerência popularizou-se na vigência do decreto de 1919, nos casos em que pessoas jurídicas eram nomeadas gerentes da empresa, e preferiam essa delegação à atuação por meio de seus representantes legais. Também na vigência do decreto de 1919 se estimulou o amplo uso da delegação em face da necessidade de profissionalização da administração, muitas vezes inevitável no mundo moderno, especialmente em sociedades limitadas de maior porte.

Diante desse quadro, em que a delegação de gerência tornou-se quase que regra entre as sociedades limitadas, o Código Civil de 2002 optou por estabelecer uma estrutura de administração orgânica para a sociedade limitada, e abandonou a figura do sócio-gerente, passando a admitir que a sociedade tenha um administrador – e é essa a nova designação que a lei dá ao cargo -, que poderá ser sócio ou não sócio.

A instituição do administrador não sócio será particularmente útil nas sociedades limitadas em que os sócios forem pessoas jurídicas. Nesse caso, estando impedidos de exercer a administração, por força do CC 1.054 c/c o CC 997, I, e do CC 1.062, § 2º, esses sócios podem, se assim o permitir o contrato social, nomear terceiros que os representem na administração da sociedade. Não há mais necessidade de recorrer à delegação de gerência, a qual, aliás, fica vedada, diante da estrutura orgânica adotada para a administração das sociedades limitadas, a qual pressupõe a indelegabilidade de funções dos órgãos sociais a terceiros ou a outros órgãos. Igualmente útil será a figura do administrador não sócio naquelas sociedades em que se desejar atribuir a administração a profissional, sem interferência direta dos sócios nos negócios sociais.

É exigível quorum para a designação dos administradores não sócios. O Código Civil de 2002 adotou para a limitada o princípio majoritário. E isso se verifica tanto na fixação das diferentes maiorias para deliberações (CC 1.076) quanto da regra majoritária expressa do CC 1.072, § 5º, que dispõe sobre a vinculação de todos os sócios, inclusive os dissidentes ou ausentes às deliberações tomadas conforme a lei ou o contrato. Há, ainda, a possibilidade de recesso do sócio dissidente em caso de modificação do contrato social, fusão ou incorporação (CC 1.077).

Note-se, no entanto, que o CC 1.061 excepciona o princípio majoritário adotado para as deliberações da sociedade limitada, passando a exigir para a nomeação do sócio não administrador o consentimento de todos os sócios, no caso de não estar totalmente integralizado o capital social.

Essa exceção se justifica pelo fato de que, estando o capital social em aberto, todos os sócios respondem de forma solidária por sua integralização, conforme a regra do CC 1.052, Assim, diante da possibilidade de os sócios serem chamados a integralizar o capital a descoberto até mesmo em uma execução singular movida por credor da sociedade em que os bens desta se mostrem insuficientes para saldar as dívidas sociais regularmente contraídas, a lei optou por oferecer uma proteção aos quotistas, dando-lhes o direito de veto na escolha das pessoas estranhas à sociedade a quem incumbirá sua administração, enquanto perdurar tal responsabilidade solidária. Por essa razão, todos terão de chegar a um consenso acerca dos nomes a serem eleitos para os cargos de administração.

Uma vez integralizado o capital social, desaparece a solidariedade entre os sócios, e, por consequência, os motivos que justificavam a eleição do administrador ou dos administradores por unanimidade. Nessa hipótese, reduz-se o quorum necessário para essa eleição, que passa a ser de dois terços dos sócios.

A votação por maioria qualificada de dois terços, na hipótese supramencionada, será sempre fundada na participação de cada sócio no capital social. Esse o regime aplicável no caso, em evidente paralelismo com o disposto no § 1º do CC 1.063. A propósito, o CC 1.076 baseia sempre o voto na participação do capital social para as diversas deliberações ali indicadas, em conformidade com prática arraigada na vigência do Decreto n. 3.708/19, em que cada quota correspondia a um voto, tal coo nas sociedades anônimas (art. 110).

Vale lembrar, por fim, que a destituição do administrador não sócio, seja ele nomeado no contrato social ou em ato separado, esteja o capital social totalmente integralizado ou não, far-se-á por deliberação de quotistas representado mais da metade do capital social (CC 1.076, II, c/c o CC 1.071, III). (Antônio Junqueira de Azevedo e Modesto de S Barros Carvalhosa, encontrado no books.google.com.br, livro Comentários ao código civil v. 13, art. 1.061, acessado em 26.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.062. O administrador designado em ato separado investir-se-á no cargo mediante termo de posse no livro de atas da administração.

§ 1º. Se o termo não for assinado nos trinta dias seguintes à designação, esta se tornará sem efeito.

§2º. Nos dez dias seguintes ao da investidura, deve o administrador requerer seja averbada sua nomeação no registro competente, mencionando o seu nome, nacionalidade, estado civil, residência, com exibição de documento de identidade, o ato e a data da nomeação e o prazo de gestão.

