segunda-feira, 29 de junho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.063, 1.064, 1065 Da Administração - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.063, 1.064, 1065
 Da Administração -  VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo IV –
Da Sociedade Limitada Seção III – Da administração
 (Art. 1.060 ao 1.065) – vargasdigitador.blogspot.com

Art. 1.063. O exercício do cargo de administrador cessa pela destituição, em qualquer tempo, do titular, ou pelo término do prazo se, fixado no contrato u em ato separado, não houver recondução.

§ 1º. Tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do capital social, salvo disposição contratual diversa.

§ 2º. A cessação do exercício do cargo de administrador deve ser averbada no registro competente, mediante requerimento apresentado nos dez dias seguintes ao da ocorrência.

3º. A renúncia de administrador torna-se eficaz, em relação à sociedade, desde o momento em que esta toma conhecimento da comunicação escrita do renunciante; e, em relação a terceiros, após a averbação e publicação.

Lecionando Barbosa Filho, os administradores da sociedade limitada atuam, a partir de sua designação e da posterior investidura, de conformidade com os poderes especificamente atribuídos pela pessoa jurídica, durante um período de tempo mais ou menos longo, determinado ou indeterminado, persistente, aqui, para atender à conveniência dos sócios contratantes, ampla variabilidade. O administrador deixa de exercer a gestão dos negócios sociais quando materializada uma de três hipóteses, todas elas disciplinadas no presente artigo.

A destituição do administrador corresponde à extinção forçada dos poderes antes conferidos, o que deriva sempre de deliberação específica dos sócios, aprovada, em conformidade com o disposto no inciso III do CC 1.071, pelo voto de titulares de quotas iguais à maioria absoluta do capital social. Se é pretendida, porém, a destituição de administrador designado pelo próprio contrato inscrito, deverá ser obedecido um requisito especial de validade da deliberação, exigindo-se, simplesmente, a observância de um quórum especial, de dois terços do capital social, deixando-se de lado as graves restrições estabelecidas, no âmbito das sociedades simples, pelo CC 1.019, pois não há, aqui, quando às limitadas, a exigência de qualquer fundamentação específica para a deliberação de destituição.

O texto do § 1º deste artigo é deficiente e se refere apenas ao sócio-administrador, sem prever expressamente a destituição de não sócio designado por cláusula contratual, devendo, no entanto, as duas situações ser equiparadas, pois não seria lógico aplicar, diante da necessidade de alteração contratual, o inciso I do CC 1.071 e exigir, em se tratando de não sócio, o quórum especial de três quartos do capital social. Ademais, assinale-se que o legislador, em razão do § 1º deste artigo, viabilizou a irremovibilidade concreta de administradores em confronto com o exercício de controle majoritário, o que, por certo, gerará discórdia e litígios de dificultosa solução. O § 2º impõe, ainda, como providência imperiosa à pena eficácia da destituição, seja promovida a averbação na inscrição original, respeitado o prazo de dez dias.

Deve-se alertar que, caso não seja dada publicidade ao fato, a sociedade responderá, perante terceiros de boa-fé, presente a aparência de regularidade da conduta do destituído, pelos novos atos praticados e, caracterizado prejuízo efetivo, poderá, depois, voltar-se contra o antigo administrador, postulando ressarcimento. A renúncia do administrador, prevista no § 3º, implica a extinção voluntária dos poderes de presentação, derivando de manifestação volitiva unilateral, a qual, para ostentar plena eficácia, precisa preencher duas ordens de fatores.

Resta, num primeiro plano, necessária a cientificação formal da própria sociedade, feita por meio de notificação judicial (CPC/1973, art. 867 – Seção X – Dos Protestos, Notificações e Interpelações, correspondente ao CPC/2015, art. 301, Seção II - Da Notificação e da Interpelação) ou extrajudicial (art. 160 da Lei n. 6.015/73), sem o que não se produzirão efeitos perante a pessoa jurídica. Há de ser, em segundo lugar, promovida a averbação do ato de renúncia na inscrição original da sociedade para que seus efeitos recaiam sobre terceiros, emanando uma publicidade geral do ato registrário. O término do prazo de vigência da designação feita resulta na automática extinção dos poderes de gestão e constitui uma terceira e última hipótese de cessação do exercício da gestão, desde que não tenha sido tomada nova deliberação de prorrogação. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1051-52. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, o capta deste dispositivo, bem como o texto dos §§ P e 22, vieram a ser alterados por emenda do Senador Gabriel Hermes. Na redação do caput, apenas foi modificada a locução adverbial “em qualquer tempo”, quando a redação primitiva era “em qualquer momento”. Os §§ 1º e 2º também foram modificados, para reduzir o quórum de deliberação da destituição do administrador de três quartos para dois terços dos votos dos sócios, assim como para indicar que a averbação da cessação do exercício e dos poderes de gestão deve ser feita no registro competente, uma vez que a sociedade simples também pode ser constituída sob a forma de sociedade limitada. O Decreto n. 3.708/19 não continha norma semelhante a respeito da destituição ou renúncia do gerente da sociedade limitada.

Segundo Ricardo Fiuza, em sua doutrina, o mandato para o exercício dos poderes de administração na sociedade limitada pode ser por prazo determinado ou indeterminado. Tanto em um caso como em outro, o gerente ou administrador pode ser destituído, a qualquer tempo, pelos sócios que representem mais da metade do capital social (CC 1.076). Todavia, se os poderes de gestão tiverem sio conferidos pelo contrato a um dos sócios, o administrador somente poderá ser destituído por deliberação de sócios que representem dois terços do capital social, podendo o contrato, contudo, dispor diversamente sobre essa questão. Sempre que ocorrer cessação do exercício do cargo de administrador da sociedade, por término do prazo de hipótese de renúncia, esta tem eficácia em relação à sociedade com a simples comunicação escrita, mas somente terá eficácia perante terceiros após averbado o ato no registro competente e sucessivamente publicado na imprensa oficial. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 553, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na pauta de Antônio Junqueira de Azevedo e Modesto de S Barros Carvalhosa em relação ao Término da gestão do administrador, o prazo de gestão, que tem início na data de sua investidura, termina, segundo estabelece este CC 1.063, na data prevista no contrato social ou no ato em separado de nomeação, se não for reconduzido ao cargo, podendo, ainda, terminar antecipadamente, mediante a destituição do administrador.

O Código Civil permite que o administrador eleito seja reconduzido ao cargo por um número de vezes ilimitado. Havendo a recondução, aprovada pela assembleia ou reunião de sócios, deverá o administrador cumprir novamente as formalidades de investidura e publicidade da mesma pela averbação no registro próprio (CC 1.062).

O órgão competente para a destituição do administrador será o mesmo competente para a sua eleição, ou seja, a assembleia geral ou reunião dos sócios, observado o quórum de destituição previsto em cada caso, conforme seja o administrador sócio ou não sócio, ou nomeado do contrato social ou em ato em separado.

A deliberação de destituição do administrador pela reunião ou assembleia, seja ele sócio ou não, é ato unilateral da sociedade que faz cessar o exercício das funções de administração do destituído, e pode ser tomada a qualquer tempo, sem que se exija qualquer justificativa da sociedade para esse ato.

Uma vez deliberada a destituição do administrador eleito em reunião da assembleia geral ou reunião de sócios, no mesmo ato deverá ser deliberada a eleição do novo administrador que o substituirá, devendo o conclave determinar o prazo de gestão do administrador eleito, salvo se este prazo já estiver previsto no contrato social. Essa medida de imediata substituição do administrador destituído impõe-se com fundamento no princípio de que a sociedade não pode ficar sem um administrador, e somente pode ser dispensada a substituição imediata caso a sociedade tenha mais um administrador e o(s) remanescente(s) tenha(m) os poderes de representação necessários à continuidade dos negócios da sociedade até que se realize nova eleição para substituição do destituído.

Conforme o § 1º, tem de haver um quórum necessário para a deliberação sobre a destituição de administrador. Como já referido anteriormente, tratando-se de administrador sócio designado no contrato social, este somente poderá ser destituído de seu cargo por deliberação de quotistas que representem, no mínimo, dois terços do capital social, podendo o contrato social aumentar ou reduzir esse quórum.

Se o administrador for sócio, porém designado em ato em separado, incidirá a regra geral de quórum para destituição dos administradores (CC 1.076, II c/c o CC 1.071, III), requerendo-se a aprovação de quotistas representando mais da metade do capital social.

Lembrando que o § 2º, exige averbação no registro competente da cessação do cargo de administrador, o Código civil inova ao exigir que se deve dar publicidade ao ato de destituição do administrador dentro do prazo de dez dias da sua ocorrência, mediante a averbação do competente registro.

O motivo determinante dessa publicidade obrigatória (averbação) da cessação do exercício do cargo do administrador é o mesmo que determina a publicidade obrigatória da sua investidura, ou seja, para dar ciência e tornar oponível a terceiros a cessação do exercício das funções de administração do destituído.

É importante notar que o Código Civil não prescreve qualquer formalidade a ser cumprida para que a destituição se torne efetiva, não exigindo, tal como o fez para a investidura, que se proceda ao registro da destituição no livro da atas da administração. Portanto, o ato unilateral da destituição, resultante da deliberação da assembleia geral ou reunião de quotistas, não depende para sua eficácia de aceitação por parte do administrador ou de qualquer outra formalidade, e terá efeitos imediatos perante a sociedade e seus quotistas.

Essa destituição somente será eficaz perante terceiros após a averbação do ato de destituição. Dessa forma, até que seja levada à averbação no registro competente, a destituição do administrador não poderá ser oposta a terceiros. Se o administrador destituído, nesse ínterim, vier a praticar algum ato em nome da sociedade, esta não poderá escusar-se de responder por ele frente aos terceiros, podendo, entretanto, voltar-se posteriormente em regresso contra o destituído.

E finalmente, o § 3º, que fala de hipotética renúncia do administrador ao respectivo cargo, determinando o momento no qual se considerará eficaz essa renúncia em relação à sociedade. E essa eficácia, perante a sociedade, iniciar-se-á no momento em que a sociedade tomar conhecimento da comunicação escrita do renunciante, e perante terceiros, somente após a averbação da renúncia no registro competente e de sua publicação, nos termos do CC 1.152.

A renúncia é ato unilateral do administrador e se aperfeiçoa com a simples recepção pela sociedade do documento escrito do renunciante, não dependendo de qualquer ato unilateral recíproco da sociedade para que se torne eficaz. Trata-se de um direito do administrador renunciar ao seu cargo a qualquer tempo, sem a necessidade de apontar a causa de sua renúncia. Corresponde ao direito da sociedade de destituir o administrador de seu cargo ad nutum, por deliberação em conclave, que também dispensa a fundamentação de justa causa.

Ainda, referente à eficácia da renúncia perante a sociedade (§ 3º), o Código Civil de 2002 dispõe ainda que, a renúncia do administrador será eficaz com relação à sociedade desde o momento em que esta tomar conhecimento da comunicação escrita do renunciante.

Observe-se, primeiramente, que, para tornar-se eficaz a renúncia, deve-se fazer por meio de documento escrito assinado pelo renunciante. Não terá qualquer efeito a declaração verbal do renunciante feita em reunião da própria administração ou em assembleia ou reunião de quotistas, ainda que da respectiva ata conste a sua assinatura. Exige a lei que a renúncia se faça por documento autônomo, firmado pelo administrador que se retira. E essa comunicação por escrito deve ser encaminhada à sociedade. A renúncia somente será eficaz relativamente à sociedade a partir do momento em que esta tomar conhecimento da comunicação escrita do renunciante.

A redação do dispositivo em comento parece adotar a teoria da cognição, ao subordinar a eficácia da renúncia ao conhecimento efetivo pela sociedade do teor da comunicação por escrito apresentada pelo renunciante. Esse entendimento, no entanto, geraria extrema insegurança jurídica à prática dos negócios sociais. Isso porque o efetivo conhecimento do teor dessa comunicação somente se daria quando da sua leitura pelos órgãos competentes da sociedade, o que tornaria impossível precisar com exatidão o momento em que se consideraria liberado o renunciante do exercício de seu cargo. Ademais, tal interpretação permitiria à sociedade protelar indefinidamente ou obstar a eficácia da renúncia.