Na atuação de Barbosa Filho, cuida o presente artigo da investidura ou posse do administrador da sociedade de limitada, disciplinando-a sem pormenores e apenas na hipótese de designação operada por meio de ato separado do contrato social. De início, é preciso esclarecer que, em qualquer designação, a pessoa jurídica, mediante deliberação interna e unilateral, institui um regime jurídico individualizado, e, conforme seu desejo, o escolhido manifesta uma aceitação, submetendo-se ao estabelecido. Essa manifestação volitiva se realiza quando da investidura ou posse, tendo o texto legal utilizado os dois vocábulos indistintamente, como sinônimos. Se a designação for feita por meio do contrato, presume-se a aceitação, ocorrendo a investidura automaticamente, sem formalidades específicas, quando consumada a inscrição prevista nos CC 998 e CC 1.150. Se a designação for feita, porém, em ato separado do contrato social, será imprescindível formalizar a investidura, o que depende da lavratura de termo específico no livro de atas da administração, este de manutenção obrigatória, lá constando ter a pessoa escolhida aceito os encargos inerentes à qualidade de administrador e ter iniciado o exercício da gestão. A formalidade aqui descrita deve ser empreendida no prazo de trinta dias, contado sempre da data da eleição feita pelos sócios e não, como seria mais lógico, da cientificação do próprio designado, sob pena de caducidade do ato de designação, perdendo este, ultrapassados os trinta dias referidos, seus efeitos próprios. Ademais, sempre que a designação for feita em ato separado do contrato social, após a investidura, respeitado novo prazo de dez dias, o administrador ostenta o dever de requerer seja efetivada a averbação na inscrição originária da sociedade limitada, declinando sua qualificação completa e apresentando os documentos imprescindíveis, correspondentes a sua cédula de identidade e às cópias autênticas dos atos de designação e investidura, com a indicação do prazo de gestão. Nada impede, também, que outro interessado (por exemplo, um dos sócios ou outro administrador) se encarregue de solicitar a averbação exigida para a ampla publicidade e regularidade da atribuição de poderes de administração, esgotando o dever do administrador investido. Não sendo promovida a averbação nos dez dias seguintes à investidura, uma situação irregular resta caracterizada e, por analogia, aplica-se o disposto no § 2º do CC 1.151, razão pela qual os poderes de gestão só poderá ser tidos como atribuídos ao novo administrador na data da efetivação do ato registrário. Os atos de administração praticados entre a data da investidura e a data da averbação deverão ser ratificados pelos sócios, sob pena de permanecerem ineficazes perante a pessoa jurídica, podendo o administrador ser responsabilizado por sua omissão ou demora, assumindo o resultado dos atos já consumados. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1050. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para Fiuza, em sua doutrina, em princípio, o contrato social já deve indicar quais os sócios que ficarão investidos dos poderes de gestão e representação da sociedade. Todavia, se o contrato não designar os administradores, estes serão investidos mediante instrumento de mandato e o gerente tomará posse na função mediante termo lavrado no livro de atas da administração, que deverá ser aberto e mantido pela sociedade limitada. O prazo para a posse do administrador investido por ato em separado é de trinta dias, findo o qual a designação perde o efeito, exigindo-se, então, nova indicação, do mesmo ou de outro gerente. No prazo de dez dias após a investidura na função, o administrador deve levar o ato de designação que indicará o prazo de gestão para a averbação no registro competente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 552, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Iniciam sua finalização Antônio Junqueira de Azevedo e Modesto de S Barros Carvalhosa, com o Livro de atas da administração. Dispõe o caput do CC 1.062 que os administradores da sociedades limitadas que forem nomeados por ato em separado serão investidos em seus cargos mediante a assinatura do termo de posse no livro de atas da administração.

Muito embora não se encontre no corpo de regras que rege a sociedade limitada disposição específica acerca dos livros societários que a sociedade será obrigada a manter, infere-se do dispositivo legal comentado a necessidade de que a administração mantenha um livro de atas desse órgão.

Nesse particular, cabe reiterar que a administração da sociedade limitada poderá ser organizada de diversas formas, podendo ser dotada de um conselho de administração, encarregado das funções de orientação estratégica da sociedade e da fiscalização dos demais administradores, e de um outro órgão de administração com funções de gestão e representação, equivalente à diretoria das sociedades anônimas, ou se dotada apenas desse órgão de administração encarregado da gestão e da representação social. E esse órgão de gestão e representação poderá ainda ser formado por apenas um ou por mais administradores.

Note-se que cada um dos órgãos que componham a administração da sociedade limitada deverá manter seu próprio livro de atas para efeito de registro das decisões tomadas no âmbito do respectivo órgão, o que será especialmente útil para efeito de verificação das responsabilidades pelos atos de administração. Ressalte-se a obrigatoriedade desse livro de atas mesmo para o caso de sociedade limitada com apenas um administrador, o qual deverá registrar nesse livro as decisões por ele tomadas individualmente.

Dessa forma, se houver conselho de administração, os administradores eleitos para os cargos desse órgão serão investidos mediante termo de posse lavrado e assinado no livro de atas do conselho de administração. E os demais administradores serão investidos pela assinatura do termo de posse lavrado e assinado no livro de atas desse órgão da administração.

Quanto à investidura do administrador designado em ato separado e do designado no contrato social, o artigo de lei comentado exige que seja lavrado termo de posse no livro de atas da administração apenas para a investidura do administrador designado por ato separado.

O CC/2002 silencia, no entanto, quanto à forma de investidura do administrador designado no contrato social. Para esse administrador nomeado no contrato social, deve-se entender que não se aplica a formalidade de investidura mediante assinatura de termo de posse lavrado no livro próprio. Porém, esse administrador não poderá deixar de assinar o documento societário – de constituição da sociedade ou de alteração do contrato social – pelo qual é designado. E essa formalidade é necessária em razão do requisito da aceitação do administrador, que é essencial para a eficácia da investidura do administrador eleito.

Em relação ao fundamento das formalidades de investidura, essas são essenciais para a proteção dos interesses dos sócios, de terceiros e dos empregados da empresa, a fim de que conheçam exatamente a data em que o administrador assume suas funções. É apenas a partir do cumprimento das formalidade de investidura que o administrador eleito assume efetivamente seu cargo na administração da sociedade, bem como as responsabilidades a ele inerentes.

Considerando a natureza da investidura, o administrador somente será efetivamente investido ou empossado no cargo para o qual foi eleito mediante sua aceitação. Ao ato unilateral que é a eleição do administrador pela sociedade deve corresponder essa aceitação, que, no entanto, não implica a celebração de qualquer contrato entre a companhia e o administrador. Há, na hipótese, duplo ato unilateral: um de parte da sociedade, que é o ato de eleição, e outro de parte do administrador eleito, que é o ato de aceitação.

A aceitação do administrador eleito não se confunde com a do oblato nas ofertas reguladas pelos CC 427 e ss., pois não há na hipótese integração das vontades – própria da relação contratual – da sociedade e da pessoa eleita para o cargo de administração. A aceitação é apenas condição de eficácia do ato de eleição do administrador. Embora seja uma declaração receptiva da vontade de índole potestativa, não tem por objetivo formar uma avença, mas sim dar início ao exercício de funções administrativas da sociedade. A aceitação do cargo para o qual o administrador foi eleito não o vincula a nenhuma convenção contratual com relação à companhia: vincula-o apenas a suas funções estabelecidas na lei e no contrato social, cujas regras disciplinam sua atividade, seus deveres e encargos. A investidura, na forma da lei, corresponde à aceitação expressa do cargo. Marca o momento a partir do qual o ato unilateral de sua eleição começa a ter eficácia.

Há um prazo para a formalização da investidura (§ 1º). A pessoa eleita por ato separado para o cargo de administrador da sociedade deverá formalizar sua aceitação – mediante a assinatura do termo de posse no livro de atas da administração – no prazo de trina dias seguintes a sua eleição, sob pena de esta tornar-se em efeito.

Sendo a aceitação, como já referido, condição de eficácia do ato de eleição, deve ser formulada no prazo fixado pela lei. Não se realizando tal condição nesse prazo, fica sem efeito a eleição, sendo então necessário que se proceda a uma nova eleição, ou que o órgão que elegeu o administrador expressamente ratifique sua eleição.