Em vez disso, deve-se presumir que a comunicação escrita da enviada pelo renunciante terá chegado ao conhecimento da sociedade no momento da sua entrega na sede da companhia. Impõe-se, aqui, a adoção da teoria da recepção. Não será necessário que os órgãos competentes da sociedade tomem conhecimento efetivo do teor do documento de renúncia. Basta que seja entregue na sede da companhia, mediante comprovação do recebimento.

Nesse pondo, deveria o Código Civil de 2002 ter adotado a mesma orientação do art. 151 da Lei Societária (Lei n. 6.404/76), que, embora com redação muito semelhante à do presente § 3º, deixa expresso que a renúncia do administrador torna-se eficaz em relação à companhia desde o momento em que lhe for entregue a comunicação por escrito do renunciante, sem deixar margem a quaisquer dúvidas quanto ao momento em que cessa o exercício do cargo pelo administrador que se retira.

Ainda, quanto à eficácia da renúncia perante terceiros (§ 3º), se a renúncia é eficaz perante a sociedade desde o momento em que esta recebe a comunicação escrita do renunciante, perante terceiros somente será eficaz depois de cumpridas as formalidade de averbação junto ao registro competente e publicação na forma do CC 1.152.

A norma não estabelece prazo para a averbação da renúncia. Deve-se aplicar, no caso, o prazo geral de trinta dias, previsto no § 1º do CC 1.151. Depois de averbada a renúncia, é necessário que dela se dê notícia por publicação em diário oficial e em jornal de grande circulação do local da sede da sociedade (CC 1.152).

O documento a ser levado à averbação perante o registro próprio será o documento de renúncia firmado pelo administrador que se retira. Esse é O documento que interessa à sociedade e a terceiros e que deve ser averbado. A sociedade não está cumprindo o seu dever de levar a registro a renúncia se apenas proceder à averbação da ata de reunião do órgão da administração ou da assembleia geral ou reunião de quotistas que apenas der notícia da renúncia.

Note-se que a publicação oficial (CC 1.152) exigida pela norma será apenas da averbação do documento de renúncia no registro competente, ou seja, da certidão fornecida por esse órgão público, e não do inteiro teor da renúncia, cujos termos não necessitam chegar ao público, por consistir em matéria reservada do interesse restrito da sociedade e do renunciante.

A publicação oficial nos jornais exigida pelo CC 1.152 tem o intuito de levar ao conhecimento de todos os sócios da limitada, de seus credores e de terceiros que com ela mantenham alguma relação, a modificação operada na administração da sociedade em razão da renúncia, no intuito de melhor proteger os seus interesses relativamente à sociedade. Sua função é levar a presunção legal do conhecimento pelo terceiro do ato a partir do qual passam a correr os prazos de aquisição e de prescrição de direitos por parte desses mesmos terceiros. Dessa forma, somente se tornará eficaz a renúncia do administrador perante terceiros depois de completadas as formalidades de averbação e de publicação oficial (CC 1.152).

Não obstante, conforme dispõe o CC 1.151, se essas formalidades de publicidade forem retardadas pela sociedade ou esta omitir-se em realiza-las, poderá o administrador renunciante, na qualidade de interessado, substitutivamente, procedê-las, para a proteção dos seus interesses individuais.

Quanto a Cessação da responsabilidade dos administradores pelos atos regulares de administração praticados – tanto daqueles administradores que têm cessada a sua função em razão do término do prazo de gestão quando daqueles que são destituídos ou que renunciam ao cargo – somente termina com a aprovação de suas contas pela assembleia geral ou reunião de sócios (CC 1.071, I).

Ademais, permanece a responsabilidade do administrador até o final do prazo prescricional da ação que lhe pode ser movida por violação da lei ou do contrato social, que é de três anos, contados da data da assembleia geral ou reunião de quotistas que aprovar as suas contas (CC 206, § 3º, VII, b).

Por sua vez, para efeitos falimentares, a responsabilidade patrimonial do administrador para com a sociedade só se encerrará com o decurso do prazo de dois anos fixado pelo § 1º do art. 82 da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). Para tanto, deve-se levar em conta a data de retirada do administrador da sociedade e a sua responsabilidade para com os atos lesivos ao interesse dos credores; situação essa que deverá ser apurada por meio de ação ordinária, com todas as garantias inerentes ao princípio do devido processo legal.

No que diz respeito aos efeitos penais falimentares, a data em que cessar o exercício do cargo do administrador – seja ela a do término do prazo de gestão ou a da destituição ou da renúncia – poderá ser utilizada para indicar a inexistência de responsabilidade do administrador face aos crimes eventualmente apurados fora desse período. No entanto, deve-se deixar bem claro que, nos termos do art. 182 da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101, de 9-2-2005), a prescrição dos crimes falimentares começa a correr somente a partir do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial. (Antônio Junqueira de Azevedo e Modesto de S Barros Carvalhosa, encontrado no books.google.com.br, livro Comentários ao código civil v. 13, art. 1.063, acessado em 29.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.064. O uso da firma ou denominação social é privativo dos administradores que tenham os necessários poderes.

Na consagração de Marcelo Fortes Barbosa Filho, como já exposto quando da análise do CC 1.022, a sociedade, como pessoa jurídica, constitui um ente imaterial, de existência ideal, não podendo, diretamente, relacionar-se com os demais sujeitos de direito e, por si só, realizar as operações próprias à consecução do objeto social. Todo e qualquer relacionamento da sociedade com terceiros, por isso mesmo, é efetivado por intermédio de seus órgãos de administração, cuja existência é obrigatória. A administração é integrada por membros designados e devidamente investidos, os administradores, a quem é dado, como atribuição privativa, presentar a sociedade, de conformidade com os poderes conferidos, agindo pela pessoa jurídica, dando-lhe, então, vida e possibilitando seja obtido sucesso patrimonial na realização do objeto social. As operações mediadas pelos administradores induzem a aquisição de direitos pela pessoa jurídica, tal qual o nascimento de obrigações, mediante a celebração de contratos ou como consequência de atos unilaterais, vinculando-a. nem todos os administradores ostentam, contudo, a atribuição de manter o relacionamento da sociedade com terceiros; alguns deles atuam apenas internamente, dispondo, de maneira concreta, por exemplo, sobre os bens de capital e os recursos humanos, dotando-lhes da organização mais eficiente possível. Aqueles administradores dotados de poderes específicos e suficientes, quando atuam pela pessoa jurídica, precisam fazer uso de seu nome empresarial, escolhido pelos sócios contratantes e mantido, conforme o disposto no CC 1.158, sob a forma de firma ou denominação. Iniciam-se, assim, explicitamente, a qualidade de administrador e a concretização de manifestação volitiva da pessoa jurídica. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1052. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo histórico a norma é a mesma do projeto original. O art. 13 do Decreto n. 3.708/19 regulava o uso da firma social pelos sócios-gerentes na sociedade limitada. Enquanto a doutrina de Ricardo Fiuza aponta que os poderes de gestão na sociedade limitada são exercidos mediante o uso da firma ou denominação social, i. é, o administrador é aquele que representa ativa e passivamente a sociedade e que pode assinar em seu nome. Compete privativamente aos administradores contratar em nome da sociedade, apondo sua assinatura como representante legal. O sócio que fizer uso da firma ou denominação social sem estar autorizado responde pessoalmente pelos atos e obrigações que vier a assumir. A sociedade somente se obriga quando regularmente representada por seus administradores. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 554, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Azevedo e Carvalhosa, o artigo em comento trata da Gestão e representação da sociedade limitada na vigência do Decreto n. 3.708/19, quando o contrato social devia indicar quem eram os sócios-gerentes habilitados a fazer uso da firma social, podendo livremente estabelecer as funções, atribuições e poderes de cada sócio-gerente, bem como a necessidade ou não de representação conjunta da sociedade por mais de um gerente. Na omissão do contrato, qualquer sócio podia, isoladamente, representar a sociedade, bem como praticar representar a sociedade, bem como praticar os atos de gestão necessários ao pleno desenvolvimento das atividades sociais.

Da Gestão e representação da sociedade limitada no Código Civil de 2002. O CC 997. VI, aplicável às sociedades limitadas por remissão expressa do CC 1.054, determina que do contrato social da limitada conste o nome das pessoas naturais incumbidas da administração, bem como seus poderes e atribuições.

Como referido, o contrato social da limitada poderá deixar de indicar as pessoas a quem incumbirá a administração, desde que estabeleça que tal indicação será feita por ato em separado, nos termos do CC 1.060. e desde que o ato em separado seja levado a registro juntamente com o de constituição da sociedade, sob pena de considerar-se nulo o contrato social, por falta de indicação de administrador.

A respeito da administração, o contrato social deve ser completo, incluindo a forma de distribuição dos poderes de gestão e de representação da sociedade entre os administradores. Sendo o contrato social omisso sobre os poderes e as atribuições que incumbem a cada administrador, deve-se entender que qualquer dos nomeados está autorizado a representar a sociedade, bem como a praticar os atos de gestão necessários a seu regular funcionamento. Essa solução é trazida pelo CC 1.022, para as sociedades limitadas regidas supletivamente pelas regras das sociedades simples, e pelo art. 144 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76), para aquelas que, de acordo com seu contrato, são regidas supletivamente pelo regime das companhias.

O contrato social poderá fixar livremente a forma de representação da sociedade, podendo conferi-la a apenas um administrador ou vários, agindo individualmente, ou ainda estabelecer a representação em conjunto para quaisquer atos ou para atos específicos. Pode ainda o contrato social delimitar o âmbito da representação de cada administrador a determinados atos sociais.

Deve, ainda, o contrato social estabelecer a forma como se dará a substituição dos administradores em casos de ausência ou de impedimentos temporários, uma vez que o Código Civil não contém regra sobre a matéria. Na omissão do contrato social a respeito, ausente ou impedido temporariamente o administrador, qualquer outro administrador poderá exercer as funções de administração e de representação do administrador temporariamente afastado, aplicando-se também a essa situação a regra do art. 144 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76), ou do CC 1.022, conforme o caso.

Note-se que os poderes e atribuições que incumbem a cada administrador devem estar expressos no contrato social. Não pode prevalecer contra terceiros a distribuição de poderes e de atribuições feita apenas em ato em separado. Isso porque o CC 1.060, § 2º, que trata da averbação da nomeação do administrador por ato em separado no Registro do Comércio, não exige que dela constem as atribuições e os poderes conferidos, na pressuposição de que essa matéria deve constar do contrato social (CC 1.054 e 997, VI). Consequentemente, a averbação desse ato em separado não é suficiente para dar a necessária publicidade da limitação de poderes e de atribuições dos administradores. Nessa hipótese, não poderá a sociedade opor a terceiros exceção à eficácia dos atos praticados pelo administrador com fundamento no CC 1.015, parágrafo único, I.

Nesses casos, para que a sociedade possa validamente opor-se à eficácia perante terceiros dos atos praticados em seu nome pelo administrador, terá de provar que a atribuição contratual de poderes ou atribuições era de conhecimento desse mesmo terceiro (CC 1.015, II), ou que se tratava de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade (CC 1.015, III).

O CC 1.064 dispõe ser o uso da firma ou da denominação da sociedade privativo dos administradores que tenham os necessários poderes. Trata-se aqui da regra específica sobre a representação da sociedade. Como referido, afere-se se os administradores da sociedade têm ou não poderes necessários para representa-la por meio da verificação de seu contrato social. No silêncio deste, cada administrador pode agir como se fosse o único representante da sociedade. O exercício desse poder legal apenas encontrará restrições no objeto social e nas normas legais pertinentes.

Há que distinguir, nesse passo, entre gestão e representação da sociedade. A representação consiste no poder de manifestar validamente em relação a terceiros a vontade social. Gestão é o poder de deliberação e decisão dos administradores.

O poder de decisão cabe aos administradores individualmente, respeitadas as limitações impostas pelo contrato social. O poder de deliberação cabe normalmente à assembleia ou à reunião dos sócios. Mas pode também haver deliberação dos administradores incumbidos da gestão ordinária da sociedade, para o que se reunirão e tomarão suas deliberações na forma que dispuser o contrato social (reunião da diretoria).