Note-se que não é necessário o administrador eleito recusar expressamente o cargo para o qual foi nomeado: basta que transcorra o prazo fixado pela lei sem a verificação da aceitação para que o ato de eleição se torne sem efeito. Supõe-se aí a recusa tácita em assumir as funções de administração. Por outro lado, a aceitação não poderá ser tácita, devendo ser manifestada expressamente, mediante assinatura do termo de posse no livro próprio no prazo fixado em lei.

Como aponta o parágrafo segundo, como requisito de publicidade da nomeação do administrador, além da investidura, há o ato que consubstancia a aceitação do cargo pelo administrador eleito e que confere eficácia a essa eleição, a lei exige que se dê publicidade ao termo de posse do administrador, com sua averbação no registro competente, no prazo de dez dias contados da data da investidura, que será aquela da assinatura do termo de posse no livro próprio.

A publicidade do termo de posse do administrador, no entanto, não é requisito de eficácia desse ato perante a sociedade, tal como o é a aceitação. Mas é a partir dessa publicidade que o ato de investidura do novo administrador passa ao conhecimento de terceiros e ganha oponibilidade perante estes.

Note-se que o documento que deve ser averbado no registro competente é o termo de posse, que corresponde ao ato de investidura do administrador, não obstante a lei exija seja apresentado também o respectivo ato de eleição. Assim, de nada adiantará, por exemplo, seja levada a averbação apenas a ata da assembleia geral ou reunião de sócios que tenha elegido o administrador. Isso porque a eleição somente passa a produzir efeitos após a investidura do administrador. É essa investidura, portanto, que deve ser averbada no registro próprio, passando, a partir de então, a produzir plenos efeitos, inclusive contra terceiros.

O Código Civil de 2002 altera o prazo para o registro da nomeação de administrador até então vigente, que era o prazo geral de trinta dias – adotado pelo art. 33 do Decreto n. 1.800, de 30.01.1996 -, passando a exigir que a averbação do termo de posse do administrador eleito seja feita no prazo de dez dias, contados da data da investidura.

Se realizada a averbação dentro desse prazo, os efeitos da investidura em face de terceiros retroagirão à data da assinatura do termo de posse. Contrariamente, se o termo de posse for levado a averbação fora daquele prazo de dez dias, os efeitos da investidura perante terceiros somente se produzirão a partir da data do despacho doente registrário que deferir a averbação. Reitere-se que a nomeação do administrador começa a produzir efeitos entre este e a sociedade desde sua investidura. Mas, até que ocorra a averbação, essa nomeação não pode ser oposta a terceiros.

A lei impõe ao próprio administrador recém-investido o encargo de proceder à averbação de sua nomeação e investidura. Essa averbação é essencial e se torna ainda mais imprescindível naquelas sociedades limitadas regidas supletivamente pelas regras das sociedades simples. Isso porque o CC 1.012 estabelece que o administrador nomeado por ato em separado responde pessoal e solidariamente com a sociedade pelos atos que praticar antes de requerer a averbação de seu termo de posso.

É importante lembrar que o termo de posse do administrador a ser averbado no competente registro mencione o nome, a nacionalidade, o estado civil e a residência do administrador, a data de sua investidura (assinatura do termo de posse) e o prazo de gestão para o qual foi eleito, sendo necessário, ainda, que seja levado a registro juntamente com o documento de identidade do administrador e com o ato de sua eleição. (Antônio Junqueira de Azevedo e Modesto de S Barros Carvalhosa, encontrado no books.google.com.br, livro Comentários ao código civil v. 13, art. 1.062, acessado em 26.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.058, 1.059 - Da Sociedade Limitada – Das Quotas - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.058, 1.059
 Da Sociedade Limitada – Das Quotas -  VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo IV –
Da Sociedade Limitada Seção II – Das Quotas
 (Art. 1.055 ao 1.059) – vargasdigitador.blogspot.com

Art. 1.058. Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas.

No ritmo de Barbosa Filho, quando celebrado o contrato de sociedade pode ser estabelecido um prazo para a completa integralização do capital, assumindo, então, todos ou alguns dos sócios dívidas correspondentes perante a sociedade (pessoa jurídica). O inadimplemento da obrigação referida faz nascer a figura do sócio remisso, tendo o presente artigo cuidado da hipótese e fornecido tratamento prático e ágil, aprimorando aquele já constante do art. 7º do agora revogado Decreto n. 3.708/19. Aplicado o CC 1.004 e efetivada, portanto, para a constituição em mora do sócio inadimplente, a notificação com prazo de trinta dias, os demais sócios poderão, mediante deliberação tomada por maioria, alterar o contrato à revelia do remisso, forçando uma reformulação do ajuste original, surgindo, em consequência, no âmbito das sociedades limitadas, cinco possibilidades.

Em primeiro lugar, é possível excluir o sócio remisso, efetivando a partilha proporcional, ou não, da quota não integralizada; mantêm-se, então, o capital contratado e o quadro social inicial, alterado unicamente pela subtração do remisso.

Em segundo lugar, pode ser emitida deliberação sobre a alienação forçada da quota do remisso a um terceiro, estranho à contratação original, que se obriga a completar o capital, operando-se uma pura e simples substituição no quadro social.

Em terceiro lugar, caso seja considerado conveniente e diante da quebra de confiança caracterizada, pode ser deliberada a mera exclusão do remisso, reduzindo-se o valor do capital social. Nessas três hipóteses, há uma denúncia parcial do contrato de sociedade, rescindido com relação ao remisso, provocando uma modificação coativa do quadro social.

Em quarto lugar, abre-se espaço para a redução da quota do remisso, caracterizada uma integralização parcial, tendo sempre em conta os valores ou os bens já conferidos à pessoa jurídica, mantendo-se a presentação do inadimplente no quadro social, mas com uma participação menos acentuada, reduzindo-se, aqui também, o capital social.

Em quinto lugar, mantido o remisso na mesma posição original, a pessoa jurídica, conforme decidido por maioria, pode postular, em juízo, a cobrança dos valores correspondentes à quota contratada e o pagamento de uma indenização, a título de ressarcimento pela mora concretizada. Esta última solução, porém, não fornece um desenlace imediato ao problema surgido e sujeita os sócios à responsabilidade solidária prevista no CC 1.052, sendo, por isso, acredita-se, a menos recomendável. Caso se opere a exclusão do remisso, será necessário, em todo caso, para que a sociedade não se locuplete indevidamente, devolver-lhe os valores pagos, feitas as deduções correspondentes aos juros moratórios e às despesas suportadas pela sociedade, e os valores decorrentes da aplicação de eventual cláusula penal, incluída expressamente no instrumento contratual inscrito. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1047-48. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No histórico, a Emenda de redação apresentada pelo Relator na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados substituiu a expressão “estranhos” por “terceiros”, mais adequada à exata compreensão do sentido da norma. O Decreto n. 3.708/19, no art. 72, estabelecia procedimento idêntico em face da inadimplência de sócio na integralização do capital.