O poder de representação é mais amplo que o de gestão, pois compreende também a execução das decisões e das deliberações, que são as manifestações de vontade surgidas no âmbito interno da sociedade. As decisões e as deliberações não pressupõem representação, ao passo que esta última requer, necessariamente, uma vontade social que a legitime. A representação é sempre orgânica. Quem age é a própria sociedade, e não seu representante legal. A vontade social, formada no âmbito interno da sociedade, manifesta-se externamente por intermédio dos administradores, conforme determina o CC 47.

Da indelegabilidade dos poderes de representação dos administradores. O presente CC 1.064, veda expressamente a delegação dos poderes de representação, privativos dos administradores. Os administradores nomeados e investidos nos temos deste artigo expressam a vontade social nos limites da competência de cada um, que deverá ser estabelecida no contrato social.

Assim, não pode o administrador delegar esses poderes a outro administrador, a terceiro ou a sócio. Nem mesmo na ausência ou impedimento de algum administrador se permite que haja tal delegação. Nesses casos o administrador ausente ou impedido deverá ser substituído por mandatário devidamente constituído pela sociedade, com poderes especificamente designados no instrumento de procuração, ou então ser substituído na estrita forma do contrato social.

Essa indelegabilidade não é apenas quando aos poderes de representação do administrador, mas também no que concerne a seus poderes de gestão, estabelecidos no contrato social. Nesse sentido se aplicam os preceitos expressos de indelegabilidade do CC 1.018 às sociedades limitadas regidas supletivamente pelas regras das sociedades simples, e do art. 139 da Lei n. 6.404/76 às sociedades limitadas cujo contrato social tenha instituído a regência supletiva do regime das sociedades anônimas.

Assim, não poderá o administrador delegar seus poderes a terceiro ou a sócio. Tampouco poderá a assembleia ou a reunião de quotistas delegar ao administrador os poderes decisórios que lhe são atribuídos pelo Código (CC 1.070) ou pelo contrato social. Os poderes do administrador restringem-se à representação da sociedade e às decisões relativas ao curso ordinário dos negócios.

Da constituição de mandatários da sociedade – A vedação à delegação dos poderes dos administradores da sociedades limitadas (CC 1.018 e art. 139 da lei n. 6.404/76) não obsta a que a sociedade, representada por seus administradores, venha a constituir mandatários para a prática de atos específicos de administração. A possibilidade de constituição de mandatários da sociedade é expressamente prevista tanto no CC 1.018, aplicável subsidiariamente às sociedades limitadas que optarem pela regência supletiva das regras das sociedades simples, quanto no art. 144, parágrafo único, da Lei n. 6.404/76, aplicável às limitadas regidas supletivamente pelo regime das companhias.

Não se trata aqui da delegação de poderes de um administrador a um terceiro por ele escolhido, por meio de um ato unilateral seu, mas sim de um negócio jurídico bilateral (mandato), em que há duas partes – mandante (sociedade) e o mandatário -, tendo por escopo estabelecer o poder de representação da sociedade para a prática de determinados atos de administração.

O mandatário não é delegado do administrador que representou a sociedade no ato de sua constituição. É a sociedade que age por meio de seu órgão de representação (o administrador), para constituir seu mandatário por mio do instrumento de procuração próprio.

O negócio jurídico bilateral do mandato pressupõe a existência de duas pessoas, a sociedade e o procurador, e o encontro de vontade de ambos, regendo-se pelos CC 653 e ss. do Código. Não se confunde com a representação orgânica da sociedade, onde há apenas uma pessoa, a sociedade, corporificada por seu órgão (o administrador), e que por meio dele manifesta sua vontade externamente.

Para a constituição do procurador da sociedade é essencial o instrumento de mandato, que deve especificar os poderes a ele conferidos (CC 1.018 e art. 144, do parágrafo único, da Lei n. 6.404/76). Esse instrumento de procuração somente poderá ser firmado por administrador que tenha poderes de representação para outorga de procurações, de acordo com o contrato social. Sendo o mandato outorgado pela sociedade, não é necessário que o administrador que firma a procuração tenha os poderes e atribuições especificamente outorgados ao procurador. Não há relação entre os poderes e atribuições do outorgado e os poderes e atribuições do administrador que representa a sociedade no ato da outorga. Note-se, outrossim, que o mandato outorgado ao procurador da sociedade é totalmente desvinculado da pessoa do administrador orgânico que firmou a procuração, podendo não coincidir um e outro. A extinção do mandato dar-se-á consoante as normas previstas no Código Civil de 2002 que regem o mandato (CC 653 e ss.).

Da responsabilidade dos administradores da sociedade limitada na vigência do Decreto n. 3.708/19, da responsabilidade dos administradores vinha tratada nos arts. 10, 11 e 14. Os sócios-gerentes não tinham qualquer responsabilidade pelos atos que praticassem na administração da sociedade quando exercidos regularmente, nos limites de seus poderes e sem violação da lei ou do contrato social. Tornavam-se, no entanto, solidária e ilimitadamente responsáveis perante a sociedade e terceiros quando violassem a lei ou o contrato social, ou ainda quando agissem com excesso de mandato (art. 10 do Decreto n. 3.708/19).

Essas hipóteses de responsabilidade pessoal dos gerentes elencadas no referido art. 10 do Decreto n. 3.708/19 giravam em torno de atos que fossem abusivos lato sensu, ou seja, atos praticados fora do exercício regular da administração.

Dentro desses atos abusivos lato sensu, pode-se distinguir os praticados com desvio ou abuso de poder, que se caracterizam quando o gerente, embora não agindo com violação da lei ou do contração social, e praticando ato formalmente inquestionável, extrapola a finalidade dos poderes de administração conferidos pela lei, ferindo seu espírito, representando um ato frei legis e não contra legem.

Por outro lado, também na categoria de atos abusivos lato sensu, distinguem-se os praticados com excesso de poder, em que o gerente não exerce com moderação as prerrogativas que lhe são atribuídas pela lei ou pelo contrato social, fazendo-o contrariamente ao interesse da sociedade, de seus sócios ou de terceiros. Trata-se de um ato contra legem. Nesses casos incluem-se, v.g., os chamados ultra vires, ou seja, praticados fora do objeto social.