Em sua Doutrina, Ricardo Fiuza aponta ser o sócio remisso, aquele que não cumpre sua obrigação principal de integralizar o capital subscrito, que deixa de pagar as quotas que se comprometeu a adquirir. O contrato social deve fixar um prazo para que o valor das quotas subscritas seja realizado, mediante pagamento à sociedade. Se o sócio não cumpre essa obrigação no prazo previsto, os demais sócios podem, como primeira opção, subscrever e integralizar, entre si, as quotas do sócio remisso, ou, como segunda opção, admitir novo sócio, que assumirá a obrigação de integralizar o capital que faltar. Se o sócio remisso já tiver integralizado, parcialmente, o montante correspondente às quotas subscritas, a sociedade deverá devolver o valor pago, deduzido dos juros moratórios, de outras prestações ou danos que foram assumidos pela sociedade em virtude da inadimplência do sócio remisso, mais as despesas realizadas com a cobrança do pagamento necessário à integralização do capital. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 551, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em seu artigo Caso fortuito e força maior frente a técnica securitária, Flávio de Queiroz Bezerra Cavalcanti, que merecem algumas observações prévias: A humanidade sempre conviveu e sempre conviverá, com situações que escapam a sua previsibilidade ou, mesmo sendo previsíveis, irresistíveis para os recursos disponíveis. Infortúnios e catástrofes são uma constante ao lado do homem. Afora a insatisfação pela falibilidade, e o sentimento religioso alimentado, esses acontecimentos repercutem sobre a vida das pessoas e seus patrimônios, bem como impedem o cumprimento dos deveres jurídicos, surgindo o problema de atribuição desses riscos. Desde cedo surge, consequentemente, a necessidade de regular juridicamente a repercussão de fatos imprevisíveis ou irresistíveis.

Os ordenamentos constatam a existência desses fatos e lhes regulamentam sobre uma ideia base de que, não sendo os efeitos atribuíveis ao sujeito passivo, não pode o mesmo arcar com as consequências advindas. Em outros termos, o efeito decorre, por nexo de causalidade, de fato estranho à conduta do sujeito passivo, descabendo atribuir a este o resultado negativo. Não se põe na sua esfera jurídica o efeito negativo que não lhe é atribuível. Desenvolvem-se, dentro dessa ideia geral, os conceitos de caso fortuito, força maior, fato de terceiro, ato do príncipe etc. A textura de todos assenta-se na ideia geral, grosseiramente sintetizada acima, de que não sendo evitável o efeito não se pode atribuí-lo àquele que não cumpriu seu dever por fato estranho e superior.

Nessa linha, por mero exemplo, o disposto no art. 1.058, parágrafo único, do Código Civil Brasileiro. Ocorre, todavia, que a humanidade não se limitou a aguardar a atuação divina para proteção em face de fatos dessa espécie. Desenvolveu, paralelamente, técnicas e instrumentos minimizadores dos efeitos. Na impossibilidade de prever, em particular, a ocorrência de um desses fenômenos, aprendeu e apurou técnicas para torná-los previsíveis, balizar seus efeitos, calcular a regularidade de sua repetição e as somas necessárias para suportar os efeitos patrimoniais. Terminou-se, assim por estabelecer meios estatísticos, permitindo avaliar probabilidades de ocorrência dos fatos e, consequentemente, a massa de recursos para fazer frente às necessidades. Chega-se, desta maneira, ao seguro como meio apto para socializar e minimizar os riscos.

Constata-se, nesse diapasão, que grande parte das situações da humanidade não se encontram, atualmente, no campo do imprevisível. Situam-se no campo do risco, dentro de estatísticas e lei de probabilidades. A morte pela queda de um raio não é algo imprevisível ou decorrente dos desígnios de Tupã ou seus sucedâneos. É uma chance, um percentual, um risco estatístico e calculável, ainda que impossível de se evitar totalmente, ou de se saber sobre quem o raio cairá. A técnica desenvolvida, e constantemente aprimorada, permite a expansão da proteção securitária ofertada, de molde a, diante da inevitabilidade dos acontecimentos, tornar possível a supressão dos seus efeitos negativos, ao menos na esfera patrimonial.

Há, ainda, um outro aspecto enfrentado mais adiante. Não se pode olvidar, também, que grande parte das atividades humanas são atualmente desenvolvidas de forma técnica e profissional, seja por pessoas naturais, seja (em volumes economicamente bastante superiores) por pessoas jurídicas, em atenção ao seus objetos sociais. Em sendo a atividade profissionalmente desenvolvida, a antevisão dos riscos normais ou excepcionais é algo plenamente possível (exigível, parece-nos) face ao cabedal de conhecimentos técnicos e a acumulação de experiência.

A questão revolvida no presente diz respeito à conjugação desses vetores, querendo discutir se os mesmos influenciam os conceitos que possuímos de caso fortuito, força maior e similares. Elegidos esses fenômenos como excludentes de responsabilidade, parecem imprescindível esta análise, até porque, adianta-se, não é admissível simplesmente atribuí-los o condão de excludentes quando, em verdade, estão diante de situações de imprevidência (diferente de imprevisão), economia de custos, assunção voluntária de riscos etc. Não se pode, na época atual, com enorme elevação de riscos, permitir que a falta de cautela, mormente em atividades empresariais, permita a desoneração do dever de ressarcir o atingido, deixando para este os efeitos negativos.

Caso fortuito e força maior CERNE, sem pretender aqui uma análise exauriente das graves questões atinentes ao caso fortuito e força maior o que, por si só, exigiria trabalho específico e de maior fôlego. Importa, para os objetivos firmados, reter o núcleo dessas questões ou, menos pretensiosamente, a ideia geral que as preside, enquanto excludentes de responsabilidade por descumprimento de dever jurídico.

O Código Civil brasileiro prevê: “Art. 1058 – O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito, ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado, exceto nos casos dos arts. 955, 956 e 957.

Parágrafo único- O caso fortuito ou de força maior, verifica-se no fato necessário cujos efeitos não era possível evitar, ou impedir".

Ao tempo que os elege como excludentes de dever indenizatório, ideia, de regra, mantida nos diplomas legais, por quebra de nexo causal, o Código traça suas linhas conceituais de forma notavelmente sintética. Do conceito legal, e de resto do quanto encontra-se em doutrina, constatou-se residir a caracterização do caso fortuito e força maior na articulação de duas ideias, ambas indispensáveis: a) fato inescapável ("fato necessário"), e b) impossibilidade de evitar ou impedir os efeitos deste fato ("cujos efeitos não era possível evitar, ou impedir").