O art. 11 do Decreto n. 3.708/19 completava a disposição do art. 10, impondo aos gerentes a responsabilidade pessoal pelas perdas e danos provocados à sociedade ou a terceiros por atos praticados com uso indevido ou desvio da firma social, sem prejuízo da eventual responsabilidade criminal cabível. Esses atos acabavam correspondendo às mesmas hipóteses de abuso ou excesso de poder referidos.

E o art. 14 do Decreto n. 3.708/19 exonerava o gerente de responsabilidade pelos atos por ele praticados pessoalmente, sem fazer uso da firma social, se fossem contraídos em benefício da sociedade e dentro dos limites dos poderes de gerência. Esses eram considerados atos da sociedade, cabendo a pessoa jurídica a respectiva responsabilidade.

Nos termos do art. 10 do Decreto n. 3.708/19, os sócios não respondiam pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas eram responsáveis “para com esta e para com terceiros, solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei”. Estando fixada a solidariedade do gerente com a sociedade, impossível não concluir que esta ficava obrigada perante terceiros pelos atos por este praticados com violação do contrato social, dentre os quais se encontravam os atos ultra vires, já que estes importam necessariamente em violação do contrato social.

Com efeito, tais atos, estado fora, estado fora do âmbito de abrangência do objeto social e representado operações não compreendidas nos negócios para os quais a sociedade foi constituída, representavam infração ao contrato social, devendo a sociedade por eles responder solidariamente com o gerente perante os terceiros (art. 10).

Os atos do gerente praticados fora do objeto social obrigavam a sociedade, que não podia opor ao terceiro qualquer exceção contra sua eficácia. Porém, se a sociedade viesse a satisfazer a obrigação assumida para com o terceiro, ou indenizá-lo pelas perdas e danos decorrentes do ato do gerente, teria contra este ação de regresso, em razão da solidariedade fixada pelo art. 10 do Decreto n. 3.708/19.

Igual tratamento mereciam, na vigência do diploma de 1919, os atos praticados pelos gerentes que, embora estando dentro do objeto social, excediam os limites ou restrições fixados pelo contrato social a seus poderes, e que, portanto, importavam em violação do contrato social, pela qual respondiam solidariamente a sociedade e o gerente (art. 10 do Decreto n. 3.708/19).

Embora a jurisprudência não fosse pacifica a respeito, o entendimento decorrente do texto do art. 10 do Decreto n. 3.708/19, que impunha a solidariedade entre o gerente e a sociedade nos casos ali previstos, é o de que prevalecia o princípio da aparência, sendo inoponível a terceiros quaisquer restrições do contrato social aos poderes do gerente. Essas restrições prevaleciam apenas nas relações entre o gerente e a sociedade, mas não entre a sociedade e os terceiros. Ficava a sociedade responsável perante estes por quaisquer atos do gerente que violassem o contrato social.

Da responsabilidade da sociedade pelos atos ultra vires e pelos atos praticados com violação dos poderes do administrador no contrato social – Os administradores são responsáveis perante a sociedade pelos atos por eles praticados com violação da lei ou do contrato social, ou mesmo por aqueles atos que, mesmo não implicando tais violações, representem abuso de poder ou desvio de finalidade em prejuízo da sociedade, de seus sócios ou de terceiros. Cabe analisar, ainda, em que medida a sociedade pode ser compelida a responder por tais atos dos administradores.

A solução dada pelo Decreto n. 3.708/19 para os atos ultra vires e os praticados com violação às restrições de poderes do administrador contidas no contrato social era a de responsabilizar não apenas os administradores, mas também a sociedade por esses atos, por força da disposição expressa do art. 10 do diploma de 1919, muito embora houvesse alguma divergência doutrinária e jurisprudencial a respeito.

A solução do Decreto n. 3.708/19, no entanto, não era a mesma da Lei de Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76), que não contém disposição expressa sobre a responsabilidade da sociedade pelos atos praticados pelo administrador com violação do objeto social ou dos poderes a ele concedidos pelo estatuto.

Sob a égide da Lei n. 6.404/76 se poderia entender, em princípio, que os atos ultra vires ou os praticados com violação das restrições de poderes contidas no contrato social não obrigariam a sociedade. Isso porque o administrador somente atuaria como órgão da sociedade quando agisse dentro dos limites da atividade para a qual a sociedade foi constituída, representados pelo objeto social, e dentro das limitações de poderes que lhe são impostas pelo estatuto social. Ademais, tendo em vista o regime de publicação oficial (CC 289) e de publicidade, que é representado pelo arquivamento no Registro do Comércio do estatuto social e respectivas alterações, bem como das atas de assembleias gerais e reuniões do conselho de administração de natureza relevante, existiria a presunção de conhecimento pelos terceiros dessas restrições estatutárias.

Este rígido entendimento, no entanto, não prevalece, tendo sido abrandado pela doutrina e pela jurisprudência com a construção da teoria da aparência, com vistas à proteção do terceiro de boa fé, pela qual se proíbe à companhia alegar a ineficácia dos atos de seus administradores perante terceiros quando se verificar que, a despeito das restrições estatutárias dos poderes do administrador, não é razoável supor, à vista das circunstâncias, que o terceiros (de boa fé) verifique antes os atos societários da companhia para só então confiar em sua representação pelo administrador. Ademais, levava-se em conta a própria atitude da sociedade com relação a seu administrador, que pode, em certas circunstâncias, levar o terceiro de boa fé a crer na existência dos poderes de representação deste último.

O CC 1.015, parágrafo único, traz regra até então inexistente em nosso ordenamento jurídico, que define os casos em que se podem considerar ineficazes perante a sociedade os atos praticados pelo administrador em seu nome se: (i) o ato resultar de infração à limitação de poderes do administrador que se encontrar devidamente inscrita ou averbada no Registro do Comércio; (ii) o terceiro tinha, por qualquer meio, conhecimento de que o administrador agia com excesso de poderes; ou, ainda, (iii) a operação resultante do ato do administrador era evidentemente estranha ao objeto social.