Quando o fato não é necessário, sendo decorrente de má-conduta do sujeito passivo, ou de outrem por quem ele responde, não se depara com caso fortuito ou força maior e sim com simples e pura inexecução. Nem a impossibilidade subjetiva, vale dizer, para aquele determinado sujeito passivo, de acordo com suas condições individuais de patrimônio, disponibilidade ou técnica, é suficiente para caracterizar o fato necessário. Fato necessário, para atender a exigência da lei, é aquele que objetivamente é para todos) teria ocorrido de igual maneira. A admissão dessas excludentes todavia, não decorre tão somente de um fato necessário. É preciso, como claramente se deduz da norma legal, que os efeitos (danosos ou negativos) não possam ser evitados ou impedidos.

Neste ponto, aliás, reside o núcleo central das ideias de força maior ou caso fortuito. O sujeito passivo não tem como evitar ou impedir os efeitos do fato necessário, sendo descabido, fora das hipóteses legais, que por ele responda. Nessas oportunidades, o fato não se revela como necessário e sim decorrente da conduta do devedor que, ao se encontrar em mora, provocou-o, ou ao menos permitiu sua ocorrência.

A caracterização do caso fortuito ou força maior exige de maneira imprescindível que os efeitos não possam ser evitados ou impedidos pelo devedor. Agostinho Alvim, com sua sempre notável clareza, situa este requisito na ideia do "fato necessário", asseverando: "A análise da definição do Código consistirá, principalmente, no estudo da necessariedade do fato, cujos efeitos não seja possível evitar ou impedir.”

Há na prática, muito equívoco, acerca do que se deva entender por fato necessário.
A geada, o roubo à mão armada, o atraso de trens, como fatos necessários. Nem sempre. A necessariedade do fato há de ser estudada em função da impossibilidade do cumprimento da obrigação e não abstratamente. Supõe-se que uma pessoa, durante certo lapso de tempo, guarde em casa uma grande soma, que deve entregar a alguém, e ladrões, sabedores do fato, roubem o dinheiro, em condições tais que fosse impossível impedir. Nesta hipótese, a não ser que as circunstâncias especiais do caso aconselhem outra solução, não se poderá admitir a escusa, com base em caso fortuito. Com efeito, se não era possível a defesa atual contra os ladrões, era possível, em todo o caso, prevenir o acontecimento, recolhendo a um Banco, pelo tempo que fosse necessário, a importante soma que se tinha em casa.

Outro exemplo: alguém, obrigado a estar numa cidade às tantas horas, deixa de comparecer e escusa-se com o atraso do trem. É claro que não lhe era possível impedir o atraso; mas uma simples cautela da sua parte teria evitado que a obrigação não fosse cumprida. Prevendo a possibilidade de atraso, o devedor teria cumprido a obrigação se fosse de véspera, ou em outro trem, mais cedo.

Em nenhum desses casos terá havido no sentido legal, impossibilidade de afastar o evento que impediu de cumprir a obrigação, e isso porque o não-cumprimento se deu, em ambos os casos, por imprevidência, ou falta de cautela". Conquanto, a questão deva ser deslocada para a segunda parte do dispositivo legal, não há o que discordar das conclusões acima. A possibilidade de supressão dos efeitos elide a caracterização das excludentes de caso fortuito e força maior. Não é diversa a ideia que se encontra em outros juristas de escol, como se vê, por exemplo, nas anotações de Pontes de Miranda: "Fato necessário está, aí, por fato cuja determinação se procede sem que o devedor possa afastar, em suas consequências. Se o fato é necessário, mas o devedor pode evitar ou impedir os seus efeitos, não há caso fortuito por força maior.

A Lei frisa o elemento da inevitabilidade das consequências. Não se trata de ser impossível evitar ou impedir o casus, mas sim os efeitos do casus. Igual confirmação se obtém do exame do tratamento pretoriano, posto que a nota caracterizadora, pelo entendimento amplamente predominante do Superior Tribunal de Justiça, é a inevitabilidade e não a imprevisibilidade. A inevitabilidade, sempre destacada, é, como anotado por Pontes de Miranda, dos efeitos. Efeitos, acrescenta, lesivos ao patrimônio do credor.

Efeitos impossíveis de evitar ou impedir. O fato necessário, ou seja, aquilo que torna impossível evitar ou impedir, não parece oferecer maior dificuldade conceitual, merecendo atenção o que são estes efeitos, não-impedidos ou evitados por pura impossibilidade. De uma forma excessivamente singela, pode-se dizer que o efeito a ser evitado seria o descumprimento. De fato, houvesse o cumprimento, não haveria o porque se falar de caso fortuito ou força maior. Não parece que o simples fato de não ter sido possível cumprir (leia-se, evitar ou impedir o não cumprimento) seja bastante para caracterizar o caso fortuito ou força maior.

O dever jurídico, ao não ser cumprido, provoca uma redução no patrimônio do credor. É exatamente o que, de regra, leva a parte inadimplente a ser obrigada a indenizar, recompor o patrimônio, reduzido pelo não cumprimento. A constatação de caso fortuito ou força maior obstaculiza a conversão do dever inicial em dever indenizatório.

De forma finalística, portanto, parece que o efeito é o dano. A lei não diz, e, não quis dizer: se não pôde ser cumprido. Os termos legais são: "o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior..." (CC 1058, caput). É razoável entender que, se é possível evitar ou impedir o prejuízo (efeito), não há como se caracterizar o caso fortuito ou força maior, ou seja, mesmo que a parte não tenha podido cumprir o dever, quando ela pode evitar o prejuízo, não se trata de caso fortuito ou força maior.

A técnica securitária e o desaparecimento dos efeitos. Os contratos de seguro têm por função básica proteger o segurado ou terceiro beneficiado de eventos danosos. Traçada a cobertura da apólice, a ocorrência dos fatos previstos, ou não excluídos, enseja o ressarcimento do dano, dentro do valor segurado. Seja em uma concepção mais tradicional, como contrato aleatório, seja na posição mais inovadora, de contrato comutativo, no qual a prestação da seguradora é certa, garantia, a função do contrato é suprimir os efeitos do ato danoso, ao menos quanto ao seu conteúdo econômico. Observa-se, assim, que a razão de ser do contrato de seguro vem de encontro ao ponto nodal da questão. O seguro suprime os efeitos econômicos dos fatos imprevisíveis (em particular) ou irresistíveis. Ora, em havendo apólice cobrindo o fato ocorrido, estava disponível para o contratante o instrumento jurídico para evitar o efeito danoso.

Em outros termos, quando o mercado segurador oferece cobertura que garanta os riscos, não se pode dizer que esses riscos se situam no âmbito da imprevisibilidade ou da inevitabilidade. Não apenas se trata de acontecimento previsível (em geral) como sua incidência já foi estatisticamente apurada, submetida a cálculos atuariais e colocado sob proteção contratual. Não podem, por outro lado, serem vistos como inevitáveis. O fato em si pode até ser inevitável. Mas suas consequências, diferentemente, são evitáveis. E, ante o exposto, a lei desejou caracterizar como caso fortuito ou força maior as situações em que o prejuízo é inevitável. O fato que dispõe de proteção securitária tem suas consequências evitáveis, não podendo ser invocável, o caso fortuito ou força maior pela parte, quando do seu acontecimento.

Fundamentos do dever de ressarcir e fundamentos das excludentes - descompasso evolutivo. Não se pode olvidar que as ideias de caso fortuito e força maior, tais quais postas no Código Civil, foram pensadas e reguladas dentro de um determinado sistema de responsabilidade civil. Este, atualmente, não é mais exclusivo e sim cada vez mais enfraquecido. A textura do caso fortuito e força maior está, dessa maneira, intimamente ligada à ideia de culpa, elemento primordial da responsabilidade subjetiva acolhida no Código Civil brasileiro. São os mesmos excludentes da responsabilidade civil por quebrarem o nexo de causalidade, impedindo estabelecer relação de causa e consequência entre uma ilicitude e um fato. Afastam a culpa do agente, como elemento provocador do dano, conforme síntese feliz de Vieira Netto, para a cátedra paranaense: "O que desejamos acentuar ainda, ao finalizar estas observações, é que esse fortuito – na época do contratualismo e da culpa – resume-se ao fato inevitável, irremovível, como se vê do art. 1.058, parágrafo único do Código”. Sem dúvida aqui também se debatem o subjetivismo (fortuito = não culpa), de que são partidários Ribas, Spencer Vampré, Espínola e outros, e a corrente objetiva, representada entre nós em Carvalho de Mendonça (M.I), Lacerda e outros. (131). 

Na Responsabilidade Contratual a culpa é presumível pelo descumprimento. A presença de caso fortuito ou força maior mostra a inocorrência do ilícito relativo. Nos mesmos moldes, essas ideias são aplicáveis quando se alteram os pressupostos da responsabilidade civil? Não parece possível manter os conceitos sem sofrerem também alterações evolutivas.

O caso fortuito e a força maior permanecem, como excludentes. Não, todavia, quando eliminarem a culpa do agente, pela não ocorrência de ilícito. São excludentes, e como tal invocáveis, quando o resultado danoso econômico não puder ser imputado à esfera de conduta do agente. Da mesma forma que as raízes mais fortes da responsabilidade civil se firmam hoje em prognósticos econômicos: risco-proveito, alocação de custos, repartição dos ônus etc., o fundamento de validade das excludentes também se situará em plano diverso d’outrora.

Há força maior ou caso fortuito quando for externo, fora da linha de atuação do sujeito. Vale dizer, quando o resultado econômico negativo experimentado por outrem não possa se vincular a ele. Quando, ao contrário, o resultado econômico a ele possa se ligar, não há quebra de nexo causal. Explicitamente, quando, v.g., o dano decorreu da não contratação de um seguro, não se pode falar em exclusão do nexo causal. Mesmo que se trate de um fato da natureza a danificar uma obra em curso, v.g., uma enchente, o dano não encontra aí razão de sua ocorrência. Encontra causa de existir na não contratação de seguro para amparar aquela situação, salvo, obviamente, em não existindo apólice com cobertura desse jaez. Deixar que evolua a ideia de responsabilidade civil, sem paralelamente efetuar nova leitura das excludentes, é provocar grave e inadequado descompasso científico entre dois conceitos interdependentes ontologicamente.

Em reforço- rápida lembrança da ideia de dano. Uma breve recordação as questões aqui expostas. Comumente se confunde dano com objeto atingido. Sabe-se, porém, que o dano não é o bem da vida lesado e sim o efeito decorrente da lesão. Nas palavras do mais festejado jurista na matéria, com apoio na doutrina de Hans Alberto Fischer, o dano tem uma concepção jurídica própria e "vem a ser o prejuízo sofrido pelo sujeito de direitos em consequência da violação destes por fato alheio." Cuida-se, assim, sempre de efeitos, não do objeto. Evitando-se o efeito, evita-se o dano, em sentido técnico. Reparar o dano é tentar apagar seus efeitos. Caso fortuito e força maior, nesse diapasão, é aquilo que torna inevitável o dano, vale dizer, o efeito da lesão.

Roubo de cargas – situação paradigmática. A situação que enfeixa as ideias resumidamente defendidas no presente, é a referente aos roubos de carga em transporte. O Superior Tribunal de Justiça, via de regra, acolhe o roubo como caso fortuito: "Automóvel. Roubo ocorrido em posto de lavagem. Força maior. Isenção de responsabilidade. O fato de o artigo 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas.

Aplicação do artigo 1.058 do Código Civil. A inevitabilidade e não a imprevisibilidade é que efetivamente mais importa para caracterizar o fortuito. E aquela há de entender-se dentro de certa relatividade, tendo-se o acontecimento como inevitável em função do que seria razoável exigir-se." (RESP 120647/SP). E assim tem tratado o roubo de cargas transportadas, e.g.: "Direito Civil. Transporte de mercadorias. Roubo. Força Maior. Exclusão da responsabilidade do transportador de indenizar regressivamente a seguradora que cobriu os prejuízos do contratante do transporte. Precedentes da corte. Recurso desacolhido. A presunção de culpa de transportadora pode ser ilidida pela prova da ocorrência de força maior, como tal se qualificando o roubo de mercadoria transportada, com ameaça de arma de fogo, comprovada a atenção da ré nas cautelas e precauções a que esta obrigada no cumprimento do contrato de transporte."

"Transporte de mercadoria. Roubo da carga durante o trajeto do veículo. Responsabilidade do transportador. Força maior. A presunção de culpa do transportador pode ser elidida pela prova da ocorrência de força maior (Decreto n.º 2.681/912, art. 1º., par. 1º) O roubo da mercadoria em trânsito, uma vez comprovado que o transportador não se desviou das cautelas e precauções a que esta obrigado, configura força maior, suscetível, portanto, de excluir a responsabilidade, nos termos da regra jurídica acima referida. Recurso não conhecido". (RESP 43735/SP).