Nessas hipóteses o terceiro prejudicado teria apenas ação de reparação pelos danos sofridos contra o administrador (CC 1.016) que se desviou de sua conduta, não havendo, em princípio, responsabilidade da sociedade. Cumpre ressaltar que o referido CC 1.015, parágrafo único, aplica-se não apenas às sociedades limitadas que tenham optado pela regência supletiva das regras das sociedades simples, mas também, por analogia, às que forem regidas supletivamente pela Lei das Sociedades Anônimas. Isto porque essa lei não contém nenhum dispositivo a respeito, sendo o Código Civil, nesse ponto, supletivo à própria Lei de Sociedades Anônimas (CC 1.089) e, por via indireta, também aplicável às sociedades limitadas regidas subsidiariamente pela Lei do Anonimato.

Cabe, então, analisar em que termos a sociedade limitada pode desobrigar-se pelos atos praticados por seus administradores com excesso de poderes. Para que possam ser considerados ineficazes perante a sociedade os atos praticados com excesso de poderes por seus administradores nas hipóteses trazidas pelo CC 1.015, parágrafo único, é necessária a configuração de uma das situações ali admitidas, não sendo necessário o concurso de mais de uma delas para que se tome o ato do administrador como ineficaz perante a sociedade.

Em regra, o CC 1.015, parágrafo único, deve se aplicado. Porém, tendo em vista a proteção dos terceiros de boa fé que contratam com a sociedade, e com fundamento na teoria da aparência, cabe à jurisprudência interpretar essa regra para que não se cometam graves injustiças contra terceiros de boa fé.

Com efeito, o apego ao texto literal do CC 1.015 levaria, em muitos casos, a uma situação de extrema injustiça material, impondo-se ao terceiro de boa-fé que contrata com a sociedade, em qualquer situação, o ônus de, antes de firmar qualquer compromisso, vir a certificar-se da averbação dos atos societários no registro competente, o que não parece razoável em toda e qualquer circunstância.

A solução para a justa interpretação do dispositivo parece estar na compatibilização do parágrafo único do CC 1.015 com a regra geral do CC 422, que impõe aos contratos o princípio da boa-fé. Trata-se, aqui, da boa fé objetiva, entendida como um dever de conduta leal na conclusão do contrato, que pode impor ou então dispensar o terceiro que contrata com a sociedade, em vista das circunstâncias concretas da contratação, a prudência ou não de analisar previamente seus atos constitutivos, suas alterações e respectivo registro, para só então contratar com a sociedade.

Dessa forma, pelo princípio da boa-fé objetiva (CC 422), não se pode exigir do terceiro o dever de certificar-se acerca dos poderes conferidos aos administradores no contrato social e o respectivo registro quando se tratar de atos ordinários de gestão da sociedade, especialmente nos atos celebrados em massa, ou nos de adesão, ou mesmo nos negócios singulares praticados no recinto de seus estabelecimentos empresariais dentro da rotina da administração e da atividade empresarial da sociedade. Protege-se, dessa forma, a boa-fé subjetiva do terceiro, ou seja, seu estado de ignorância, tolerado pelo direito em benefício da segurança jurídica dos negócios celebrados pela empresa, não obstante a falta de poderes do administrador para a prática do ato em questão. Em tais hipóteses, portanto, deve prevalecer a teoria da aparência.

Já naqueles atos de administração extraordinária, presume-se que o terceiro que contrata com a sociedade terá a diligência e a cautela necessárias, certificando-se da existência dos poderes contratuais de representação do administrador. Ademais, presume-se a cautela do terceiro quando este, em razão de sua profissão ou organização empresarial, deva ter conhecimento dos limites dos poderes de representação do administrador. Neste último caso, ainda que se trate de ato de gestão ordinária, o terceiro profissional ou empresa dedicada à prática dos negócios em questão não pode arguir boa fé subjetiva para impor a eficácia de ato à sociedade. Resulta, nesses casos, que a sociedade não responde pelos atos do administrador praticados com excesso ou desvio de poder. (Antônio Junqueira de Azevedo e Modesto de S Barros Carvalhosa, encontrado no books.google.com.br, livro Comentários ao código civil v. 13, art. 1.064, acessado em 29.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.065. Ao término de cada exercício social, proceder-se-á à elaboração do inventário, do balanço patrimonial e do balanço de resultado econômico.

No ritmo de Marcelo Fortes Barbosa Filho, o exercício da administração precisa ser transparente, conferindo-se credibilidade e segurança acerca da lisura dos negócios celebrados e das práticas adotadas. Atendendo a tal necessidade, para padronizar e regrar a prestação de contas da gestão social, algumas demonstrações contábeis específicas tornaram-se obrigatórias, impondo, no âmbito das sociedades limitadas, o dever dos administradores de promover sua elaboração e viabilizar sua consulta. Dentre os principais direitos inerentes à qualidade de sócio estão incluídos o de fiscalizar e o de avaliar a gestão, não apenas considerados atos isolados, mas, também, tendo em conta o conjunto das operações realizadas, o que só se concretiza, de maneira mais eficaz, com a análise dos documentos enfocados. Há de ser elaborado, em primeiro lugar, um inventário de todo o ativo, o que engloba tanto os bens de uso permanente quanto aqueles destinados à transformação ou comercialização, compondo uma enumeração consolidada com a avaliação de cada um de seus itens. É preciso, em segundo lugar, como for reproduzido pelo CC 1.179, compor um balanço patrimonial, expondo, considerada a data da apuração feita, a situação patrimonial completa da pessoa jurídica, quantificados e discriminados, em categorias contábeis, o ativo e o passivo, incluindo todos os créditos e todas as dívidas existentes. Em terceiro lugar, exige-se a formulação de um balanço de resultado econômico, a que corresponde um demonstrativo de lucros e prejuízos auferidos no correr do exercício, instrumento essencial para que seja possível deliberar sobre a destinação de tais valores, que, respeitado o disposto no contrato social, deve ser endereçado, formando ou extinguindo reservas e distribuindo ganhos ou perdas. A apresentação de tais demonstrações contábeis ocorre sempre ao final de cada exercício social, tal como demarcado pelo contrato inscrito, podendo, ou não, haver coincidência com o exercício fiscal. Quando os administradores deixarem de promover a elaboração das demonstrações assinaladas, restará configurada uma falta grave, passível de responsabilização. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1053. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, nenhuma alteração foi promovida no enunciado desta norma na tramitação do projeto no Congresso Nacional. O Decreto n. 3.708/19 nada dispunha sobre a contabilidade e a elaboração do balanço patrimonial na sociedade limitada, obrigações estas que eram reguladas pelos atos 10 a 14 do Código comercial de 1850.