Entendimento diverso pode ser colhido em outros tribunais, v.g.: "Seguro- transporte de mercadorias- ação de seguradora contra transportadora- roubo da coisa transportada – irrelevância – responsabilidade caracterizada. O transporte de mercadorias é obrigação de resultado, e não pode quem assuma tal incumbência, safar-se da obrigação de reparar o dano escudado na ação criminosa de terceiros."(Ap. 339.991 – 7ª Câmara –1º TACSP- j. 23.4.85 –in RT 597/129)

"indenização – ressarcimento de danos -transporte de carga – risco previsível – estrada preferida por assaltantes- transportadora já havia sido vítima de casos iguais – cautelas não tomadas – inocorrência de caso fortuito ou força maior – artigo 1.058 do Código Civil – reembolso devido à proprietária da carga – procedência da ação – recurso não provido.

(...)

A rigor, portanto, ainda que admitida a possível ocorrência de assalto, não pode o apelante escapulir à responsabilidade alegando força maior (Revista dos Tribunais 571/129). É entendimento uniforme que o transportador assume a obrigação de resultado, qual seja, a de entregar a mercadoria no local de destino, assumindo, também, elementarmente, o dever de guarda e custódia das mercadorias transportadas "(RT 578/155). O dever da ré e do denunciado em reembolsar a autora é inarredável e foi corretamente fixado na respeitável sentença que não comporta nenhum reparo."(Ap. 394.021- 6ª Câmara Esp. 1º TAC SP –J 06.07.88 in JTACSP- LEX 113/154).

Em verdade, e infelizmente, o roubo de cargas transportadas é fato absolutamente previsível e com riqueza de dados estatísticos. Em excelente trabalho sobre o tema, no qual pugna com fortes argumentos pela responsabilidade do transportador em caso de furto ou roubo da carga, Maurício Silveira, destaca a "precisão de informações dominadas pelo mercado transportador", passando a demonstrar detalhadamente os números referentes ao problema.

A razão da não contratação de seguros com esta cobertura se situa em outro ponto, qual seja, em razões econômicas. Augusto Hauber Gameiro destaca: "A última hipótese de que trata esta pesquisa é a de existir um desinteresse natural por parte de alguns transportadores, referente à utilização de seguros para cargas, ou seja, além dos problemas citados até o momento – que podem impedir e/ou dificultar o acesso das empresas transportadoras ao seguro – devem existir, também, casos em que tais serviços não são demandados, simplesmente por não interessarem aos potenciais demandantes. Na realidade, a própria concepção de gerência de risco prevê a opção pela retenção do risco pelo do "não-seguro".

Como já comentado no início deste item, a escolha pelo "não-seguro" faz parte da concepção de gerência de risco, que implica em uma decisão voluntária por parte dos indivíduos ("desinteresse" pelo seguro)."  Consequentemente, para a situação na qual o evento é previsível, há apuração estatística de suas probabilidades e existe apólice de seguro para fazer desaparecer os efeitos danosos. A não contratação se localiza na esfera da decisão econômica, maior lucro ou maior competitividade, transferindo o risco para o usuário do serviço de transporte, caso mantido o atual posicionamento.

Em reforço, Maurício Silveira destaca, em outro ângulo, a incongruência da existência de cobertura securitária com a aceitação da caracterização de caso fortuito ou força maior, a realçar com exação: "Já o RCFDC – Seguro Facultativo de Responsabilidade Civil por Desaparecimento de Carga – é um produto disponível no mercado segurador que permite ao transportador garantir-se contra a responsabilidade civil exsurgida do roubo de mercadoria sob sua custódia. Reitera-se, neste momento, o questionamento se é sensato existir um seguro de responsabilidade civil por fato equiparável juridicamente à força maior, pois, se essa equiparação fosse consistente, a resposta certamente seria negativa, já o risco assegurado seria impossível, nulo, nenhum, inexistente. E o risco é a causa e o objeto do contrato de seguro (art. 1.432, do Código Civil). Mas, já se salientou anteriormente, o produto existe e muitos transportadores contratam esse seguro. Outros, à sombra da impunidade que alberga a mencionada equiparação maniqueísta entre o roubo e a força maior, economizam o prêmio que dispenderiam para a sua contratação." Nesse quadro, não há como acolher o efeito decorrente de furto ou roubo de carga como caso fortuito ou força maior. A não contratação de seguro desse jaez é mera opção econômica, acarretando para o transportador responsabilidade na ocorrência do evento. De igual forma, entendemos em todas as hipóteses nas quais há cobertura securitária para impedir o efeito danoso e ela não é a contratada. Ao buscar aparentes vantagens econômicas, traz o sujeito para si os riscos de sua opção, mormente quando o fato se enquadra como elemento da infortunística própria de sua atividade empresarial. (Flávio de Queiroz Bezerra Cavalcanti, artigo Caso fortuito e força maior frente a técnica securitária, publicado em 04/2002, site jus.com.br. Acesso em 25/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.059. Os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital.

Encerrando o Capítulo com Barbosa Filho, uma vez constituída uma sociedade limitada e composto, por meio da contribuição patrimonial fornecida por cada sócio, o capital social, ele é oferecido como única garantia do pagamento das dívidas sociais. Resguarda-se, por isso, de maneira rigorosa, em nome da proteção dos credores, a integridade do capital das limitadas, pois não é viável, normalmente, adotado tal tipo, atingir o patrimônio pessoal dos sócios. Nesse sentido, resta proibida a distribuição de quantias aos sócios, qualquer que seja o motivo proposto e alegado, sempre que a operação onerar o capital social e for feita, portanto, em detrimento da garantia oferecida ao pagamento das dívidas sociais. A vulneração do capital social materializa, evidentemente, um ilícito e sujeita os sócios, prejudicada a posição dos credores da pessoa jurídica, à reposição dos valores recebidos indevidamente, para recompor o capital original, tal como já havia sido quantificado no instrumento contratual inscrito. Diante da lapidação da garantia oferecida ao pagamento das dívidas sociais, os próprios credores estarão legitimados a postular a devolução prevista no texto legal, devendo, também, ser considerada nula a cláusula contratual autorizativa de pagamentos prejudiciais ao capital, não podendo dela serem extraídos efeitos. Acrescenta-se, por fim, aqui, a possibilidade de aplicação do CC 1.009, dada a omissão do regramento específico da sociedade limitada, quando caracterizada a distribuição de lucros fictícios, responsabilizando-se, então, solidariamente, os administradores e os sócios beneficiados, estes últimos desde que, ao menos, pudessem ter conhecido a irregularidade. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1048. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

O histórico diz que o enunciado por esta disposição foi objeto de emenda de redação na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, para adequação. Da terminologia jurídica e aperfeiçoamento do conteúdo do projeto original Regra praticamente idêntica encontrava-se prevista no art. 92 do Decreto n. 3.708/19.