Finalizando o capítulo, Ricardo Fiuza em sua doutrina, constitui princípio fundamental do direito societário que os administradores devem prestar contas dos atos da administração em particular no que tange aos resultados anuais da sociedade para conhecimento aos demais sócios. Assim, essa norma expressamente prevê a obrigatoriedade de levantamento do balanço patrimonial no encerramento de cada exercício anual, devendo ser realizado o inventário físico dos bens do ativo da sociedade e a elaboração das contas de resultado econômico, representadas pelas demonstrações financeiras do respectivo exercício. Os CC 1.179 a 1.195 estabelecem as normas gerais de contabilidade e escrituração aplicáveis às sociedades empresárias. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 554, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na interpretação dos autores Antônio Junqueira de Azevedo e Modesto de S Barros Carvalhosa, o Decreto n. 3.708/19 não continha regras sobre a prestação de contas dos sócios-gerentes. Embora fosse silente a lei a respeito, diante do princípio geral de que todo aquele que administra bens de terceiro deve prestar contas da sua administração, sempre se entendeu indispensável essa prestação de contas nas limitadas, para que todos os sócios fossem informados da forma pela qual foi gerido o capital por eles investido, da situação do patrimônio da sociedade, bem como da evolução dos resultados obtidos pela administração em determinado período da atividade social. Assim, cabia ao contrato social da sociedade limitada determinar a forma, o modo e o tempo da prestação de conta dos sócios-gerentes.

O revogado Código Comercial de 1850, em seu art. 293, determinava que os sócios administradores das sociedades comerciais eram obrigados a prestar contas justificadas da sua administração a outros sócios, mas não dispunha sobre a forma como deveriam ser prestadas essas contas. A Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76), por seu turno, trouxe regramento detalhado sobre as contas que os administradores eram obrigados a elaborar e submeter à aprovação dos acionistas, regulando a matéria em seus arts. 176 a 188, e determinou que anualmente, nos quatro primeiros meses após o término do exercício social, a assembleia geral ordinária dos acionistas se reunisse para apreciar as contas dos administradores (art. 132, I e II), as quais deveriam ser postas à disposição dos acionistas na sede da companhia (juntamente com o relatório da administração sobre os negócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo, o parecer do conselho fiscal incluindo votos dissidentes, se houvesse), mediante a publicação de avisos, na forma do art. 124, com um mês de antecedência da assembleia geral (art. 133).

Tendo sido a Lei de Sociedades Anônimas supletiva do revogado Decreto n. 3.708/19, aplicavam-se às sociedades limitadas as referidas regras acerca da elaboração e aprovação das contas dos administradores pelos sócios, com as adaptações necessárias em razão do tipo societário e do porte da empresa, admitindo-se que o contrato social dispusesse de forma diversa.

Da prestação de contas dos administradores das sociedades limitadas no Código Civil de 2002 – O imperativo do presente artigo destina-se, obviamente, à administração. É ela a responsável pela elaboração das contas de inventario, balanço patrimonial e balanço de resultado econômico que devem ser prestadas ao final de cada exercício social aos sócios da sociedade limitada.

O Código civil de 2002, nesse ponto, inova, com relação ao decreto de 1919, ao trazer, no capítulo concernente às sociedades limitadas, dispositivo expresso acerca da obrigação dos administradores de prestar contas dos seus atos ao término de cada exercício social. E inova, ainda, ao trazer regramento próprio acerca da escrituração das sociedades em geral, aplicável também às limitadas, pretendendo, com isso, sobrepor-se às disposições da Lei de Sociedades Anônimas, as quais, na ausência de disciplina específica sobre a matéria, aplicavam-se, por analogia, a todas as demais sociedades comerciais.

Essa inovação, no entanto, representa na verdade grande retrocesso na matéria referente à elaboração das contas da sociedade. Isso porque, devido ao longo processo legislativo a que se sujeitou o Código Civil de 2002, a redação aos seus CC 1.179 a 1.195 encontra-se já defasada, espelhando a mesma terminologia empregada pela Lei de Sociedades Anônimas anterior à Lei n. 6.404/76 (Decreto-Lei n. 2.627/40). Ademais, o regramento trazido pelo Código Civil de 2002 não é tão completo quanto o da Lei n. 6.404/76, faltando-lhe uma série de minúcias já fartamente dispostas na Lei do Anonimato. Um exemplo claro é o tratamento da forma de elaboração do balanço patrimonial e do balanço de resultado econômico ou demonstração de lucros e perdas (CC 1.188, parágrafo único, e CC 1.189), que no diploma de 2002 são legados à lei especial, olvidando-se a regulação já existente na Lei das Sociedades Anônimas.

Da prestação de contas anuais à assembleia geral ou reunião de quotistas (CC 1.078) – A administração da sociedade elaborará as contas do balanço patrimonial (CC 1.188), balanço de resultado econômico (CC 1.189) e o inventário do ativo e do passivo social (CC 1.187), devendo submetê-las à aprovação da assembleia geral ou reunião de quotistas (CC 1.071, I) dentro do período de quatro meses que sucede ao término de cada exercício social (CC 1.078)

O conceito de exercício social está intimamente ligado à ideia de prestação de contas e de distribuição de resultados. De fato, de uma forma simples poderíamos dizer que é no término do exercício social que se reúnem os sócios para saber quais os resultados dos negócios realizados durante o período então findo, examinar a prestação de contas dos administradores e deliberar sobre a quantia que cada um pode retirar a título de lucro. (Antônio Junqueira de Azevedo e Modesto de S Barros Carvalhosa, encontrado no books.google.com.br, livro Comentários ao código civil v. 13, art. 1.065, acessado em 29.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).