Em sua doutrina, Ricardo Fiuza confirma que os sócios têm direito à percepção dos lucros gerados pela sociedade, após levantados e apurados no balanço patrimonial anual. Ocorrendo situações em que a distribuição de lucros inexistentes ou a retirada, a qualquer título, de valores seja feita com prejuízo ou desfalque do capital, mesmo que tal possibilidade esteja prevista no contrato social, ficam os sócios obrigados a repor em favor da sociedade o que indevidamente receberam. Essa disposição tem como finalidade resguardar os direitos de terceiros que contrataram com a sociedade tomando como critério para a concessão ou atribuição de crédito o montante do capital social. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 551, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o prisma de (Antônio Junqueira de Azevedo e Modesto de S Barros Carvalhosa, o art. 9º, segunda parte, do Decreto n. 3.708/19, já previa a reposição dos dividendos e das quantias retiradas a qualquer título que fossem distribuídos em prejuízo do capital. Como se infere da redação do referido art. 9º, não exigia o diploma de 1919 que o sócio houvesse recebido os dividendos ou demais retiradas de má-fé para que tivesse este a obrigação de repor as quantias retiradas. No caso desse art. 9º, segunda parte do decreto de 1919 não é relevante a configuração da má-fé no recebimento dos dividendos ou das demais quantias. O requisito do dispositivo é objetivo: terem sido os dividendos e demais quantias distribuídos em prejuízo do capital realizado.

 

A propósito, a lição de Cunha Peixoto, sobre a segunda parte do art. 9º do Decreto n. 3.708/19: “(...) redigido de maneira ampla, este dispositivo abrange, sem nenhuma dúvida, o pagamento de juros, independentemente de haver a sociedade produzido lucro, visto como eles só poderiam sair do capital”.

 

Assim, tratou o Código Civil de 2002 de manter a mesma abrangência com relação à matéria, englobando não apenas a distribuição de lucros em prejuízo do capital, mas também os demais desfalques que poderiam ocorrer, tais como o pagamento de juros.

 

A redação do artigo 1.059, em comento, é bastante semelhante à redação do referido artigo 9º, segunda parte, do Decreto 3.708/19. O CC/2002 é um pouco mais acurado ao mencionar “Lucros” em lugar de “dividendos” como constava no decreto de 1919, sem, no entanto, trazer qualquer alteração de fundo com o presente dispositivo. Em verdade, simplesmente manteve o preceito já previsto no referido art. 9º, segunda parte do decreto de 1919.

 

Lucros, dividendo e capital social – o conceito de lucros assenta-se no de capital social, da mesma forma como o conceito de perda. Lucros é a parte do patrimônio líquido que supera o capital social; perda, ao contrário, é a parte do capital social que supera o patrimônio líquido. Como consequência, a situação de lucro ou perda não se fraciona nem se isola de exercício para exercício. Assim, quando se fala em lucros quer-se dizer uma verificação periódica dos lucros e das perdas. Porém, esse princípio da anualidade da verificação dos resultados não prevalece para a distribuição de dividendos. Estes somente podem ser distribuídos se a situação acumulada dos diversos exercícios anteriores da sociedade apresentarem um resultado positivo em relação ao capital social. Se, ao contrário, as perdas acumuladas anteriormente superam o patrimônio líquido da sociedade, não pode haver distribuição de lucros.

 

Dessa forma, constituiria ato ilegal a distribuição de resultados positivamente apurados num exercício, se houve resultados negativos acumulados nos anos anteriores, que se equivalham ou mesmo superem o lucro do exercício mais recente. Vale lembrar que dividendo é o montante do lucro que se divide pelo número de quotas. É a parcela do lucros relativa a cada quota. É o rendimento anual da quota.

 

Este CC 1059 baseia-se, essencialmente, no princípio da integridade do capital social, visando à proteção dos interesses dos credores, dos sócios e da própria sociedade, no tocante ao regime de distribuição de lucros. Proíbe este dispositivo, portanto, a distribuição de lucros fictícios. O desfalque do capital social para a distribuição de lucros ou qualquer outro benefício aos sócios é, portanto, expressamente vedado.

 

O capital social não é formado por uma massa destacada do patrimônio ou ainda por uma parte do ativo social. Ao contrário, o capital social deve ser entendido como um débito da sociedade diante dos sócios e, por isso, consta do passivo do balanço, embora não exigível. É uma ficção jurídica cuja criação foi motivada visando a salvaguarda dos credores da sociedade. Não devem, assim, os lucros e prejuízos do exercício social ser creditados ou diminuídos da conta do capital, mas colocados em posição especial no balanço.

 

A origem do princípio da integridade do capital social está, portanto, na ideia de manutenção da estabilidade social e da segurança no cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade. A modificação do capital social da sociedade limitada deve se dar por meio de aumentos ou reduções na forma determinada pelo CC 1.081 a 1.084.

 

Em virtude da omissão do CC/2002, no capítulo de sociedades limitadas, relativamente às responsabilidades dos administradores por atos com que tenham agido com culpa, devem ser aplicadas às sociedades limitadas o disposto no CC 1.009. Ainda que, eventualmente, a sociedade limitada tenha optado pela regência supletiva da lei societária em matéria organizacional (conforme faculta o parágrafo único do CC 1.053), com relação à responsabilidade dos administradores devem ser aplicadas as disposições da sociedade simples, previstas no referido CC 1.009.

 

Não cabe a aplicação do art. 177, VI, do Código Penal de 1940 para os administradores das sociedades limitadas nos casos de distribuição de lucros fictícios. Isto porque os administradores das sociedades limitadas não se enquadram no tipo penal previsto no referido dispositivo.

 

Essa norma aplica-se apenas aos administradores das sociedades por ações, não cabendo interpretação extensiva, ainda que a aplicação dessa norma aos casos dos administradores das sociedades limitadas pudesse parecer razoável.

 

No âmbito do direito penal, a interpretação extensiva da norma não é cabível, em virtude do princípio da taxatividade (estrita legalidade). É o que ensina Celso Delmanto: “(...) ao juiz que vai aplicar leis penais é proibido o emprego da analogia ou da interpretação com efeitos extensivos para incriminar algum fato ou tornar mais severa sua punição. As eventuais falhas da lei incriminadora não podem ser preenchidas pelo juiz, pois é vedado a este completar o trabalho do legislador para punir alguém”.

 

Desse modo, ainda que a sociedade limitada tenha optado pela regência supletiva da Lei Societária, não se pode aplicar aos seus administradores, em caso de distribuição de lucros fictícios, o disposto no art. 177, VI, do Código Penal, que somente deve ser aplicado aos administradores das sociedades anônimas. (Antônio Junqueira de Azevedo e Modesto de S Barros Carvalhosa, encontrado no books.google.com.br, livro Comentários ao código civil v. 13, acessado em 25.05.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).